quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Preparando o domingo - 23.10.2016

A verdadeira oração:
O fariseu e o publicano (Lucas 18,9-14)


No texto de hoje, Jesus apresenta uma parábola na qual o avesso é o lado certo. Ela mostra que Jesus tinha outra maneira de ver a vida. Jesus conseguia enxergar uma revelação de Deus lá onde todo o mundo só enxergava coisa ruim. Por exemplo, ele via algo de positivo no publicano, de quem todo mundo dizia: "Ele nem sabe rezar". Jesus vivia tão unido ao Pai pela oração, que tudo se tornava expressão de oração para ele.
SITUANDO
Neste texto, Jesus trata da oração. É a segunda vez que Lucas traz palavras de Jesus para ensinar como rezar. Na primeira vez (Lucas 11,1-13), ensinou o Pai-Nosso e, por meio de comparações e parábolas, ensinou que devemos rezar com insistência, sem esmorecer (cf. Lucas 18,1-8).
Agora, nesta segunda vez, ele recorre à parábola tirada da vida para ensinar sobre a humildade. A maneira de apresentar a parábola é muito didática. Primeiro, Jesus faz uma breve introdução que serve de chave de leitura. Em seguida, conta a parábola. No fim, o próprio Jesus faz a aplicação, mostrando que o avesso é o lado certo. 
COMENTANDO
Lucas 18,9: A introdução
A parábola é introduzida com a seguinte frase: "Contou ainda esta parábola para alguns que, convencidos de serem justos, desprezavam os outros!" A frase é de Lucas e se refere, simultaneamente, ao tempo de Jesus e ao tempo do próprio Lucas, em que as comunidades da tradição antiga desprezavam as que vinham do paganismo.
Lucas 18,10-13: A parábola
Dois homens sobem ao Templo para rezar: um fariseu e um publicano. Na opinião do povo daquela época, um publicano não prestava para nada e não podia dirigir-se a Deus, pois era uma pessoa impura.
Na parábola, o fariseu agradece a Deus por ser melhor do que os outros. A sua oração nada mais é do que um elogio de si mesmo, uma auto exaltação das suas boas qualidades, um desprezo pelos outros.
O publicano nem sequer levanta os olhos, bate no peito e apenas diz: "Meu Deus, tem dó de mim que sou um pecador!" Ele se coloca no seu lugar diante de Deus.
Lucas 18,14: A aplicação
Se Jesus tivesse deixado o povo dizer quem voltou justificado para casa, todos teriam dito: "É o fariseu". Jesus, no entanto, pensa diferente. Quem voltou justificado, isto é, em boas relações com Deus, não é o fariseu, mas sim o publicano.
Novamente, Jesus virou tudo pelo avesso. Muita gente não deve ter gostado da aplicação que Jesus fez desta parábola.
Carlos Mesters e Mercedes Lopes

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Encontro de Formação Missionaria

“Vão também vocês trabalhar na minha vinha...”
Tendo esta frase da parábola de Mateus 20,7 como frase-guia, as comunidades da Paróquia São Sebastião da Boa Vista, Bairro Kennedy (Contagem, Arquidiocese de Belo Horizonte), se reuniram ontem numa jornada de formação e convivência missionaria. Aproximadamente 65 lideranças de diversos setores, grupos e comunidades aceitaram o desafio, das 8:00 às 17:00!
É verdade que a formação e a missão não se resumem nem resolvem nestes encontros mais formais e teóricos, mas o empenho de cada um e de todos, a disposição de estar juntos, a sede de aprender e de fazer, proporcionam uma bela experiência de vida cristã. E isso sem esquecer, é claro, das pessoas que se empenharam na infraestrutura, da animação à cozinha, assim como dos Juniores MSF, que também participaram e contribuíram.
Na parte da manhã, depois da missão comunitária, com a qual iniciamos o encontro, refletimos e discutimos sobre a alegria e os desafios de ser missionário, tomando como inspiração e provocação as orientações do Papa Francisco, na encíclica A alegria do Evangelho, e do recente documento dos Bispos do Brasil sobre a missão dos leigos e leigas (Doc. 105). Na parte da tarde, refletimos sobre a missão, seus agentes e os possíveis campos prioritários na nossa área pastoral, concluindo com sugestão de projetos e iniciativas concretas.
Na sua Mensagem para a Jornada Mundial de Oração pelas Missões de 2016, o Papa Francisco retoma a provocação que nos deixa na Evangelii Gaudium: “Cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (n° 20).
Por sua vez, a respeito da missão dos leigos e leigas, os Bispos do Brasil afirmam: “Os cristãos leigos e leigas que vivem sua fé na vida cotidiana, nos trabalhos de cada dia, nas tarefas mais humildes, no voluntariado, cuja vida está escondida em Deus, são o perfume de Cristo, o fermento do Reino, a gloria do Evangelho! (Doc. 105, n° 35). Por isso, “não é evangélico pensar que os ministros ordenados (diáconos, padres e bispos) sejam mais importantes e mais dignos, sejam ‘mais igreja’ que os leigos e leigas. A dignidade não vem dos serviços e ministérios que cada um exerce, mas da iniciativa de Deus, da incorporação a Cristo pelo batismo!” (Idem, n° 109).
Para concluir, recordemos mais uma afirmação contundente e provocativa do Papa Francisco: “A missão não pode ser apenas uma parte da nossa vida, um ornamento que podemos dispensar, um simples apêndice ou momento entre tantos outros. É algo que não posso arrancar do meu ser, se não quero me destruir. Somos como que marcados a fogo por esta missão de iluminar, abençoar, vivificar, levantar, curar, libertar” (Evangelii Gaudium, n° 273).

