terça-feira, 9 de dezembro de 2025

A tragédia do feminicídio

“Livrai o oprimido das mãos do opressor” (Jr 22,3)


Queridos irmãos, louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

No dia 25 de novembro, a comunidade internacional se dedicou à reflexão sobre a eliminação da violência contra as mulheres. Movido pelo impulso desse dia e, também, por uma preocupação séria e inadiável – a violência contra as mulheres -, tomei a liberdade de chegar até vocês por meio desta carta. Em primeiro lugar, quero lembrá-los de que o tema não é apenas um drama social; é uma ferida moral, espiritual e humana, que marca famílias, destrói vidas, traumatiza crianças e humilha a dignidade dada por Deus a cada mulher. No rosto de cada mulher violentada, vemos o rosto Cristo Crucificado, da Igreja ferida.

Os números oficiais revelam que a gravidade do que enfrentamos é uma realidade que clama aos Céus. Em 2024, o Espírito Santo registrou 15.954 atendimentos por violência contra a mulher no canal Ligue 180 – um aumento de 44% em relação ao ano anterior (BRASIL, 2024). As denúncias formais chegaram a 2.670 registros (BRASIL, 2024).

§  Segundo o Observatório Mulher ES, somente em 2023, houve milhares de casos de violência física, psicológica, sexual, moral e patrimonial;

§  Em 2024, 41% dos homicídios de mulheres no ES foram feminicídios;

§  Em 2025, graças ao esforço conjunto do governo e da sociedade, vem se registrando uma pequena queda nos feminicídios, embora cada caso ainda seja uma tragédia que não deveria existir;

Mas números não consolam. Porque, por trás de cada um, há uma mulher com nome, rosto, história — e, muitas vezes, filhos traumatizados pelo que viram ou sofreram. A violência, como nos alertou o Papa Francisco, é “uma chaga que desfigura a humanidade” (EVANGELII GAUDIUM, n. 217).

A masculinidade que o mundo ensina – baseada em poder, silêncio, agressividade, descuido e violência -, fere o Evangelho. Um estilo de masculinidade que gera medo não é cristão. Um homem que levanta a mão para ferir uma mulher, nega o batismo que recebeu.

O fazer-se cristão começa nas relações cotidianas: no respeito, nos gestos de cuidado, na renúncia ao machismo, na vigilância sobre as atitudes e palavras.

Como homens cristãos, precisamos nomear claramente o mal que desejamos combater. A violência contra a mulher inclui: violência física: agressões, empurrões, tapas, estrangulamentos, lesões; violência psicológica: humilhações, ameaças, controle, insultos, manipulação emocional; violência sexual: coerção, estupro, abuso, exposição forçada; violência moral: calúnias, difamações, controle público da vida da mulher; violência patrimonial: impedir a mulher de trabalhar, controlar dinheiro, destruir objetos, reter documentos.

Toda violência é incompatível com o Evangelho. A Sagrada Escritura nos recorda: “Maridos, amai vossas esposas como Cristo amou a Igreja” (Ef 5,25); “Quem quiser ser o primeiro, seja o servo de todos” (Mc 9,35); “Enviou-me para libertar os oprimidos” (Lc 4,18).

A violência contradiz diretamente o mandamento do amor. Como o Papa Francisco afirmou: “A violência contra as mulheres é uma covardia que degrada toda a humanidade.” A Encíclica Amoris Laetitia denuncia a violência doméstica como “uma vergonha que precisa ser erradicada” (AL 54). São João Paulo II também recorda que a mulher possui “uma dignidade inalienável que deve ser respeitada em qualquer circunstância” (MULIERIS DIGNITATEM, 10).

Como pastor diocesano, também como homem, venho lhes fazer um apelo: Em nome de Jesus Cristo, convertamos as nossas atitudes, palavras e comportamentos. A masculinidade de acordo com os princípios cristãos não domina, não humilha, não controla, não grita, não ameaça, não impõe medo.

Ser homem, à luz do Evangelho, é ser cuidador, guardião, servidor, construtor de paz. Por isso, peço-lhes que examinem o coração. A raiz da violência muitas vezes está na dificuldade de lidar com frustrações, na herança de padrões violentos aprendidos na infância, no alcoolismo e no uso de drogas, na falta de diálogo, na incapacidade de expressar emoções. A conversão passa por reconhecer limites e buscar ajuda quando necessário.

Peço-lhes, ainda, com firmeza e fraternidade: caso vejam sinais de violência em um amigo, colega, vizinho ou parente, não se omitam. O amor ao Evangelho não nos permite neutralidade. Jesus tomou partido pela vida, sempre. Sigamos os seus passos. Aconselhem-no. Ofereçam ajuda. Mostrem a ele que existe outro caminho. Um homem ajudando outro homem a mudar pode salvar uma família inteira. Um homem cristão, por amor a Cristo, precisa falar com outro homem e dizer: “Isso não é certo.” “Procure ajuda.” “Pare antes que destrua sua família.” Uma conversa pode salvar vidas.

Convoco os homens – jovem, adulto, pai de família, trabalhador – participantes das nossas Comunidades Eclesiais de Base, dos Círculos Bíblicos, das pastorais, movimentos, grupos de oração, do terço dos homens- a falar sobre o assunto. Assumam essa missão como parte da própria fé vivida no dia a dia. Sejamos todos promotores da vida, e não cúmplices da violência. Uma comunidade que fala sobre o problema é uma comunidade que cura. O silêncio é cúmplice da violência; a palavra liberta. Para que isso aconteça, não é necessário formalidade, é preciso coragem.

Assim, sugiro que aprendamos a promover rodas de conversa sobre masculinidade saudável e discipulado; cuidado emocional; prevenção à violência; caminhos de superação do machismo; educação dos filhos no respeito; fé e cuidado com a vida. É sinal de maturidade cristã que um homem seja capaz de refletir e dialogar.

Cristo nos chama para agir, a tomar atitudes e práticas para proteger vidas. Se vocês presenciam ou suspeitam de violência, procedam assim:

1.  Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher.

2.  Ligue 190 – Emergência policial.

3.  Procure a Delegacia Especializada da Mulher (DEAM).

4.  Encaminhe a vítima para atendimento médico e psicológico.

5.  Ajude a garantir que a mulher não fique sozinha.

6.  Acolha sem julgar, sem pressionar e sem expor.

No território que compreende a Igreja particular de Cachoeiro de Itapemirim, proponho que assumamos em nossas comunidades: criar Grupos comunitários e paroquiais de enfrentamento à Violência; produzir materiais formativos para homens; implementar, em toda a Diocese, o Mês da Proteção da Mulher; oferecer formação para agentes de pastoral acolherem vítimas; promover encontros anuais sobre masculinidade cristã; integrar paróquias à rede municipal e estadual de proteção; fortalecer a Pastoral Familiar, a Pastoral da Escuta e a Pastoral da Mulher.

Precisamos, como cristãos, como homens de Deus, ouvir o clamor das mulheres, rezar por suas dores, suas histórias, suas resistências e sua esperança. Pedimos perdão pelo silêncio histórico que tantas vezes tolerou a violência. Não podemos esquecer que crianças expostas à violência doméstica, são vítimas invisíveis. Elas carregam traumas por toda a vida. Proteger a mulher é proteger os filhos.

Por fim, que São José, homem justo, ensine-nos a amar sem dominar, proteger sem controlar, servir sem esperar retorno. Que o Espírito Santo converta os corações endurecidos. E que o Deus da vida nos envie como defensores da dignidade de cada mulher.  Recebam minha bênção e meu cuidado pastoral.

Dom Luiz Fernando Lisboa, CP
Diocese de Cachoeiro de Itapemirim

Diocese de Cachoeiro de Itapemirim

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