segunda-feira, 21 de abril de 2025

O Papa que renunciou

Tu me encherás de alegria na tua presença

Esta declaração confiante que lemos na manhã desta segunda-feira brota dos lábios de Pedro na manhã de pentecostes. Pedro coloca estas palavras do Salmo 16 (15) na boca de Jesus, como se fosse o sentimento de Jesus frente à sua paixão e morte. “Meu coração se alegra e minhas entranhas exultam, e minha carne repousa em segurança. Porque não me abandonas no túmulo, nem deixarás o teu fiel ver a sepultura. Tu me ensinarás o caminho da vida, cheio de alegria em tua presença” (v. 9-11).

No início de hoje, quando escutávamos Jesus ressuscitado pedindo que não tenhamos medo e anunciemos com alegria que Ele vive e nos espera nos caminhos periféricos da Galileia, ficamos sabendo que o nosso querido Papa Francisco havia feito sua Páscoa definitiva quando no Brasil ainda era madrugada. Depois de expressar ainda ontem seus votos de uma páscoa feliz, seu corpo e seu espírito repousaram tranquilos, porque aquele que o olhou com misericórdia e o chamou, não deixaria seu corpo entregue à morte.

A notícia não nos surpreende, pois Francisco já completara 88 anos, e, embora fosse vitalício no ministério petrino, não era imortal, como nenhum ser humano o é. A notícia também não nos entristece, porque uma vida tão honrada, tão bela, tão corajosa, tão sinodalmente cristã não deve deixar tristeza, mas gratidão. A notícia nos estimula a viver confiando-nos uns aos outros, sonhando e construindo uma Igreja em saída, sinodal e samaritana, com as marcas do Irmão e Peregrino, Crucificado e Ressuscitado.

Tenho ainda viva na lembrança aquela tarde fria chuvosa de março de 2013, quando a tradicional fumaça branca anunciava que a assembleia dos cardeais havia escolhido o Bispo de Roma, aquele que presidiria a Igreja na Caridade. Tremi de receio quando anunciaram o nome de Jorge Mário Bergólio, mas chorei de alegria quando deram a conhecer o nome que ele escolhera. Ninguém ousaria ostentar o nome de Francisco, o profeta revolucionário pela força da pobreza, sem assumir a sua preciosa herança.

E, desde então, foram treze anos de comoventes e sucessivas surpresas de Deus. A liberdade, a alegria e a ousadia profética, todas recheadas de gestos profundos e eloquentes que só podem nascer de uma existência radicalmente livre, marcaram e provocaram a Igreja. Seus pronunciamentos corajosos e as atitudes com as quais demonstrou que, diante da opressão, do sofrimento e das injustiças o Papa “tem lado” causaram calafrios em alguns cristãos e cidadãos, mas esperança em muitos outros.

É possível que sua páscoa traga um alívio pouco evangélico a quem desejou que o Papa renunciasse e torceu morbidamente pela sua morte. E eu digo que, de fato, Francisco renunciou! Renunciou à ostentação mundana, ao cômodo isolamento palaciano, ao farisaico distanciamento da vida concreta, à cínica indiferença frente aos dramas humanos e sociais, à estéril pureza das mãos que fogem ao serviço solidário, ao encastelamento em doutrinas abstratas e genéricas... Mas o Papa não renunciou a um ministério vazado no Evangelho de Jesus, a uma vida honradamente humana, capaz de mergulhar na vulnerabilidade e exercitar a solidariedade e a acolhida.

Peçamos ao Senhor que este breve tempo que se abre entre a páscoa do Papa e a escolha do novo sucessor de Pedro seja um tempo de discernimento, um conclave orante e confiante. Mas que seja também um tempo sem chaves nem muros, sem competições e sem medo de escutar o que o Espírito à Igreja, em vista de escolher um homem que, acolhendo a herança de Francisco e dos últimos papas, nos mantenha criativamente fiéis ao Evangelho da alegria e do serviço.

+ Itacir Brassiani msf

Bispo de Santa Cruz do Sul

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