Itacir Brassiani msf

sábado, 15 de outubro de 2016

V Assembleia do Povo de Deus de Belo Horizonte

Igreja missionária, servidora da Palavra

Parcial do Plenario
“Deus mostrou seu rosto amoroso na história do mundo e por ele se comoveu, envolvendo-se com ele (cf. Ex 3,7). Mostrou-se, de maneira definitiva, em seu Filho Jesus, a Palavra que se irmanou a nós, em nossa carne, revelando-nos a vida de comunhão à qual todos/as somos chamados/as a viver...”
É com estas palavras que se inicia o Projeto de Evangelização da Arquidiocese de Belo Horizonte, aprovado na tarde de hoje pela V Assembleia do Povo de Deus, momento culminante de um processo amplo e participativo que se estendeu por mais de seis meses. Hoje, 15 de outubro, das 8:00 às 17:00 h, aproximadamente mil delegados/as, distribuídos em 22 grupos, debateram e aprovaram 30 propostas de evangelização, distribuídas em 10 diferentes áreas vitais.
As 10 áreas ou temas-articuladores são os seguintes: rede de comunidades; opção preferencial pelos pobres; Igreja da acolhida, fé, política e cidadania; família; protagonismo dos leigos e leigas; opção preferencial pelas juventudes; formação integral e permanente; catequese; comunicação e cultura. Em cada uma destas áreas ou temas, aprovamos uma proposta na dimensão da pessoa, uma proposta na dimensão da comunidade e uma proposta na dimensão da sociedade.
Parcial dos grupos de trabalho
Processos e momentos como esse são muito significativos, tanto do ponto de vista da formação da consciência eclesial como do ponto de vista do protagonismo dos leigos e leigas. As assembleias paroquiais, forâneas e regionais, assim como algumas assembleias setoriais (dos religiosos e religiosas, das juventudes) que antecederam a grande assembleia de hoje conferem às propostas votadas uma consistência e uma pertinência inquestionáveis.
Os grandes desafios que nos esperam são, na minha percepção, três: a) motivar e envolver de fato e em profundidade as paroquias, movimentos e agentes na assimilação criativa e na efetivação das propostas aprovadas; b) trazer as propostas para programas e atividades em âmbito forâneo e paroquial; c) elaborar um projeto de pastoral que estabeleça prioridades e articule iniciativas pertinentes em âmbito de Arquidiocese.

Itacir Brassiani msf

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

O Evangelho dominical - 16.10.2016

O CLAMOR DOS QUE SOFREM

A parábola da viúva e do juiz sem escrúpulos é, como tantos outros, um relato aberto, que pode suscitar nos ouvintes diferentes ressonâncias. Segundo Lucas, é uma chamada para orar sem desanimar, mas é também um convite para confiar que Deus fará justiça a quem lhe grita dia e noite. Que ressonância pode ter hoje em nós este relato dramático que nos recorda a tantas vítimas abandonadas injustamente à sua sorte?
Na tradição bíblica, a viúva é símbolo por excelência da pessoa que vive só e desamparada. Esta mulher não tem marido nem filhos que a defendam. Não conta com apoios nem recomendações. Só tem adversários que abusam dela, e um juiz sem religião nem consciência a quem não importa o sofrimento de ninguém.
O que pede a mulher não é um capricho. Só reclama justiça. Este é o seu protesto repetido com firmeza ante o juiz: «Faz-me justiça». A sua petição é a de todos os oprimidos injustamente. Um grito que está na linha do que dizia Jesus aos seus: “Buscai o reino de Deus e a sua justiça”.
É certo que Deus tem a última palavra e fará justiça a quem lhe grita dia e noite. Esta é a esperança que acendeu em nós Cristo, ressuscitado pelo Pai de uma morte injusta. Mas, enquanto chega essa hora, o clamor de quem vive gritando sem que ninguém escute o seu grito, não cessa.
Para uma grande maioria da humanidade, a vida é uma interminável noite de espera. As religiões pregam Salvação. O cristianismo proclama a vitória do Amor de Deus encarnado em Jesus crucificado. Entretanto, milhões de seres humanos só experimentam a dureza dos irmãos e irmãs e o silêncio de Deus. E, muitas vezes, somos os mesmos crentes que ocultamos o Seu rosto de Pai velando-o com o nosso egoísmo religioso.
Por que é que a nossa comunicação com Deus não nos faz escutar por fim o clamor dos que sofrem injustamente e nos gritam de mil formas: «Fazei-nos justiça»? Se, ao rezar, nos encontramos de verdade com Deus, como não somos capazes de escutar com mais força as exigências de justiça que chegam até ao seu coração de Pai?
A parábola interpela-nos a todos os crentes. Seguiremos alimentando as nossas devoções privadas esquecendo quem vive em sofrimento? Continuaremos a rezar a Deus para colocá-lo ao serviço dos nossos interesses, sem que nos importem muito as injustiças que há no mundo? E se rezar fosse precisamente esquecermos de nós e procurar com Deus um mundo mais justo para todos?
José Antonio Pagola
Tradutor: Antonio Manuel Álvarez Perez

ANO C – VIGÉSIMO-NONO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 16.10.2016

A missão da Igreja é uma imensa obra de misericórdia!

