segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

ANO C | TEMPO DO NATAL | SOLENIDADE DE MARIA, MÃE DE DEUS | 01.01.2019


A paz é uma flor que desabrocha entre as pedras da violência...
Na celebração cristã do Novo Ano se entrelaçam três temas: o começo de um novo ano civil, a maternidade de Maria e a Jornada Mundial pela Paz. Mesmo atordoados pelos fogos e champanhes do réveillon, não esqueçamos que um ano novo, marcado pela Paz, não costuma chegar da noite para o dia. As novidades promissoras e duradouras são gestadas sempre muito pacientemente no ventre profundo da história e das pessoas de boa vontade, daquelas que acolhem os dons e convites que vêm dos desertos, das periferias e das fronteiras; são dons que desestabilizam e põem a caminho.
Paulo recorda aos cristãos de Gálatas e de todos os tempos que Deus nos enviou seu Filho quando o tempo se cumpriu e chegou à maturidade. Nascendo de Maria, o Filho de Deus desceu e se igualou às criaturas marcadas pelas limitações. Mas também nos resgatou do domínio escravizador das leis e instituições e nos deu a adoção filial e a liberdade. Desde então, vivemos na liberdade dos filhos e filhas, e o Espírito derramado em nossos corações nos pacificou e nos deu a possibilidade de clamar a Deus como os filhos se dirigem ao pai e à mãe. Não somos mais escravos, mas filhos e herdeiros!
Quando acolhido, Jesus de Nazaré pacifica o mundo e gera relações novas, baseadas na justiça e na fraternidade. E ele cumpre a promessa de Deus e a nossa esperança através de cada um de nós, das pessoas de boa vontade, dos líderes autênticos e das organizações que não se resignam à paz aparente, à paz baseada no equilíbrio de forças ou no terrorismo estatal. “Deus te abençoe e te guarde! Deus mostre seu rosto brilhante e tenha piedade de ti! Deus mostre seu rosto e te dê a paz!” Falando assim, seremos princípios e príncipes da Paz, mesmo que ela tenha que desabrochar entre as pedras da violência (Charles Péguy).
Hoje contemplamos a chegada dos pastores à gruta Belém. Eles encontram Jesus no seio de uma família pobre e migrante. Ficam vivamente impressionados com o que veem, e comparam com tudo aquilo que tinham ouvido. E conseguem compreender este mistério de um Deus a quem não apraz a força dos cavalos ou dos tanques, dos cortejos de acólitos, das doutrinas e dos códigos de direito... Deus se alegra com o despojamento solidário de quem se faz próximo e peregrino com os deslocados e sem-lugar e, por isso, como os pastores, volta louvando e glorificando a Deus por tudo o que vê e ouve.
Jesus recebe o nome proposto pelo mensageiro de Deus a Maria no anúncio-convite. Ele se chama boa notícia da salvação: Deus salva seu povo do pecado. Estamos livres do pagamento do débito que temos conosco mesmos e com os outros por não conseguirmos realizar a utopia que realmente sonhamos. Estamos livres da culpa de termos ficado aquém, ou de termos errado o alvo. Deus não fica esperando que cheguemos heroicamente a ele. Ele mesmo vem decididamente ao nosso encontro. Ele é nossa Paz! E é claro que, sendo perdoados e pacificados, tornamo-nos agentes do perdão e operadores da paz.
Mas, mesmo que alguns torçam o nariz em protesto, precisamos lembrar que a construção da paz passa também pela Política! É isso que o Papa Francisco sublinha na sua mensagem para o Ano Novo. Ele diz que os vícios da vida pública, ou da política – entre os quais está a corrupção, a negação dos direitos humanos, a falta de respeito pelas regras comunitárias, o enriquecimento ilegal, a justificação do poder pela força e pelo arbítrio, a xenofobia, o racismo e a falta de respeito ao meio ambiente – minam a credibilidade dos sistemas nos quais se realizam e a autoridade dos agentes públicos. Será que o Papa é mais um comunista?
Por outro lado, diz o Papa, a boa Política está a serviço da Paz, na medida em que respeita e promove os direitos humanos fundamentais, base sobre a qual se constrói o vínculo de confiança e gratidão entre os povos e entre as gerações. “Não são sustentáveis os discursos políticos que tendem a acusar os migrantes como culpados de todos os males e a privar os pobres da esperança”, diz ele. A paz deve ser cultivada na relação consigo mesmo (superação da impaciência e da intransigência), na relação com o outro (ousar o encontro, para acolher e escutar o outro) e com a criação (cuidando do ambiente como cuidamos da família).
Bem-aventurado o político que tem uma profunda consciência do seu papel social. Bem-aventurado o político que irradia credibilidade. Bem-aventurado o político que trabalha para o nem comum e não para si mesmo. Bem-aventurado o político que permanece fielmente coerente. Bem-aventurado o político que realiza a unidade. Bem-aventurado o político comprometido com a mudança radical. Bem-aventurado o político que sabe escutar. Bem-aventurado o político que não tem medo. (Dom François Xavier Van Thuan)
                                                                                                                       Itacir Brassiani msf
Livro dos Números 6,22-27 | Salmo 66 (67)
Carta de São Paulo aos Gálatas 4,47 | Evangelho de São Lucas 2,16-21

