quinta-feira, 30 de maio de 2019

O Evangelho dominical - 02.06.2019


A BENÇÃO DE JESUS

São os últimos momentos de Jesus com os Seus. Logo em seguida os deixará para entrar definitivamente no mistério do Pai. Já não os poderá acompanhar pelos caminhos do mundo como o fez Galileia. A Sua presença não poderá ser substituída por ninguém.
Jesus só pensa que chegue a todos os povos o anúncio do perdão e da misericórdia de Deus. Que todos escutem a sua chamada à conversão. Ninguém deverá sentir-se perdido. Ninguém tem de viver sem esperança. Todos devem saber que Deus entende e ama sem fim os Seus filhos e filhas. Quem poderá anunciar essa Boa Nova?
Segundo o relato de Lucas, Jesus não pensa em sacerdotes ou bispos. Nem em doutores ou teólogos. Quer deixar na terra «testemunhas». Isso é o primeiro: «Vos sois testemunhas dessas coisas». Serão as testemunhas de Jesus que comunicarão a sua experiência num Deus bom e contagiarão o seu estilo de vida trabalhando por um mundo mais humano.
Mas Jesus conhece bem os Seus discípulos. São fracos e covardes. Onde encontrarão a audácia para ser testemunhas de alguém que foi crucificado pelo representante do Império e pelos dirigentes do Templo? Jesus tranquiliza-os: «Eu vos enviarei o dom prometido pelo meu Pai». Não lhes vai faltar a «força do alto». O Espírito de Deus os defenderá.
Para expressar graficamente o desejo de Jesus, o evangelista Lucas descreve a Sua partida deste mundo de forma surpreendente: Jesus volta ao Pai, levantando as Suas mãos e abençoando os Seus discípulos. É o Seu último gesto. Jesus entra no mistério insondável de Deus e sobre o mundo desce a Sua bênção.
Os cristãos esqueceram que somos portadores da bênção de Jesus. A nossa primeira tarefa é ser testemunhas da Bondade de Deus, manter viva a esperança, não nos rendermos ante o poder do mal. Este mundo que às vezes parece um «inferno maldito» não está perdido. Deus olha para ele com ternura e compaixão.
Também hoje é possível, fazer o bem, difundir a bondade. É possível trabalhar por um mundo mais humano e uma convivência mais saudável. Podemos ser mais solidários e menos egoístas. Mais austeros e menos escravos de dinheiro. A própria crise econômica pode levar-nos a procurar urgentemente uma sociedade menos corrupta.
Jesus é uma bênção e as pessoas precisam saber disso. O primeiro é promover uma «pastoral da bondade». Temos de nos sentir como testemunhas e profetas desse Jesus que passou a vida semeando gestos e palavras de bondade. Assim despertou no povo da Galileia a esperança em um Deus Bom e Salvador. Jesus é uma bênção e as pessoas têm de saber isso.
José Antônio Pagola.
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 29 de maio de 2019

ANO C | TEMPO PASCAL | SOLENIDADE DA ASCENÇÃO DE JESUS | 02.06.2019

Seguimos um humilhado, e somos testemunhas da sua exaltação.
São muitas e diversas as tentações que ameaçam limitar ou eliminar a força revolucionária do Evangelho de Jesus Cristo, e uma delas é considerar a encarnação e a humilhação do Filho de Deus como algo transitório, como uma etapa pouco importante da sua vida, como uma espécie de parêntesis superado pela ressurreição e pela ascensão ao céu. A ascensão seria sua fuga definitiva das contradições do mundo, onde teria vindo apenas para nos falar das coisas de Deus. A glorificação e o poder seriam o prêmio pelos sofrimentos suportados e teriam apagado os sinais de uma vida de filho da humanidade, de homem pobre e sonhador.
Desde cedo, os primeiros cristãos fizeram questão de evitar essa tentação sublinhando que a humanidade do Filho de Deus, inclusive sua rejeição e assassinato na cruz, não foram uma espécie de acidente de percurso ou um descuido de Deus, mas a realização das Escrituras. Em Jesus realizou-se plenamente o essencial daquilo que as leis, os profetas e os salmos intuíram e anunciaram. Mas isso não nos autoriza concluir que Deus Pai teria desejado o sofrimento e a morte do próprio Filho. O que a igreja apostólica sublinha é que as Escrituras apontam para a encarnação e a humanização de Deus.
Sabemos que o dinamismo da encarnação não conhece paradas nem limites. A glória de Deus brilha no ser humano livre, humilde e servidor. Aquilo que começou no seio anônimo de Maria e se manifestou aos pastores na estrebaria, continuou na carpintaria de Nazaré, prolongou-se nas cidades e aldeias da Galileia e culminou no calvário, fora dos muros da cidade. Quando os cristãos resumem as Escrituras com a expressão ‘o Messias sofrerá’, estão afirmando que o Enviado de Deus se caracteriza mais pela vulnerabilidade compartilhada com os seres humanos que pelo poder e pela glória acima ou à margem da história.
Este movimento de abaixamento e esvaziamento de Deus é libertador e emancipador, uma vez que é guiado e sustentado pelo amor, e continua nos cristãos pelo Espírito que nos é concedido. Assumindo solidariamente a humanidade humilhada, Jesus Cristo assina o decreto de reconhecimento público e universal da dignidade de todos os seres humanos e, ao mesmo tempo, concede-lhes seu Divino Sopro, o respiro que lhes faz povo e lhes permite reinventar sempre de novo a sociedade em parâmetros de justiça e de comunhão. Este movimento de esvaziamento expressa a verdadeira glória e a admirável grandeza de Deus e do ser humano.
Não é correto imaginar a ressurreição de Jesus Cristo como a passagem de uma fase transitória e limitada para uma etapa definitiva e potente, como a premiação que se segue a uma submissão obediente e desonrosa.  E é um perigoso desvio teológico imaginar a ascensão de Jesus ao céu como uma superação da sua condição humana e servidora.  A ascensão deve ser compreendida no quadro da sua crucifixão, da demonstração cabal da sua identificação solidária com o ser humano oprimido. Proclamar a ascensão de Jesus ao céu significa mudar e aprofundar o nosso modo de ver o mistério do seu esvaziamento.
Ressurreição, ascensão, glorificação e acolhida à direita de Deus são imagens e conceitos que, de forma complementar, procuram dar conta deste complexo dinamismo e afirmar que Deus se manifesta exatamente no amor que assume a carne humana, serve e dá a vida. É este Filho de Deus humanado e esvaziado que está acima de todos os poderes e forças, de todos os senhores e autoridades. Tudo o mais está sob seus pés! Só o amor solidário merece crédito, submissão e reverência! É disso que somos constituídos testemunhas: de um Deus que assume a posição de Cordeiro e Servo, que mostra sua grandeza fazendo-se pequeno.
Jesus Cristo é a cabeça do corpo composto pelos homens e mulheres que acreditam nele. Como cabeça, Ele não é refém da Igreja e, menos ainda, da hierarquia. A comunidade eclesial é convocada a assumir a forma de vida de Cristo, sua cabeça. E isso significa não buscar outra glória que não seja aquela de servir, outra honra que não seja esta de partilhar o destino dos deserdados da terra. Assim, podemos dizer que a ascensão de Jesus é a maturidade missionária daqueles que o seguem. “Recebereis o poder do Espírito Santo que virá sobre vós, para serdes minhas testemunhas.”  Que ninguém fique extático, olhando para o céu!
Jesus de Nazaré, Cordeiro ferido e Servo exaltado! Não nos deixe cair na tristeza, na inércia e na resignação. Faze-nos abertos ao teu Espírito, vibrantes no louvor, generosos no amor. Guia-nos na realização da nossa missão de testemunhar o amor que se faz carne, que nos aproxima e nos faz servidores de todos. Faze que sejamos profetas da alegria, discípulos agradecidos por descobrir que tua ascensão é teu mergulho definitivo no coração do mundo, honrados por continuar tua missão de tirar o pecado do mundo. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani  msf
Atos dos Apóstolos 1,1-11 | Salmo 46 (47)
Carta de São Paulo aos Efésios 1,17-23 | Evangelho de São Lucas 24,46-53