No evangelho de hoje, Jesus fala sobre a oração, tema muito apreciado por muitos cristãos.  Mas Jesus não insiste propriamente na quantidade da oração, mas na oração perseverante, na confiança em Deus. Ou seja: não se trata apenas de ‘rezar sempre’, mas de ‘nunca desistir’ de rezar. O próprio Jesus não foi uma espécie de monge dedicado exclusivamente à oração, e os discípulos que deram prosseguimento à sua missão, conjugaram equilibradamente o anúncio do Evangelho com muitas iniciativas em favor das pessoas da comunidade ou de fora dela e com a prática da caridade e a oração.
Para entender a parábola proposta por Jesus no evangelho deste domingo precisamos dar um passo atrás e situa-la no seu contexto literário. Assim, percebemos que vários versículos são dedicados à questão da vinda do Reino de Deus (cf. Lc 17,20-37). Misturando a linguagem direta com a linguagem apocalíptica, Jesus ensina que o Reino de Deus não aparece de forma ostensiva e espetacular, mas é uma surpresa que se esconde em todas as ações e movimentos de solidariedade. E a súplica da viúva da parábola tem seu foco implícito na súplica e na expectativa da manifestação da justiça do Reino de Deus.
É importante lembrar também que, na Bíblia, a viúva é o protótipo da pessoa pobre e abandonada, do sujeito que está no limite da sobrevivência e não tem com quem contar. A tais pessoas pertence o direito de clamar a Deus. Quem clama são os oprimidos e os pobres; os poderosos e ricos apenas reclamam. E Deus jamais se mostrou indiferente ao clamor de quem, dia e noite, suplica diante dele. A passagem paradigmática continua sendo aquela do livro do Êxodo: “Os israelitas continuavam gemendo e clamando sob dura escravidão. E os gritos de socorro devidos à escravidão subiram até Deus” (Ex 2,23).
Por isso, podemos afirmar que Jesus não quer propriamente chamar a atenção para a questão da oração contínua, e nem apenas o seu conteúdo. A parábola está focalizada na eficácia do clamor dos pobres e injustiçados, daqueles que pedem perseverantemente a intervenção de Deus. Fazendo referência ao juiz que, mesmo não tendo fé, atende ao clamor da viúva, Jesus nos interroga: “E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos, que dia e noite gritam por ele? Será que vai fazê-los esperar?” O próprio Jesus responde à pergunta: “Eu vos digo que Deus lhes fará justiça bem depressa.”
Jesus é pessoalmente a mediação da socorro de Deus, mas não é o único. Todas as pessoas que creem em Deus são mediadoras da sua resposta aos clamores pela vinda do seu Reino. Mesmo que, muitas vezes, nós mesmos estejamos entre aqueles que clamam quase desesperadamente, na medida em que aderimos a Jesus Cristo somos responsáveis também pela resposta de Deus aos clamores dos outros. Continuamos a pedir “venha o teu Reino”, mas não podemos enterrar os talentos que recebemos. Jamais podemos esquecer o exemplo do samaritano da conhecida parábola... “Vai e faze tu a mesma coisa.”
A oração cristã – tanto aquela que fazemos individualmente como as celebrações comunitárias dos sacramentos – é sempre um exercício de ruptura com o fechamento e a confiança absoluta em nós mesmos e de progressiva abertura à vontade de Deus, que é, ao mesmo tempo, surpreendente e libertadora. A oração é um exercício humano e espiritual que tenta aproximar a nossa vontade da vontade de Deus, que procura deslocar o centro em torno do qual gira a nossa vida de nós mesmos para o advento Reino de Deus, para a vida plena ou do bem viver para todos.
A eficácia da oração se mostra claramente não apenas nem principalmente no atendimento automático desse ou daquele pedido, mas no alargamento e no aprofundamento da nossa consciência, do nosso modo de ver as coisas. A oração nos ajuda a tomar consciência da ação de Deus que está em curso na história e das possibilidades escondidas nela e em nós mesmos. Mas também nos eleva como que ao alto da cruz para que, assumindo uma perspectiva essencialmente cristã, sintonizemos com todas as criaturas que clamam por uma libertação que ainda não se realizou.
Dai-nos, Jesus, missionário do Pai, a confiança e a perseverança orante daquela viúva que não tinha com quem contar. Torna tua Igreja cada vez mais radicalmente missionária, uma Igreja que sai de si e vai ao encontro dos irmãos e irmãs empurrados para as periferias, para testemunhar a eles a tua misericórdia. Ajuda-nos e pedir, sem cansar, que venha o teu Reino. Envia irmãos e irmãs que sustentem nossos braços cansados. Leva-nos até o alto da tua cruz para que, sintonizados com todos os clamores, desçamos aos caminhos da história para iluminá-los com o nosso testemunho. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Livro do Exodo 17,8-13 * Salmo 120 (121) * 2ª Carta a Timóteo  3,14-4,2 * Evangelho de São Lucas 18,1-8)