domingo, 30 de dezembro de 2018

Mensagem do Papa Francisco para o Ano Novo 2019


A boa política está ao serviço da paz
Mensagem do Papa Francisco para o Ano Novo

“A paz esteja nesta casa!”
Ao enviar seus discípulos em missão, Jesus disse-lhes: “Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: “A paz esteja nesta casa!” E, se lá houver um homem de paz, sobre ele repousará a vossa paz; se não, voltará para vós” (Lc 10, 5-6).
O oferecimento da paz está no coração da missão dos discípulos de Cristo. E esta oferta é feita a todos os homens e mulheres que, no meio dos dramas e violências da história humana, esperam na paz. A “casa” de que fala Jesus é cada família, cada comunidade, cada país, cada continente, na sua singularidade e história; antes de mais nada, é cada pessoa, sem distinção nem discriminação alguma. E é também a nossa “casa comum”, o planeta onde Deus nos colocou a morar e do qual somos chamados a cuidar com solicitude. Eis, pois, os meus votos no início do novo ano: “A paz esteja nesta casa!”
O desafio da boa política
A paz parece-se com a esperança de que fala o poeta Carlos Péguy; é como uma flor frágil, que procura desabrochar por entre as pedras da violência. Como sabemos, a busca do poder a todo o custo leva a abusos e injustiças. A política é um meio fundamental para construir a cidadania e as obras do homem, mas, quando aqueles que a exercem não a vivem como serviço à coletividade humana, pode tornar-se instrumento de opressão, marginalização e até destruição.
“Se alguém quiser ser o primeiro – diz Jesus – há de ser o último de todos e o servo de todos” (Mc 9, 35). Como assinalava o Papa São Paulo VI, “tomar a sério a política, nos seus diversos níveis – local, regional, nacional e mundial – é afirmar o dever do homem, de todos os homens, de reconhecerem a realidade concreta e o valor da liberdade de escolha que lhes é proporcionada, para procurarem realizar juntos o bem da cidade, da nação e da humanidade”.
Com efeito, a função e a responsabilidade política constituem um desafio permanente para todos aqueles que recebem o mandato de servir o seu país, proteger as pessoas que habitam nele e trabalhar para criar as condições dum futuro digno e justo. Se for implementada no respeito fundamental pela vida, a liberdade e a dignidade das pessoas, a política pode tornar-se verdadeiramente uma forma eminente de caridade.
Caridade e virtudes para uma política o serviço dos direitos humanos e da paz
O Papa Bento XVI recordava que “todo o cristão é chamado a esta caridade, conforme a sua vocação e segundo as possibilidades que tem de incidência na pólis. Quando o empenho pelo bem comum é animado pela caridade, tem uma valência superior à do empenho simplesmente secular e político. A ação do homem sobre a terra, quando é inspirada e sustentada pela caridade, contribui para a edificação daquela cidade universal de Deus, que é a meta para onde caminha a história da família humana”. Trata-se de um programa no qual se podem reconhecer todos os políticos, de qualquer afiliação cultural ou religiosa, que desejam trabalhar juntos para o bem da família humana, praticando as virtudes humanas que subjazem a uma boa ação política: a justiça, a equidade, o respeito mútuo, a sinceridade, a honestidade, a fidelidade.
A propósito, vale a pena recordar as «bem-aventuranças do político», propostas por uma testemunha fiel do Evangelho, o Cardeal vietnamita Francisco Xavier Nguyen Van Thuan, falecido em 2002:
Bem-aventurado o político que tem uma alta noção e uma profunda consciência do seu papel.
Bem-aventurado o político de cuja pessoa irradia a credibilidade.
Bem-aventurado o político que trabalha para o bem comum e não para os próprios interesses.
Bem-aventurado o político que permanece fielmente coerente.
Bem-aventurado o político que realiza a unidade.
Bem-aventurado o político que está comprometido na realização duma mudança radical.
Bem-aventurado o político que sabe escutar.
Bem-aventurado o político que não tem medo.
Cada renovação nos cargos eletivos, cada período eleitoral, cada etapa da vida pública constitui uma oportunidade para voltar à fonte e às referências que inspiram a justiça e o direito. De uma coisa temos a certeza: a boa política está ao serviço da paz; respeita e promove os direitos humanos fundamentais, que são igualmente deveres recíprocos, para que se teça um vínculo de confiança e gratidão entre as gerações do presente e as futuras.
Os vícios da política
A par das virtudes, não faltam infelizmente os vícios, mesmo na política, devidos quer à inépcia pessoal quer às distorções no meio ambiente e nas instituições. Para todos, está claro que os vícios da vida política tiram credibilidade aos sistemas dentro dos quais ela se realiza, bem como à autoridade, às decisões e à ação das pessoas que se lhe dedicam. Estes vícios, que enfraquecem o ideal duma vida democrática autêntica, são a vergonha da vida pública e colocam em perigo a paz social: a corrupção – nas suas múltiplas formas de apropriação indevida dos bens públicos ou de instrumentalização das pessoas –, a negação do direito, a falta de respeito pelas regras comunitárias, o enriquecimento ilegal, a justificação do poder pela força ou com o pretexto arbitrário da razão de Estado, a tendência a perpetuar-se no poder, a xenofobia e o racismo, a recusa a cuidar da Terra, a exploração ilimitada dos recursos naturais em razão do lucro imediato, o desprezo daqueles que foram forçados ao exílio.
A boa política promove a participação dos jovens e a confiança no outro
