sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Missionários da Sagrada Família

Formar missionários  na escola de Nazaré

No dia 27 de setembro de 1895 chegava à pequena cidade de Grave (Holanda), vindo das montanhas onde cinquenta anos antes a mãe de Jesus havia aparecido a duas crianças analfabetas e bóias-frias, um velho missionário francês. Com 55 anos de idade e uma saúde historicamente frágil, o Pe. João Berthier, Missionário Salettino, chegava à sua nova pátria com uma pequena maleta, poucas coisas nas mãos e um grande desejo no coração: evitar que as vocações missionárias pobres e com idade acima do limite estabelecido pela Igreja se perdessem, oferecendo-lhes uma formação inspirada na Sagrada Família de Nazaré.
O velho quartel, hoje transformado em prédio de apartamentos
Numa visita anterior à cidade o ardoroso missionário, em cuja alma estavam gravadas e pulsavam as palavras que Maria dissera ao se despedir das duas crianças, no dia 19 de setembro de 1846 (“anunciem isso a todo o meu povo!”), havia escolhido a dedo a tenda que abrigaria seu sonho: um casarão abandonado, que, num passado já distante, havia abrigado tropas militares e, posteriormente, era usado como abrigo para o gado no duro inverno holandês. Aquele velho quartel abandonado lembrava a gruta/estábulo de Belém... Assim começava a história dos Missionários da Sagrada Família...
Os primeiros jovens e adultos que chegaram, vindos de diversos países da velha e tumultuada Europa, tiveram que botar as mãos na massa e preparar eles mesmoas a casa que os acolheria. Alguns se assustaram com a miserabilidade do prédio, deram meia-volta e desapareceram. Outros não permaneceram senão alguns meses. Alguns anos mais tarde, refletindo com os primeiros missionários e os jovens candidatos a frustração de alguns, o ousado Fundador dizia, com radicalidade e humor:
Quando ocorre que chegam à noite, não há problema, mas no dia seguinte, quando observam as paredes, não escondem a decepção. E tais pessoas pretendem ser missionários! Que tipo de missionários?! Serão capazes de sacrifício quando deverão anunciar o Evangelho aos infiéis, inclusive ao preço da própria vida? São pessoas a propósito das quais meus antigos professores diziam que, quando chegam, devemos rezar um “Vem Espírito Santo”, e, quando partem, devemos rezar um “Te Deum”.  (28.03.1906)
Ele levava a sério alguns aspectos vividos pela Sagrada Família de Nazaré.  “Trata-se de compreender que é necessário se esforçar para assmilar o espírito da Sagrada Família, pois aqui temos alguns que não compreendem as graças que o bom Deus lhes oferece nessa Casa. Alguns pensam que a casa não apresenta nenhuma beleza, e se permitem até de julgar ou criticar nosso estilo de vida. (...) Eu pergunto: vocês vieram aqui por causa da casa? (...) Se vocês não buscassem senão o bom Deus, teriam dito: “Nós procuramos um estilo de vida laboriosa, pois eu escutei nosso Senhor dizer ‘Se queres seguir-me...’”  (12.01.1905)
Pouco mais de dois anos antes da sua morte, num momento de formação, o Pe. Berthier insistia na originalidade do estilo de vida que estava propondo, e desafiava os aspirantes e junioristas: “Se os outros religiosos constróem grandes casas e belas capelas, se as enfeitam com belos ornamentos, se se permitem certas coisas, nós não os condenamos. Mas como somos chamados a imitar a Sagrada Família, não podemos imitá-los nisso. Portanto, que este tipo de coisa desapareça da nossa casa. Quem ama sua vocação e quiser conservá-la deve se formar e se deixar formar no espírito desta Casa. Quem não quiser assumir isso como meta da sua vida, deveria fazer as malas e deixar de ser um estranho no ninho.”  (09.02.1906)

Cemitério onde jazem, em Grave, alguns dos primeiros MSF
Não se tratava de moralismo ou pauperismo anti-modernista, mas de espiritualidade e de evnagelho. No dia 28 de março de 1906, Berthier dizia com convicção: “Quando alguém deseja ser religioso e missionário, deve ser generoso e não se preocupar se as paredes são bem decoradas ou não. Isso faz mal aos filhos da Sagrada Família, a quem tem por modelo Jesus, Maria e José. Pois sabemos que eles passaram a vida numa pobre casa em Nazaré, e viveram na pobreza e no trabalho.” E concluía convidando a pedir a São José que os ajudasse a assimilar o espírito desta vocação e que afastasse aqueles que resistiam a deixar-se formar sob esse celeste modelo.

Mais de cem anos se passarem e os tempos mudaram. Mudou também o Evangelho? Celebrando o aniversário de nascimento da nossa pequena Congregação missionária, meditemos nesse pedido do Fundador, expresso um ano antes da sua morte: “Oxalá aqueles que mais tarde serão responsáveis pelas demais Comunidades evitem fazer gastos inúteis, como com a decoração e embelezamento de uma casa e outras futilidades. Que em nossas casas todos vivam modestamente, no espírito da Sagrada Família. Não nos preocupemos com a beleza exterior nem mesmo das nossas capelas, pois se estamos sentados sob uma tenda e sobre um banco, sempre estamos diante do Senhor” (29.10.1907).

Itacir Brassiani msf

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