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Memoria da Pascoa do Pe. Berthier (108 anos)

Páscoa do Pe. Berthier: recordar, agradecer e prosseguir!
A Casa-Mãe de Grave, hoje
Começava o outono europeu. A névoa e a umidade que caracterizam a pequena cidade holandesa chamada Grave, às margens do rio Maas, já se faziam sentir. No amanhecer daquele 16 de outubro de 1908, a comoção tomava conta de uma centena de jovens e homens feitos, de diversas nacionalidades, que haviam intuído o convite de Jesus e respondido generosamente, iniciando sua árdua preparação para a vida missionária. Naquele momento, enquanto a comunidade juntava ao louvor das criaturas sua própria voz e celebrava a santa missa, o Pe. Joao Berthier, aquele que havia dado um coração ao velho e arruinado prédio do quartel, fazia a oferta definitiva da sua frágil vida Àquele que fora a razão de tudo.
A comoção dos membros da jovem comunidade dos Missionários da Sagrada Família tinha ao menos dois motivos: o sentimento de perda daquele que proporcionara um ritmo e uma meta ao desejo de servir à vinha do Senhor ao sentimento difuso que habitava o coração de tantos jovens cuja vocação apostólica era desprezada pela Igreja; o sentimento de responsabilidade de fazer o possível para que essa humilde iniciativa prosperasse, com fidelidade e ousadia. Não haveria homenagem melhor que essa ao pai, amigo, irmão, fundador e formador que partia.
Poucos anos antes, em setembro de 1895, com 55 anos de vida e uma saúde muito frágil, o Pe. Berthier, Missionário Saletino, deixava sua amada montanha, o Santuário de Nossa Senhora da Salette e a comunidade missionária que ajudara a configurar, para acolher e formar as vocações missionárias que, por terem mais de 15 anos de idade ou não terem recursos para pagar as despesas de formação, eram descartadas pelos seminários da época. A busca de um ambiente menos hostil à fé crista o fizera deixar a França e estabelecer-se na Holanda.
Imagem no Cemitério de Casa-Mãe,
onde estão os restos mortais dos
primeiros Missionários da S. Família
Graças às mãos hábeis e generosas do Pe. Berthier e de muitos jovens vocacionados, um velho e decadente prédio, que servira de abrigo a sucessivas tropas militares – soldados e animais –transformou-se em sementeira, jardim e lavoura de gente que sonhava levar a Boa Notícia de Jesus Cristo a todas as fronteiras da terra. A aparente confusão de línguas – a casa acolhia holandeses, franceses, alemães, suíços e poloneses! – era facilmente superada pela união de corações, pela delicada atenção recíproca e pelo sonho missionário, tudo inspirado no espírito da Sagrada Família, na escola de vida de Nazaré.
A páscoa definitiva daquele que dera fundamento e horizonte à vocação missionária daqueles jovens não os deixou desorientados. As lágrimas pela perda do ‘pai’ regaram as sementes generosas que ele lançara nas férteis terras dos Países Baixos. Pouco mais de dois anos depois daquele 16 de outubro de 1908, o primeiro grupo de Missionários da Sagrada Família era enviado além-fronteiras, às úmidas e inóspitas terras da foz do rio Amazonas, no Brasil. E, logo depois, foi a vez do Nordeste do Brasil, da Indonésia, da Noruega, dos Estados Unidos... Hoje, somos mais de 750 missionários, espalhados em 22 países dos cinco continentes...
Montagem sobre uma foto autentica do Pe. Berthier,
com a Casa-Mãe ao fundo
Em 1995, por ocasião do primeiro centenário do nascimento da Congregação, os restos mortais do Pe. Berthier foram levados de volta à Montanha da Salette, onde vivera grande parte de sua vida e fizera história como missionário, pregador e escritor. Ali, sua memória continua sendo cultuada pelos coirmãos da Congregação que ele jamais quis deixar e do Instituto que nasceu da sua paixão missionária, mas também pelos muitos peregrinos que anualmente sobem a montanha para se reconciliar com Deus, respondendo ao convite da ‘Bela Senhora’ que apareceu a Maximino e Melânia no dia 19 de setembro de 1846.
Por mais importante que seja, o passado não fecunda nem garante o futuro. A fé não se resume à memória da ação de Deus no passado, mas ajusta nosso olhar para que vejamos e preparemos aquilo que está nascendo, para que encontremos soluções plenamente humanas para os problemas humanos. Recordando agradecidos os 108 anos do falecimento do Pe. Joao Berthier, avivemos nossa paixão missionária; vivamos em autenticas comunidades de irmãos; ajudemos a Igreja a sair de si e a percorrer os belos e difíceis caminhos que levam às periferias; sejamos criativos na animação da pastoral das famílias; ajudemos os cristãos na descoberta e realização da própria vocação; e façamo-nos cada vez mais próximos daqueles que estão longe.

