quinta-feira, 29 de novembro de 2018

O Evangelho dominical - 02.12.2018


INDIGNAÇÃO E ESPERANÇA

Uma convicção indestrutível sustenta a fé dos seguidores de Jesus desde o início: conduzida por Deus, a história humana encaminha-se para a sua libertação definitiva. As contradições insuportáveis do ser humano e os horrores cometidos em todas as épocas não conseguem destruir nossa esperança.
Este mundo que nos sustenta não é definitivo. Um dia toda a criação dará sinais de que chegou ao fim para dar lugar a uma vida nova e libertada que nenhum de nós pode imaginar ou entender.
Os evangelhos recolhem a memória de uma reflexão de Jesus sobre este final dos tempos. Paradoxalmente, a sua atenção não está focada nos acontecimentos cósmicos que podem ocorrer naquele momento. O Seu principal objetivo é propor aos seus seguidores um estilo de vida lúcido diante desse horizonte.
O fim da história não é o caos, a destruição da vida, a morte total. Lentamente, no meio das luzes e das trevas, ouvindo os chamados do nosso coração ou até mesmo ignorando o melhor que existe em nós, vamos caminhando em direção ao mistério último da realidade que os crentes chamam de Deus.
Nós não precisamos viver presos pelo medo ou ansiedade. O último dia não é um dia de raiva e vingança, mas de libertação. Lucas resume o pensamento de Jesus com estas palavras admiráveis: “Levantai-vos, erguei a cabeça: aproxima-se a vossa libertação”. Só então conheceremos realmente como Deus ama o mundo.
Devemos reavivar nossa confiança, levantar o nosso ânimo e despertar a esperança. Um dia os poderes financeiros afundarão. A insensatez dos poderosos acabará. As vítimas de tantas guerras, crimes e genocídios conhecerão a vida. Os nossos esforços por um mundo mais humano não se perderão para sempre.
Jesus esforça-se por sacudir a consciência dos seus seguidores. “Tende cuidado: que não se vos entorpeça a mente”. Não vivam como imbecis. Não vos deixeis arrastar pela frivolidade e pelos excessos. Mantenham viva a indignação. “Estai sempre despertos!” Não caiam no relaxamento. Vivam com lucidez e responsabilidade. Não se cansem. Mantenham sempre a tensão.
Como estamos vivendo estes tempos difíceis para quase todos, de angústia para muitos e cruel para aqueles que se afundam na impotência? Estamos acordados? Vivemos adormecidos?
A partir das comunidades cristãs devemos incentivar a indignação e a esperança. E só há um caminho: estar com aqueles que estão a ficar sem nada, afundados no desespero, na raiva e na humilhação.
José Antônio Pagola.
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

ANO B | TEMPO DE ADVENTO | 1° DOMINGO – 02.12.2018


Em pé, sem medo, de mãos dadas e com a cabeça erguida!
Estamos iniciando um novo tempo litúrgico: tempo marcado pela expectativa e pela vigilância ativas; tempo de discernimento, de engajamento, de preparação. Enquanto o mercado, movido por sua sede voraz de faturamento sempre maior e ancorado no mito interesseiro do bom velhinho, grita de mil modos seu apelo ao consumo e pavimenta as avenidas que levam aos Shoppings, as comunidades cristãs se reúnem nas casas e nas igrejas para abrir outros caminhos, para não desviar o foco e descobrir os frágeis sinais da ousadia de um Deus que vem e arma sua tenda no coração da humanidade.
Como cristãos que somos, o que nos move, nesse tempo, é o que verbalizamos na oração da coleta de celebração de hoje: o ardente desejo de acolher o Reino de Deus, de congregarmo-nos à comunidade dos justos, de caminhar com nossas boas ações ao encontro do Ungido de Deus. Nossa preocupação não gira em torno de luzes que piscam, de músicas harmoniosas, de despensas abarrotadas de comidas e bebidas, de viagens deslumbrantes, de presentes vistosos... Com o salmista, repetimos, como um mantra: “Mostrai-me, ó Senhor, vossos caminhos, e fazei-me conhecer a vossa estrada!”
Nunca é demais sublinhar que a preparação para o natal de Jesus, que é também exercício para entrar no dinamismo do Reino de Deus, não é coisa fácil. Na verdade, é luta! Não é por acaso que, no evangelho, Jesus pede atenção, coragem e prontidão. E lança um alerta: que as preocupações com vantagens e sucessos, a gula e a embriaguez não embotem nossa sensibilidade.  Preparar o natal de Jesus e entrar na lógica do Reino de Deus supõe engajamento incansável para palmilhar caminhos de justiça e fraternidade, de igualdade e solidariedade, de compaixão e partilha. E isso nunca foi fácil!
Fácil é seguir o GPS e as placas de indicação que nos levam ao templo do consumo, aos palácios da indiferença, às praças do faturamento e do acúmulo. À nossa embotada sensibilidade, tudo isso parece tão aprazível, tão luminoso e tão precioso... Temos a ilusão de que nisso estão os fundamentos sólidos e imutáveis de uma vida feliz, da tão sonhada dignidade humana. E, então, uma simples diminuição do poder de consumo basta para que as nações se angustiem e as pessoas mergulhem no medo. Entretanto, Jesus diz que estas forças, aparentemente estáveis e invencíveis, deverão ser abaladas, e isso é bom!
Os caminhos do Evangelho são outros! “Verdade e amor são os caminhos do Senhor”, diz o salmo. “O Senhor vos conceda que o amor entre vós e para com todos aumente e transborde sempre mais”, diz São Paulo, ousando apresentar-se como exemplo e modelo. Nisso precisamos progredir sempre, assustados e feridos que estamos pela violência e pela intolerância que tem marcado os últimos meses da vida política e social da nação brasileira. E, mais ainda, preocupados com o perigoso namoro de certos grupos políticos, sociais, empresariais e eclesiais com o autoritarismo e com o obscurantismo. É difícil não perder a calma diante da arrogância e do cinismo que eles parecem transpirar por todos os poros...
Precisamos mergulhar no espírito do advento a aguçar a evangélica sensibilidade que nos ajudará a identificar os pequenos sinais que teimam em aparecer nos ventres de mulheres humilhadas, nas estrebarias das periferias mais hediondas, nas mãos abertas e desarmadas de gente que confia na fraqueza, nos corações generosos que compartilham sonhos e caminhos, nos movimentos que se erguem como o indefeso Davi diante do Mercado gigante e idólatra. Precisamos levantar a cabeça diante dos que venceram pela mentira e pretendem governar pela intimidação, pois outro é o Humano...
Quem nos mantém de pé é o Filho do Homem, aquele que mostrou a divina humanidade das suas entranhas, aquele que é caminho por sua solidariedade, verdade por sua acolhida indiscriminada e vida pelo dom desmedido de si mesmo. O resto é embriaguez e armadilha. O que nos move é a Boa Notícia que ele testemunhou e anunciou: o povo de Deus, humilde e humilhado, será grande e forte, apesar de suas vitórias e através da sua infinita capacidade de recomeçar, de nascer sempre de novo. E esse nascimento é dom que acolhemos na oração, ajoelhados diante do mistério da manjedoura e da cruz.
Deus pai e mãe, amor eternamente jovem e criativo que está sempre vindo ao nosso encontro para armar em nós tua morada! Dissipa o medo e cura as feridas que a vitória dos violentos deixou em nossos corpos, e a divisão que provocou em nossas igrejas. Conduz aqueles que ainda acreditam em ti ao templo silencioso e misterioso do lar e da carpintaria de Nazaré, e ajuda-nos a perceber que ali moram a resistência mais corajosa e a ousadia mais criativa e libertadora. Mostra-nos, ó Senhor, teus caminhos, e faze-nos conhecer a tua estrada! Sustenta-nos em pé, levanta nossas cabeças e entrelaça nossas mãos! Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Profecia de Jeremias 33,14-16 | Salmo 24 (25) | Primeira Carta de Paulo aos Tessalonicenses 3,12-4,2 | Evangelho de São Lucas 21,25-36