Quando o exercício do poder político visa apenas salvaguardar os interesses de certos indivíduos privilegiados, o futuro fica comprometido e os jovens podem ser tentados pela desconfiança, por se verem condenados a permanecer à margem da sociedade, sem possibilidades de participar num projeto para o futuro.
Pelo contrário, quando a política se traduz no encorajamento dos talentos juvenis e das vocações que requerem a sua realização, a paz propaga-se nas consciências e nos rostos. Torna-se uma confiança dinâmica, que significa “fio-me de ti e creio contigo” na possibilidade de trabalharmos juntos pelo bem comum.
Por isso, a política é a favor da paz, se se expressa no reconhecimento dos carismas e capacidades de cada pessoa. Que há de mais belo que uma mão estendida? Esta foi querida por Deus para dar e receber. Deus não a quis para matar (cf. Gn 4, 1-16) ou fazer sofrer, mas para cuidar e ajudar a viver. Juntamente com o coração e a inteligência, pode, também a mão, tornar-se um instrumento de diálogo.
Cada um pode contribuir com a própria pedra para a construção da casa comum. A vida política autêntica, que se funda no direito e num diálogo leal entre os sujeitos, renova-se com a convicção de que cada mulher, cada homem e cada geração encerram em si uma promessa que pode irradiar novas energias relacionais, intelectuais, culturais e espirituais. Uma tal confiança nunca é fácil de viver, porque as relações humanas são complexas.
Nestes tempos, em particular, vivemos num clima de desconfiança que está enraizada no medo do outro ou do forasteiro, na ansiedade pela perda das próprias vantagens, e manifesta-se também, infelizmente, a nível político mediante atitudes de fechamento ou nacionalismos que colocam em questão aquela fraternidade de que o nosso mundo globalizado tanto precisa. Hoje, mais do que nunca, as nossas sociedades necessitam de «artesãos da paz» que possam ser autênticos mensageiros e testemunhas de Deus Pai, que quer o bem e a felicidade da família humana.
Não à guerra nem à estratégia do medo
Cem anos depois do fim da I Guerra Mundial, ao recordarmos os jovens mortos durante aqueles combates e as populações civis dilaceradas, experimentamos – hoje, ainda mais que ontem – a terrível lição das guerras fratricidas, isto é, que a paz não pode jamais reduzir-se ao mero equilíbrio das forças e do medo. Manter o outro sob ameaça significa reduzi-lo ao estado de objeto e negar a sua dignidade.
Por esta razão, reiteramos que a escalada em termos de intimidação, bem como a proliferação descontrolada das armas são contrárias à moral e à busca duma verdadeira concórdia. O terror exercido sobre as pessoas mais vulneráveis contribui para o exílio de populações inteiras à procura duma terra de paz.
Não são sustentáveis os discursos políticos que tendem a acusar os migrantes de todos os males e a privar os pobres da esperança. Ao contrário, deve-se reafirmar que a paz se baseia no respeito por toda a pessoa, independentemente da sua história, no respeito pelo direito e o bem comum, pela história, no respeito pelo direito e o bem comum, pela criação que nos foi confiada e pela riqueza moral transmitida pelas gerações passadas.
O nosso pensamento detém-se, ainda e de modo particular, nas crianças que vivem nas zonas atuais de conflito e em todos aqueles que se esforçam por que a sua vida e os seus direitos sejam protegidos. No mundo, uma em cada seis crianças sofre com a violência da guerra ou pelas suas consequências, quando não é requisitada para se tornar, ela própria, soldado ou refém dos grupos armados. O testemunho daqueles que trabalham para defender a dignidade e o respeito das crianças é extremamente precioso para o futuro da humanidade.
Um grande projeto de paz
Celebramos há pouco o septuagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada após a II Guerra Mundial. A este respeito, recordemos a observação do Papa São João XXIII: “Quando numa pessoa surge a consciência dos próprios direitos, nela nascerá forçosamente a consciência do dever: no titular de direitos, o dever de reclamar esses direitos, como expressão da sua dignidade; nos demais, o dever de reconhecer e respeitar tais direitos”.
Com efeito, a paz é fruto dum grande projeto político, que se baseia na responsabilidade mútua e na interdependência dos seres humanos. Mas é também um desafio que requer ser abraçado dia após dia. A paz é uma conversão do coração e da alma, sendo fácil reconhecer três dimensões indissociáveis desta paz interior e comunitária:
a)         A paz consigo mesmo, rejeitando a intransigência, a ira e a impaciência e – como aconselhava São Francisco de Sales – cultivando “um pouco de doçura para consigo mesmo”, a fim de oferecer “um pouco de doçura aos outros”;
b)         A paz com o outro: o familiar, o amigo, o estrangeiro, o pobre, o atribulado, tendo a ousadia do encontro, para ouvir a mensagem que traz consigo;
c)          A paz com a criação, descobrindo a grandeza do dom de Deus e a parte de responsabilidade que compete a cada um de nós, como habitante deste mundo, cidadão e ator do futuro.
A política da paz, que conhece bem as fragilidades humanas e delas se ocupa, pode sempre inspirar-se ao espírito do Magnificat que Maria, Mãe de Cristo Salvador e Rainha da Paz, canta em nome de todos os homens: A «misericórdia de Deus estende-se de geração em geração sobre aqueles que O temem. Manifestou o poder do seu braço e dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes, lembrado da sua misericórdia, como tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência, para sempre” (Lc 1, 50-55).
Vaticano, 8 de dezembro de 2018.
FRANCISCO