Itacir Brassiani msf

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Preparando o domingo - 16.10.2016

A viúva que enfrenta o juiz: Impaciência e persistência como modelo de fé e oração (Lucas 18,1-8)


A parábola da viúva persistente de Lucas 18,1-8 é material exclusivo do Evangelho de Lucas. Não se encontra nos outros Evangelhos e tem por tema principal a persistência na oração aqui entendida e vinculada à ação. A mulher viúva é tomada como exemplo da oração que agrada a Deus. Sua ação incansável e obstinada em busca da justiça e do direito é o exemplo maior de fé e oração esperada por Deus.
Essa parábola na maioria das vezes é superficialmente interpretada limitando a força da parábola apenas à persistência na oração. Ignora-se que, para além da persistência na oração, a parábola traz uma mensagem forte de luta incessante, persistente e impaciente pela justiça. Luta que uma pobre viúva enfrenta diante de um insensível juiz. Ela o enfrenta com uma atitude obstinada e até agressiva em busca de justiça.
O que nos conta a Parábola?
A parábola apresenta certa cidade onde havia um juiz que não temia a Deus e não se importava com as pessoas. Na mesma cidade, havia também uma viúva que se dirigia continuamente a ele dizendo: "Faz-me justiça contra meu adversário!" (18,2-3).  O juiz está bem descrito: Ele é um juiz que não teme a Deus e nem se importa com as pessoas. E sobre a viúva? O que é dito? Não é apresentada qualquer informação sobre ela, não se sabe sequer qual era a causa que aflige o direito dessa mulher.
Sabe-se apenas que ela está sendo prejudicada nos seus direitos por causa de alguém denominado de "adversário" e que por isso procura o juiz a quem se dirige de forma contínua e persistente, travando uma luta obstinada e incansável pela justiça.
"Faça-me justiça contra meu adversário"
Essas são as únicas palavras da viúva na parábola. Nestas palavras está inscrita a história dessa viúva e a história de tantas outras mulheres e grupos oprimidos em busca e em espera pela justiça em sua época.
Desprovido de temor a Deus e interesse pelas pessoas, o juiz não parece se importar pela situação daquela mulher. A pobre viúva sem dinheiro ou poder tem a seu favor apenas o recurso da intimidação e da persistência. A ação da viúva é expressa como uma ação contínua e ameaçadora que atinge o juiz onde ele poderia ser atingido: na preocupação egoísta do seu próprio conforto.
Aborrecer e importunar até que me faça justiça
Essa foi a estratégia de luta dessa mulher. Ela vinha todos os dias diante do juiz e o importunava e o aborrecia. O termo grego que aparece em 18,5 é "hypopiadzein", que significa uma bofetada em baixo dos olhos que deixa uma marca roxa característica que denuncia em público a agressão sofrida.
O uso do termo na parábola não quer dizer que isso tenha acontecido, mas que o juiz temia que isso pudesse acontecer o que lhe causaria muito constrangimento público. Por isso, ele é coagido pela ação ativa e insistente e ameaçadora da viúva a agir em favor dela.
Naquela mulher obstinada, o insensível magistrado encontrou adversário à sua altura. Ele podia ter sido assaltado por persistência obstinada antes, mas nenhuma que se igualasse aos apelos infindáveis e insistentes desta mulher. Ele lhe fez justiça, não porque fosse justo ou mesmo compassivo, mas porque percebeu que não conheceria um momento de paz até que atendesse aquela mulher.
A vida das mulheres viúvas e o sistema injusto
As viúvas e os órfãos sempre eram no mundo antigo, do ponto de vista estrutural, as primeiras vítimas das injustiças e alvos de descaso e de tentativas de fraude e exploração. Desde o Antigo Testamento, Deus aparece intervindo em defesa dos grupos que sofrem essa injustiça estrutural. A viúva da parábola de Lucas 18,1-8 chama a nossa atenção pela sua persistência na luta pelos seus direitos. Ela se fundamenta no direito divino. A atitude dessa mulher é, do começo ao fim, destacada como referência de quem se deve aprender. Diante da violência do sistema injusto é preciso resistir com firmeza e intrepidez.
Segundo Ivoni Richter, a situação de vida e o atuar desta viúva não é um caso isolado na antiguidade. Com seu exemplo, a parábola condensa a experiência de muitas viúvas, as quais, conforme a tradição veterotestamentária, tantas vezes está exposta à injustiça, à não realização dos seus direitos.
A parábola de Jesus assume positivamente a experiência desta viúva que luta por seus direitos. E os conquista. Com isto, a parábola quer estimular e animar as pessoas crentes à oração ativa e contínua em meio ao sofrimento da vida. Portanto, a parábola reflete a situação de vida das viúvas que muitas vezes tiveram que levantar-se e impor-se para garantir seus direitos.
A esperança escatológica e a justiça de Deus
Os versos 6 a 8 inserem a parábola no contexto da esperança escatológica e a ligam com o tema da vinda do filho do homem de Lucas 17,20-37. Neste sentido, justiça, juízo, graça e perseverança são temas que se unem na parábola. O estabelecer da justiça de Deus está vinculado à vinda do filho do homem que virá para fazer justiça aos pobres e oprimidos que se confrontam com situações cotidianas de direitos negados. Mas, a justiça de Deus é motivada pelo seu amor e sua misericórdia e não pela preocupação consigo mesmo como no caso do juiz injusto da parábola. É nesse contexto que Lucas insere a parábola da viúva persistente, advertindo para não desanimarmos na luta ativa para fazer presente a justiça de Deus. 
A impaciência e persistência da mulher como modelo de fé e oração
A parábola encerra com a pergunta problematizante: "Quando o filho do homem vier, encontrará fé na terra?" O exemplo da viúva persistente fica claramente apresentado como modelo a ser seguido pela comunidade de discípulos e discípulas. A advertência de Jesus é quanto à espera ativa e persistente pelo reinado de Deus. A fé aqui referida é sinônimo da postura e ação da viúva em que, na situação de injustiça na qual parecia haver total ausência de Deus, ela se implica de maneira insistente e incansável.
Portanto, manter a fé significa não desanimar, não desistir e perseverar em busca incessante da realização da ação salvadora e libertadora de Deus, comprometendo-se com seu projeto de justiça, principalmente para os grupos mais excluídos e oprimidos para quem Ele, justo juiz, dirige sua misericórdia.
O exemplo trazido nessa parábola nos convida a viver uma fé não fatalista e não conformista, mas uma fé e oração ativa, combativa e persistente, comprometida e implicada com a luta pelos direitos das pessoas mais excluídas. A pergunta continua pertinente: Será que, quando o filho do homem vier, encontrará fé como a dessa mulher? Que a herança e exemplo dessa parábola nos ajudem a manter uma fé ativa e operante em meio ao mundo de estruturas injustas.
Odja Barros