quarta-feira, 22 de maio de 2019

O Evangelho dominical - 26.05.2019


ÚLTIMOS DESEJOS DE JESUS

Jesus despede-se dos Seus últimos discípulos. Vê eles tristes e acovardados. Todos sabem que estão vivendo as últimas horas com o seu Mestre. O que vai acontecer quando ele os deixar? A quem acudirão? Quem os defenderá? Nessa situação, Jesus quer infundir-lhes ânimo, mostrando-lhes os Seus últimos desejos.
Que não se perca a minha mensagem: este o primeiro desejo de Jesus. Que não se esqueça a Sua Boa Nova de Deus. Que os Seus seguidores mantenham sempre viva a memória do projeto humanizador do Pai: esse «reino de Deus» de que lhes falou tanto. Se o amam, isto é o primeiro que deverão cuidar. «O que Me ama permanecerá fiel às minhas palavras... quem não me ama não as guardará».
Depois de vinte séculos, o que fizemos do Evangelho de Jesus? Guardamos fielmente ou o estamos manipulando a partir dos nossos próprios interesses? Acolhemos o Evangelho no nosso coração ou vamos esquecendo? Apresentamos com autenticidade ou o escondemos com as nossas doutrinas?
O Pai os enviará, em Meu nome, um Defensor. É o segundo desejo de Jesus. Não quer que fiquem órfãos. Não sentirão a Sua ausência. O Pai enviará o Espírito Santo que irá defendê-los do risco de se desviarem Dele. Este Espírito que sentiram Nele, enviando-o aos pobres, também os impulsionará na mesma direção.
O Espírito irá «ensiná-los» a compreender melhor tudo o que os ensinou. Irá ajudá-los a aprofundar cada vez mais a Sua Boa Nova. Irá «recordá-los» do que ouviram. Irá educá-los no Seu estilo de vida.
Depois de vinte séculos, que espírito reina entre os cristãos? Deixamo-nos guiar pelo Espírito de Jesus? Sabemos atualizar a Sua Boa Nova? Vivemos atentos aos que sofrem? Para onde nos impulsiona hoje o Seu alento renovador?
Eu vos dou a minha paz. É o terceiro desejo de Jesus. Quer que eles vivam com a mesma paz que viram Nele, fruto da Sua íntima união com o Pai. Ele dá-lhes a Sua paz. Não é como a que o mundo lhes pode oferecer. É diferente. Nascerá nos seus corações se acolhem o Espírito de Jesus.
Essa é a paz que têm de contagiar sempre que cheguem a um lugar. É a primeira coisa que difundirão ao anunciar o reino de Deus para abrir caminhos para um mundo mais são e mais justo. Nunca hão de perder essa paz. Jesus insiste: «Não vos inquieteis nem tenhais medo».
Depois de vinte séculos, por que nos paralisa o medo do futuro? Por que tanto receio ante a sociedade moderna? Há muitas pessoas que têm fome de Jesus. O papa Francisco é um presente de Deus. Tudo nos convida a caminhar para uma Igreja mais fiel a Jesus e ao seu Evangelho
José Antônio Pagola.
Tradutor: Antônio Manuel Álvarez Perez