sábado, 29 de dezembro de 2018

O Evangelho dominical - 01.01.2019


ORAÇÃO PARA A NOITE DE ANO NOVO

Senhor, antes de entrar na agitação e no torpor do fim do ano, quero que, nesta tarde, nos encontremos, com calma. São poucas as vezes que o faço. Tu sabes que tenho dificuldade em rezar. Esqueci-me das orações que me ensinaram quando criança, e não aprendi a falar Contigo de uma forma mais viva e concreta.
Senhor, na verdade, eu não sei muito bem se acredito em Ti. Passaram-se tantas coisas nestes anos. A vida mudou tanto e eu envelheci tanto por dentro. Gostaria de me sentir mais vivo e mais perto de Ti. Ajudar-me-ia a acreditar. Mas é tudo tão difícil.
E no entanto, Senhor, eu preciso de Ti. Às vezes sinto-me interiormente muito mal. Os anos passam e sinto o desgaste da vida. Por fora, tudo parece funcionar bem: o trabalho, a família, os filhos. Qualquer um me invejaria. Mas eu não me sinto bem.
Já passou mais um ano. Esta noite começaremos um novo ano, mas sei que tudo continuará igual. Os mesmos problemas, as mesmas preocupações, os mesmos trabalhos. E assim, até quando?
Como eu gostaria de poder renovar minha vida por dentro. Encontrar em mim uma alegria nova, uma força diferente para viver cada dia. Mudar, ser melhor comigo mesmo e com todos. Mas, na minha idade, não se pode esperar grandes mudanças. Já estou demasiado acostumado a um estilo de vida. Nem eu mesmo acredito muito na minha transformação.
Por outro lado, Tu sabes como me deixo arrastar pela agitação de cada dia. Talvez por isso quase nunca me encontro Contigo. Tu está dentro de mim e eu quase sempre estou fora de mim mesmo. Tu estás comigo e estou perdido em mil coisas.
Se ao menos eu Te sentisse como o meu melhor amigo. Às vezes penso que isso mudaria tudo. Que alegria se eu não tivesse esse tipo de medo que eu não sei de onde vem, mas que me afasta tanto de Ti.
Senhor, grava bem no meu coração que Tu só podes sentir amor e ternura por mim. Recorda-me desde o meu interior que Tu me aceita como sou, com minha mediocridade e meu pecado, e que me amas mesmo que eu não mude.
Senhor, a minha vida está passando, e às vezes penso que meu grande pecado é não conseguir acreditar em Ti e no Teu amor. Por isso, esta noite não Te peço coisas. Só peço que despertes a minha fé o suficiente para acreditar que Tu estás sempre perto e me acompanhas.
Que ao longo deste ano novo eu não me afaste muito de Ti. Que saiba encontrar-te nos meus sofrimentos e nas minhas alegrias. Então talvez eu mude. E então será um ano novo.
José Antônio Pagola
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

O Evangelho dominical - 30.12.2018


UMA FAMÍLIA DIFERENTE

Entre os católicos, defende-se quase instintivamente o valor da família, mas nem sempre paramos para refletir sobre o conteúdo concreto de um projeto familiar, compreendido e vivido a partir do Evangelho. Como seria uma família inspirada em Jesus?
A família, segundo ele, tem sua origem no mistério do Criador que atrai a mulher e o homem a ser “uma só carne”, partilhando a sua vida numa entrega mútua, animada por um amor livre e gratuito. Esta é a primeira coisa, e a mais decisiva. Esta experiência amorosa dos pais pode gerar uma família saudável.
Seguindo o chamado profundo do seu amor, os pais convertem-se numa fonte de vida nova. É a sua tarefa mais emocionante, aquilo que pode dar uma profundidade e um novo horizonte para o seu amor. Aquilo que pode consolidar para sempre a sua obra criadora no mundo.
Os filhos são um presente e uma responsabilidade. Um desafio difícil e uma satisfação incomparável. A ação de Jesus, sempre defendendo os pequenos e abraçando e abençoando as crianças, sugere a atitude básica: cuidar da vida frágil daqueles que começam a caminhar neste mundo. Ninguém lhes pode oferecer nada melhor.
Uma família cristã procura viver uma experiência original no meio da atual sociedade indiferente e agnóstica: construir o seu lar a partir de Jesus. “Onde dois ou três se reúnam em meu nome, aí estarei Eu no meio deles”. É Jesus quem encoraja, sustenta e orienta a vida saudável da família cristã.
A casa torna-se então um espaço privilegiado para viver as experiências mais básicas da fé cristã: a confiança num Deus bom, amigo do ser humano; a atração pelo estilo de vida de Jesus; a descoberta do projeto de Deus, para construir um mundo mais digno, justo e amável para todos. A leitura do Evangelho em família é uma experiência decisiva.
Num lar onde se vive o seguimento de Jesus com fé simples, mas com grande paixão, cresce uma família acolhedora, sensível ao sofrimento dos mais necessitados, onde se aprende a partilhar e a comprometer-se com um mundo mais humano. Uma família que não se concentra apenas nos seus interesses, mas vive aberta à família humana.
Muitos pais vivem hoje sobrecarregados por diferentes problemas e se vêm sozinhos para enfrentar sua tarefa. Não poderiam receber ajuda mais concreta e eficaz das comunidades cristãs? A muitos pais crentes faria bem se pudessem se encontrar, partilhar as suas preocupações e apoiar-se mutuamente. Não é evangélico exigir tarefas heroicas e ignorá-los depois das suas lutas e esforços.
José Antônio Pagola
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

ANO C | TEMPO DO NATAL | FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA | 30.12.2018