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

O Evangelho dominical - 09.10.2016

CURA

O episódio é conhecido. Jesus cura dez leprosos enviando-os aos sacerdotes para que lhes autorizem a voltarem curados para as suas famílias. O relato podia ter terminado aqui. Ao evangelista, no entanto, interessa-lhe destacar a reação de um deles.
Uma vez curados, os leprosos desaparecem de cena. Nada sabemos deles. Parece como se nada se tivesse produzido nas suas vidas. No entanto, um deles «vê que está curado» e compreende que algo grande lhe foi oferecido: Deus está na origem daquela cura. Entusiasmado, volta «louvando a Deus a grandes gritos» «dando graças a Jesus».
Em geral, os comentaristas interpretam a sua reação sob a forma de agradecimento: os nove são uns desagradecidos; só o que voltou sabe agradecer. Certamente é o que parece sugerir o relato. No entanto, Jesus não fala de agradecimento. Diz que o samaritano voltou «para dar glória a Deus». E dar glória a Deus é muito mais do que dizer obrigado.
Dentro da pequena história de cada pessoa, colocada à prova por doenças, enfermidades e aflições, a cura é uma experiência privilegiada para dar glória a Deus como Salvador do nosso ser. Assim diz uma célebre fórmula de São Irineu de Leão: «O que a Deus lhe dá glória é um homem cheio de vida». Esse corpo curado do leproso é um corpo que canta a glória de Deus.
Acreditamos saber tudo sobre o funcionamento do nosso organismo, mas a cura de uma grave doença não deixa de nos surpreender. Sempre é um «mistério» experimentar em nós como se recupera a vida, como se reafirmam as nossas forças e como cresce a nossa confiança e a nossa liberdade.
Poucas experiências se podem viver tão radicais e básicas como a cura, para experimentar a vitória frente ao mal e ao triunfo da vida sobre a ameaça da morte. Por isso, ao nos curarmos, oferece-se a possibilidade de acolher de forma renovada Deus que vem a nós como fundamento do nosso ser e fonte de vida nova.
A medicina moderna permite hoje a muitas pessoas viver o processo de cura com mais frequência que em tempos passados. Temos de agradecer a quem nos cura, mas a cura pode ser, além disso, ocasião e estímulo para iniciar uma nova relação com Deus. Podemos passar da indiferença à fé, da rejeição ao acolhimento, da dúvida à confiança, do temor ao amor.
Este acolhimento saudável de Deus pode curar-nos de medos, vazios e feridas que nos fazem mal. Pode-nos enraizar à vida de forma mais saudável e liberta. Pode-nos curar integralmente.
José Antonio Pagola
Tradutor: Antonio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

ANO C – VIGÉSIMO-OITAVO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 09.10.2016

Somos regenerados pela compaixão e enviados em missão!