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

O Evangelho dominical - 25.11.2018


O DECISIVO

O julgamento contra Jesus teve lugar provavelmente no palácio em que Pilatos residia quando ia a Jerusalém. Ali se encontram numa manhã de abril do ano 30 um réu indefeso chamado Jesus e o representante do poderoso sistema imperial de Roma.
O evangelho de João relata o diálogo entre ambos. Na realidade, mais que um interrogatório parece um discurso de Jesus para esclarecer alguns temas que interessam muito ao evangelista. Num determinado momento, Jesus faz esta solene proclamação: “Eu para isto nasci e para isto vim ao mundo: para ser testemunha da verdade. Todo o que pertence à verdade escuta a minha voz.”
Esta afirmação recolhe um traço básico que define a trajetória profética de Jesus: a Sua vontade de viver na verdade de Deus. Jesus não só diz a verdade, mas procura a verdade, e só a verdade de um Deus que quer um mundo mais humano para todos os Seus filhos.
Por isso Jesus fala com autoridade, mas sem falsos autoritarismos. Fala com sinceridade, mas sem dogmatismos. Não fala como os fanáticos, que tratam de impor a sua verdade. Tampouco como os funcionários, que a defendem por obrigação, apesar de não acreditarem nela. Não se sente nunca guardião da verdade, mas testemunha.
Jesus não converte a verdade de Deus em propaganda. Não a utiliza em proveito próprio, mas em defesa dos pobres. Não tolera a mentira ou o encobrimento das injustiças. Não suporta as manipulações. Jesus converte-se assim em “voz dos sem voz, e voz contra os que têm voz demais” (Jon Sobrino).
Esta voz é mais necessária que nunca nesta sociedade submersa numa grave crise econômica. A ocultação da verdade é um dos mais firmes pressupostos da atuação dos poderes financeiros e da gestão política submetida às suas exigências.
Quer-se fazer viver a crise na mentira. Faz-se todo o possível para ocultar a responsabilidade dos principais causadores da crise e ignora-se de forma perversa o sofrimento das vítimas más débeis e indefesas. É urgente humanizar a crise colocando no centro de atenção a verdade dos que sofrem e a atenção prioritária à sua situação cada vez más grave.
É a primeira verdade exigível a todos se não queremos ser inumanos. O primeiro dado prévio a tudo. Não podemos acostumar-nos à exclusão social e à desesperança em que estão caindo os mais débeis. Os que seguimos Jesus, temos de escutar a Sua voz e sair instintivamente em defesa dos últimos. Quem é a verdade escuta a Sua voz.
José Antônio Pagola
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

ANO B – SOLENIDADE DE JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO – 25.11.2018