A aliança no amor e na igualdade é a base que sustenta a família.
No dia em que festejamos a família de Jesus não podemos ceder à piedosa tentação de imaginar uma família idealizada e espiritualizada, alheia à realidade histórica e material. Do ponto de vista sociológico, a Sagrada Família é uma família judia absolutamente normal, tão normal que sequer despertou a atenção dos vizinhos e da sinagoga, a não ser depois do evento pascal de Jesus. Viveu os valores humanos e religiosos de uma família crente, frequentando a sinagoga, meditando a Palavra dos profetas, peregrinando ao Templo, celebrando a liturgia doméstica, esperando a vinda do Messias, lutando para sobreviver.
É isso que vemos no evangelho de hoje. Maria e José levam o adolescente Jesus a Jerusalém e, como família e com o povo todo, participam da festa que recorda e atualiza a superação da escravidão e a constituição de um povo solidário e livre. É uma família a mais em meio à caravana de romeiros! Mas José e Maria descobrem que precisam superar o simples e costumeiro cumprimento das tradições, assim como o estreito limite da convivência e da educação familiar. Eles precisam, mesmo sem entender tudo, ajudar o filho a crescer na sua vocação a missão, a se dedicar ao Reino de Deus, às coisas do seu e nosso Pai.
Unidos pelos laços de um amor profundamente humano e dentro do horizonte das tradições do seu povo, José e Maria avançam no escuro da fé. Como Abraão, se lançam na estrada da fé sem saber onde chegarão. Ousaram acreditar, e isso lhes foi creditado como justiça. Tiveram que se abrir sempre mais à novidade que Deus manifestava através do filho que lhes fora confiado. E os evangelhos fazem questão de sublinhar que Nazaré da Galileia é o lugar onde Jesus cresce, se fortalece e adquire sabedoria. José e Maria educam o filho longe do ambiente glorioso e sedutor do templo!
Para a Sagrada Família, morar em Nazaré significou assimilar a esperança cultivada pelo “resto de Israel”, pelo “broto das raízes de Jessé”. Significou também não se afastar das raízes populares, do vínculo com os pobres, assumir resolutamente o caminho que leva à periferia, àqueles que estão longe, e privilegiar a encarnação no cotidiano que tece a vida normal de todas as pessoas. Jesus afunda raízes e absorve a seiva das esperanças do seu povo a partir da periferia social e religiosa. Eis aqui uma perspectiva que as famílias discípulas missionárias de Jesus jamais podem abandonar!
O Papa Francisco ensina (cf. Amoris Laetitia 65-66) que a encarnação do Verbo de Deus numa família humana comove a nós e ao mundo inteiro. E diz que, para compreender o que isso significa, precisamos mergulhar no mistério do nascimento e da infância de Jesus, mas também nos trinta longos anos nos quais ganhou o pão com o próprio trabalho, assimilando e praticando as tradições religiosas populares, formando-se na fé que recebeu dos pais, até fazê-la desabrochar e frutificar no mistério do Reino de Deus. Vida em família é aprendizado recíproco e permanente, encarnação da fé nas relações da vida cotidiana.
Para o Papa, o que constitui e sustenta a família cristã é a aliança de amor e fidelidade. Vivendo esta aliança no horizonte cultural do povo ao qual pertencia e do Reino de Deus, a Sagrada Família ilumina e concretiza o princípio que dá forma às famílias, e as ajuda a enfrentar criativamente as dificuldades da vida e da história. É sobre esse fundamento – aliança e fidelidade no amor – que as famílias, mesmo com suas feridas e fragilidades, podem tornar-se luzes na escuridão do mundo. Sem isso, mesmo que cumpram formalmente as leis e mantenham as aparências, as famílias serão realidades vazias, como um sino que bate.
É também a convicção de Paulo e da comunidade cristã que o amor é o vínculo da perfeição da vida cristã e da família. É no amor que as esposas podem ser solícitas aos seus respectivos maridos, e estes deixam de ser grosseiros com elas. É o amor que abre possibilidades para que a obediência dos filhos aos pais não atente contra a liberdade e a dignidade de ninguém, e que os pais jamais intimidem os filhos, mas os animem a caminhar rumo à maturidade solidária. É assim que nos revestimos de sincera misericórdia, bondade, humildade e mansidão, e tornamo-nos suportes uns para os outros.
Sagrada Família de Nazaré, nós te acolhemos como proposta de encarnação e de crescimento, como manifestação do dom de Deus e resposta humana e generosa a este dom, como busca comum da vontade de Deus, apelo à hospitalidade e ao amor recíproco e à construção incansável da única família do Pai. Ajuda e inspira nossas famílias a serem escolas da comunhão e solidariedade que ultrapassam os laços de sangue e de fé, ensaios fugazes mas verdadeiros do Reino de Deus, no qual espelhaste tua vida. Assim seja! Amém!
                                                                                                    Itacir Brassiani msf
Livro do Eclesiástico 3,3-7.14-17 | Salmo 127 (128)
Carta de São Paulo aos Colossenses 3,12-21| Evangelho de São Lucas 2,41-52

