quinta-feira, 30 de agosto de 2018

O Evangelho dominical - 02.09.2018


A QUEIXA DE DEUS

Um grupo de fariseus da Galileia aproxima-se de Jesus em atitude crítica. Não vêm sós. Acompanha-os alguns escribas vindos de Jerusalém, preocupados, sem dúvida, em defender a ortodoxia dos simples camponeses das aldeias. Para eles, a atuação de Jesus é perigosa. Convêm corrigi-la.
Observaram que, em alguns aspectos, os seus discípulos não seguem a tradição dos mais velhos. Apesar de falarem do comportamento dos discípulos, a pregunta é dirigida a Jesus, pois sabem que é Ele que lhes tem ensinado a viver com aquela liberdade surpreendente. Porquê?
Jesus responde-lhes com umas palavras do profeta Isaías que iluminam muito bem a Sua mensagem e a Sua atuação. Estas palavras, com as que Jesus se identifica totalmente, temos de as escutar com atenção pois tocam em algo muito fundamental da nossa religião. Segundo o profeta de Israel, esta é a queixa de Deus.
“Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim”. Este é sempre o risco de toda a religião: dar culto a Deus com os lábios, repetindo fórmulas, recitando salmos, pronunciando palavras bonitas, enquanto o nosso coração “está longe Dele”. No entanto, o culto que agrada a Deus nasce do coração, da adesão interior, desse centro íntimo da pessoa de onde nasce as nossas decisões e projetos.
Quando o nosso coração está longe de Deus, o nosso culto fica sem conteúdo. Falta-lhe a vida, a escuta sincera da Palavra de Deus, o amor ao irmão. A religião converte-se em algo exterior que se pratica por hábito, mas em que faltam os frutos de uma vida fiel a Deus.
A doutrina que ensinam os escribas são preceitos humanos. Em toda a religião há tradições que são humanas. Normas, costumes, devoções que nasceram para viver a religiosidade numa determinada cultura. Podem fazer muito bem. Mas fazem muito mal quando nos distraem e afastam do que Deus espera de nós. Nunca dever ter a primazia.
Ao terminar a citação do profeta Isaías, Jesus resume o Seu pensamento com umas palavras muito graves: “Vós deixais de lado o mandamento de Deus para agarrarem-se à tradição dos homens. Quando nos agarramos cegamente a tradições humanas, corremos o risco de esquecer o mandamento do amor e desviamo-nos de seguir a Jesus, Palavra encarnada de Deus. Na religião cristã, em primeiro deve estar sempre Jesus e o seu chamamento ao amor. Só depois vêm as nossas tradições humanas, por muito importantes que nos possam parecer. Não temos de esquecer nunca o essencial.
José Antonio Pagola
Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

ANO B – VIGÉSIMO-SEGUNDO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 02.09.2018


O Evangelho é muito mais importante que qualquer costume!
A fidelidade de Deus à sua misericórdia e compaixão pela humanidade nos interpela a assumir nossa própria responsabilidade pelos males que a ferem e a reverter nossas prioridades, quase sempre muito estreitas ou egoístas. E um dos primeiros passos que precisamos dar é romper com algumas práticas que adquiriram força de tradição e de verdade: a ilusão de que a fé pode ser vivida sem ligação com a vida concreta; a mania de pedir que Deus mude o mundo milagrosamente, sem nosso empenho; a hipocrisia de ostentar publicamente uma retidão e uma autenticidade que não vão além da própria pele; o mito de que a única saída para os problemas sociais é cada um cuidar de si mesmo...
O amor solidário e compassivo de Deus, manifestado e atestado definitivamente em Jesus Cristo, não muda jamais. E não muda também o amor como único caminho possível para um outro mundo. O apóstolo Tiago insiste: “Ele nos gerou por meio da Palavra da verdade para que nos tornássemos as primeiras dentre as suas criaturas.” E acrescenta: “Religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso Pai, é esta: socorrer os órfãos e as viúvas em aflição e manter-se livre da corrupção do mundo.” Nosso batismo expressa esta vocação dos cristãos: ser os primeiros a viver o amor como princípio, meio e fim.
Quando falamos em amor não estamos nos referindo a um vago sentimento interior, mas a um dinamismo envolvente, que encontra em Jesus sua máxima expressão e concretude: trata-se de reconhecer os outros em sua dignidade, de valorizar sua verdade e atender suas necessidades. E isso comporta decisões e ações concretas que passam longe do medo de não sujar as mãos, que nos envolvem em lutas, que nos levam a compartilhar os sofrimentos e humilhações que decorrem disso.  É isso que significa manter-se livre da corrupção, socorrer os órfãos e as viúvas, como diz o apóstolo Tiago.
É lamentável observar que inda hoje alguns cristãos, inclusive consagrados e ordenados, estejam mais preocupados com a limpeza das mãos ou com a roupa adequada daqueles que se aproximam da eucaristia que com as fraturas, divisões e injustiças que ferem o corpo de Cristo no corpo dos homens e mulheres humilhados e excluídos da mesa da vida. Eles priorizam a limpeza das toalhas, patenas e cálices, dão a máxima importância a panos e hábitos vistosos, mas pouco se importam com as atitudes verdadeiramente anti-evangélicas que precisam ser combatidas e mudadas.
É esta a “lei” que os legistas e fariseus defendem diante da liberdade de Jesus e dos seus discípulos. “Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, pois comem o pão sem lavar as mãos?” A eles não interessa a partilha dos pães e peixes que alimentara uma multidão, mas o fato de que os discípulos e todo o povo tinham comido sem lavar as mãos. E o pior é que eles têm seguidores hoje, inclusive fora do âmbito religioso: pessoas que hoje querem salvar as leis do mercado à custa da fome que mata milhões. O caminho trilhado e proposto por Jesus de Nazaré é bem outra coisa.
A verdade é que alguns costumes irrelevantes e hábitos perniciosos vão conquistando uma importância cada vez maior e acabam aparecendo à nossa consciência como expressões da vontade de Deus. Quanta discussão sobre se é permitido receber a hóstia na mão ou não. E quanta polêmica em torno da prática de chamar leigos e leigas a proclamar o Evangelho numa celebração eucarística. Agora aflora o debate sobre o abraço da paz dentro da celebração eucarística. E sem falar na comunhão aos casais separados ou recasados. Tradições humanas que ocupam o lugar da vontade de Deus!
Jesus estabelece um princípio que orienta o discernimento de cada dia e em todos os casos: “O que vem de fora e entra na pessoa não a torna impura; as coisas que saem de dentro da pessoa é que a tornam impura.” O que nos torna puros ou impuros não é nossa condição social, nosso grau de estudo, nossos recursos e bens, nossa orientação sexual ou nossa pertença religiosa, mas as ações e decisões que tomamos, as relações que estabelecemos. “Pois é de dentro do coração das pessoas que saem as más intenções, como a imoralidade, roubos, crimes, adultério, ambições sem limites, maldades...”
Jesus, Palavra viva e libertadora nos altos e baixos história. Hoje tu nos pedes que não confundamos a Boa Notícia que liberta com nossas próprias doutrinas e interesses. Tu nos ensinas que não são os aspectos externos e sociais que nos fazem bons ou ruins aos olhos do teu e nosso Pai. Abre nossos olhos, nossos ouvidos e nosso coração à tua desestabilizadora Boa Notícia. Ajuda-nos a reinventar evangelicamente tua Igreja, tão devedora de tradições fossilizadas. E ajuda-nos a distinguir, entre os candidatos que se nos apresentam, os trapaceiros e falsos daqueles que tem compromisso com o povo. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Livro do Deuteronômio 4,1-8 * Salmo 14 (15) * Carta de SãoTiago 1,17-27 * Evangelho de São Marcos 7,1-23)

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

O Evangelho dominical - 26.08.2018


A PERGUNTA DECISIVA

O evangelho de João conservou a recordação de uma forte crise entre os seguidores de Jesus. Não temos dados. Apenas nos é dito lhes parece duro o Seu modo de falar. Provavelmente parecia-lhes excessiva a adesão que espera deles. Num determinado momento, “muitos discípulos retiraram-se e já não iam com Ele”.
Pela primeira vez Jesus percebe que as Suas palavras não têm a força desejada. No entanto não as retira, pelo contrário reafirma-as ainda mais: “As palavras que vos disse são espírito e vida, mas alguns de vós não acreditam”. Suas palavras parecem duras, mas transmitem vida, fazem viver, pois contêm Espírito de Deus.
Jesus não perde a paz. Não o inquieta o fracasso. Dirigindo-se aos Doze faz-lhes a pergunta decisiva: “Também vós quereis partir?” Não os quer reter pela força. Deixa-lhes a liberdade de decidir. Os Seus discípulos não hão de ser servos, mas amigos. Se querem, podem voltar a suas casas.
Uma vez mais, Pedro responde em nome de todos. A sua resposta é exemplar. Sincera, humilde, sensata, própria de um discípulo que conhece Jesus o suficiente como para não o abandonar. A sua atitude pode todavia hoje ajudar a quem com fé vacilante pondera prescindir de toda a fé.
“Senhor, a quem iríamos?” Não tem sentido abandonar Jesus de qualquer forma, sem encontrar um mestre melhor e mais convincente. Se não seguem Jesus, ficarão sem saber a quem seguir. Não devem precipitar-se. Não é bom ficar sem luz nem guia na vida.
Pedro é realista. É bom abandonar Jesus sem ter encontrado uma esperança mais convincente e atrativa? Bastará substitui-lo por um estilo de vida rebaixado, sem metas nem horizonte? É melhor viver sem perguntas, questões, nem busca de nenhum tipo?
Há algo que Pedro não esquece: “As Tuas palavras dão vida eterna” Sente que as palavras de Jesus não são palavras vazias nem enganosas. Junto Dele descobriram a vida de outra forma. A Sua mensagem abriu-lhes a vida eterna. Onde poderiam encontrar uma notícia melhor de Deus?
Pedro recorda, por último, a experiência fundamental. Ao conviver com Jesus descobriu que vem de Deus. De longe, à distância, desde a indiferença ou o desinteresse não se pode reconhecer o mistério que está em Jesus. Os Doze conviveram de perto. Por isso podem dizer: “Nós acreditamos e sabemos que tu és o Santo de Deus.” Seguirão junto a Jesus.
José Antonio Pagola
Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

ANO B – VIGÉSIMO-PRIMEIRO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 26.08.2018