A travessia que Jesus e seus discípulo estão realizando não é apenas geográfica. É uma caminhada consciente e tem um rumo preciso: Jesus se dirige a Jerusalém, onde enfrentará os poderes religiosos e políticos e revelará a compaixão de Deus pelos excluídos. Ele faz essa passagem com um objetivo muito claro: desloca-se da periferia social ao centro político, transforma os últimos em primeiros, aprecia quem é desprezado, revela a presença de Deus na contramão da história e da religião. E, de tabela, potencializa a força emancipadora mais ou menos adormecida em cada ser humano.
Na Samaria, um grupo de leprosos deixa o fechado círculo de um pequeno povoado e se aproxima de Jesus. Parece que a ideologia estreita e fechada da cidade fazia mal a eles, pois costuma considerar culpáveis e proscritos os pobres, os doentes, os rebeldes, os diferentes. Mas, em vez de cumprir as prescrições e anunciar claramente a própria impureza, permanecendo assim longe das pessoas consideradas puras, eles reconhecem Jesus como mestre e gritam: “Tem compaixão de nós!” Há algo muito especial que faz com que este grupo de leprosos saia da cidade em busca de uma mudança...
Este pedido brota da dor de serem excluídos. Por trás da súplica, está a situação dramática que vivem todos aqueles que são infectados pela lepra e pela ideologia estreita e escravizadora do judaísmo daquele tempo. Mas o grito quase desesperado implorando compaixão também é revelador de uma embrionária consciência de que Deus não vira o rosto nem fecha o coração diante do drama que vivem os doentes, discriminados e excluídos. Mesmo sem conseguir reconhecer claramente a identidade de Jesus apelam a algo que é essencial em Deus: sua compaixão em favor dos marginalizados.
A resposta de Jesus ao pedido desesperado dos leprosos é, inicialmente, o cumprimento de uma norma legal: “Ide apresentar-vos aos sacerdotes”. Como poderiam eles ir ao templo, se era exatamente a lei por ele regulada que os mantinha distantes e separados? Eles ainda não estavam curados, e entrar no templo seria um sacrilégio imperdoável! Entretanto, é no caminho, e não no templo, que eles são curados. É da ruptura com a cosmovisão estreita e dominadora do templo, da adesão crescente a Jesus – caminho, verdade e vida! – e à sua Palavra que vem a força que restaura a dignidade e liberta das exclusões.
Entre os dez leprosos havia um samaritano. Os demais provavelmente eram galileus. Percebendo-se curados, os nove galileus continuam firmes a marcha em direção ao templo, e são por ele novamente assimilados. Apenas o samaritano volta para agradecer a Jesus e glorificar a Deus, evitando assim as malhas e amarras do templo. É possível que os nove leprosos que continuam indo ao templo representem os discípulos que resistem à novidade exigente e libertadora de Jesus, os cristãos que continuam acreditando nos privilégios das minorias e na supremacia das leis e instituições.
Por sua vez, o leproso samaritano representa todos os excluídos e marginalizados que acolhem o Evangelho e se tornam discípulos de Jesus. “Tua fé te salvou.” A reconquista da plena cidadania e do respeito não é uma concessão generosa do templo ou daqueles que o controlam, nem mero resultado de uma piedade difusa e ingênua. É fruto maduro e saboroso de uma fé dinâmica e consequente, que provoca rupturas e sustenta buscas. A declaração solene de Jesus ao samaritano purificado é semelhante a outras que fez à mulher vista como pecadora que beijara seus pés (cf. Lc 7,50), à mulher que sofria de hemorragia e era tratada como impura (cf. Lc 8,48), ao cego e mendigo de Jericó (cf. Lc 18,42).
Em todas estas cenas vemos o mesmo drama humano e a mesma delicadeza de um Deus que nada reivindica para si mesmo: “Tua fé te salvou!” A experiência de ser acolhido por Jesus Cristo leva à decisão de segui-lo e culmina na aceitação de uma missão. O samaritano curado não é remetido ao templo e suas leis incapazes de libertar, mas recebe uma nova missão. Não é dito o que ele deve fazer, nem onde deve ir. Jesus simplesmente diz “Levanta-te e vai...” Pois a missão é isso: descobrir-se radicalmente enviado por Outro a outros; sentir-se convocado a descobrir sempre de novo onde e a quem servir.
Jesus de Nazaré, missionário que o Pai enviou para caminhar conosco nas estradas do mundo: nós te louvamos pela nuvem de testemunhas que nos antecederam ou que hoje caminham ao nosso lado como companheiros na missão. Com Paulo aprendemos que, se já morremos contigo, contigo também viveremos e faremos viver. Ensina-nos a levantar e partir em missão, movidos pela compaixão que vem de ti, mas cujo seu dinamismo não se esgota em nós. E ajuda-nos a romper com tudo o que escraviza e diminui a vida, tomando crítica distância das instituições e estruturas que ameaçam e intimidam. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(2° Livro dos Reis 5,14-17 * Salmo 97 (98) * 2ª Carta a Timóteo  2,8-13 * Evangelho de São Lucas 17,11-19)

Preparando o domingo - 09.10.2016

O samaritano, exemplo de gratidão (Lc 17,11-19)


No texto de hoje, aparece um dos assuntos muito próprios de Lucas: a gratidão. Saber viver em gratidão e louvar a Deus por tudo que dele recebemos. Por isso, Lucas fala tantas vezes que o povo ficava admirado e louvava a Deus pelas coisas que Jesus realizava (Lc 2,28-38; 5,25-26; 7,16; 13,13; 17,15-18; 18,43; 19,37; etc.). Além disso, no Evangelho de Lucas, há vários cânticos e hinos que expressam esta experiência de gratidão e de reconhecimento (Lc 1,46-55; 1,68-79; 2,29-32). 
Comentando
Lucas 17,11: Jesus em viagem para Jerusalém
Lucas lembra que Jesus estava de viagem para Jerusalém, passando da Samaria para a Galileia. Desde o começo da viagem (Lc 9,52) até agora (Lc 17,11), Jesus andou pela Samaria. Isto significa que os importantes ensinamentos dados nestes capítulos (9 a 17) foram todos dados em território que não era judeu. Ouvir isto deve ter sido motivo de muita alegria para as comunidades de Lucas, vindas do paganismo.
Lucas 17,12-13: O grito dos leprosos
Dez leprosos aproximam-se de Jesus, param ao longe e gritam: "Jesus, mestre, tem piedade de nós!" O leproso era uma pessoa excluída. Não podia aproximar-se dos outros (Lv 13,45-46). Qualquer toque num leproso causava impureza e criava um impedimento para a pessoa poder dirigir-se a Deus. Através do grito, eles expressam a fé de que Jesus pode curá-los e devolver-lhes a pureza. Obter a pureza significava sentir-se, novamente, acolhido por Deus, poder dirigir-se a Ele para receber a bênção prometida a Abraão.
Lucas 17,14: A resposta de Jesus e a cura
Jesus responde: "Vão mostrar-se aos sacerdotes!" Era o sacerdote que devia verificar a cura e dar o atestado de pureza (Lv 14,1-32). A resposta de Jesus exige muita fé da parte dos leprosos. Devem ir ao sacerdote como se já estivessem curados, quando, na realidade, o corpo deles continuava coberto de lepra. Mas eles acreditam na palavra de Jesus e vão em direção ao sacerdote. E acontece que, enquanto vão caminhando, manifesta-se a cura. Ficam purificados.
Lucas 17,15-16: Reação do samaritano
Dos dez, só um volta para louvar a Deus e agradecer a Jesus. E este é um samaritano. Por que os outros não voltam? Por que só o samaritano? Na opinião dos judeus de Jerusalém, o samaritano não observava a lei como devia. Entre os judeus havia uma tendência que levava o povo a observar a lei para poder merecer a vida eterna. Pela observância, eles iam acumulando méritos e créditos diante de Deus. Gratidão e gratuidade não fazem parte do vocabulário de pessoas que vivem assim o seu relacionamento com Deus. Elas acham tão normal receber algum favor, que nem sequer agradecem! O samaritano representa as pessoas que têm consciência clara de que nós, seres humanos, não temos mérito nem crédito diante de Deus. Tudo é graça, a começar pelo dom da própria vida! Hoje são os pobres que fazem o papel de samaritano e nos ajudam a redescobrir esta dimensão da gratuidade da vida.
Lucas 17,17-19: Observação de Jesus
Jesus estranha: "Os dez não ficaram purificados? Onde estão os outros nove? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro!" Para Jesus, agradecer aos outros pelo benefício recebido é uma maneira de dar a Deus o louvor que lhe é devido. Neste ponto, os samaritanos davam lição nos judeus. Hoje, são as pessoas que não fazem parte da comunidade que dão lição a nós! Tudo que recebemos deve ser visto como um dom de Deus que vem até nós por intermédio do irmão e da irmã.
Lucas 17,20-21: O Reino no meio de nós
Lucas acrescenta, aqui, uma discussão entre Jesus e os fariseus sobre a data da vinda do Reino. Os fariseus chavam que o Reino só poderia vir quando o povo tivesse chegado à perfeita observância da Lei de Deus. A vinda do Reino seria recompensa de Deus pelo bom comportamento do povo. E o Messias viria de maneira bem solene como um rei, recebido pelo seu povo. Jesus diz o contrário. A chegada do Reino não pode ser observada como se observa a chegada dos reis da terra. Para Jesus, o Reino de Deus já chegou! Já está no meio de nós, independentemente do nosso esforço ou mérito. Jesus tem outro modo de ver as coisas. Tem outro olhar para ler a vida. Ele prefere o samaritano que vive na gratidão aos nove que acham que merecem o bem que recebem de Deus.

Alargando
O significado do gesto do samaritano para as comunidades de Lucas.
Nas comunidades de Lucas, a maioria das pessoas tinha vindo do paganismo. Mesmo depois de haverem acolhido o evangelho e de serem batizadas, suportavam o desprezo dos cristãos de origem judaica. A mancha de haverem sido pagãos permanecia. Essa era também a experiência do samaritano. Foi curado da lepra e podia agora participar da vida da comunidade, mas continuava nele a mancha de ser samaritano, que ninguém poderia tirar. A experiência de ser um eterno excluído aumenta nele a capacidade de reconhecer o dom do acolhimento dado por Jesus. Por isso, volta para agradecer.
A acolhida dada aos samaritanos no Evangelho de Lucas.
Para Lucas, o lugar que Jesus dá aos samaritanos é o mesmo que as comunidades devem reservar aos pagãos. Jesus apresenta um samaritano como modelo de gratidão (Lc 17,17-19) e de amor ao próximo (Lc 10,30-33). Isto devia ser muito chocante, pois para os judeus samaritano ou pagão era a mesma coisa. Não podiam ter acesso aos átrios interiores do Templo de Jerusalém nem participar do culto. Eram considerados portadores de impureza, impuros desde o berço. Para Lucas, porém, a Boa Nova de Jesus dirige-se, em primeiro lugar, às pessoas e grupos considerados indignos de recebê-la. A salvação de Deus que chega até nós em Jesus é puro dom. Não depende dos méritos de ninguém.
A lepra e a busca da pureza no tempo de Jesus.
Os leprosos eram marginalizados, desprezados e excluídos do direito de conviver com suas famílias. Segundo a lei da pureza, eles tinham que andar com roupa rasgada e cabelos desgrenhados e ir gritando: "Impuro! Impuro!" (Lv 13,45-46). Para os leprosos, a busca da cura significava o mesmo que buscar a pureza para que fossem reintegrados na comunidade e entrar no santuário.
Fr. Carlos Mesters ocd