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Natal de um missionário


Sentimentos natalinos em terras moçambicanas

Passar a festa do Natal como estrangeiro é uma experiência que já vivi em 2014. Entretanto, desta vez ela está tendo outros tons. Moçambique em si mesmo está sendo uma experiência que me surpreende a cada dia, sejam as pessoas, seja a natureza. 
A primeira coisa que percebi nestas terras é que a festa do Natal é mais intimista. Não há toda aquela comercialização em volta dos presentes, da decoração. Isso acontece na cidade, Nampula, como também no distrito aonde vivo, Mecubúri.
Aqui em Mecubúri eu vi apenas um enfeite de natal, uma árvore, precariamente enfeitada, na frente do hospital. Espero que a festa do nascimento de Jesus não se perca por entre as luzes e os enfeites, e que ela seja realmente uma memória. E não somente por estas terras, mas também em todos os rincões onde esta mensagem chegar.
O nascimento de Jesus faz memória da nossa humanidade: somos e fazemos parte do húmus da terra! Está na nossa essência, deve estar no íntimo do nosso ser a percepção de que fazemos parte de toda a natureza.
Jesus não é só Deus, Ele também é homem. E esta humanidade de Jesus deve ser exemplo para nós, de como sermos humanos! Olhemos ao nosso redor e percebamos a real importância das relações e das coisas, e, se for preciso jogar fora as coisas que atrapalham e se afastar das relações que impedem de vivermos a nossa humanidade com integridade, que o façamos! Com o nascimento de Jesus, precisamos lembrar a verdadeira forma de sermos humanos!
O nascimento de Jesus faz memória da nossa família: Deus enviou seu Filho para nascer no seio de uma família. Maria e José acolheram ao pequeno Jesus com todo o seu amor. Jesus nasceu frágil, precisando de todos os cuidados possíveis. O ser humano é uma das criaturas que nascem dependendo inteiramente de seus pais. Eis a importância da família. Dentro da família encontramos compreensão para as nossa fragilidades; força para as nossas fraquezas; aceitação e respeito pelas nossas diferenças! É na família que devemos encontrar a verdadeira fortaleza do amor e da fé. A verdadeira felicidade deve se encontrar no seio da família.
Por isso, não podemos deixar que a inveja, o dinheiro, a ganância, as brigas, separem a nossa família. Deus está em cada uma de nossas famílias. Não podemos ser família só nas festas, não podemos ser família só no Natal, não podemos ser família só nas alegrias, devemos e precisamos ser família em e para todos os momentos! Uma família pode ser frágil, mas tornar-se-á forte através de suas relações amorosas! 
Jesus faz parte da nossa família.  O nascimento de Jesus faz memória das nossa relações. Jesus teve inúmeras relações de amizade, de vizinhança, de comunidade, entre outras. Teve relações boas, mas também teve relações que o machucaram. Entretanto nunca maldisse a nenhum daqueles com quem se relacionou. Sempre os chamou para a verdade, para que eles mesmos percebessem aonde estavam errando.
Assim também devemos ser nós, em nossas relações. Temos amigos de perto e de longe, amigos virtuais, amigos do trabalho. Todos eles nos demonstrando a riqueza de se ter um amigo. Muitas vezes nenhum destes amigos, nenhum familiar está perto que nosso vizinho! Precisamos dos nossos vizinhos! Eles podem ser “a ajuda certa, nas horas incertas”. Precisamos nos afastar das relações que nos fazem mal, mas sem ódio ou rancor em nossos corações, pois, quem sabe, um dia precisaremos destas pessoas, ou elas venham a precisar de nós. Ai está o ensinamento de Jesus, o perdão!  É necessário perdoar em nossas relações. Perdoar não requer julgamentos, requer amor! E amor foi o que Jesus mais entregou aos seus!
O nascimento de Jesus faz memória do amor: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13, 34). O grande mandamento de Jesus. Ele nos ensinou que devemos amar a todos. Infelizmente na atual realidade queremos escolher quem amar. E assim, deixamos tantas pessoas de fora, pela cor da sua pele, pela sua denominação religiosa, por sua orientação sexual, pela quantia de dinheiro que possui, por ser estrangeiro, por ser de um determinado partido político.
Relegamos estas pessoas as margens, mas esquecemos, ou queremos esquecer que Jesus sempre andou pelas margens! Aqueles que a sociedade da época de Jesus dizia que não prestavam, era com estes que Ele demonstrava todo o seu Amor! Precisamos recuperar o nosso verdadeiro amor, que não está nas aparências e sim na essência das pessoas. Precisamos reconhecer o amor uns nos outros. Um amor que traz a paz em tempos de divisões.
A divisão não causa a ruina de uma empresa, de uma família, de uma comunidade. O amor une e facilita todas as relações. Entretanto amar não é fácil, pois o amor requer que a gente saia das nossas casas e vá em direção daqueles que excluímos por qualquer motivo. O Amor quer que estejamos unidos e caminhando todos juntos. Um caminhar que não é fácil. Precisamos lembrar que a felicidade não reside no fim do caminho, mas na sua trajetória!
Minha querida família, meus queridos amigos! Não importa o seu credo, 
o que você acredita ser o Amor, precisamos fazer memória de tudo que nos foi ensinado! Desde que vim para as terras moçambicanas, a minha fé tem mudado, a minha percepção do amor, da família, da amizade tem mudado para melhor. Esta mensagem são ensinamentos que a mãe África me ofereceu. Não deixemos que as nossas relações se percam! Não deixemos que o Amor se torne uma moeda de troca e algo sem importância.
É com muitas saudades que lhes deixo os meus votos de Feliz natal e um Feliz Ano Novo. Que possamos deixar o Amor entrar em nossas vidas e transformar tudo!
Fr. Ricardo Klock msf