Qual é a palavra que alimenta nossa fome de vida e dignidade?
O Evangelho de Jesus é, desde sempre e literalmente, boa notícia. Por isso, onde é anunciado e ouvido, produz alegria, como bem insiste o papa Francisco. Mas também provoca crise, e não apenas hoje. Não é possível crer em Jesus e seguir seu caminho sem romper com uma cultura centrada na competição, na esperteza, na indiferença e na dominação. Se não acontecer esta ruptura, a fé professada com os lábios acaba sendo negada pelas atitudes e valores, como vemos em alguns candidatos à presidência do Brasil. Jesus esclarece: “As palavras que vos falei são espírito e vida. Mas entre vós há alguns que não creem...”
O evangelho proposto para este domingo é parte do sexto capítulo de João. Tudo começou com a partilha dos pães e dos peixes entregues a Jesus por um jovem e partilhados com uma multidão. Entusiasmada com a abundância de alimento, a multidão quis transformar Jesus em rei, mas ele fugiu de fininho. Diante desta recusa de Jesus, os discípulos ficaram desorientados e pensaram em fugir. Mas Jesus foi ao encontro deles, no meio do mar agitado. E, depois disso, Jesus desenvolve uma longa catequese sobre o pão verdadeiro, o pão que nos alimenta verdadeiramente e merece ser buscado.
Esta longa reflexão sobre o pão que dá vida não tem nada de inocente, espiritualista ou inofensivo, e os discípulos o entenderam perfeitamente. Por isso, no fim da reflexão, disseram a Jesus que seu modo de falar era duro demais e que era difícil continuar ouvindo seu ensino. A razão da crise dos discípulos é seguir alguém que não aceita ser rei; que pede para renunciar à ambição individual de estar à sua direita ou à sua esquerda; que propõe a entrega de si mesmo como caminho de realização; que insiste que vulnerabilidade é força; que indica a atitude de servo como a mais nobre e digna do ser humano...
Sedentos de triunfo e de sucesso, muitos discípulos, frustrados e rebelados, abandonam o seguimento de Jesus. Sem se importar com isso, Jesus provoca ainda mais os discípulos já escandalizados, enfatizando que é próprio do ser humano descer, que quem é rebaixado é visto por Deus como o mais nobre e perfeito. A partir disso, muitos discípulos voltam atrás, e não andam mais com Jesus. Eles buscam um Enviado diferente, um Messias feito à medida dos interesses individuais e da própria classe. Sem receio de ficar só, Jesus enfrenta também os que permanecem: “Vocês também querem ir embora?”
A resposta a esta pergunta, que também é dirigida a nós, não pode ser da boca pra fora, da cabeça para cima; deve ser consciente, engajada e consequente. Pedro, em nome de um bom grupo de discípulos e de forma um pouco resignada, responde com uma pergunta: “A quem iremos, Senhor?” A resposta não vem da boca de Jesus, mas deve vir de um discernimento que nós mesmos devemos fazer. De minha parte, como Pedro, fico com Jesus Cristo e sua humanidade, com o Evangelho e sua liberdade, com o serviço aos irmãos e à sua dignidade. Não me reconheceria nem conseguiria viver fora desse horizonte...
Jesus é a Palavra de Deus feita carne solidária, e suas palavras são portadoras de dignidade e vida. Pedro entendeu bem: “Tu tens palavras de vida eterna.”  Ele sabia muito bem que, diante de Jesus, todos se descobrem pessoas dignas e capazes, conduzidas a uma liberdade sempre mais plena e exigente, portadores de uma vida cada vez mais plenificada, peregrinos de um caminho que liberta porque jamais termina. Mas não é possível ser cristão e, ao mesmo tempo, permanecer dentro das premissas da cultura individualista. Não podemos cair na tentação, sempre presente e forte, de adocicar e amenizar a mensagem de Jesus Cristo, submetendo-a ao nosso desejo de prosperidade e grandeza.
Crer em Jesus significa experimentar uma liberdade radical, capaz de promover a liberdade de quem convive conosco. Só quem foi libertado de tudo está em condições de servir. “Sejam submissos uns aos outros no amor de Cristo”, pede Paulo aos esposos e a todos os cristãos. Submissão (missão subalterna) significa estar à disposição do outro, e isso nos leva a assumir o fardo do outro, a ser substituto, a suportá-lo nas penas e sofrimentos, nos sonhos e buscas. Paulo aplica isso à relação entre marido e mulher, mas a reciprocidade no amor e no serviço se aplica a todas as relações. Eis a novidade cristã!
Jesus amado, Profeta temido por tua intrepidez, Pão que alimenta nossa fome mais profunda, Palavra que nos mantém no belo e difícil caminho da vida! Ensina-nos a encontrar a simplicidade profunda do teu Evangelho e a vivê-lo com inocente e desarmada alegria. Ajuda-nos a viver a submissão e o serviço recíprocos e a fazer disso uma pequena mas persistente diferença. Ilumina e fortalece nossos catequistas: que eles experimentem paradoxal glória de descer ao encontro dos mais pobres, para ser tua Boa Notícia para eles, e conduzir ao teu encontro as pessoas a eles confiadas. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Livro de Josué 24,1-2.15-18 * Salmo 33 (34) * Carta de Paulo aos Efésios 5,21-32 * Evangelho de São João 6,60-69)

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O Evangelho dominical (20º domingo do tempo comum)


ALIMENTAR-NOS DE JESUS

Segundo o relato de João, uma vez mais os judeus, incapazes de ir mais além do aspecto físico e material, interrompem Jesus, escandalizados pela linguagem agressiva que utiliza: «Como pode este dar-nos a comer a sua carne?». Jesus não retira a Sua afirmação, e ainda dá às Suas palavras um conteúdo mais profundo.
O núcleo da Sua exposição permite-nos entrar na experiência que viviam as primeiras comunidades cristãs ao celebrar a eucaristia. Segundo Jesus, os discípulos não só acreditarão Nele, como se alimentarão e irão nutrir a sua vida da Sua pessoa. A eucaristia é uma experiência central nos seguidores de Jesus.
As palavras que se seguem não fazem mais do que destacar o seu carácter fundamental e indispensável: «A Minha carne é verdadeira comida e o Meu sangue é verdadeira bebida». Se os discípulos não se alimentam Dele, poderão fazer e dizer muitas coisas, mas não deverão esquecer as Suas palavras: «Não tereis vida em vós».
Para ter vida dentro de nós precisamos alimentar-nos de Jesus, nutrir-nos do Seu alento vital, interiorizar as Suas atitudes e os Seus critérios de vida. Este é o segredo e a força da eucaristia. Só o conhecem aqueles que comungam com Ele e se alimentam da Sua paixão pelo Pai e do Seu amor aos Seus filhos.
A linguagem de Jesus é de grande força expressiva. A quem sabe alimentar-se Dele faz-lhe esta promessa: «Esse habita em mim e Eu nele». Quem se nutre da eucaristia experimenta que a sua relação com Jesus não é algo externo. Jesus não é modelo de vida que imitamos desde fora. Ele alimenta a nossa vida desde dentro.
Esta experiência de «habitar» em Jesus e deixar que Jesus «habite» em nós pode transformar a partir da raiz a nossa fé. Esse intercâmbio mútuo, esta comunhão estreita, difícil de expressar com palavras, constitui a verdadeira relação do discípulo com Jesus. Isto é segui-Lo sustentados pela Sua força vital.
A vida que Jesus transmite aos Seus discípulos na eucaristia é a que Ele mesmo recebe do Pai, que é Fonte inesgotável de vida plena. Uma vida que não se extingue com a nossa morte biológica. Por isso Jesus se atreve a fazer esta promessa aos Seus: «O que coma deste pão viverá para sempre».
Sem dúvida, o sinal mais grave da crise da fé cristã entre nós é o abandono tão generalizado da eucaristia dominical. Para quem ama Jesus é doloroso observar como a eucaristia vai perdendo o seu poder de atração. Mas é mais doloroso ainda ver que a partir da Igreja assistimos a este acontecimento sem nos atrevermos a reagir. Porquê?
José Antonio Pagola
Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez

ANO B – SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA – 19.08.2018


Maria é símbolo da humanidade libertada e solidária.
A Assunção de Nossa Senhora é uma festa mariana que, para as comunidades católicas do Brasil, está ligada à semana dedicada à vocação à vida religiosa. Mas aquilo que cremos sobre Maria não tem a ver exclusivamente com os religiosos e religiosas: de alguma forma, se refere a todos os homens e mulheres, à comunidade eclesial, ao povo de Deus. A glorificação de Nossa Senhora, que é a plena realização de sua vida e sua vocação em Deus, é interpelação e promessa extensivas a toda a Igreja e a todos os homens e mulheres. E isso é preanunciado na imagem que João vê aparecendo no céu.
Lucas apresenta Maria como uma mulher que sabe ouvir a Palavra libertadora de Deus e que está pronta a dar o melhor de si para que esta Palavra se realize na história. É alguém que ousou acreditar na força da Palavra e na fidelidade daquele que a pronuncia. Deus pôde realizar grandes coisas nela e através dela porque encontrou em Maria a base humana indispensável. Por isso, não fazemos bem quando a idealizamos e desumanizamos, tirando-a da história. Para fazer-se humano o Filho de Deus precisou de uma pessoa fundamentalmente humana, não de uma criatura angélica e desencarnada do mundo!
Depois da experiência de ser amada e chamada a gerar e dar à luz aquele que é a Luz do mundo, Maria vai apressadamente à casa de Isabel. Busca na família de Isabel e Zacarias um sinal que confirme a parceria de Deus com os humildes e oprimidos e a veracidade de suas promessas. A discípula se faz serva, a serva se mostra peregrina e a peregrina busca hospitalidade e testemunho na casa de Isabel. Abraçadas no amor de um Deus que não esquece sua misericórdia, na periferia de Jerusalém, duas mulheres louvam a Deus e profetizam publicamente. Maria contempla a história do seu povo e proclama a intervenção libertadora de Deus. A discípula, serva e peregrina se descobre profetiza destemida.
É importante não esquecer que Maria, esta mulher que foi elevada e assunta ao céu, não é apenas uma humilde trabalhadora do lar, uma pessoa discreta que acredita em Deus, uma doce e recatada esposa de um carpinteiro. Deus assume em corpo e alma e eleva à glória do céu alguém que rompe com os costumes que menosprezam a mulher e a mantêm calada, que diz uma palavra profética na arena pública, que proclama uma revolucionária intervenção de Deus num mundo patriarcal e opressor. Ela já havia usurpado o título masculino de “Servo de Deus” e agora ocupa seu lugar no rol dos profetas...
Por isso, Maria simboliza uma Igreja com traços femininos. Nela e com ela, a Igreja é chamada a construir-se como corpo que acolhe, aquece, alimenta, ensina, respeita e favorece o crescimento e o amadurecimento dos filhos e filhas. Uma Igreja institucionalmente rígida, fechada, autoritária, legalista e doutrinária tem pouca relação com a figura feminina de Maria. Com Maria e suas companheiras mulheres é possível construir uma Igreja que vive intensamente a alegria do Evangelho, que deixa de ser alfândega e tribunal para ser lar e enfermaria, que sai para acolher e cuidar, como quer o Papa.
Inspirada em Maria, a Igreja precisa criar espaços e condições favoráveis para o desenvolvimento de homens e mulheres maduros, livres, despojados, solidários e comprometidos com a salvação do mundo. Um corpo ou uma instituição que se impõe pelo medo e pela lei está condenado à esterilidade e nunca terá a graça de sentir os filhos e filhas saltarem de alegria no seu ventre. Será um corpo incapaz de conhecer a felicidade, e permanecerá um túmulo de homens e mulheres que não chegam a nascer verdadeiramente. Deus nos livre de uma Igreja com nome feminino mas com estruturas masculinas!
Na origem da vocação à vida consagrada está a experiência de um Deus que olha nos olhos e, sorrindo, nos chama pelo nome. Ou uma experiência como aquela de Maria e de Isabel: “Alegra-te, cheia de graça! O Senhor está contigo!” E então, a partir disso, os pés percorrem caminhos e o corpo estremece de alegria por receber inesperadamente a visita de Deus na própria casa. A vocação à vida religiosa não é primariamente um caminho de purificação moral ou de desprezo do mundo, mas a experiência de plenitude de uma graça que não cobra méritos: dar de graça aquilo que de graça se recebeu.
Maria, profetiza corajosa, mãe amorosa e discípula fiel do teu Filho: intercede junto a ele para que as pessoas que se consagram a Deus sejam ouvintes da Palavra, cresçam no serviço aos pobres e amadureçam na profecia. Que sejam fiéis ao chamado de proclamar com a vida e com palavras que nada pode ser colocado acima do amor pessoal a Jesus Cristo e aos pobres nos quais ele vive. Assim, ajudarão Jesus a vencer o mal que fere seus irmãos, e que não se reduz à luta contra a corrupção. E que se façam ativa e corajosamente presentes nos desertos, nas periferias e nas fronteiras. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Livro do Apocalipse 11,19; 12,1-6 * Salmo 44 (45) * 1ª Carta de Paulo aos Corintios 15,20-27 * Evangelho de São Lucas 1,39-56)