ANO C | TEMPO PASCAL | SEXTO DOMINGO | 26.05.2019


A Igreja é Casa-de-Deus e mantém suas portas sempre abertas.
Todas as religiões se apresentam como caminhos que levam à divindade e à felicidade. E esta oferta se ajusta como luva à insaciável sede de vida e de plenitude que habita e move a pessoa humana. Os caminhos oferecidos se dividem em dois grupos: os que propõem às pessoas a saída e o esquecimento de si mesmas para encontrar a plenitude nas realidades externas e transcendentes; os que propõem e ensinam o mergulho em si mesmas e o esquecimento das realidades externas, inclusive dos demais seres humanos.
Mas existe uma terceira possibilidade, que está discretamente presente em algumas religiões e é proposta por Jesus Cristo: Deus mesmo vem saciar nossa sede de plenitude, eliminando a distância que nos assusta, assumindo e aperfeiçoando as realidades humanas e sociais. Jesus Cristo é sacramento de um Deus humanizado e encarnado, servidor e libertador, próximo e presente no ser humano que ama e sofre. “Se alguém me ama, guardará a minha Palavra; meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada.”
O amor autenticamente humano, fraterno e solidário, é a saída do ser humano em direção a Deus e a vinda de Deus na carne humana. O que nos faz semelhantes a Deus e nos aproxima dele não é o muito saber, o grande poder ou a ausência de sofrimento, mas o dinamismo de um amor que nos faz loucos, apaixonados, pobres e servidores. As igrejas cristãs são chamadas a ser famílias que vivem esta intensa e única paixão por Deus e pela humanidade e evitam a tentação de se identificar com o próprio Deus, de assumir a função de delegadas de Deus, de enrijecer o sistema de proibições e de usurpar o poder que só a Deus pertence.
Quando Jesus fala das diversas moradas que existem na casa do Pai, e que ele vai para preparar-nos um lugar, está se referindo à sua missão de afirmar nossa condição de filhos e herdeiros de Deus (cf. Jo 14,2). No evangelho de hoje, Jesus inverte o movimento e diz que é Deus quem vem às comunidades que se organizam em seu nome para fazer delas sua casa. Para que isso se realize, as comunidades precisam cultivar o amor, o diálogo, o serviço e a abertura às necessidades do mundo. Uma Igreja que queira ser fiel a Jesus Cristo e aos tempos atuais, que aceita ser uma morada de Deus, deve ser uma Igreja aberta e missionária.
A dificuldade que Tiago e Pedro colocam a Paulo e Barnabé teve origem numa atitude de fechamento institucional e cultural que os levou a identificar alguns costumes com o próprio Evangelho de Jesus Cristo. Mas, graças à liberdade de Paulo e de Barnabé, “que arriscaram a vida pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo”, Tiago e Pedro reconhecem e acolhem os “irmãos vindos do paganismo” e não lhes impõem os costumes e normas que haviam aprendido do judaísmo. Isso nos encoraja a sonhar com uma Igreja que não tenha medo de dialogar com os diferentes grupos e movimentos sociais e culturais.
A este propósito, é bela a visão que João nos apresenta sobre a cidade santa, imagem da Igreja. Ela está cercada por uma muralha que a protege das violentas perseguições, mas tem portas e saídas por todos os lados, e tem como alicerce o testemunho dos apóstolos. O esplendor que a envolve não vem do saber ou do poder, mas da glória de Deus, ou seja: do amor vivido sem medida e até às últimas consequências. Seu brilho não lhe pertence, nem lhe é dado pelos poderosos, mas vem Cordeiro humilhado e martirizado e a ele pertence. Esta cidade dispensa templos e ritos, pois basta-lhe a força da divina Compaixão.
No cálido e não menos tenso ambiente da Ceia de despedida, Jesus diz que só o amor pode manifestar claramente o que Deus é e o que Deus faz. Sabedor dos limites que acompanhariam os discípulos e discípulas de todos os tempos, Jesus promete que não nos deixa órfãos e indefesos: ele envia o Espírito Santo, Consolador, Defensor e Mestre que nos educa e nos guia no seguimento fiel e consequente dos seus passos. O Espírito é o amor, a fidelidade e a glória à qual podemos aspirar. O amor praticado é mandamento de Jesus. O amor recebido e proclamado é Evangelho. O amor visível pelo testemunho é esplendor e glória de Deus.
Jesus de Nazaré, profeta corajoso e irmão amado! Que o Espírito que prometes e que nós necessitamos nos ajude a entender e atualizar tua ação libertadora e tua Palavra vivificadora; a reinventar tua ação em mil ações que resgatam a dignidade e promovem a plena vida das pessoas; a anunciar que estás presente e solidário naqueles a quem não te envergonhas de chamar irmãos. Não deixes que a tua Igreja dê as costas ao Espírito e se erga como muro defensivo, trono que manda e sepultura que conserva restos mortais. Renova tua amada Igreja, abrindo portas que acolhem os que chega e nos envia em saída. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Atos dos Apóstolos 15,1-2.22-29 | Salmo 66 (67)
Livro do Apocalipse de São João 21,10-14.22-23 | Evangelho de São João 14,23-29

quarta-feira, 15 de maio de 2019

O Evangelho dominical - 19.05.2019


AMIZADE DENTRO DA IGREJA
É a véspera da sua execução. Jesus está celebrando a última ceia com os Seus. Acaba de lavar os pés dos Seus discípulos. Judas já tomara a sua decisão trágica, e depois de tomar o último pedaço das mãos de Jesus, partira para fazer o seu trabalho. Jesus diz em voz alta o que todos estão sentindo: «Meus filhos, já não estarei convosco por muito tempo».
Fala-lhes com ternura. Quer que fiquem gravados no seu coração os Seus últimos gestos e palavras«Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros; como Eu vos amei, amem-se também entre vós. O sinal pelo qual vos conhecerão como Meus discípulos será que vos amais uns aos outros». Este é o testamento de Jesus.
Jesus fala de um «mandamento novo». Onde está a novidade? O lema de amar o próximo já está presente na tradição bíblica. Também os filósofos gregos falam de filantropia e amor a todos os seres humanos. A novidade está na forma de amar própria de Jesus: «Amem-se como eu vos amei». Assim se irá difundindo através dos seus seguidores o seu estilo de amar.
A primeira coisa que os discípulos experimentaram é que Jesus amou-os como amigos«Não vos chamo servos; a vós que vos tenho chamado amigos». Na Igreja, temos que nos amar simplesmente como amigos e amigas. E entre amigos cuida-se a igualdade, a proximidade e o apoio mútuo. Ninguém está acima de ninguém. Ninguém é senhor de ninguém!
Por isso, Jesus corta pela raiz as ambições dos Seus discípulos quando os vê a discutir quem é o primeiro. A procura de protagonismos interesseiros quebra a amizade e a comunhão. Jesus lembra-lhes o seu estilo: «Eu não vim para ser servido, mas para servir». Entre amigos, ninguém pode se impor. Todos devem estar dispostos a servir e colaborar.
Esta amizade vivida pelos seguidores de Jesus não gera uma comunidade fechada. Pelo contrário, o clima cordial e amigável que se vive entre eles prepara-os para acolher aqueles que necessitam de acolhimento e amizade. Jesus ensinou-os a comer com pecadores e com pessoas excluídas e desprezadas. Repreendeu-os por afastarem as crianças. Na comunidade de Jesus, os pequenos não estorvam, mas sim os grandes.
Um dia, Jesus chamou os doze, colocou uma criança no meio deles, segurou-o nos braços e disse: «Aquele que recebe uma criança assim em meu nome, recebe-Me a Mim». Na Igreja desejada por Jesus, os mais pequenos, mais frágeis e vulneráveis devem estar no centro da atenção e do cuidado de todos.
José Antônio Pagola.
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

ANO C | TEMPO PASCAL | QUINTO DOMINGO | 19.05.2019


O amor sem fronteiras é a fonte, a meta e o método da missão.
No entardecer da vida seremos julgados pelo amor, afirma o místico poeta. Mas no alvorecer e no meio-dia da nossa existência, o verbo amar há de ser conjugado em todos os tempos e modos, inclusive no imperativo, mas especialmente no presente e no gerúndio. O testamento que Jesus nos deixa, e o testemunho corajoso das primeiras comunidades cristãs, nascidas da experiência da presença de Jesus ressuscitado e do amor espiritual, humano e político dos apóstolos, estão aí, vivos e eloquentes, para que não esqueçamos disso.
A meta que dá sentido à nossa vida e missão no mundo é o Reino de Deus. Os cristãos não podem passar pelo mundo caminhando na ponta dos pés, como se tivessem medo de tocar nele ou de nos contaminar. Também não podemos voltar o olhar a uma ilusória interioridade, como se não tivéssemos outra tarefa que a de salvar a própria alma. Não foi isso que Jesus Cristo fez, e não foi isso que seus melhores discípulos e discípulas fizeram ao longo dos vinte séculos de história do cristianismo. A esperança de novos céus e nova terra nos comprometem na transfiguração desta terra!
E nem mesmo as dificuldades que enfrentamos um pouco em todas as latitudes podem nos levar a desistir da grande Utopia que nos faz caminhar. O terremoto da perseguição que se abatia sobre os cristãos no final no primeiro século não impediu que João e sua comunidade visualizassem novos céus e uma nova terra: uma cidade-sociedade santa, bela como noiva enfeitada para o casamento; a tenda da morada definitiva de Deus no coração da humanidade; a presença de Deus, como mãe, enxugando nossas lágrimas; a terra sem males, espaço do bem-viver, como sonham ensinam nossos povos originários.
Precisamos pôr nossa inteligência em funcionamento para dar a esta imagem poética contornos e traços históricos e atuais: um mundo sem barreiras para os migrantes e no qual haja lugar para todos os seres humanos; um sistema econômico que respeite e preserve a criação; uma política que não se limite a assegurar os privilégios de uma pequena elite, cortar os investimentos em políticas sociais, armar os violentos e atentar contra a democracia; uma cultura amante da humanidade, da criatividade, da liberdade e da beleza; uma Igreja regida pela igualdade, pela compaixão e pela comunhão.
Demonstrando plena consciência do desfecho da própria vida e pensando no martírio que coroaria o amor intenso que marcou toda sua vida, no evangelho Jesus declara que Deus o glorificará sem demora. Para ele, a cruz não é absurdo e ignomínia, mas a radicalização da solidariedade de Deus com a humanidade e a suprema doação da humanidade a Deus. Por isso, é glorificação de Deus e revelação do ser humano. É nesta mesma linha que, um século mais tarde Santo Irineu afirmará que a glória de Deus é a vida do ser humano.
Para os cristãos, amar não é uma opção condicionada, mas um imperativo absoluto. E, a partir da morte e ressurreição de Jesus, a medida do amor não somos mais nós mesmos. “Eu vos dou um novo mandamento. Amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros.” Mesmo sabendo que não estamos preparados para tal amor, Jesus faz questão de sublinhar que a medida que verifica o amor também é nova. A medida do amor é amar sem medidas, dirão os místicos. A partir de Jesus de Nazaré, amar significa lutar para que todos tenham vida, dando da própria vida e arriscando a própria vida.
Prosseguindo o diálogo testamentário com seus discípulos, Jesus diz: “Quem crê em mim fará as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas. Se alguém me ama, guardará a minha palavra; meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14,12-23). Isso quer dizer que a comunidade dos que amam verdadeiramente se torna a morada de Deus no mundo visualizada por João no seu Apocalipse. E então o amor ao próximo e ao distante se torna o estatuto e a identidade da comunidade cristã. “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.”
Jesus de Nazaré, Cordeiro de Deus e missionário do Pai, expressão viva e inequívoca do verbo amar. Lavando os pés dos discípulos, inclusive de Pedro e de Judas, tu nos perguntas se entendemos o que estás fazendo. Na verdade, ainda não entendemos tudo e profundamente. Por isso, aproximamo-nos de novo da mesa da Palavra e do Pão. Queremos contemplar teu gesto e aprender tua lição. E queremos vivê-la nos caminhos do mundo e nos cenáculos da vida, fazendo-nos tudo para todos, vivendo e testemunhando a Boa Notícia que anima os pobres, levanta os caídos e abre os olhos aos cegos. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf

Atos dos Apóstolos 14,21-27 | Salmo 144 (145)
Livro do Apocalipse de São João 21,1-5 | Evangelho de São João 13,31-35

quinta-feira, 9 de maio de 2019

O Evangelho dominical - 12.05.2019


ESCUTAR E SEGUIR JESUS

Era inverno, Jesus caminhava pelo pórtico de Salomão, uma das galerias ao ar livre, que rodeava a grande esplanada do Templo. Este pórtico, em particular, era um lugar frequentado por pessoas pois, aparentemente, estava protegido contra o vento por uma muralha.
Logo, um grupo de judeus se aproxima de Jesus. O diálogo é tenso. Os judeus perseguem-no com as suas perguntas. Jesus critica-os porque eles não aceitam sua mensagem nem a Sua ação. Diz a eles: «Vós não acreditais porque não sois das minhas ovelhas». O que significa essa metáfora?
Jesus é muito claro: «As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e Eu conheço-as; elas seguem-Me e eu dou-lhes a vida eterna». Jesus não força ninguém. Ele apenas chama. A decisão de O seguir depende de cada um de nós. Somente ouvindo e seguindo a ele estabelecemos com Jesus essa relação que leva à vida eterna.
Nada é tão decisivo para ser cristão como tomar a decisão de viver como seguidor ou seguidora de Jesus. O grande risco dos cristãos foi sempre o de pretender ser, sem seguir a Jesus. De fato, muitos dos que se foram se afastando das nossas comunidades são pessoas que ninguém ajudou a tomar a decisão de viver seguindo os Seus passos.
No entanto, essa é a primeira decisão de um cristão. A decisão que muda tudo, porque é começar a viver de uma nova forma a adesão a Cristo e pertencer à Igreja: encontrar, finalmente, o caminho, a verdade, o sentido e a razão da fé cristã.
E o primeiro passo para tomar essa decisão é escutar o Seu chamado. Ninguém se põe a caminho nos passos de Jesus seguindo apenas a sua própria intuição ou o seu desejo de viver um ideal. Começamos a segui-lo quando nos sentimos atraídos e chamados por Cristo. Por isso, a fé não consiste primordialmente em acreditar em algo sobre Jesus, mas em acreditar Nele.
Quando falta o seguir a Jesus, cuidado e reafirmado uma e outra vez no seu próprio coração e na comunidade crente, a nossa fé corre o risco de ficar reduzida a uma aceitação de crenças, uma prática de obrigações religiosas e uma obediência à disciplina da Igreja.
É fácil, então, acomodarmo-nos na prática religiosa, sem nos deixarmos questionar pelas chamadas que Jesus nos faz desde o Evangelho que escutamos cada domingo. Jesus está dentro dessa religião, mas não nos arrasta para trás dos Seus passos. Sem nos darmos conta, habituamo-nos a viver de forma rotineira e repetitiva. Falta-nos a criatividade, a renovação e a alegria daqueles que vivem esforçando-se por seguir Jesus.
José Antônio Pagola.
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez.

quarta-feira, 8 de maio de 2019

ANO C | TEMPO PASCAL | QUARTO DOMINGO | 12.05.2019


Do Amor de Deus nos vem a coragem de responder ao chamado.
A fé se mostra mais nas ações que nos ritos, orações e palavras.  É isso que Jesus afirmara na discussão com as autoridades religiosas em plena festa da dedicação do Templo, em Jerusalém. Por isso, os chefes do Templo o procuram e questionam: “Até quando nos deixarás em suspenso? Se tu és o Messias, o Cristo, dize-nos abertamente!” E Jesus retruca: “Eu já vos disse, mas vós não acreditais. As obras que eu faço em nome do meu Pai dão testemunho de mim” (Jo 10, 24-25). Respostas descritivas, discursos e argumentos dizem sempre menos do que a eloquência das ações e relações.
Mas Jesus não deixa de apresentar suas credenciais de Messias, de missionário e enviado do Pai: as ações que realiza em favor da humanidade, especialmente em favor dos últimos da escala social. No debate com as autoridades do judaísmo, ele nega a legitimidade de uma fé que não tenha apoio nas ações. Para Jesus, quem é profundamente solidário e compassivo está ao lado do ser humano e também está com Deus. E quem está de alguma maneira contra o ser humano, mesmo que invoque o nome de Deus e participe de ritos religiosos, está, de fato, contra ele. Este é o critério que confere a autenticidade à nossa fé!
É neste mesmo contexto que Jesus diz que dá a vida eterna ao seu rebanho, que ninguém o toma da sua mão. Mas ser ovelha do rebanho de Jesus Cristo, implica em escutar sua Palavra, aderir a ela e seguir seus passos; exige assumir sua pró-existência como dinamismo fundamental da vida. Crer nas obras que defendem e resgatam a dignidade humana e multiplica-las é mais importante que crer na sua Palavra (cf. Jo 10,38). Crer em Jesus significa segui-lo, dar continuidade à sua ação, entregar-se sem reservas à luta pelo bem da humanidade, especialmente das pessoas humilhadas. “Eu as conheço e elas me seguem...”
A autenticidade e a fecundidade da nossa fé em Jesus não está na multiplicação de atividades desconexas e sem alma. O denominador comum das múltiplas ações que expressam nossa fé é o amor, o dinamismo básico e permanente que nos move no reconhecimento do outro como outro, na defesa da sua dignidade inviolável e na priorização das suas necessidades humanas fundamentais, inclusive em detrimento das nossas. É o amor que faz da vida de Jesus e da nossa uma existência descentrada, uma vida empenhada em favor dos outros, dos pobres e necessitados.  É o amor que nos faz humanos, que nos dá à luz como pessoas.
O amor autêntico também não reconhece nenhum tipo de fronteira: ele rompe com os muros levantados em nome da religião, da raça, da classe, do sangue, dos interesses individuais. Porque parte do outro, o amor é o único dinamismo capaz de globalizar verdadeiramente o mundo, sem excluir ninguém. É isso que testemunham Paulo e Barnabé quando abrem as fronteiras rígidas do judaísmo aos povos não-judeus. E, experimentando esta acolhida e respeito, os cristãos de origem não-judaica vivem uma grande alegria, que nem a violenta perseguição movida por mentes medrosas e violentas conseguem fazê-los voltar atrás.
Mas aqui precisamos lembrar de novo que o amor não se resume a um princípio formal ou um sentimento interior. Sem deixar de ser uma opção fundamental e um horizonte iluminador e crítico, o amor não existe fora das infinitas e pequenas ações que o encarnam na realidade. Poderíamos dizer que o amor não existe em si mesmo, que ele não é isso ou aquilo, mas ‘vai sendo’ na imensa constelação de ações que afirmam, confirmam e potencializam a vida e a dignidade das pessoas, começando pelas que nos são próximas e chegando àquelas que deslocamos para longe. O amor não é substantivo, é verbo, é ação!
Na sua mensagem para este dia mundial de oração pelas vocações, jornada que vem sendo realizada há 56 anos, o Papa Francisco sublinha que o chamado do Senhor “não é uma ingerência de Deus na nossa liberdade, é uma jaula ou um peso que nos é colocado às costas”, mas “a iniciativa amorosa com que Deus vem ao nosso encontro e nos convida a entrar num grande projeto, do qual nos quer tornar participantes, apresentando-nos o horizonte de um mar mais amplo e de uma pesca superabundante”.
Jesus de Nazaré, Cordeiro de Deus e Bom Pastor! Através dos homens e mulheres que vivem a vocação como serviço e compaixão fazes teu amor libertador chegar a todas as gerações. Faz com que nossa palavra e nosso testemunho ajude a Boa Notícia do teu Reino a chegar a todos os rincões da terra. Tu nos fizeste, nos chamaste e somos teus. Possamos então realizar com desvelo e criatividade a missão que nos confiaste, membros diferentes de um único corpo no qual bate um único coração. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Atos dos Apóstolos 13,43-52 | Salmo 99 (100)
Livro do Apocalipse de São João 7,14-17 | Evangelho de São João 10,27-30

domingo, 5 de maio de 2019

Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações



A coragem de se arriscar pela promessa de Deus.
(Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações/2019)

Depois da experiência vivaz e fecunda, em outubro passado, do Sínodo dedicado aos jovens, celebramos recentemente no Panamá a 34ª Jornada Mundial da Juventude. Dois grandes eventos que permitiram à Igreja prestar ouvidos à voz do Espírito e também à vida dos jovens, aos seus interrogativos, às canseiras que os sobrecarregam e às esperanças que neles vivem.
Neste Dia Mundial de Oração pelas Vocações, retomando precisamente aquilo que pude partilhar com os jovens no Panamá, desejo refletir sobre o chamado do Senhor enquanto nos torna portadores de uma promessa e, ao mesmo tempo, nos pede a coragem de arriscar com Ele e por Ele. Quero deter-me brevemente sobre estes dois aspetos – a promessa e o risco –, contemplando juntamente com vocês a cena evangélica da vocação dos primeiros discípulos junto do lago da Galileia (cf. Mc 1, 16-20).
Dois pares de irmãos (Simão e André, juntamente com Tiago e João) estão ocupados na sua faina diária de pescadores. Nesta cansativa profissão, aprenderam as leis da natureza, desafiando-as quando os ventos eram contrários e as ondas agitavam os barcos. Em certos dias, a pesca abundante recompensava a árdua fadiga, mas, outras vezes, o trabalho de uma noite inteira não bastava para encher as redes e voltava-se para a margem cansados e desiludidos.
Estas são as situações comuns da vida, onde cada um de nós se confronta com os desejos que traz no coração, se empenha em atividades que espera que possam ser frutuosas, se adentra num mar de possibilidades sem conta à procura da rota certa capaz de satisfazer a sua sede de felicidade. Às vezes somos beneficiados por uma pesca boa, enquanto noutras é preciso armar-se de coragem para governar um barco sacudido pelas ondas, ou lidar com a frustração de estar com as redes vazias.
Como na história de cada vocação, também neste caso acontece um encontro. Jesus vai pelo caminho, vê aqueles pescadores e aproxima-Se. Sucedeu assim com a pessoa que escolhemos para compartilhar a vida no matrimônio, ou quando sentimos o fascínio da vida consagrada: vivemos a surpresa dum encontro e, naquele momento, vislumbramos a promessa duma alegria capaz de saciar a nossa vida. De igual modo naquele dia, junto do lago da Galileia, Jesus foi ao encontro daqueles pescadores, quebrando a paralisia da normalidade. E não tardou a fazer-lhes uma promessa: “Farei de vocês pescadores de homens!” (Mc 1, 17)
Sendo assim, o chamado do Senhor não é uma ingerência de Deus na nossa liberdade; não é uma jaula ou um peso que nos é colocado às costas. Pelo contrário, é a iniciativa amorosa com que Deus vem ao nosso encontro e nos convida a entrar num grande projeto, do qual nos quer tornar participantes, apresentando-nos o horizonte dum mar mais amplo e duma pesca superabundante.
Com efeito, o desejo de Deus é que a nossa vida não se torne prisioneira do banal, não se deixe arrastar por inércia nos hábitos de todos os dias, nem permaneça inerte perante aquelas opções que lhe poderiam dar significado. O Senhor não quer que nos resignemos a viver o dia a dia, pensando que afinal de contas não há nada por que valha a pena comprometer-se apaixonadamente e apagando a inquietação interior de procurar novas rotas para a nossa navegação. Se às vezes nos faz experimentar uma pesca miraculosa, é porque nos quer fazer descobrir que cada um de nós é chamado, de diferentes modos, para algo de grande, e que a vida não deve ficar presa nas redes do sem-sentido e daquilo que anestesia o coração. Em suma, a vocação é um convite a não ficar parado na praia com as redes na mão, mas seguir Jesus pelo caminho que Ele pensou para nós, para a nossa felicidade e para o bem daqueles que nos rodeiam.
Naturalmente, abraçar esta promessa requer a coragem de arriscar uma escolha. Sentindo-se chamados por Ele a tomar parte num sonho maior, os primeiros discípulos, “deixando logo as redes, seguiram-No” (Mc 1, 18). Isto significa que, para aceitar a chamada do Senhor, é preciso deixar-se envolver totalmente e correr o risco de enfrentar um desafio inédito; é preciso deixar tudo o que nos poderia manter amarrados ao nosso pequeno barco, impedindo-nos de fazer uma escolha definitiva; é-nos pedida a audácia que nos impele com força a descobrir o projeto que Deus tem para a nossa vida. Substancialmente, quando estamos colocados perante o vasto mar da vocação, não podemos ficar a reparar as nossas redes no barco que nos dá segurança, mas devemos fiar-nos da promessa do Senhor.
Penso, antes de mais nada, no chamado à vida cristã, que todos recebemos com o Batismo e que nos lembra como a nossa vida não é fruto do acaso, mas uma dádiva a filhos amados pelo Senhor, reunidos na grande família da Igreja. É precisamente na comunidade eclesial que nasce e se desenvolve a existência cristã, sobretudo por meio da Liturgia que nos introduz na escuta da Palavra de Deus e na graça dos Sacramentos; é nela que somos, desde tenra idade, iniciados na arte da oração e na partilha fraterna. Precisamente porque nos gera para a vida nova e nos leva a Cristo, a Igreja é nossa mãe; por isso devemos amá-la, mesmo quando vislumbramos no seu rosto as rugas da fragilidade e do pecado, e devemos contribuir para a tornar cada vez mais bela e luminosa, para que possa ser um testemunho do amor de Deus no mundo.
Depois, a vida cristã encontra a sua expressão naquelas opções que, enquanto conferem uma direção concreta à nossa navegação, contribuem também para o crescimento do Reino de Deus na sociedade. Penso na opção de se casar em Cristo e formar uma família, bem como nas outras vocações ligadas ao mundo do trabalho e das profissões, no compromisso no campo da caridade e da solidariedade, nas responsabilidades sociais e políticas, etc. Trata-se de vocações que nos tornam portadores duma promessa de bem, amor e justiça, não só para nós mesmos, mas também para os contextos sociais e culturais onde vivemos, que precisam de cristãos corajosos e testemunhas autênticas do Reino de Deus.
No encontro com o Senhor, alguém pode sentir o fascínio do chamado à vida consagrada ou ao sacerdócio ordenado. Trata-se duma descoberta que entusiasma e, ao mesmo tempo, assusta, sentindo-se chamado a tornar-se pescador de homens no barco da Igreja através duma oferta total de si mesmo e do compromisso dum serviço fiel ao Evangelho e aos irmãos. Esta escolha inclui o risco de deixar tudo para seguir o Senhor e de consagrar-se completamente a Ele para colaborar na sua obra. Muitas resistências interiores podem obstaculizar uma tal decisão, mas também, em certos contextos muito secularizados onde parece não haver lugar para Deus e o Evangelho, pode-se desanimar e cair no cansaço da esperança.
E, todavia, não há alegria maior do que arriscar a vida pelo Senhor! Particularmente a vocês, jovens, gostaria de dizer: Não sejam surdos ao chamado do Senhor! Se Ele vos chamar por esta estrada, não se oponham e confiem n’Ele. Não se deixem contagiar pelo medo, que nos paralisa à vista dos altos cumes que o Senhor nos propõe. Lembrem-se sempre que o Senhor, àqueles que deixam as redes e o barco para O seguir, promete a alegria duma vida nova, que enche o coração e anima o caminho.
Queridos amigos, nem sempre é fácil discernir a própria vocação e orientar justamente a vida. Por isso, há necessidade de um renovado esforço por parte de toda a Igreja (sacerdotes, religiosos, animadores pastorais, educadores) para que se proporcionem, sobretudo aos jovens, ocasiões de escuta e discernimento. Há necessidade de uma pastoral juvenil e vocacional que ajude a descobrir o projeto de Deus, especialmente através da oração, meditação da Palavra de Deus, adoração eucarística e direção espiritual.
Como várias vezes se assinalou durante a Jornada Mundial da Juventude do Panamá, precisamos olhar para Maria. Na história daquela jovem, a vocação também foi uma promessa e, simultaneamente, um risco. A sua missão não foi fácil, mas Ela não permitiu que o medo a vencesse. O dela foi o “sim” de quem quer comprometer-se e arriscar, de quem quer apostar tudo, sem ter outra garantia para além da certeza de saber que é portadora duma promessa.
Pergunto a cada um de vocês: Você se sente portador duma promessa? Que promessa você traz no seu coração, e precisa dar continuidade? Maria teria, sem dúvida, uma missão difícil, mas as dificuldades não eram motivo para dizer “não”. Com certeza teria complicações, mas não haveriam de ser idênticas às que se verificam quando a covardia nos paralisa por não vermos, antecipadamente, tudo claro ou garantido.
Neste Dia, unimo-nos em oração pedindo ao Senhor que nos faça descobrir o seu projeto de amor para a nossa vida, e que nos dê a coragem de arriscar no caminho que Ele, desde sempre, pensou para nós.
Vaticano, Memória de São João Bosco, 31 de janeiro de 2019.
Francisco

quarta-feira, 1 de maio de 2019

O Evangelho dominical - 05.05.2019


AO AMANHECER

No epílogo do Evangelho de João, recolhe-se um relato do encontro do Jesus ressuscitado com os seus discípulos nas margens do lago da Galileia. Quando se escreve, os cristãos estão a viver momentos difíceis de provação e perseguição. Alguns renegam a sua fé. O narrador quer reavivar a fé dos seus leitores.
A noite aproxima-se e os discípulos saem a pescar. Não estão os Doze. O grupo partiu-se ao ver o seu Mestre crucificado. Estão de volta com as barcas e as redes que tinham deixado para seguir Jesus. Tudo acabou. De novo estão sós.
A pesca é um fracasso completo. O narrador enfatiza com força: «Saíram, embarcaram e naquela noite não pescaram nada». Voltam com as redes vazias. Não é essa a experiência de muitas comunidades cristãs que vêm como se debilitam as suas forças e a sua capacidade de evangelização?
Muitas vezes, os nossos esforços no meio de uma sociedade indiferente dificilmente conseguem resultados. Também nós constatamos que as nossas redes estão vazias. É fácil a tentação do desânimo e do desespero. Como sustentar e reacender a nossa fé?
Nesse contexto de fracasso, o relato diz que «estava amanhecendo quando Jesus se apresentou na margem». No entanto, os discípulos não o reconheceram desde o barco. Talvez a distância, talvez a bruma do amanhecer e, sobretudo, o seu coração entristecido que os impede de O ver. Jesus está a falar com eles, mas «não sabiam que era Jesus».
Não é este um dos efeitos mais perniciosos da crise religiosa que estamos a sofrer? Preocupados em sobreviver, vendo cada vez mais a nossa debilidade, não nos resulta fácil reconhecer entre nós a presença do Jesus ressuscitado, que nos fala do Evangelho e nos alimenta na celebração da ceia eucarística.
É o discípulo mais querido de Jesus o primeiro que o reconhece: «É o Senhor!». Não estão sós. Tudo pode começar de novo. Tudo pode ser diferente. Com humildade, mas com fé, Pedro reconhecerá o seu pecado e confessará o seu amor sincero a Jesus: «Senhor, Tu sabes que Te amo». Os outros discípulos não podem sentir mais nada.
Nos nossos grupos e comunidades cristãs, necessitamos de testemunhas de Jesus. Crentes que, com a sua vida e a sua palavra, nos ajudem a descobrir nestes momentos a presença viva de Jesus no meio de nossa experiência de fracasso e fragilidade. Os cristãos, sairemos desta crise aumentando a nossa confiança em Jesus. Às vezes, não somos capazes de suspeitar da Sua força para nos tirar do desânimo e do desespero.
José Antônio Pagola.
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

São José Operário


José, um operário

A festa de são José Operário fui instituída pelo Papa Pio XII, em 1955. Com isso, a Igreja católica quis reafirmar a dignidade dos trabalhadores e trabalhadoras e, ao mesmo tempo, dar uma marca católica à celebração civil e classista do dia 1° de maio. O próprio Pio XII havia dito, por ocasião do Natal de 1942: “Todo trabalho possui uma dignidade inalienável e, ao mesmo tempo, uma íntima ligação com a pessoa em seu aperfeiçoamento: nobre dignidade e prerrogativa que não são de modo algum aviltadas pela fadiga e pelo peso, que devem ser suportados como efeito do pecado original em obediência e submissão à vontade de Deus.”
Antes de Pio XII, o Papa Leão XIII havia escrito “Os porletários e operários têm o direito especial de recorrer a São José e de imitá-lo. José, que, de fato, pertence a uma família real, uniu-se em matrimônio com a mais santa e a maior entre todos as mulheres, é considerado o pai do Filho de Deus, e, não obstante tudo isso, passou a vida toda a trabalhar e tirar do seu trabalho de artesão tudo o que era necessário ao sustento da família.” E introduzindo o nome de São José no cânon da missa, o Papa João XXIII, e, mais recentemente, o Papa Francisco, quiseram homenageá-lo como exemplo de vida cristã, homem trabalhador e honesto, fiel e obediente à palavra de Deus.
O pai de Jesus era um carpinteiro
Em geral a afirmação de que Jesus foi carpinteiro não causa hoje nenhum problema para os cristãos, se bem que muitos parecem lamentar secretamente o fato de Jesus não ter sido descendente da família nobre ou de uma dinastia sacerdotal. Mas, no contexto das primeiras comunidades cristãs, especialmente no ambiente do judaísmo e do império romano, a origem social de Jesus atraía suspeita e desprezo sobre seu ensino e suas ações.
Ouvindo o ensino de Jesus na sinagoga, seus conterrâneos se perguntavam perplexos: “De onde vem essa sabedoria e esses milagres? Esse homem não é o filho do carpinteiro?” Nomeando de cor os membros de sua humilde família, eles não conseguiam entender e ficaram escandalizados (cf. Mt 13,53-58). A condição social de José, e a profissão braçal que ele exercia, eram causa de menosprezo e dificultavam a aceitação da mensagem de Jesus por parte do seu próprio povo.
Mas este é um dado que não podemos esquecer ou diminuir: José é um homem que viveu do próprio trabalho. No século XIX, o Pe. Berthier, fundador dos Missionários da Sagrada Família, escrevia: “José era um pobre artesão: ele não recebeu outra herança senão as mãos, outro capital senão a carpintaria, outros recursos senão o próprio trabalho” (Le prêtre II, p. 802). E esse trabalho não foi obstáculo à santidade, mas o caminho que o levou à integridade nas suas relações com Maria, com Jesus, com seu povo e com Deus.
Um trabalhador pode alcançar a sabedoria?
A expressão grega tektôn, que aparece nos evangelhos e normalmente é traduzida por carpinteiro, expressa também o ofício do pedreiro e do ferreiro. De qualquer maneira, designa sempre trabalhos artesanais, ou braçais. Assim, podemos supor com bastante fundamento histórico e literário que José e Jesus foram trabalhadores braçais experimentados no ofício da carpintaria e bastante conhecidos nas vilas da região circunvizinha da Galileia.
Podemos presumir também que, seguindo o costume da época e da região segundo o qual o pai devia ensinar sua profissão aos filhos, José ensinou Jesus a distinguir os diversos tipos de madeira e suas qualidades específicas: plátano, terebinto, cipreste, sicômoro, acácia, oliveira, zimbro, pinheiro, etc. Ensinou-o também a usar adequadamente as ferramentas de trabalho: machado, martelo, serra, plaina, cinzel, etc. E observando o jeito de José trabalhar, Jesus aprendeu o valor de um trabalho bem feito.
É certo que a Sagrada Escritura em geral mantém o apreço pelo trabalho humano. Mas é preciso notar também que o livro do Eclesiástico registra uma certa reserva e até menosprezo frente aos trabalhadores manuais. “Aquele que está livre de atividades torna-se sábio. Como poderá tornar-se sábio aquele que maneja o arado e cuja glória consiste em manejar o ferrão? Como pode tornar-se sábio aquele que guia bois, não abandona o trabalho e só sabe falar de crias de vacas? O mesmo acontece com todo carpinteiro e construtor, e com qualquer pessoa que trabalha dia e noite...” (Eclo 38,24-27).
Com base nesta visão, podemos concluir que, como os demais trabalhadores braçais do Oriente Médio daquela época, José e Jesus “não são requisitados no conselho do povo, não têm lugar especial na assembléia, não se assentam na cadeira do juiz, nem conhecem as disposições legais. Eles não brilham pela cultura nem pelo julgamento, e não entendem de provérbios”, como diz o livro do Eclesiástico. “Entretanto, são eles que sustentam as necessidades básicas, e a oração deles consiste em realizar o próprio trabalho” (Eclo 38,34).
A dignidade dos trabalhadores
A festa de São José Operário foi estabelecida com o objetivo de celebrar o valor do trabalho humano e proclamar a dignidade dos trabalhadores e trabalhadoras frente ao capital e seus controladores. São José nos ajuda a voltar nosso olhar àqueles e aquelas que hoje necessitam do próprio trabalho para sobreviver e, ao mesmo tempo, realizam através dele sua vocação de construir o bem comum.
Nossa fé sublinha que Deus assumiu a condição humana, inclusive a condição de trabalhador braçal. “Pela sua encarnação, o Filho de Deus, de certo modo, uniu-se a todos os seres humanos. Trabalhou com mãos humanas, pensou e agiu como qualquer ser humano, amando com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, foi realmente um dos nossos em tudo, exceto no pecado” (Gaudium et Spes 22).
O mesmo documento conciliar recomenda gratidão e alegria aos cristãos  que “seguindo o exemplo de Cristo, que trabalhou como operário, exercem todas as suas atividades unificando os esforços humanos, domésticos, profissionais, científicos e técnicos numa síntese vital com os bens religiosos, sob cuja direção tudo se orienta para a glória de Deus” (Gaudium et Spes 43). Assumindo  trabalhos  braçais humildes em Nazaré, Jesus conferiu uma dignidade especial ao trabalho e aos trabalhadores/as (cf. Gaudium et Spes 67).
Mudar os sistemas iníquos
Em tempos de crise econômica de dimensoes globais, como esta que estamos atravessando, as saídas apresentadas pelos chefes de plantão como mais razoáveis e urgentes normalmente trazem prejuízos aos trabalhadores e trabalhadoras. Fala-se sempre em flexibilizar os direitos trabalhistas e oferecer segurança jurídica aos investidores, mas pouco se fala em flexibilizar os índices de lucro dos empresários e banqueiros e em assegurar previdência e segurança alimentar e social aos trabalhadores. A precarização do trabalho, especialmente a terceirização e a aprovação do trabalho intermitente e a limitação ao trabalho sindical, acrescenta mais preocupações à insegurança. A Igreja afirma sem rodeios que “é iníquo e desumano” organizar a produção e a economia “em detrimento dos trabalhadores”.  “Nenhuma lei econômica o justifica” e, nesses casos, “a greve deve ser reconhecida como um direito de defesa dos trabalhadores” (Gaudium et Spes 68).
Muita gente, inclusive cristãos, preferem imaginar José trazendo nas mãos o lírio da pureza, jamais as ferramentas que representam o trabalho. E gostam de contemplar Jesus trazendo na cabeça uma coroa de rei e nas mãos o pergaminho ou o cajado, a patena e o cálice, mas nunca uma foice, uma chave ou uma enxada! E o mundo viria abaixo se alguém ousasse representar José e Jesus inseridos numa manifestação social pela redução da jornada de trabalho, contra a flexibilização das leis trabalhistas ou por uma nova ordem internacional.
Que o trabalho não seja em vão
Paulo Coelho confessou que gosta de pensar que Jesus celebrou sua última ceia numa mesa fabricada na marcenaria de José. Mesmo que isso não seja historicamente provável, é importante sublinhar os laços que unem José e Jesus, sejam eles de trabalho, de ambiente social, de fé ou de missão. Jesus será sempre o filho e o herdeiro do carpinteiro de Nazaré, e dele aprendeu a relevância da utopia do reino de Deus, o valor do trabalho e a dignidade dos trabalhadores e trabalhadoras.
De minha parte, concedo-me o direito de imaginar José e Jesus envolvidos no trabalho em mutirão para a construção de casas no povoado de Nazaré. À noite, depois da modesta janta, vejo José puxando de memória o Salmo 127: “Se Javé não constrói a casa, em vão labutam os construtores. Se Javé não guarda a cidade, em vão vigiam os guardas. É inútil que vocês madruguem e se atrasem para deitar, para comer o pão com duros trabalhos: aos seus amigos ele o dá enquanto dormem.”
Imagino José interrompendo a prece, fixando demoradamente seu olhar terno no rosto de Jesus, e depois continuando: “A herança que Javé concede são os filhos, seu salário é o fruto do ventre: os filhos da juventude são flechas na mão do guerreiro.” E então vejo Maria envolvendo José com um abraço carinhoso e completando: “Feliz o homem que enche sua aljava com elas; não será derrotado na porta da cidade quando litigar com seus inimigos. Maria sabia que seu marido não brilhava pela cultura e não entendia de provérbios, mas também sabia muito bem que das mãos dele vinha boa parte do sustento da família, e que seu trabalho subia ao céu como oração.
Pe. Itacir Brassiani msf