sábado, 22 de dezembro de 2018

ANO C | TEMPO DO NATAL | CELEBRAÇÃO DA NOITE | 25.12.2018


Jesus, um caminho para o abraço entre a paz e a justiça.
As casas, mercados, ruas e praças estão repletas de luzes. Os espaços religiosos, comerciais e de lazer estão tomados por melodias harmoniosas. Os shoppings estão abarrotados de mercadorias e são invadidos por multidões movidas por um insaciável desejo de consumo. Entretanto, uma sensação de noite escura provoca um temor que insiste em não desaparecer. E um sentimento de vazio insaciável sobrevive às mesas fartas e à abundância de bebidas. Objetivamente, jugos diversos oprimem o povo, cargas insuportáveis são jogadas nas suas costas. E um desejo insistente e profundo desejo de paz e bem queima nossa alma.
Naquele tempo, quando Quirino governava a região, César Augusto decretou em Roma uma medida que mexeu com a vida do povo de Israel, como se já não estivesse difícil demais. Usando as palavras de Isaías, a canga da opressão política, econômica e religiosa vergava o pescoço dos pobres; a prepotência dos fiscais se superava a cada dia na forma e na intensidade; as tropas de soldados, com suas botas ruidosas e suas fardas ensanguentadas, desfilavam para assustar o povo da roça e da cidade. O povo vivia como os pastores, obrigados a trabalhos noturnos e acossados permanentemente pelo medo de tudo e de todos.
Em nosso tempo, sentimo-nos encurralados pelos discursos agressivos e ameaçadores das elites saudosas do escravagismo, apaixonadas pela tortura, casadas com a violência e promotoras de um mercado total, sem limites e sem coração. Estas elites, mancomunadas com setores dos poderes legislativo, executivo e judiciário e com a imprensa mercantilista, conseguiram tornar vencedor um projeto de segregação social, de limitação de direitos, de ódio aos indígenas e imigrantes, de intolerância com o pensamento divergente, de segurança jurídica para os capitalistas às custas da insegurança dos trabalhadores. Também hoje a noite é escura...
A escuridão tenebrosa dessa noite assusta e abate, a mentira repetida ininterruptamente toma feições e cores de verdade, a intolerância e a violência rondam nosso pensamento e nos tentam como saídas viáveis e desejáveis. Mas a memória do nascimento de Jesus em Belém, da sua pregação na Galileia, da sua ação livre, destemida e libertadora no caminho a Jerusalém, da ousada firmeza diante dos podres poderes – da Boa Notícia de Deus! – abre nossos olhos, enxuga nossas lágrimas, põe fogo nas cangas que nos oprimem e nas botas e fardas manchadas de sangue, põe-nos de pé. Damo-nos as mãos e cantamos, desafiando a noite.
A alegria suscitada pela encarnação de Deus não é uma entre as outras alegrias que experimentamos, não se equipara à que sentimos quando adquirimos um bem desejado, recebemos a visita esperada, realizamos a viagem planejada ou conseguimos a vitória nas urnas. É uma alegria intensa, profunda e imensa, quase inexplicável. Ela vem da certeza de que na fragilidade de um Deus que se faz criança a justiça que necessitamos e a paz que aspiramos se entrelaçam e completam; que a luz do Evangelho ilumina e elimina as trevas e abre caminhos, evidenciando a irmandade universal; que este mundo imundo não é eterno...
A celebração do Natal suscita essa alegria porque, em Jesus, a graça de Deus se manifesta e confirma a dignidade e o valor das pessoas excluídas da lista dos meritórios homens de bem (ou homens dos bens?). O Natal suscita esperança porque revela que a força da mudança mora em nós, em nossa capacidade de viver com piedade, equilíbrio e justiça.  Aproximando-se da humanidade, Deus se faz conselheiro admirável. Assumindo nossa fragilidade, ele se mostra forte e nos fortalece. Enfrentando incansavelmente os opressores, ele se mostra príncipe da paz. Armando sua tenda na escuridão, ele se faz nossa luz.
Os pastores são os primeiros a receber a notícia, a ver e a tocar esse mistério inefável, a experimentar a alegria que exorciza o medo. Mas não são os únicos! Essa alegria, suscitada pela esperança cuja realização embrionária nos espera na periferia do mundo, é para todo o povo, para todos os que “jazem nas sombras da morte”. As praças iluminadas e os shoppings sedutores não conseguem produzi-la, nem o cinismo dos vitoriosos conseguirá suprimi-la. Nossas igrejas preocupadas unicamente com o culto, a devoção e a lei estrão em condições de entendê-la e celebrá-la? Ela brota do abraço entre a paz e a justiça!
Deus amável, abraço da misericórdia e da justiça, comunhão incondicional e sem limites, encontro reconciliador entre a divindade e a humanidade! No mistério dessa noite fazes resplandecer a verdadeira luz, e nela entendemos que não queres habitar as alturas inacessíveis e nos queres como tua morada. Que tua encarnação nos faça menos medrosos e mais alegres, menos resignados e mais lutadores, menos indivíduos e mais comunidade, mais proféticos que piedosos, espaço e sementeira de justiça e paz. Amém! Assim seja!
                                                                                                    Itacir Brassiani msf
Profecia de Isaías 9,1-6 | Salmo 95 (96)
Carta de São Paulo a Tito 2,11-14 | Evangelho de São Lucas 2,1-14

ANO C | TEMPO DO NATAL | CELEBRAÇÃO DA MANHÃ | 25.12.2018

E a Palavra de Deus se fez carne e veio morar em nós!