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

ANO B – DÉCIMO-NONO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 12.08.2018

Ainda temos um longo caminho a percorrer...
A humanidade de Jesus foi e continua sendo uma pedra de contradição e de escândalo, inclusive para muitos piedosos cristãos. Aceitá-la e sublinhá-la significa reconhecer o arcano desejo de Deus de se auto comunicar às suas criaturas, especialmente ao ser humano. Significa também ressaltar o dinamismo da compaixão que leva Deus a entrar definitivamente na condição humana e a se identificar com as dores e sonhos da humanidade. É isso que dá sentido pleno e profundo à ação de Jesus, quando alimentou a multidão cansada e faminta. E é isso que está no núcleo da catequese de Jesus sobre o pão da vida.
A longa discussão que Jesus mantém com seus discípulos e com as autoridades do judaísmo, depois de socorrer a fome do povo, está longe de ser uma simples catequese espiritual sobre sua presença real nas espécies eucarísticas. Na verdade, o que está em questão é o modo de conhecer e de agradar a Deus, de responder a seu filho Jesus Cristo: Cumprindo leis de forma mecânica? Obedecendo uma carroçada de normas e princípios morais? Celebrando ritos que passam à margem das estradas da vida? Fixando a atenção numa hipotética vida após a morte e desprezando os desafios da história?
Jesus se oferece como alimento que desce continuamente do céu e assume a carnalidade das dores e dos sonhos humanos. Ele não diz que é o pão que desceu do céu (no passado), mas o pão que desce permanentemente do céu (tempo presente). “Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (Jo 6,33). Tanto o verbo “descer” como o verbo “dar” estão no tempo presente e referidos à missão libertadora de Jesus. No horizonte do evangelho segundo João, “descer” é uma metáfora que aponta para a diminuição social, um aspecto central na vida de Jesus e de quem o segue.
O alimento que faz a diferença e que supera tanto o maná como a simples distribuição assistencialista de comida é a encarnação do Filho de Deus, sua humanidade compassiva. O que ele discute no evangelho de hoje não é sua origem divina ou humana, mas a nossa resistência em aceitar sua encarnação redentora. Assim, a fé em Jesus e a adesão ao dinamismo eucarístico não são uma espécie de subida a Deus, mas uma descida solidária ao encontro do humano. A comunhão com as dores e alegrias, tristezas e angústias dos homens e mulheres do nosso tempo é o único caminho que pode nos levar a Deus.
Jesus recorre aos profetas para enfatizar que é isso que precisamos aprender, que esta é a lição fundamental de Deus. Dizendo que todos serão discípulos de Deus, Jesus evita os estreitamentos ideológicos, étnicos ou eclesiásticos, e afirma a universalidade do caminho da vida. Quem cuida da vida dos outros está no caminho da vida eterna, e quem não aceita e não se engaja nessa missão não é discípulo de Deus, fecha-se à sua voz. Mais uma vez, a questão não é simplesmente crer ou não na presença real de Cristo no pão, mas escutar a Palavra que ele nos diz mediante sua contínua descida.
Jesus também não quer simplesmente opor a força de vida da sua descida, da humana compaixão, à insuficiência do maná. Ele lembra que o povo hebreu comeu do maná mas experimentou o malogro na realização do sonho de uma terra livre e sem males. E isso não ocorreu por causa da qualidade do maná, mas da atitude do povo, da sua incapacidade de ouvir e obedecer a Deus. Aqui está a novidade de Jesus Cristo: somente quem ouve sua Palavra e crê nele, quem se faz seu discípulo e se alimenta da sua humanidade, chega à meta da travessia e alcança a terra desejada e prometida.
Portanto, não podemos reduzir o discurso de Jesus sobre o pão vivo e verdadeiro à questão da sua presença real nas espécies do pão e do vinho, pois isso significaria empobrecer gravemente seu Evangelho. O que está em jogo não é o sacramento da eucaristia mas a irrecusável humanidade de Deus. Jesus nos convida a entrar na escola do discipulado e oferece sua Palavra como alimento para o longo caminho que nos espera. Paulo diz que chegaremos à meta deste caminho quando formos bons e compassivos uns com os outros, quando conseguirmos viver o amor e o dom recíprocos, a exemplo de Jesus, “que nos amou e se entregou a si mesmo a Deus por nós”.
Jesus amado, te agradecemos porque nos revelas que Deus é um pai com coração de mãe e te ofereces a nós como pão que desce e alimenta nossos sonhos e nos sustenta na luta para realizá-los. Aprendemos contigo e com pessoas grandes e generosas que é sendo bondosos, solidários e compassivos uns com os outros que seremos filhos e imitadores de Deus pai. Alimenta com teu humano corpo e tua Palavra todos os pais, e também nossos anelos de bem viver. Ajuda-nos a fazer de nossas famílias escolas de comunhão, compaixão e participação, espaços de renascimento e crescimento como homens e mulheres novos. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Segundo Livro dos Reis 19,4-8 * Salmo 33 (34) * Carta de Paulo aos Efésios 4,30-5,2 * Evangelho de São João 6,41-51)