Jesus é Pastor, Profeta e Testemunha, o homem verdadeiro!
Muitos nos perguntamos sobre sentido da solenidade de Cristo, rei do universo. Há mais de 100 anos, algumas comunidades católicas imaginaram-na como uma forma de propagar a relevância e a dignidade de Jesus Cristo, afirmar os direitos da Igreja frente à sociedade liberal e destacar a importância da doutrina cristã na formulação das leis civis. Como agenda litúrgica, foi instituída há 60 anos atrás, mas hoje temos consciência de que é preciso evitar toda forma de triunfalismo e destacar o mistério essencial de Jesus Cristo: ele é testemunha da verdade e profeta de um Novo Tempo de solidariedade e partilha.
Penso que a identificação de Jesus de Nazaré com a figura do rei é um erro e um delírio bem ao estilo dos amantes do poder. Jesus não foi nem sacerdote e nem rei! Como profeta e reformador, irmão dos pobres e pecadores e servidor dos oprimidos, ele revelou o melhor que pode haver no ser humano e fez brilhar no mundo a glória de Deus. Ele não precisa de outra dignidade! A única razão aceitável para aproximar Jesus Cristo da figura do rei seria a de contrastar e relativizar todos os demais poderes. Quando celebraremos solenemente a festa de Cristo Servo de todas as criaturas? Quando os cristãos renunciaremos de verdade aos mantos da nobreza e vestiremos o avental do serviço?
É verdade que o Apocalipse de São João atribui a Jesus, com insistência, o poder, a riqueza, a honra, a glória, a sabedoria, a força e louvor e tudo o mais (cf. Ap 5,12-13). Mas não podemos esquecer que tudo isso se diz daquele que é a pedra rejeitada, a vítima do próprio poder estabelecido, e que Jesus é “a testemunha fiel, o primeiro a ressuscitar dos mortos”. Nessa condição de testemunha e vítima da pena de morte, ele é “chefe dos reis da terra”. Partilhando por amor a sorte dos condenados, Jesus perdoou nossas dívidas e nos constituiu como povo novo e soberano, do qual é guia e líder inconteste.
A cena de Jesus diante de Pilatos, que nos é proposta para a liturgia, é, no mínimo, paradoxal. Um preso despojado de tudo, acusado pelos seus próprios compatriotas, sem direito à defesa, está cara-a-cara com uma autoridade plenipotenciária e a serviço de um poder invasor. Um homem habituado às estradas é colocado diante de um senhor habitante de palácios. A cena insinua um confronto radical, e a pergunta de Pilatos é clara: “Tu és o rei dos judeus?” Pilatos não pergunta se ele é um rei, mas se é o rei; e não o refere a Israel (povo escolhido por Deus) mas aos judeus (um povo ou uma raça em meio a tantas).
Astuto, Pilatos se interessa mais pela ação que pelos títulos. Por isso, pergunta que tipo de liderança Jesus desenvolve: “O que fizeste?” Jesus responde chamando a atenção para a diferença e a originalidade libertadora da sua ação. Ele diz que seu reino “não é deste mundo”, pois sua ação se distancia da força e do poder, tem outro dinamismo e se rege por outra finalidade. Ele age solidariamente para responder às necessidades do seu povo, recusa assumir o poder (cf. Jo 6,15) e se opõe duramente aos príncipes do mundo (cf. Jo 12,32; 16,11). Sua marca é a compaixão solidária e não o poder que aniquila e amedronta.
Parece que Jesus aceita a qualificação de rei, mas recusa a redução da sua missão ao povo judeu. “Você está dizendo que eu sou rei.” Ele não é o único rei, nem apenas rei dos judeus. Jesus preside e dirige o amplo movimento do reino de Deus, que reúne todos os homens e mulheres de boa vontade, promove a liberdade e a vida de todos, e não usa da força para defender os privilégios das elites. “Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue às autoridades dos judeus.” Ele é rei exatamente e apenas na medida em que dá sua vida por todos.
Jesus diz que nasceu e veio ao mundo para dar testemunho da verdade. Sua prioridade é ser testemunha do amor incondicional de Deus por todas as criaturas, especialmente pelos oprimidos e, diante disso, sua própria sobrevivência é secundária. A verdade é que Deus ama a ponto de dar a própria vida, e isso não expressa a fraqueza mas a invencível força de Deus. Por isso, é na cruz que se revela e realiza a realeza de Jesus Cristo e do ser humano. Nada mais paradoxal que esta figura de rei! Nada mais distante da imagem de rei do que a figura de um escravo ou um executado que não tem a quem apelar.
Jesus de Nazaré, profeta e pastor, servo e testemunha: reunidos em torno da tua mesa, queremos acolher teu gesto testamentário e teu chamado a sermos dom e semente. Grava em nosso corpo os sinais da tua realeza: o amor fraterno, o serviço solidário, a compaixão regeneradora. Ajuda-nos a superar toda busca de poder dominador e de nobreza vazia de humanidade. Que tua Igreja não se deixe guiar nem pela indiferença, nem pela prepotência. E que à tua palavra-oferta “isto é meu corpo que é dado por vós”, respondamos com liberdade e verdade: “Faremos a mesma coisa em memória de ti.” Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Profecia de Daniel 7,13-14 * Salmo 92 (93) * Apocalipse de São João 1,5-8 * Evangelho de São João 18,33-37)

sábado, 17 de novembro de 2018

2º Dia Mundial dos Pobres: Mensagem do Papa (6)


“Este pobre clama e o Senhor o escuta!”
MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO PARA O II DIA MUNDIAL DOS POBRES (6)

Por isto se compreende quão distante esteja o nosso modo de viver do modo de viver do mundo, que louva, segue e imita aqueles que têm poder e riqueza, enquanto marginaliza os pobres considerando-os um descarte e uma vergonha. As palavras do Apóstolo são um convite a dar plenitude evangélica à solidariedade com os membros mais fracos e menos dotados do corpo de Cristo: “Se um membro sofre, com ele sofrem todos os membros; se um membro é honrado, todos os membros participam da sua alegria” (1 Cor 12, 26). Na mesma linha, nos exorta ele na Carta aos Romanos: “Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram. Preocupai-vos em andar de acordo uns com os outros; não vos preocupeis com as grandezas, mas entregai-vos ao que é humilde” (12, 15-16). Esta é a vocação do discípulo de Cristo; o ideal para o qual se deve tender constantemente é assimilar cada vez mais em nós “os mesmos sentimentos, que estão em Cristo Jesus” (Fil 2, 5).
Uma palavra de esperança torna-se o epílogo natural para onde nos encaminha a fé. Muitas vezes, são precisamente os pobres que põem em crise a nossa indiferença, filha duma visão da vida, demasiado imanente e ligada ao presente. O clamor do pobre é também um brado de esperança com que manifesta a certeza de ser libertado; esperança fundada no amor de Deus, que não abandona quem a Ele se entrega (cf. Rm 8, 31-39). Santa Teresa de Ávila deixara escrito no seu Caminho de Perfeição: “A pobreza é um bem que encerra em si todos os bens do mundo; assegura-nos um grande domínio; quero dizer que nos torna senhores de todos os bens terrenos, uma vez que nos leva a desprezá-los” (2, 5). Na medida em que somos capazes de discernir o verdadeiro bem é que nos tornamos ricos diante de Deus e sábios diante de nós mesmos e dos outros. É mesmo assim: na medida em que se consegue dar à riqueza o seu justo e verdadeiro significado, cresce-se em humanidade e torna-se capaz de partilha.
Convido os irmãos bispos, os sacerdotes e de modo particular os diáconos, a quem foram impostas as mãos para o serviço dos pobres, juntamente com as pessoas consagradas e tantos leigos e leigas que, nas paróquias, associações e movimentos, tornam palpável a resposta da Igreja ao clamor dos pobres, a viver este Dia Mundial como um momento privilegiado de nova evangelização. Os pobres evangelizam-nos, ajudando-nos a descobrir cada dia a beleza do Evangelho. Não deixemos cair em saco roto esta oportunidade de graça. Neste dia, sintamo-nos todos devedores para com eles, a fim de que, estendendo reciprocamente as mãos uns para os outros, se realize o encontro salvífico que sustenta a fé, torna concreta a caridade e habilita a esperança a prosseguir segura no caminho rumo ao Senhor que vem.
Vaticano, na Memória litúrgica de Santo Antônio de Lisboa, 13 de junho de 2018.
Francisco

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

2º Dia Mundial dos Pobres: Mensagem do Papa (5)


“Este pobre clama e o Senhor o escuta!”
MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO PARA O II DIA MUNDIAL DOS POBRES (5)

Inúmeras são as iniciativas que a comunidade cristã empreende para dar um sinal de proximidade e alívio às muitas formas de pobreza que estão diante dos nossos olhos. Muitas vezes, a colaboração com outras realidades, que se movem impelidas não pela fé mas pela solidariedade humana, consegue prestar uma ajuda que, sozinhos, não poderíamos realizar. O fato de reconhecer que, no mundo imenso da pobreza, a nossa própria intervenção é limitada, frágil e insuficiente leva a estender as mãos aos outros, para que a mútua colaboração possa alcançar o objetivo de maneira mais eficaz.
Somos movidos pela fé e pelo imperativo da caridade, mas sabemos reconhecer outras formas de ajuda e solidariedade que se propõem, em parte, os mesmos objetivos; desde que não transcuremos aquilo que nos é próprio, ou seja, conduzir todos a Deus e à santidade. Uma resposta adequada e plenamente evangélica, que podemos realizar, é o diálogo entre as diversas experiências e a humildade de prestar a nossa colaboração, sem qualquer espécie de protagonismo.
Em vista dos pobres, não se perca tempo a lutar pela primazia da intervenção, mas reconheçamos humildemente que é o Espírito quem suscita gestos que sejam sinal da resposta e da proximidade de Deus. Quando encontramos o modo para nos aproximar dos pobres, saibamos que a primazia compete a Ele que abriu os nossos olhos e o nosso coração à conversão. Não é de protagonismo que os pobres têm necessidade, mas de amor que sabe esconder-se e esquecer o bem realizado.
Os verdadeiros protagonistas são o Senhor e os pobres. Quem se coloca ao serviço é instrumento nas mãos de Deus, para fazer reconhecer a sua presença e a sua salvação. Recorda-o São Paulo quando escreve aos cristãos de Corinto, que competiam entre eles a propósito dos carismas procurando os mais prestigiosos: “Não pode o olho dizer à mão: “Não tenho necessidade de ti”; nem tão pouco a cabeça dizer aos pés: “Não tenho necessidade de vós” (1 Cor 12, 21). Depois, o Apóstolo faz uma consideração importante, observando que os membros do corpo que parecem mais fracos são os mais necessários (cf. 12, 22) e, “aqueles que parecem ser os menos honrosos do corpo, a esses rodeamos de maior honra e, aqueles que são menos decentes, nós os tratamos com mais decoro; os que são decentes, não têm necessidade disso” (12, 23-24).
Ao mesmo tempo que dá um ensinamento fundamental sobre os carismas, Paulo educa também a comunidade para a conduta evangélica com os seus membros mais fracos e necessitados. Longe dos discípulos de Cristo sentimentos de desprezo e de pietismo para com eles; antes, são chamados a honrá-los, a dar-lhes a precedência, convictos de que eles são uma presença real de Jesus no meio de nós. “Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes” (Mt 25, 40).

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

2º Dia Mundial dos Pobres: Mensagem do Papa (4)


“Este pobre clama e o Senhor o escuta!”
MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO PARA O II DIA MUNDIAL DOS POBRES (4)

Os primeiros habilitados a reconhecer a presença de Deus e a dar testemunho da sua proximidade à própria vida são os pobres. Deus permanece fiel à sua promessa e, mesmo na escuridão da noite, não deixa faltar o calor do seu amor e da sua consolação. Contudo, para superar a opressiva condição de pobreza, é necessário aperceber-se da presença de irmãos e irmãs que se ocupem deles e que, abrindo a porta do coração e da vida, lhes façam sentir benvindos como amigos e familiares. Somente deste modo podemos descobrir a força salvífica das suas vidas e colocá-los no centro do caminho da Igreja.
Neste Dia Mundial, somos convidados a tornar concretas as palavras do Salmo: “Os pobres comerão e serão saciados” (Sal 22, 27). Sabemos que no templo de Jerusalém, depois do rito do sacrifício, tinha lugar o banquete. Esta foi uma experiência que, no ano passado, enriqueceu a celebração do primeiro Dia Mundial dos Pobres, em muitas dioceses. Muitos encontraram o calor duma casa, a alegria duma refeição festiva e a solidariedade de quantos quiseram compartilhar a mesa de forma simples e fraterna.
Gostaria que, também neste ano e para o futuro, este Dia fosse celebrado sob o signo da alegria pela reencontrada capacidade de estar juntos. Rezar juntos em comunidade e compartilhar a refeição no dia de domingo é uma experiência que nos leva de volta à primitiva comunidade cristã, que o evangelista Lucas descreve em toda a sua originalidade e simplicidade: “Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fração do pão e às orações. (…) Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um” (At 2, 42.44-45).

O Evangelho dominical - 18.11.2018


NINGUÉM SABE O DIA

Um melhor conhecimento da linguagem apocalíptica, construído de imagens e recursos simbólicos para falar do fim do mundo, permite-nos hoje escutar a mensagem de esperança de Jesus sem cair na tentação de semear angustia e terror nas consciências.
Um dia, a história apaixonante do ser humano sobre a terra chegará ao seu final. Esta é a convicção firme de Jesus. Esta é também a previsão da ciência atual. O mundo não é eterno. Esta vida terminará. Que vai ser das nossas lutas e trabalhos, dos nossos esforços e aspirações?
Jesus fala com sobriedade. Não quer alimentar nenhuma curiosidade mórbida. Corta pela raiz qualquer tentativa de especular com cálculos, datas ou prazos. “Ninguém sabe o dia ou a hora..., só o Pai”. Nada de psicoses ante o final. O mundo está em boas mãos. Não caminhamos para o caos. Podemos confiar em Deus, nosso Criador e Pai.
A partir desta confiança total, Jesus expõem a Sua esperança: a criação atual terminará, mas será para deixar passagem a uma nova criação, que terá por centro a Cristo ressuscitado. É possível acreditar em algo tão grandioso? Podemos falar assim antes ter ocorrido algo?
Jesus recorre a imagens que todos podem entender. Um dia o sol e a lua que hoje iluminam a terra e tornam possível a vida irão apagar-se. O mundo ficará às escuras. Irá apagar-se também a história da humanidade? Terminarão assim as nossas esperanças?
Segundo a versão de Marcos, no meio dessa noite poderá ser visto o “Filho do homem”, ou seja, a Cristo ressuscitado, que virá “com grande poder e glória”. A Sua luz salvadora iluminará tudo. Ele será o centro de um mundo novo, o princípio de uma humanidade renovada para sempre.
Jesus sabe que não é fácil acreditar nas Suas palavras. Como pode provar que as coisas acontecerão assim? Com uma simplicidade surpreendente convida a viver esta vida como uma primavera. Todos conhecem a experiência: a vida que parecia morta durante o inverno começa a despertar; nas ramas da figueira brotam de novo pequenas folhas. Todos sabem que o verão está próximo.
Esta vida que agora conhecemos é como a primavera. Todavia não é possível colher. Não podemos obter realizações definitivas. Mas há pequenos sinais de que a vida está em gestação. Os nossos esforços por um mundo melhor não se perderão. Ninguém sabe o dia, mas Jesus virá. Com a sua vinda irá revelar-se o mistério último da realidade, que os crentes chamamos Deus. A nossa história apaixonante chegará à sua plenitude.
José Antônio Pagola
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

ANO B – TRIGÉSIMO-TERCEIRO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 18.11.2018


Jesus é um profeta que desestabiliza todos os poderes.
A grandeza e o poder das pessoas e instituições costumam garantir-lhes a submissão dos fracos e granjear-lhes uma admiração que tende a perdurar no tempo. Submissão e admiração, especialmente quando conjugadas com o medo suscitado pela violência congênita ao poder, geram o mito da invencibilidade: quanto mais poder e mais grandeza tiver uma pessoa ou entidade, mais estável será. O cristianismo rejeita este mito que imobiliza e amordaça, afirma que tudo o que parece poderoso e inabalável acaba desabando pela ação corrosiva e libertadora da fé, recusa a sedutora resignação a um presente sem sabor e sem justiça, e espera ativamente um outro mundo possível.
Vivemos um tempo de crises profundas e caminhamos sem referências seguras. Os grandes mitos e narrativas desapareceram. A esperança fez as malas e desertou, sem deixar endereço para contatos. Falar de esperança passou a ser considerado algo anacrônico e até ridículo. Por isso, a fuga aparece como a única possibilidade para viver em paz. Sem esperança de futuro, o presente parece um refúgio que garante uma doce sensação de sabedoria. O tempo foge do nosso controle e parece sempre mais acelerado. A realidade flui como água, e parece que nada pode ser feito para mudar seu curso...
É grávido de tribulações e preocupações o tempo que vivemos. Muitas são as pessoas que se perguntam: é possível que o humano venha a prevalecer, ou aquilo que chamamos de humano não passaria de uma ideologia enganadora? Ou será que o humano foi possível apenas no passado, e suas sementes não podem mais germinar na terra poluída e ressequida do nosso tempo? Não seria o nosso apenas um tempo de indivíduos solitários na multidão, de seres desconfiados e violentos, de consumidores vorazes, destes que negociam o sonho de um mundo novo pelos novos e fugazes lançamentos do mercado?
Mas aqui, de novo e como sempre, aqueles que acreditam em Jesus Cristo e organizam a vida a partir dele, remam contra a corrente e afirmam que o humano se manifestará, está se manifestando, já está presente no meio de nós. O ‘filho do homem’, aquele que é verdadeiramente humano, está vindo ao nosso encontro, solicitando e possibilitando abertura, acolhida, esperança, conversão. É isso que ensina o evangelho de hoje, recorrendo a uma linguagem apocalíptica e parabólica para chamar a atenção para a mudança, para o processo de nascimento de uma nova ordem social.
O evangelho não quer insinuar que uma catástrofe cósmica esteja se aproximando, nem suscitar medo e fuga diante dos dramas da história. Ao contrário, convida-nos a entrar na história e tomar posição nas lutas inadiáveis que estão sendo travadas. Sol, lua e estrelas simbolizam os poderes aparentemente sólidos e indestrutíveis. Mas esta solidez é mentirosa, pois o advento do homem novo depõe os poderosos dos seus tronos e eleva os humildes; afirma a dignidade dos últimos; faz germinar sementes e florir os desertos; desarticula as forças e estruturas que propõem a violência como solução.
O questionamento e o abalo da ordem velha e cambaleante não é tudo. É apenas o sinal de que o humano está nascendo, batendo à porta e pedindo para entrar. E, na medida em que ele for acolhido e se tornar regra da nossa vida, uma nova humanidade nascerá, sem fronteiras nem restrições, “reunindo as pessoas que Deus escolheu, do extremo do céu ao extremo da terra.” A parábola da figueira pede atenção a sinais pequenos e discretos dessa mudança. A velha e injusta ordem social simbolizada pelo templo deve chegar ao fim para que desponte um outro mundo. E isso começa em nós, não em Brasília!
O ‘filho do homem’ e seus seguidores serão os protagonistas desta mudança. A imagem dele “vindo sobre as nuvens com grande poder e glória” é uma referência ao Jesus Cristo elevado na cruz. No filho do homem perseguido e crucificado resplandece o que é verdadeiramente humano e se revela a glória e o poder de Deus. O advento do humano se dá definitivamente em Jesus crucificado, em sua solidária fidelidade a todos os seres humanos. É em torno dele que se reúnem as pessoas escolhidas que, tendo-o como cabeça, formam um corpo verdadeiramente humano, capaz de transfigurar a história.
Tu és, Jesus de Nazaré, divinamente humano e humanamente divino, meu único Senhor, e fora de ti não tenho bem algum, nem esperança que valha a pena. Tu és minha herança e meu cálice. Estás sempre à minha frente e à minha direita, e por isso não vacilo. Minha alegria e minha serena esperança é perceber os pequenos e promissores sinais de realização do teu e nosso sonho, o Reino de Deus, o céu novo e a terra nova, o nascimento do homem novo, que acolhe os pobres com solidariedade. Nisso se alegra meu coração e exulta a minha alma, e até meu corpo, sempre tão vulnerável, repousa seguro. Amém! Assim seja!
Itacir Brassiani msf
(Profecia de Daniel 12,1-3 * Salmo 15 (16) * Carta aos Hebreus 10,11-18 * Evangelho de São Marcos 13,24-32)

2º Dia Mundial dos Pobres: Mensagem do Papa (3)


“Este pobre clama e o Senhor o escuta!”
MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO PARA O II DIA MUNDIAL DOS POBRES (3)

Não cessa de comover-me o caso de Bartimeu, na pessoa de quem vejo identificados tantos pobres (cf. Mc 10,46-52). O cego Bartimeu era um mendigo, que estava sentado à beira do caminho; tendo ouvido dizer que ia a passar Jesus, começou a gritar e a invocar o Filho de David para que tivesse piedade dele. Muitos repreendiam-no para o fazer calar, mas ele gritava cada vez mais. O Filho de Deus escutou o seu brado e perguntou-lhe: “Que queres que te faça?” “Mestre, que eu veja!” – respondeu o cego.
Esta página do Evangelho torna visível aquilo que o Salmo anunciava como promessa. Bartimeu é um pobre que se encontra desprovido de capacidades fundamentais, como o ver e o poder trabalhar. Também hoje não faltam percursos que levam a formas de precariedade. A falta de meios basilares de subsistência, a marginalização quando já não se está na plenitude das próprias forças laborais, as diversas formas de escravidão social, apesar dos progressos realizados pela humanidade… Como Bartimeu, quantos pobres há hoje à beira da estrada e procuram um significado para a sua condição! Quantos se interrogam acerca dos motivos por que chegaram ao fundo deste abismo e sobre o modo como sair dele! Esperam que alguém se aproxime deles, dizendo: “Coragem, levanta-te que Ele chama-te” (10, 49).
Com frequência, infelizmente, verifica-se o contrário: as vozes que se ouvem são de repreensão e convite a estar calados e a sofrer. São vozes desafinadas, muitas vezes regidas por uma fobia para com os pobres, considerados como pessoas não apenas indigentes, mas também portadoras de insegurança, instabilidade, extravio dos costumes da vida diária e, consequentemente, pessoas que devem ser repelidas e mantidas ao longe. Tende-se a criar distância entre nós e eles, não nos dando conta de que, assim, acabamos distantes do Senhor Jesus, que não os afasta mas chama-os a Si e consola-os.
Como soam apropriadas a este caso as palavras do profeta relativas ao estilo de vida do crente: “libertar os que foram presos injustamente, livrá-los do jugo que levam às costas, pôr em liberdade os oprimidos, quebrar toda a espécie de opressão, repartir o teu pão com os esfomeados, dar abrigo aos infelizes sem casa, atender e vestir os nus” (Is 58, 6-7). Este modo de agir faz com que o pecado seja perdoado (cf. 1 Ped 4, 8), a justiça percorra a sua estrada e, quando formos nós a clamar pelo Senhor, Ele nos responda dizendo: Aqui estou! (cf. Is 58, 9).

terça-feira, 13 de novembro de 2018

2º Dia Mundial dos Pobres: Mensagem do Papa (2)

“Este pobre clama e o Senhor o escuta!”
MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO PARA O II DIA MUNDIAL DOS POBRES (2)

O Salmo caracteriza a atitude do pobre e a sua relação com Deus, por meio de três verbos. O primeiro: clamar. A condição de pobreza não se esgota numa palavra, mas torna-se um brado que atravessa os céus e chega a Deus. O que exprime o brado dos pobres senão o seu sofrimento e solidão, a sua desilusão e esperança? Podemos interrogar-nos: como é possível que este brado, que sobe à presença de Deus, não consiga chegar aos nossos ouvidos e nos deixe indiferentes e impassíveis? Num Dia como este, somos chamados a fazer um sério exame de consciência para compreender se somos verdadeiramente capazes de escutar os pobres.
Necessitamos da escuta silenciosa para reconhecer a sua voz. Se nós falarmos demasiado, não conseguiremos escutá-los. Muitas vezes, temo que tantas iniciativas, apesar de meritórias e necessárias, visem mais comprazer-nos a nós mesmos do que acolher verdadeiramente o clamor do pobre. Se assim for, na hora em que os pobres fazem ouvir o seu brado, a reação não é coerente, não é capaz de sintonizar com a condição deles. Vive-se tão encurralado numa cultura do indivíduo obrigado a olhar-se ao espelho e a cuidar exageradamente de si mesmo, que se considera suficiente um gesto de altruísmo para ficar satisfeito, sem se comprometer diretamente.
Um segundo verbo é responder. O Salmista diz que o Senhor não só escuta o clamor do pobre, mas também responde. A sua resposta é uma intervenção cheia de amor na condição do pobre. Foi assim, quando Abraão expressara a Deus o seu desejo de possuir uma descendência, apesar de ele e a esposa Sara, já idosos, não terem filhos (cf. Gn 15, 1-6). O mesmo aconteceu quando Moisés, do fogo duma sarça que ardia sem se consumir, recebeu a revelação do nome divino e a missão de fazer sair o povo do Egito (cf. Ex 3, 1-15). E esta resposta confirmou-se ao longo de todo o caminho do povo pelo deserto: tanto quando sentia os apertos da fome e da sede (cf. Ex 16, 1-16; 17, 1-7), como quando caía na miséria pior, ou seja, na infidelidade à aliança e na idolatria (cf. Ex 32, 1-14).
A resposta de Deus ao pobre é sempre uma intervenção salvadora para cuidar das feridas da alma e do corpo, repor a justiça e ajudar a retomar a vida com dignidade. A resposta de Deus é também um apelo para que toda a pessoa que acredita n’Ele possa, dentro dos limites humanos, fazer o mesmo. O Dia Mundial dos Pobres pretende ser uma pequena resposta, dirigida pela Igreja inteira dispersa por todo o mundo, aos pobres de todo o gênero e de todo o lugar a fim de não pensarem que o seu clamor caíra em saco roto. Provavelmente, é como uma gota de água no deserto da pobreza; e contudo pode ser um sinal de solidariedade para quantos passam necessidade a fim de sentirem a presença ativa dum irmão ou duma irmã. Não é de um ato de delegação que os pobres precisam, mas do envolvimento pessoal de quantos escutam o seu brado. A solicitude dos crentes não pode limitar-se a uma forma de assistência – embora necessária e providencial num primeiro momento –, mas requer aquela atenção amiga que aprecia o outro como pessoa e procura o seu bem.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

2º Dia Mundial dos Pobres: Mensagem do Papa (1)


“Este pobre clama e o Senhor o escuta!”
MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO PARA O II DIA MUNDIAL DOS POBRES (1)

1. “Este pobre clama e o Senhor o escuta” (Sal 34, 7). Façamos nossas estas palavras do Salmista, quando nos vemos confrontados com as mais variadas condições de sofrimento e marginalização em que vivem tantos irmãos e irmãs, que nos habituamos a designar com o termo genérico de pobres. O autor de tais palavras não é alheio a esta condição; antes pelo contrário, experimenta diretamente a pobreza e, todavia, transforma-a num cântico de louvor e agradecimento ao Senhor. Hoje, este Salmo permite-nos também a nós, rodeados por tantas formas de pobreza, compreender quem são os verdadeiros pobres para os quais somos chamados a dirigir o olhar a fim de escutar o seu clamor e reconhecer as suas necessidades.
Nele se diz, antes de mais nada, que o Senhor escuta os pobres que clamam por Ele e é bom para quantos, de coração dilacerado pela tristeza, a solidão e a exclusão, n’Ele procuram refúgio. Escuta todos os que são espezinhados na sua dignidade e, apesar disso, têm a força de levantar o olhar para o Alto a fim de receber luz e conforto. Escuta os que se veem perseguidos em nome duma falsa justiça, oprimidos por políticas indignas deste nome e intimidados pela violência; e contudo sabem que têm em Deus o seu Salvador. O primeiro elemento que sobressai nesta oração é o sentimento de confiança num Pai que escuta e acolhe. Sintonizados com estas palavras, podemos compreender mais profundamente aquilo que Jesus proclamou com a bem-aventurança “felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu” (Mt 5, 3).
Entretanto devido ao caráter único desta experiência, sob muitos aspetos imerecida e impossível de se expressar plenamente, sente-se o desejo de a comunicar a outros, a começar pelos que são pobres, rejeitados e marginalizados. De fato, ninguém se pode sentir excluído do amor do Pai, sobretudo num mundo onde frequentemente se eleva a riqueza ao nível de primeiro objetivo e faz com que as pessoas se fechem em si mesmas.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

ANO B – TRIGÉSIMO-SEGUNDO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 11.11.2018


A religião não deve legitimar a exploração dos pobres!
É preciso sempre ter muito cuidado para não distorcer a Palavra de Deus. As passagens propostas para este domingo podem ser presas fáceis de uma exegese preguiçosa ou de uma edificante ideologia. A figura das duas viúvas, a do livro dos Reis e a do evangelho de Marcos, soa como canto de sereia para leituras superficiais e conclusões fáceis. A necessidade de resgatar virtudes como a hospitalidade e a partilha, assim como de angariar fundos para as Igrejas e suas obras, pode nos induzir a um louvor precipitado da atitude destas mulheres que são, antes de tudo, vítimas de sistemas injustos.
Depois de uma longa viagem, durante a qual procura incansavelmente formar os discípulos no seu caminho, Jesus chega com eles a Jerusalém (cf. 11,15). Visitando o templo, Jesus não se encanta nem se omite: classifica-o como esconderijo de ladrões e expulsa do seu interior os comerciantes que lucram com ele (cf. 11,17). Então, abre-se uma série de confrontos entre Jesus e os chefes dos sacerdotes, doutores da Lei (cf. 11,18.28) e saduceus (cf. 12,18-27). Estes grupos religiosos e políticos não apenas questionam o ensinamento de Jesus, mas procuram um modo de prendê-lo e matá-lo (cf. 11,18; 12,12).
Assim, o contexto literário da passagem do Evangelho deste domingo é o questionamento do templo e de confronto com as autoridades religiosas, especialmente com os doutores da Lei. Contra estes, Jesus levanta cinco acusações: pretendem demonstrar o saber religioso pelas roupas que usam; gostam de ser cumprimentados nas praças; disputam os primeiros lugares nas sinagogas e banquetes; exploram e roubam as viúvas; e usam a piedade como disfarce que encobre tudo isso. Jesus está longe de desconhecer a ambiguidade violenta do sistema do templo e daqueles que o sustentam.
Por isso, Jesus desmascara a hipocrisia dos doutores da Lei, importantes autoridades religiosas do judaísmo da época, afirmando que eles não vivem o essencial da aliança, que é praticar o direito, amar a misericórdia e caminhar humildemente diante do Senhor (cf. Mq 6,8), assim como proteger os pobres, os órfãos, as viúvas e os estrangeiros (cf. Dt 24,18-22). Eles correm atrás de status e privilégios especiais, e se aproveitam da fraqueza e insegurança das viúvas, das quais são legalmente constituídos administradores. Aos olhos de Jesus, a piedade dos doutores da Lei e dos escribas é falsa, e serve como um belo véu para encobrir o oportunismo e a exploração dos pobres e indefesos.
É neste contexto que a passagem da viúva que vai ao templo adquire sentido. Não passa pela cabeça de Jesus elogiar o templo, que há pouco havia desmascarado. Sentado diante das caixas de coleta, ele observa e descreve concretamente como se processa a exploração que o templo perpetra contra as viúvas e as pessoas mais pobres. Jesus não se deixa enganar pelas aparentemente volumosas contribuições dos ricos. Sua atenção se volta a uma viúva pobre que, depositando duas unidades da menor moeda em circulação, "depositou tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver".
Não me parece que Jesus queira elogiar a generosidade da pobre viúva.  Antes, o que ele pretende é desmascarar a exploração que se realiza através do templo: os ricos contribuem com o que lhes sobra, enquanto que os pobres são obrigados a dar praticamente tudo o que têm para viver. Jesus chama atenção para este contraste, e diz que há uma inversão inaceitável: diferente do que se pensa e se diz, o templo exige mais dos pobres que dos ricos. É assim que os escribas rapinam as viúvas pobres: justificando tudo pela contabilidade financeira e pelas aparências piedosas...
Jesus lamenta a exploração praticada pelo templo e justificada por mentiras matemáticas e teológicas. Ele não se impressiona com a grandiosidade do templo, e se irrita com a ausência de justiça e de equidade. Jesus percebe com clareza que atitudes e práticas piedosas podem esconder injustiças violentas, e a própria religião pode tornar-se meio de exploração dos mais pobres. Por isso, convida seus interlocutores a rever as práticas individuais, eclesiais e sociais. E acrescenta como profecia e ameaça: "Você está vendo estas grandes construções? Não ficará pedra sobre pedra: tudo será destruído" (13,2).
Jesus, pregador do Reino, peregrino nas estradas da Galileia e observador crítico das práticas opressoras do templo em Jerusalém...  Concede-nos a coragem e a liberdade que necessitamos para denunciar que há um nexo entre a riqueza de poucos e a pobreza de muitos, e que a desregulamentação liberal das relações trabalhistas reduz a segurança social e aumenta a exploração sobre os trabalhadores.  Ajuda-nos a não sermos coniventes com isso, e inspira às nossas Igrejas e a cada um de nós palavras e ações que instaurem a justiça do teu Reino na terra. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(1° Livro dos Reis 17,10-16 * Salmo 145 (146) * Carta aos Hebreus 9,24-28 * Evangelho de São Marcos 12,38-44)

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

O Evangelho dominical - 10.11.2018


O MELHOR DA IGREJA

O contraste entre as duas cenas não poderia ser mais forte. Na primeira, Jesus coloca as pessoas em guarda frente aos dirigentes religiosos: “Cuidado com os mestres da Lei!”: o seu comportamento pode fazer muito mal. Na segunda, chama os Seus discípulos para que tomem nota do gesto de uma viúva pobre: as pessoas simples podem ensinar-lhes a viver o Evangelho.
É surpreendente a linguagem dura e certeira que utiliza Jesus para desmascarar a falsa religiosidade dos escribas. Não pode suportar a sua vaidade e o seu afã de ostentação. Eles procuram se vestir de modo especial e ser saudados com reverência para sobressair sobre os demais, impor-se e dominar.
A religião serve para alimentar a sua vaidade. Fazem longas orações para impressionar. Não criam comunidade, pois colocam-se acima de todos. No fundo, só pensam em si mesmos. Vivem aproveitando-se das pessoas débeis, as que deveriam servir.
Marcos não recolhe as palavras de Jesus para condenar os escribas que havia no Templo de Jerusalém antes da sua destruição, mas para colocar em guarda as comunidades cristãs para quem escreve. Os dirigentes religiosos hão de ser servidores da comunidade. Nada mais. Se o esquecem, são um perigo para todos. Há que reagir para que não provoquem estragos.
Na segunda cena, Jesus está sentado frente à arca das oferendas. Muitos ricos vão deitando quantidades importantes: são os que sustentam o Templo. De repente aproxima-se uma mulher. Jesus observa que deita duas pequenas moedas de cobre. É uma viúva pobre, maltratada pela vida, só e sem recursos. Provavelmente vive mendigando junto ao Templo.
Comovido, Jesus chama rapidamente os Seus discípulos. Não hão de esquecer o gesto desta mulher, pois, mesmo estando a passar necessidades, «deitou o que necessitava, tudo o que tinha para viver». Enquanto os mestres vivem aproveitando-se da religião, esta mulher desprende-se pelos outros, confiando totalmente em Deus.
O seu gesto mostra-nos o coração da verdadeira religião: confiança grande em Deus, gratuidade surpreendente, generosidade e amor solidário, simplicidade e verdade. Não conhecemos o nome desta mulher nem o seu rosto. Só sabemos que Jesus viu nela um modelo para os futuros dirigentes da sua Igreja.
Também hoje tantas mulheres e homens de fé simples e coração generoso são o melhor que temos na Igreja. Não escrevem livros nem pronunciam sermões, mas são os que mantêm vivo entre nós o Evangelho de Jesus. É deles que temos de aprender, os presbíteros e os bispos.
José Antonio Pagola
Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez

sábado, 3 de novembro de 2018

A tentação do endurecimento


O canto da sereia
Além da novela da rede Globo e da ilusão do personagem Ulisses na obra de Homero, há uma sereia que hoje representa uma tentação à democracia. Desta vez, não vem das águas do mar, mas do status quo de quem habita as fortalezas contemporâneas da riqueza acumulada num grau sem precedentes. Fortalezas erguidas pela renda do capital, pela exploração da força do trabalho humano e dos recursos naturais, bem como pelo patrimônio cultural de toda humanidade. Por trás dos muros de tais fortalezas, reina o luxo, o consumo ilimitado e a ostentação. Mas reina, de igual modo, uma indiferença nunca vista por aqueles que penosamente rastejam do lado de fora dos muros, pelas condições climáticas do meio ambiente, pela diversas formas de vida (biodiversidade) e pelas gerações futuras.
Nas pesquisas, nos estudos, nas análises e nas estatísticas, os números convergem. Nas últimas 5 décadas, fortemente marcados pela crise que inicia com os anos de 1970, a técnica, o progresso e o crescimento econômico favoreceram desmedidamente o andar de cima da pirâmide social. A economia globalizada de corte liberal, de modo particular o capital financeiro, infectados pelo vírus do lucro pelo lucro, agravaram as injustiças, as assimetrias e as desigualdades sociais. Enquanto os estratos médios viram-se sacrificados, aprofundou-se drasticamente a distância entre o punhado de poderosos ricos e a enorme massa dos pobres, seja em nível nacional e regional, seja em nível internacional. As fortalezas convivem lado a lado com os casebres e favelas, enquanto os serviços públicos tornaram-se parcos e precários, diante do rendimento dos gigantescos conglomerados empresariais.
De um lado, no imenso cassino mundial, o capital volátil joga com milhões, bilhões e trilhões. Voa de um país a outro, sem qualquer respeito pelo rastro de fome e de cadáveres que deixa pelo caminho. De outro, os deserdados do planeta disputam os centavos que sobram do banquete. Disputam-nos como errantes que giram, eles também de um lugar a outro. Migrantes em marcha atrás de migalhas na divisão da terra e do trabalho, na educação e na saúde, no transporte e no saneamento básico, no alimento e na moradia…. Enfim, de uma sobrevivência cada vez mais difícil e provisória.
Democracia nossa de cada dia, infectada e enferma. Igualitária quanto aos votos depositados na urna, mas abissalmente díspar no que diz respeito à distribuição da riqueza produzida. Democracia que, ao longo da história, baniu as dinastias do poder, abrindo as portas a novas oportunidades. Ao mesmo tempo, porém, deixou inalterável as dinastias dos bens e da renda. Os patrimônios permanecem sagrados, como heranças intocáveis de pai para filho, independentemente de como tenham sido acumulados. Regime capaz até de suportar determinadas alternativas de pilotagem, desde que esteja garantida a segurança das fortalezas. Democracia que navega com relativa tranquilidade nas ondas, espumosas mas inofensivas, das disputas políticas; contudo, não ousa mergulhar nas correntes subterrâneas da economia. Na superfície aparente as águas se agitam, sem dúvida, mas nada se compara ao ímpeto e ao impacto devastadores das torrentes profundas onde imperam as leis cegas e férreas do sistema capitalista.
Semelhantes leis da economia globalizada, real ou virtual, acabam contaminando não somente o processo eleitoral, mas também o mandato legitimado pelas urnas. Um e outro encontram-se inextricavelmente subordinados ao poder econômico. Desse modo, a dinastia da renda e da riqueza acaba por refazer uma espécie de dinastia do comando, desde a campanha até o governo efetivo. Como força do dinheiro, renascem e se fortalecem “os donos do poder”, para usar a expressão de Raymundo Faoro. A pergunta aqui é simples: diante do mercado total e global, qual a margem de manobra dos candidatos eleitos? Que pode fazer o governo para mudar os rumos de uma nação endividada, por exemplo? Que tipo de política econômica será capaz de pavimentar de modo real eficaz? Poderá implementar políticas sociais em favor da população pobre, no sentido de uma verdadeira distribuição de renda?
Soa então, melodioso e tentador, o canto da sereia. A inércia da direita conservadora. O melhor é dançar de acordo com seu ritmo suave e encantador. Hoje em dia, a sereia vem avançando rapidamente pelas mais diversas partes do planeta. Daí as alianças pela governabilidade, as quais, tendem a levar em conta as dívidas contraídas durante a ascensão às escalas do trono, em lugar de ouvir as reivindicações dos movimentos sociais e das organizações de base, enfim, do empoderamento popular.
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs