Tu me encherás de alegria na tua presença
Esta declaração confiante que lemos na manhã desta
segunda-feira brota dos lábios de Pedro na manhã de pentecostes. Pedro coloca estas
palavras do Salmo 16 (15) na boca de Jesus, como se fosse o sentimento de Jesus
frente à sua paixão e morte. “Meu coração se alegra e minhas entranhas exultam,
e minha carne repousa em segurança. Porque não me abandonas no túmulo, nem
deixarás o teu fiel ver a sepultura. Tu me ensinarás o caminho da vida, cheio
de alegria em tua presença” (v. 9-11).
No início de hoje, quando escutávamos Jesus ressuscitado
pedindo que não tenhamos medo e anunciemos com alegria que Ele vive e nos
espera nos caminhos periféricos da Galileia, ficamos sabendo que o nosso querido
Papa Francisco havia feito sua Páscoa definitiva quando no Brasil ainda era
madrugada. Depois de expressar ainda ontem seus votos de uma páscoa feliz, seu
corpo e seu espírito repousaram tranquilos, porque aquele que o olhou com
misericórdia e o chamou, não deixaria seu corpo entregue à morte.
A notícia não nos surpreende, pois Francisco já completara 88
anos, e, embora fosse vitalício no
ministério petrino, não era imortal,
como nenhum ser humano o é. A notícia também não nos entristece, porque uma
vida tão honrada, tão bela, tão corajosa, tão sinodalmente cristã não deve deixar
tristeza, mas gratidão. A notícia nos estimula a viver confiando-nos uns aos outros, sonhando e construindo uma Igreja em
saída, sinodal e samaritana, com as marcas do Irmão e Peregrino, Crucificado e
Ressuscitado.
Tenho ainda viva na lembrança aquela tarde fria chuvosa de
março de 2013, quando a tradicional fumaça branca anunciava que a assembleia
dos cardeais havia escolhido o Bispo de Roma, aquele que presidiria a Igreja na
Caridade. Tremi de receio quando anunciaram o nome de Jorge Mário Bergólio, mas
chorei de alegria quando deram a conhecer o nome que ele escolhera. Ninguém
ousaria ostentar o nome de Francisco, o profeta revolucionário pela força da
pobreza, sem assumir a sua preciosa herança.
E, desde então, foram treze anos de comoventes e sucessivas
surpresas de Deus. A liberdade, a alegria e a ousadia profética, todas
recheadas de gestos profundos e eloquentes que só podem nascer de uma
existência radicalmente livre, marcaram e provocaram a Igreja. Seus
pronunciamentos corajosos e as atitudes com as quais demonstrou que, diante da
opressão, do sofrimento e das injustiças o Papa “tem lado” causaram calafrios
em alguns cristãos e cidadãos, mas esperança em muitos outros.
É possível que sua páscoa traga um alívio pouco evangélico a
quem desejou que o Papa renunciasse e torceu morbidamente pela sua morte. E eu digo
que, de fato, Francisco renunciou!
Renunciou à ostentação mundana, ao cômodo isolamento palaciano, ao farisaico
distanciamento da vida concreta, à cínica indiferença frente aos dramas humanos
e sociais, à estéril pureza das mãos que fogem ao serviço solidário, ao
encastelamento em doutrinas abstratas e genéricas... Mas o Papa não renunciou a um ministério vazado no Evangelho de Jesus,
a uma vida honradamente humana, capaz de mergulhar na vulnerabilidade e
exercitar a solidariedade e a acolhida.
Peçamos ao Senhor que este breve tempo que se abre entre a
páscoa do Papa e a escolha do novo sucessor de Pedro seja um tempo de discernimento,
um conclave orante e confiante. Mas
que seja também um tempo sem chaves nem
muros, sem competições e sem medo de escutar o que o Espírito à Igreja, em
vista de escolher um homem que, acolhendo a herança de Francisco e dos últimos
papas, nos mantenha criativamente fiéis ao Evangelho da alegria e do serviço.
+ Itacir Brassiani msf
Bispo de Santa Cruz do Sul
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