O Evangelho dominical - 12.08.2018


ATRAÍDOS PELO PAI PARA JESUS

Segundo o relato de João, Jesus repete de forma cada vez mais aberta que vem de Deus para oferecer a todos um alimento que dá vida eterna. As pessoas não podem continuar a escutar algo tão escandaloso sem reagir. Conhecem os seus pais. Como pode dizer que vem de Deus?
A ninguém nos pode surpreender esta reação. É razoável acreditar em Jesus Cristo? Como podemos acreditar que neste homem concreto, nascido pouco antes da morte de Herodes o Grande e conhecido pela sua atividade profética na Galileia dos anos trinta, encarnou o Mistério insondável de Deus?
Jesus não responde às suas objecções. Vai diretamente à raiz da sua incredulidade: «Não continuais a murmurar». É um erro resistir à novidade radical da sua pessoa obstinando-se em pensar que já sabem tudo acerca da sua verdadeira identidade. Jesus indicará o caminho que podem seguir.
Jesus pressupõe que ninguém pode acreditar se não se sente atraído pela sua pessoa. É certo. Talvez, desde a nossa cultura, hoje o entendamos melhor. Não nos resulta fácil acreditar em doutrinas ou ideologias. A fé e a confiança despertam em nós quando nos sentimos atraídos por alguém que nos faz bem e nos ajuda a viver.
Mas Jesus adverte-os de algo muito importante: «Ninguém pode aceitar-me se o Pai, que me enviou, não se lho concede». A atração em direção a Jesus é produzida por Deus mesmo. O Pai que o enviou ao mundo desperta os nosso coração para que nos aproximemos de Jesus com gozo e confiança, superando dúvidas e resistências.
Por isso temos de escutar a voz de Deus no nosso coração e deixar-nos conduzir por Ele para Jesus. Deixar-nos ensinar docilmente por esse Pai, Criador da vida e Amigo do ser humano: «Todo o que escuta o Pai e recebe o Seu ensinamento aceita-Me a mim».
Para aqueles judeus, a afirmação de Jesus parece revolucionaria. A tradição bíblica dizia que o ser humano escuta no seu coração a chamada de Deus para cumprir fielmente a Lei. O profeta Jeremias tinha proclamado assim a promessa de Deus: «Eu colocarei a minha Lei dentro de vós e a escreverei nos vossos corações».
As palavras de Jesus convidam-nos a viver uma experiência diferente. A consciência não é só o lugar recôndito e privilegiado onde podemos escutar a Lei de Deus. Se no íntimo do nosso ser nos sentimos atraídos pelo bom, o bonito, o nobre, o que faz bem ao ser humano, o que constrói um mundo melhor, facilmente nos sentiremos convidados por Deus a sintonizar com Jesus.
José Antonio Pagola
Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Cinco anos da Páscoa do Pe. Hermeto Lunkes msf

Hoje recordamos o 5º ano do falecimento do nosso querido Pe. Hermeto Lunkes msf. À memória agradecida em forma de prece, é importante agregar a recordação daquilo que ele nos ensinou com a vida e com as palavras. Resgato aqui uma bela meditação que o Hermeto nos legou, unindo a celebração do mês da Bíblia à memória do Pe. Berthier e da fundação dos Missionários da Sagrada Família. O texto foi publicado inicialmente em O Bertheriano, n° 103 (outubro de 2009), p. 19.

A Palavra de Deus é maior… do que a Bíblia!

Vivemos em setembro um mês especial para o encontro com a Palavra de Deus. À medida em que nos pusermos em atitude de escuta deste Deus dialogante, percebemos que a Palavra de Deus é bem maior em mais envolvente... que a Bíblia. E quem sabe experimentamos in persona o que o jovem Jeremias escutou na aurora da sua missão profética: “Não tenha medo, porque estou com você!.. Veja, estou colocando minhas palavras em sua boca!...” (Jr 1,4-9). Será que não foi também isso que o Pe. Berthier experimentou quando, relendo, meditando, orando e contemplando o texto de Mt 9,35-38, encontrou coragem e iniciou sua “obra missionária da Sagrada Família”, construindo-a sobre o alicerce desta palavra de Jesus, o “Missionário do Pai”?
A Palavra deste Deus começa a parecer-nos bem maior... do que a Bíblia. Esta é apenas um sinal de Deus que transcende todas as aparências. No entanto, esta Palavra se fez perceptível pela sensibilidade dos critérios bíblicos. O prólogo de João revela, em sua mística poética, que “a Deus ninguém jamais viu. O Filho unigênito, que está em comunhão com o Pai, ele no-lo deu a conhecer” (Jo 1,18), pois, como o mesmo evangelista afirma, “o Verbo se fez homem e habitou entre nós” (Jo 1,14).
Desta Palavra relida como evento de convivência dialógica do divino-humano de Deus com toda a criação emanam critérios de releitura, meditação, oração e contemplação. Fazendo-se um de nós e habitando entre nós, Jesus de Nazaré – o revelador da plenitude de Deus (cf. Jo 1,16) – tornou-se o ponto culminante da Palavra recriadora e re-significadora da vida em seu alcance mais amplo. A Bíblia é sua referência escrita, pela qual a fé popular exprime a permanente novidade de Deus. O nosso é um Deus que, inserido totalmente na humana história, nos possibilita o diálogo consigo. Este diálogo se  dá primordialmente em Jesus de Nazaré, que, por isso, é identificado como a Palavra de Deus que estava com Deus desde o princípio e com Ele presidiu a criação do universo (cf. Jo 1,1-4).
A existência humana é provocada a ser mais dialógica ad intra, ad extra e ad Deum. A Bíblia é uma espécie de manual escrito pelos que acolheram a Palavra, fizeram a experiência de ser filhos e filhas de Deus, pois “nasceram de Deus” (cf. Jo 1,12-13). A Bíblia nos permite falar com Deus a respeito da vida, pois ela é uma espécie de livro da Vida: livro que nos transmite palavras de Vida eterna, mas também livro que nos fala da vida da nossa família religiosa, prolongando em nós a revelação através da vida que Deus viveu na existência humana de Jesus. Jesus foi e continua sendo “o Verbo de Deus”, revelando o rosto humano de Deus e o rosto divino do homem. E “o Verbo se fez homem” com a missão de ser sempre Palavra mensageira e promotora de comunhão e aproximação de Deus, quis “fazer-se próximo dos que estavam longe”. Com esta aproximação dialógica de Deus a nossa missão adquire fecundidade e chão firme.
Acabamos de celebrar (2008-2009) o centenário da páscoa do Pe. Berthier. O cristão, religioso e missionário Pe. Berthier recorreu à sabedoria e ao dinamismo bíblico para encontrar critérios fundantes para o nosso carisma e a nossa espiritualidade. Para ele, os textos bíblicos eram como que fontes de água viva (cf. Jo 4,10) alimentadoras do discipulado e da atividade missionária. O nosso carisma brotou do Verbo de Deus e da Palavra que saiu consciente e, ao mesmo tempo, espontânea do anúncio misericordioso e compassivo de Jesus, colhido por Mateus e contemplado pelo Pe. Berthier: “Tenho compaixão deste povo porque...” (Mt 9,35-38). Enquanto Jesus se punha a percorrer os caminhos das cidades e dos povoados, o Pe. Berthier foi pensando os caminhos, povoados e aldeias que ele e seus discípulos deveriam percorrer para se aproximarem daqueles que estavam longe. Não bastasse esta motivação missionária, a mensagem de Nossa Senhora da Salette aumentou sua urgência evangelizadora.
Creio não estar errado se aponto para uma constante busca das fontes bíblicas em vista da nossa aproximação daqueles que estão longe, para a questão do quanto a prioridade dos critérios da Palavra de Deus é fundamental para uma revitalização das nossas opções missionárias. Mesmo frente a outros tantos critérios, sem dúvida também de suma importância (critérios científicos, sociológicos, psicológicos, técnicos e assim por diante), cabe-nos priorizar os critérios bíblicos, visto que estão tão sintonizados com as razões do Missionário do Pai, Jesus de Nazaré. Por aproximação, o Pe. Berthier os considerou fundamentais para uma autêntica e sábia atividade evangelizadora, também para o seu e o nosso tempo.

Pe. Hermeto Lunkes msf

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

O Evangelho dominical - 05.08.2018


PÃO DE VIDA ETERNA

Porquê continuarmos a interessar-nos por Jesus depois de vinte séculos? Que podemos esperar Dele? Que ele pode contribuir aos homens e mulheres do nosso tempo? Irá, acaso, resolver os problemas do mundo atual? O evangelho de João fala de um diálogo de grande interesse que Jesus mantem com uma multidão na margem do lago da Galileia.
O dia anterior haviam partilharado com Jesus uma refeição surpreendente e gratuita. Comeram pão até saciarem-se. Como o vão deixar partir? O que procuram é que Jesus repita o Seu gesto e os volte a alimentar grátis. Não pensam em outra coisa.
Jesus desconcerta-os com uma abordagem inesperada: «Esforçai-vos não para conseguir o alimento transitório, mas o permanente, o que dá a vida eterna». Mas como não nos preocuparmos pelo pão de cada dia? O pão é indispensável para viver. Necessitamos e devemos trabalhar para que nunca falte a ninguém.
Jesus sabe-O. O pão é o primeiro. Sem comer não podemos subsistir. Por isso se preocupa tanto dos famintos e mendigos, que não recebem dos ricos nem as migalhas que caem da sua mesa. Por isso amaldiçoa os latifundiários insensatos que armazenam o grão sem pensar nos pobres. Por isso ensina os Seus seguidores a pedir cada dia ao Pai pão para todos os seus filhos.
Mas Jesus quer despertar neles uma fome diferente. Fala-lhes de um pão que não sacia só a fome de um dia, mas a fome e a sede de vida que há no ser humano. Não podemos esquecer. Em nós há uma fome de justiça para todos, uma fome de liberdade, de paz, de verdade. Jesus apresenta-se como esse Pão que nos vem do Pai não para nos enchermos de comida, mas «para dar vida ao mundo».
Este Pão vem de Deus «dá a vida eterna». Os alimentos que comemos cada dia nos mantem vivos durante anos, mas chega um momento em que não podem defender-nos da morte. É inútil que sigamos comendo. Não nos podem dar vida para lá da morte.
Jesus apresenta-se como «Pão de vida eterna». Cada um há de decidir como quer viver e como quer morrer. Mas os que nos chamamos seguidores Seus temos de saber que acreditar em Cristo é alimentar em nós uma força imperecível, começar a viver algo que não acabará com a nossa morte. Simplesmente, seguir Jesus é entrar no mistério da morte, sustentados pela Sua força ressuscitadora.
Ao escutar as Suas palavras, aquelas pessoas de Cafarnaum gritavam-lhe desde o fundo do Seu coração: «Senhor, dai-nos sempre desse pão». Desde a nossa fé vacilante, por vezes não nos atrevemos a pedir algo semelhante. Talvez só nos preocupa a comida de cada dia. E às vezes só a nossa.
José Antônio Pagola
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

ANO B – DÉCIMO-OITAVO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 05.08.2018


Trabalhemos pelo pão que nos possibilita uma vida eterna!
A cultura popular nos lembra que o mês de agosto não costuma ser portador de bons presságios. No Sul do Brasil, as mudanças bruscas de temperatura abalam a saúde de muita gente, especialmente das pessoas idosas. Mas as comunidades católicas teimam em desdizer algumas crenças populares e consagram o mês de agosto às vocações eclesiais, dedicando uma semana às vocações ao ministério ordenado, uma semana aos pais e às famílias, uma semana à vida religiosa consagrada e uma semana às vocações à vida leiga, especialmente às catequistas. Celebremos, pois, a vocação e a missão do ministro ordenado à luz da Palavra que a Igreja sugere para o primeiro domingo de agosto.
Com a ajuda de Felipe, dos demais discípulos e de um adolescente anônimo, Jesus havia saciado a fome da multidão a partir de alguns pães e peixes. Depois de pedir que as sobras não fossem desperdiçadas, ele se retirara sorrateiramente, pois o povo entusiasmado queria entroná-lo como rei. Ainda chocados com o que Jesus havia feito, os próprios discípulos se surpreendem quando percebem que Jesus não está mais com eles. Desconcertados com o sinal realizado pelo mestre e com sua recusa do poder, tiveram que empreender sozinhos a travessia do lago, enfrentando o vento, a noite e a agitação das águas.
Confusos, os discípulos abandonam o povo carente e sofrido. Mas, dando-se conta de que Jesus e os discípulos haviam partido, o povo consegue vaga noutros barcos e vai procurar Jesus do outro lado do lago. O povo procura Jesus como uma última tábua de salvação, esperando que ele garanta seu humano direito à alimentação. Entretanto, a atitude de Jesus diante da multidão parece rude e desconcertante. “Vocês estão me procurando, não porque viram os sinais, mas porque comeram os pães e ficaram satisfeitos.” Sua discordância com as motivações que moviam o povo é mais do que clara.
Será que a compaixão de Jesus diante de um povo cansado e abatido se havia esgotado? Será que vem daqui a frieza com que recebemos o povo pobre que, alentado por sua fé tradicional, vem às nossas capelas, paróquias e santuários pedindo sacramentos e bênçãos? Não é isso! O que Jesus faz é chamar a atenção para algo mais fundamental que a simples ação de matar a fome de um dia: o empenho de todos numa prática social e econômica alternativa, a única capaz de garantir para todos um pão que não se corrompe. Jesus aponta para o projeto do Reino de Deus, centrado na partilha e não na esmola.
Jesus não se limita a reprovar o povo que conta resignadamente com sua ajuda material e não consegue entender que ela apenas sinaliza algo mais importante e fundamental. E exorta: “Não trabalhem pelo alimento que se estraga; trabalhem pelo alimento que dura para a vida eterna... É este o alimento que Filho do Homem dará a vocês, porque é ele que Deus marcou com seu selo.” Jesus não veio distribuir o duro e amargo pão das sopas populares, mas aquele fermentado e assado pela Justiça, obra coletiva do povo organizado e seus apoiadores. E confia esta obra de Deus aos seus discípulos e discípulas...
Fazer a obra de Deus, ou agir como Deus age significa acreditar naquele que enviou Jesus, dar crédito àquele que achou bem não enviar alguém sabido e poderoso, mas uma pessoa vulnerável, incapaz de oferecer pacotes de soluções, mas que coloca sinais e dá o melhor de si pelos outros. O pão que não se estraga e dura para sempre é o dom de si mesmo, o dom da própria vida. E é essa é a obra que glorifica a Deus. Não podemos esquecer que doutrina religiosa dá segurança mas também escraviza, e que o alimento distribuído sem custos também embota a inteligência, acomoda e humilha.
Aqueles que perguntam a Jesus “qual é a tua obra?” tem dificuldades reais de reconhecer na ação solidária e compassiva de um simples filho de homem a potente e transformadora ação de Deus. Na verdade, Jesus não está preocupado apenas distribuir pão para matar a fome. O sinal que ele oferece é a cooperação e a articulação dos dons e possibilidades que estão escondidas no próprio povo, inclusive nas pessoas aparentemente mais fracas e mais humildes. É aqui que reside o fermento que resulta num pão que não se estraga. E é a esse serviço que os ministros sagrados são primordialmente ordenados.
Jesus, mestre que fazes dos caminhos uma escola de vida, ajuda-nos a compreender os sinais que realizas, a começar pela Eucaristia. Não deixes que a transformemos em ritualismo mágico e intimista. Ajuda os ministros ordenados, generosos e limitados como todos nós, a continuar tua obra, tornando visíveis teus sinais de compaixão e de solidariedade. Que eles sejam homens novos, transformados e regenerados na justiça que vem da verdade. E ajuda-nos a vencer a paixão enganadora, aquela que canoniza os poderes e poderosos e menospreza a mística do fermento e da semente, própria dos pobres. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Livro do êxodo 16,2-4.12-15 * Salmo 77 (78) * Carta de Paulo aos Efésios 4,17.20-24* Evangelho de SãoJoão 6,24-35)