A Palavra de Deus se fez carne e quis morar entre nós. O Poder de Deus se fez fragilidade e nos consolou em nossos insuperáveis limites. A Promessa de Deus se fez acontecimento e deu fundamento à nossa esperança. Deus abandonou para sempre os palácios da inacessibilidade e se aproximou do humano ser. Deus nos revelou que é pai e não lhe agradam os espíritos puros nem o puro espírito, e mergulhou na corporeidade humana. Fazendo-se carne e assumindo a história e suas tensões, Deus se revelou boa notícia a ser acolhida com fé e anunciada com os pés, com as mãos, com o corpo inteiro, falando, silenciando, adorando e agindo.
Tudo isso se condensa naquela cocheira onde os animais buscavam alimento, naquela mesa na qual Jesus se repartiu e entregou sacramentalmente, naquela cruz onde ele radicalizou a doação de si e selou a aliança que Deus firma e confirma com a humanidade. Em Jesus, Menino e Profeta, a lei (do eterno retorno, de levar vantagem em tudo, de quem pode mais chora menos) perdeu sua importância, e nós é dada graça sobre graça, pois a verdade deixou de ser veredicto que nos condena. Nele e no seu frágil corpo de bebê, o que fora palavra profética fez-se palpável e adquiriu glória e esplendor. E o humano é adorado até pelos anjos!
Benditos e belos são os pés dos homens e mulheres que sobem montanhas e descem abismos, percorrem estradas e atravessam mares, levando a todas as criaturas essa boa notícia! Diante desse alegre anúncio, alicerçado na experiência e no testemunho, até os sisudos guardas, habituados a vigiar, denunciar e punir, exultam e cantam; e as cidades, aldeias e acampamentos em ruínas, assim como o povo arruinado por seculares e múltiplas opressões, despertam, abrem os olhos lacrimejantes e ensaiam passos de uma dança que lhes parecia impossível. Belos e benditos são os pés dos discípulos missionários que partem de Belém!
Belos e benditos são os pés e os passos de Maria, que não permaneceu amedrontada ou extasiada diante do anúncio do mensageiro de Deus, que não ficou dando voltas em torno de si mesma e de seus méritos. Seus pés apressados obedeceram à voz do seu coração e a levaram a abraçar afetuosamente Isabel, a quem serviu e dedicou três meses de trabalho. Belos e benditos são os pés de quem, acolhendo o entendimento do velho Zacarias, deixa-se iluminar pelo Sol da Justiça e permite que ele dirija seus passos nos caminhos da paz. Benditos e belos são os pés dos missionários que também hoje partem e se tornam o próximo de muitos!
Em Nazaré e em Belém, na Galileia e em Jerusalém, o Senhor desnudou seu santo braço aos olhos de todas as nações. No espaço doméstico e menosprezado da casa de Isabel, contemplando as marcas da ação misericordiosa de Deus no velho corpo de Isabel e no seu próprio e jovem corpo, Maria proclama exultante que Deus mostra o poder do seu braço dispersando os orgulhosos, derrubando os poderosos e exaltando os humildes. Zacarias, alguns meses depois, confirma que, graças às mãos misericordiosas de Deus, fomos salvos e libertos do domínio dos inimigos e da mão de todos os que nos odeiam. Belo e bendito braço de Deus!
No Menino Deus, despojadamente aninhado na manjedoura, cercado por pessoas que não fogem dos ambientes miseráveis como o são grutas e estábulos, Deus se faz corpo e carne falante e brilhante, palavra encarnada, silente e eloquente, lança luz sobre e revela a verdade de todo ser humano: somos desde sempre amados e queridos por Deus, e toda a humana ação é ação de Deus, assim como o descaso ou a agressão à pessoa humana é indiferença e agressão ao próprio Deus. Não é esquecendo e desprezando o corpo que nos assemelhamos a Deus, mas assumindo-o como lugar e mediação da manifestação de Deus.
No amável mistério do Natal, somos introduzidos no dinamismo do reinado de Deus, do corpo que se faz notícia boa, que luta e serve, que abraça e aquece, que estremece de medo e de alegria, que se reparte em mil pedaços para se reunificar na divina compaixão. A Palavra vem para quem a ela pertence, e nós queremos acolhê-la, em toda a sua beleza e profundidade. Precisamos determo-nos diante dela, da Palavra revestida de fraldas, para contemplar e compreender a glória de Deus que nela brilha. Nela resplandece a proximidade e a condescendência de Deus. Nela brilha a bondade e a generosidade que nos faz humanos.
Deus despojado, Deus próximo, Deus amável! Dobrando os joelhos diante do mistério da encarnação do teu Filho, adorando o inefável mistério do teu amor sem limites, pedimos: desamarra nossos braços, para que participem da tua ação que liberta os oprimidos; move nossos passos, para que levem a Boa Notícia da encarnação a todas as pessoas; imprime tua Palavra em todas as nossas células, ações e projetos, para que sustentemos as melhores lutas e embalemos o novo mundo na força da tua Palavra. Assim seja! Amém!
                                                                                                    Itacir Brassiani msf
Profecia de Isaías 52,7-10 | Salmo 97 (98)
Carta de São Paulo aos Hebreus 1,1-6 | Evangelho de São João 1,1-18

O Evangelho dominical - 25.12.2018


ANTE O MISTÉRIO DO MENINO

Os homens acabam por se habituar a quase tudo. Frequentemente, o hábito e a rotina vão esvaziando de vida a nossa existência. Peguy dizia que “há algo pior do que ter uma alma perversa, é ter uma alma habituada a quase tudo”. É por isso que não podemos nos surpreender que a celebração do Natal, envolta em superficialidade e consumismo louco, dificilmente diga algo novo ou alegre para tantos homens e mulheres de “alma acostumada”.
Estamos acostumados a ouvir que “Deus nasceu num estábulo de Belém”. Já não nos surpreende nem comove um Deus que se oferece como uma criança. Saint-Exupéry diz no prólogo de seu delicioso O Pequeno príncipe:Todas as pessoas crescidas foram crianças antes. Mas poucos se recordam disso”. Esquecemos o que é ser criança. E esquecemos que o primeiro olhar de Deus ao se aproximar do mundo foi o olhar de uma criança.
Mas essa é precisamente a grande novidade do Natal. Deus é e continua sendo Mistério. Mas agora sabemos que não é um ser tenebroso, inquietante e temível, mas alguém que nos é próximo, indefeso, afetuoso, a partir da ternura e da transparência de uma criança.
E esta é a mensagem do Natal. Precisamos sair ao encontro desse Deus, devemos mudar o coração, tornar-nos crianças, nascer de novo, recuperar a transparência do coração, abrir-nos com confiança à graça e ao perdão.
Apesar da nossa terrível superficialidade, do nosso ceticismo e desencanto, e acima de tudo, o nosso inconfessável egoísmo e mesquinhez de adultos, sempre há nos nossos corações um recanto íntimo onde ainda não deixamos de ser crianças.
Atrevamo-nos por um momento a olhar-nos com simplicidade e sem reservas. Façamos um pouco de silêncio ao nosso redor. Desliguemos a televisão. Esqueçamos a nossa pressa, os nervosismos, as compras e os compromissos.
Escutemos dentro de nós esse coração de criança que ainda não se fechou à possibilidade de uma vida mais sincera, bondosa e confiante em Deus. É possível que comecemos a ver a nossa vida de outra forma. “Não se vê bem senão com o coração. O essencial é invisível aos olhos” (Saint-Exupéry).
E, acima de tudo, é possível que escutemos um chamado para renascer para uma nova fé. Uma fé que não seja estagnada, mas rejuvenesça; que não nos encerre em nós mesmos, mas nos abra; que não separe mas una; que não tem medo, mas que confia; que não entristeça, mas que ilumine; que não tema mas que ame.
José Antônio Pagola
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez