sexta-feira, 4 de julho de 2025

Sobre remendos e vinhos

Uma vida que vem de graça merece ser festejada 765 | 05.07.2025 | Mateus 9,14-17

Ontem meditamos sobre o texto de Mt 9,9-13, que narra o chamado de Mateus e a festa que ele deu a Jesus na sua casa. Participaram da festa muitos pecadores e excluídos, como ele. Diante do escândalo dos fariseus, Jesus dizia que Deus quer misericórdia, e não sacrifícios, e que são os doentes os que precisam de médico. E é assim que ele faz: derruba todos os muros que separam e degraus que hierarquizam, e estabelece a igualdade.

Na cena de hoje, quem se aproxima é um discípulo de João Batista. Ele estranha o comportamento de Jesus que, segundo seu grupo, é pouco piedoso em relação ao jejum.  E o mesmo comportamento questionável é assumido pelos discípulos. “Por que razão nós e os fariseus praticamos jejuns, mas os teus discípulos não?” Não parece ser uma acusação, mas um questionamento sincero de quem havia recebido uma clara ordem de jejum e penitência e estava à espera do messias prometido pelos profetas.

Para Jesus, o tempo de espera terminou, o Sol da justiça raiou, o Noivo amado celebrou suas núpcias e o clima só pode ser de alegria. Os estrangeiros, doentes e pecadores, e todos os excluídos, são perdoados gratuitamente. Não há mais lugar para o jejum, que é uma prática para suplicar o perdão de Deus. A chegada de Jesus, o Messias esperado, perdoa os pecados e altera radicalmente a situação social e espiritual.

Para ilustrar a novidade do tempo que inaugura, Jesus lança mão de três alegorias ligadas à vida cotidiana do seu povo e de fácil compreensão para todos: é inadmissível fazer luto e jejum quando estamos festejando de casamento de uma pessoa querida; é idiotice colocar um remendo de pano novo e bom num tecido totalmente arruinado; é inapropriado guardar vinho novo em barris velhos e frágeis, que podem pôr tudo a perder.

Os discípulos de Jesus vivem em comunidades alternativas, dedicados a acolher as pessoas e grupos marginalizados e a celebrar a alegria da chegada do “tempo da graça”, da festa dos pequenos. As práticas antigas são como roupa velha e como uma pipa apodrecida. É tempo de abandonar as velhas lições de morrer pela pátria e viver sem razões. Esperar não é saber. É preciso fazer a hora, sem esperar acontecer.

 

Sugestões para a meditação

§ Como poderíamos descrever hoje a novidade do estilo de vida inaugurado e proposto por Jesus?

§ Quais seriam as práticas antigas que o Evangelho considera superadas, mas que muita gente ainda continua pregando?

§ Quais seriam os principais remendos que uma vida pouco cristã tenta pregar o tecido apodrecido do capitalismo e do egoísmo?

§ O que podemos fazer para tornar a vida cristã mais alegre, leve e libertadora?

quinta-feira, 3 de julho de 2025

Acolher ou excluir?

Deus espera gestos de misericórdia, e não sacrifícios | 764 | 04.07.2025 | Mateus 9,9-13

Depois de curar uma pessoa paralítica, que contou com a ajuda de pessoas amigas, Jesus não reivindica para si mesmo os créditos do perdão e da cura. Ele passa do perdão – que é uma ação interior, cujos frutos não são visíveis – à cura, que é o lado visível e corporal da mesma ação. Diante do que viu, o povo ficou muito impressionado, com medo, e glorificou a Deus por ter dado tal poder a Jesus e aos seus discípulos.

Na cena de hoje, Jesus se encontra com Levi, que é cobrador de impostos, colaborador do império romano e, por isso, também considerado pecador, execrado e banido da convivência social e religiosa pelos judeus. Jesus não se orienta por preconceitos que excluem, nem por aparências ou exterioridades. Partindo da base social, ele chama e congrega pessoas de boa vontade para, com elas, iniciar uma comunidade alternativa.

Levi, que a tradição cristã identifica com São Mateus, responde prontamente ao chamado de Jesus, e entra no seu caminho. Como não exclui ninguém da mesa do Reino, desde que a pessoa entre no dinamismo do Reino de Deus, Jesus se confraterniza com Levi, seus colegas cobradores de impostos e muitas outras pessoas tratadas consideradas pecadoras. Pecador é o termo usado pelas sagradas escrituras para designar quem desaprova ou não vive de acordo com as normas de um grupo.

Essa prática inclusiva e inovadora de Jesus desestabiliza a ordem social, e, por isso, é criticada pelos fariseus e mestres da lei. Esta manifestação da misericórdia de Deus é vista como em desacordo com a vontade de Deus. A condescendência e a justiça de Deus, assim como é entendida e praticada por Jesus, deslegitima as práticas excludentes do judaísmo e seus representantes, e também dos seus sucessores nas igrejas de hoje.

Levi tomará parte desta comunidade vivificadora que compartilha recursos e estabelece relações estáveis de acolhida e inclusão, e passa a ser visto pelos cristãos como modelo de discípulo e apóstolo. Ele entendeu que Deus quer misericórdia, e não legalismo, que Jesus veio para quem está necessitado, e não para quem se considera satisfeito. E esse deve ser o caminho das Igrejas e todos os seus organismos.

 

Sugestões para a meditação

§ Retome a cena de Mateus trabalhando, sendo interpelado por Jesus, deixando tudo para segui-lo, e confraternizando-se com ele

§ Participe da cena, da alegria de Mateus e outros pecadores, da postura crítica dos fariseus e líderes do judaísmo

§ Contemple a vida de Jesus e, com Mateus, acolha e aprenda essa lição fundamental: Deus quer misericórdia e não sacrifícios

§ Como nós e nossas igrejas acolhemos e praticamos esse princípio fundamental que orienta toda a vida e a missão de Jesus?

quarta-feira, 2 de julho de 2025

Tomé, o mestre da dúvida?

Nossa fé está ancorada no testemunho dos Apóstolos | 763 | 03.07.2025 | João 20,24-29

Na festa de São Tomé, bebemos das fontes joaninas. É em João que encontramos algo mais que o nome desse operário da primeira hora. Além da cena de hoje, João nos apresenta Tomé disposto a seguir Jesus na caminhada a Jerusalém para com ele enfrentar a morte, mas, diante do iminente “êxodo” de Jesus, manifesta seu profundo desconcerto: “Não sabemos para onde vais; como podemos conhecer o caminho?” (Jo 14,5)

O contexto da cena do evangelho de hoje é pascal, e Tomé aparece separado da comunidade, com dificuldade de aceitar o testemunho dos seus condiscípulos, que afirmam que Jesus está vivo. Para Tomé, o testemunho da comunidade não é suficiente. Parece que ele espera uma manifestação individual ou uma prova extraordinária. Mas o lugar de Jesus é entre os seus, como entendera bem Maria Madalena. Por isso, ao que parece, Tomé representa os discípulos que impõem condições e exigências para crer.

Mas, não obstante a dúvida dele, ou, talvez, por causa das objeções apresentadas por ele, Jesus volta a se mostrar presente no seio da comunidade. As portas fechadas denotam uma comunidade claramente alternativa à lógica que predomina na sociedade, uma comunidade com um estilo de vida próprio. E Jesus se manifesta a todos os presentes, e não apenas a Tomé, como parece ter sido o desejo dele. Depois de se dirigir a todos, finalmente volta-se a Tomé. Como prova do seu amor fiel, Jesus toma a iniciativa no diálogo, e o convida a tocar os sinais da sua entrega total, conatural e inseparável do seu amor e sua memória.

A ressurreição de Jesus não significou seu afastamento da humanidade, mas a realização máxima da vocação humana. Tocando nas chagas de Jesus, Tomé finalmente comunga e faz sua a carne e o sangue de Jesus. E, ao chamá-lo “meu Senhor”, estabelece com ele uma relação pessoal, como Madalena o fizera. Dirigindo-se a Deus como “meu Deus”, reconhece em Jesus um Deus próximo, humano, e não um Deus altíssimo e inacessível. 

Finalmente, Jesus adverte Tomé por ele não ter acreditado no testemunho da sua comunidade, lugar da sua presença viva e continuada. E a bem-aventurança de quem acredita sem ver, que a Tomé soou como um convite a caminhar no claro-escuro da fé, Jesus a dirige também a nós, pois aceitamos e vivemos segundo o testemunho de quem nos precedeu.

 

Sugestões para a meditação

§ Participe da cena descrita, da alegria e do testemunho dos discípulos, da resistência de Tomé, da delicadeza da presença de Jesus

§ Visualize o rosto e o nome de pessoas, de ontem e de hoje, a partir de cujo testemunho de vida você acredita na presença de Deus no mundo

§ Em que situações você se percebe impondo condições para crer em Jesus e segui-lo, querendo ver para crer?

terça-feira, 1 de julho de 2025

O demônio e os porcos

Será que Jesus Cristo é um tormento para os sofredores? | 762 | 02.07.2025 | Mateus 8,28-34

Depois de atravessar o lago de Genesaré e acalmar a tempestade que rugia no exterior e no interior dos discípulos, Jesus inaugura sua missão em território não judeu, marcado pela presença do império romano e do seu exército. E o faz não como um passeio turístico ou uma cruzada religiosa ou cultural, mas para curar duas pessoas possuídas por espíritos impuros, ou demônios. Esse é o primeiro “exorcismo” que Jesus realiza em Mateus.

Para os povos antigos, a possessão era a completa perda da personalidade, a ponto de as pessoas não falarem mais por si mesmas, mas manifestarem a vontade e a palavra da “entidade” que as possuía. Normalmente, esse era o resultado da forte pressão psíquica sob a qual as pessoas viviam. Ao mesmo tempo, em Israel, tais pessoas eram excluídas do convívio familiar e social, e viviam fisicamente e socialmente marginalizadas.

A cena do text0 de hoje, que parece uma sátira contada por Jesus e pelas comunidades para desmoralizar a força econômica, política e militar do império romano, nos apresenta Jesus enfrentando decididamente e vencendo de forma rotunda as forças que oprimem o povo. Inicialmente, os dois “possessos” se portam como animais ferozes e se aproximam de Jesus aos gritos e ameaçando-o. Nas palavras e perguntas dos espíritos maus ecoa o medo que os opressores tem de Jesus e sua ação libertadora.

Jesus não responde aos protestos deles, e os “demônios” acabam propondo um acordo: que Jesus permita que eles deixem os homens e se abriguem nos porcos! Lembremos que o pelotão local do exército romano tinha o porco no seu brasão! Jesus não concede nada, simplesmente manda! Com isso, subverte e vence o poder imperial, e o impacto destrutivo da sua ação abala o povo da aldeia, que sai ao seu encontro e pede que vá embora.

Esta atitude do povo local antecipa a resistência que lhe oporá mais tarde a elite religiosa do templo! Tanto um como o outro preferem a falsa segurança do exército romano à perigosa liberdade inaugurada por Jesus. Vivendo o dinamismo do Reino, Jesus e seus discípulos ameaçam interesses e provocam conflitos!

 

Sugestões para a meditação

§ Observe como a aldeia, mesmo conhecendo a dominação, prefere ficar com seus pequenos benefícios que acolher a presença de Jesus

§ Quais são as políticas que estão provocando as enfermidades psíquicas que atingem grande parte do povo brasileiro, e qual é o remédio?

§ Peça ao Senhor a graça de confiar plenamente nos frutos da presença de Jesus nos dramas pessoais, familiares e da humanidade


segunda-feira, 30 de junho de 2025

Guerra & Paz

Quem guiará nossos passos no caminho da Paz?

A humanidade vive hoje tempos difíceis, como, aliás, quase sempre. Não há mais uma guerra fria, mas muitas guerras quentes e destruidoras, em muitas frentes. Mais de um terço das nações do mundo estão envolvidas em algum conflito violento! E pessoas que gostam de ser considerada “gente de bem” estão engajadas em batalhas ferozes para destruir reputações e espalhar bombas e minas que um dia explodirão, nalgum lugar.

Somente indivíduos que renunciaram ao que há de mais humano deixam-se levar por essa onda de insanidade ou ficam assistindo tudo como se fosse um jogo ou um filme que não tem nada a ver com a vida. Aqueles que renunciam a comprometer-se para que “ao sul do coração faça tempo bom” tornam-se seres minúsculos de pouca importância, zumbis estranhos, mas com grande potencial de destruição.

Ainda ressoa com força o grito musicado por John Lennon e Yoko Ono, em 1969: “Todo mundo está falando de revolução, evolução, inflação, flagelação, integração, mas eu falo: Deem uma chance à paz!” Muito antes, no cântico com o qual rompeu seu silêncio descrente, Zacarias saudou o filho João Batista dizendo que ele chegava para preparar os caminhos do Senhor, aquele que dirige nossos passos no caminho da paz (cf. Lucas 1,79).

Há mais tempo ainda, ressoa a voz do profeta e do Salmista, eco do projeto de Deus: “Subamos ao monte do Senhor. Ele nos ensinará seus caminhos. Ele julgará entre as nações, e ensinará a muitos povos. De suas espadas, eles forjarão arados, e das suas lanças forjarão foices” (Isaías 2,3-4). “Ele anunciará a paz ao seu povo e aos seus fiéis. A misericórdia e a fidelidade se encontram, a justiça e a paz se beijam...” (Salmo 84,11).

Causa tristeza e apreensão constatar que muita gente, inclusive gente piedosa e religiosa, ignora essa vontade expressa de Deus e esse grito pungente da humanidade. Alguns “poderosos miseráveis” têm a desfaçatez de criar inimigos e parir guerras em nome de interesses econômicos mesquinhos e de alimentá-la recorrendo a argumentos religiosos. E se apresentam, sem disfarçar sua empáfia, como promotores e negociadores da paz.

No momento em que sanha guerreira voltou a ocupar homens dos negócios e do poder, o Papa Francisco nos adverte: “O nosso mundo pretende garantir a estabilidade e a paz com base numa falsa segurança, sustentada pelo medo e pela desconfiança. Esmorecem os sentimentos de pertença à mesma humanidade, e o sonho de construirmos juntos a justiça e a paz parece uma utopia doutros tempos”.

E afirma, profeticamente: “É possível desejar um planeta que garanta terra, teto e trabalho para todos. Este é o verdadeiro caminho da paz, e não a estratégia insensata e míope de semear medo e desconfiança. A paz real e duradoura é possível só a partir de uma ética global de solidariedade e cooperação ao serviço de um futuro modelado pela interdependência e a corresponsabilidade na família humana inteira”.

Mas essa conquista não virá dos negociadores de gabinete, comprometidos até o pescoço com as armas e as guerras, nem de inofensivas postagens nas redes sociais. A um trabalho artesanal e contínuo, feito a muitas mãos pelos “artesãos da paz”. “Bem-aventurados os que promovem a paz, pois eles serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5,9).

Dom Itacir Brassiani msf

Bispo Diocesano de Santa Cruz do Sul

Agitação e medo

Quem é este a quem até os ventos e o mar obedecem? | 761 | 01.07.2025 | Mateus 8,23-27

A cena de hoje é uma sequência da anterior, na qual Jesus advertia e corrigia aqueles que desejam ser seus discípulos sem darem-se conta da novidade, das exigências e das rupturas que essa decisão comporta. Hoje contemplamos a travessia anunciada anteriormente, e a cena nos remete às situações de dificuldade acarretadas pelo seguimento de Jesus e pelas travessias para situações culturais novas e hostis.

Na travessia, Jesus vai à frente, como mestre e guia. Mas ele já havia dito que a estrada que conduz ao Reino de Deus é estreita, e que a sua porta não é larga. Ele havia falado também da força destruidora dos temporais sobre a vida embasada numa adesão que fica não se faz prática. A agitação do mar é uma alusão indireta a isso, e também às ameaças e à tirania do império romano, símbolo de todos os sistemas de dominação.

Depois de tomar a iniciativa da travessia, Jesus dorme, tranquilo e confiante, no barco agitado pelas ondas. Os discípulos se agitam mais que o mar, pois não têm a confiança demonstrada pouco antes pelo centurião romano. Eles revelam medos não superados e fé insuficiente; interpelam e questionam Jesus, como se ele não se importasse com os riscos que ameaçam aqueles que o seguem.  Essa não é uma situação isolada, mas uma sensação que se repete, hoje, diante das ameaças globais ou locais.

Antes de reagir à interpelação que lhe dirigem, Jesus questiona e desafia a qualidade da fé dos discípulos que o acompanham. Eles precisam efetivamente construir a casa sobre a rocha! Depois, Jesus “ameaça” e põe o mar no seu devido lugar. Como o mar, também os discípulos se acalmam, e ficam admirados. Mais que isso, eles se perguntam sobre a identidade desse Jesus que eles seguem, e percebem que ainda não o conhecem suficientemente, nem conhecem a si mesmos.

As adversidades enfrentadas com serenidade e confiança nos ajudam a aprofundar o conhecimento sobre Jesus Cristo e põem à prova a nossa fé. Precisamos perguntar-nos sempre de novo sobre quem é nosso guia e quem somos nós. Precisamos também rever e questionar com atenção, seriedade e serenidade os fundamentos sobre os quais construímos nossa vida.

 

Sugestões para a meditação

§ Jesus está plenamente confiante na necessidade e no êxito da sua missão, tanto que repousa tranquilamente

§ Os discípulos são tomados pelo medo e até duvidam se Jesus está minimamente preocupado com eles

§ Quais são as travessias que mais lhe amedrontam e imobilizam? Em que situações você teve a impressão de que Jesus esteve alheio?

§ De que modo tais situações ajudam você a conhecer melhor Jesus Cristo e a você mesmo e à sua família ou comunidade?

domingo, 29 de junho de 2025

Discipulado e itinerância

Sigamos os passos de Jesus por onde quer que ele vá | 760 | 30.06.2025 | Mateus 8,18-22

Depois de apresentar três relatos de curas realizadas por Jesus – sinais da chegada do Reino de Deus como vida abundante para todos – Mateus nos apresenta três cenas com atitudes questionadoras de Jesus, duas das quais meditamos hoje. São uma espécie de advertência que Jesus dirige a quem deseja ser seu discípulo sem assumir as exigências que isso comporta.

Jesus está iniciando a passagem do território dos judeus ao terreno dos pagãos, um espaço marcado pela presença mais ostensiva romanos, e um mestre da lei se apresenta como candidato ao discipulado, mesmo sem ter sido chamado. Ele vê em Jesus um mestre ou guru importante, mas apenas um a mais entre tantos mestres. Não passa pela sua cabeça que Jesus proponha uma ruptura radical com a instituição, e nem leva em conta que é sempre o mestre quem escolhe seus discípulos.

Jesus responde sublinhando o contraste entre a estabilidade dos mestres da lei e a mobilidade da comunidade que se reúne ao seu redor. Jesus é um pregador itinerante, avesso à instalação e à estabilidade das instituições fechadas. A vai contra a corrente, percorre um caminho que exige ousadia e firmeza, e se situa no limiar entre o mundo de relações desiguais e violentas em que vivemos e o outro mundo possível.

Em seguida, um daqueles que já seguiam Jesus se mostra disposto a passar para a outra margem, mas pede um tempo para cuidar do pai até que ele morra. Aparentemente, seu pedido não é descabido, mas Jesus sublinha que o discipulado não admite parênteses e adiamentos, está acima da piedade e dos compromissos com a família de sangue e outras instituições. Jesus enfatiza a urgência e a primazia da busca do Reino de Deus.

Como na versão da cena apresentada por Lucas, Jesus ensina que adesão à ética do Reino de Deus deve ser absoluta, e nada pode se antepor à dedicação plena e imediata a ele, pois os novos céus e a nova terra urgem, a humanidade clama por ele, o mundo fraterno e justo não pode esperar.

 

Sugestões para a meditação

§ Preste atenção nas atitudes e nos pedidos do escriba e do discípulo: O que há de semelhante? O que há de diferente?

§ Jesus propõe uma vida quase nômade, itinerante, sem estabilidade, e uma urgência que não admite postergar as decisões importantes

§ Os discípulos têm dificuldade de romper com algo: e você, o que impede sua dedicação à construção do outro mundo possível?

§ De que você ainda precisa se desapegar para ser livre e generoso no seguimento de Jesus?

sábado, 28 de junho de 2025

Pedro e Paulo

Combatamos o bom combate e guardemos a força da fé | 759 | 29.06.2025 | Mateus 16,13-19

O livro dos Atos dos Apóstolos nos lembra que Pedro, nosso ‘primeiro Papa’, foi presidiário! As chaves prometidas por Jesus Cristo não serviram para abrir as algemas e a porta que prendiam! E Paulo, depois de ter sido um fariseu zeloso e acumulado muitos méritos e honras, foi conquistado por Jesus Cristo e, como muitos outros da sua geração, foi denunciado, perseguido, encarcerado e finalmente executado. Ele assimilou o que Jesus dissera ao enviar os Doze: “Não tenham medo de nada!”

Pedro e Paulo eram membros de comunidades cristãs, e o vínculo se mostra de modo comovente no relato dos Atos dos Apóstolos. “Enquanto Pedro era mantido na prisão, a Igreja orava continuamente por ele”. Um pouco antes, quando Pedro e João haviam sido liberados da prisão, a comunidade pedia em oração: “Agora, Senhor, olha as ameaças que fazem, e concede que teus servos anunciem corajosamente a tua Palavra” (At 4,29). Diante da perseguição, as comunidades pedem coragem, e não tranquilidade. O que as sustenta é o encontro com Deus em Jesus Cristo.

Jesus faz uma pergunta decisiva aos discípulos: “Quem sou eu para vocês?” Pedro o reconhece e proclama Messias, e é o primeiro discípulo a fazê-lo. Porém, Jesus chama a si mesmo ‘Filho do Homem’, e não Filho de Deus (cf. Mt 11,19; 12,8; 12,32), acentuando assim seu vínculo com a humanidade. Isso significa que somente quem está aberto e sintonizado com a lógica e a vontade de Deus pode reconhecer sua presença nas ações e palavras deste filho da humanidade e irmão de todos os seres humanos. Esta é a base sólida sobre a qual Jesus Cristo constrói a comunidade cristã, literalmente, a assembleia dos chamados, e contra a qual nada prevalece.  

Crer, confiar, partilhar e anunciar: estes são os verbos essenciais da gramática vital dos cristãos. Só chega à meta da caminhada de discípulo quem conjuga estes verbos em todos os tempos, modos e pessoas. É nesta perspectiva que, escrevendo na cela da prisão, Paulo faz um balanço de sua vida e suas palavras são eloquentes: “Chegou o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé.”

 

Sugestões para a meditação

§ Procure afastar-se das respostas e doutrinas aprendidas, e responda à pergunta de Jesus, descrevendo o lugar que ele ocupa na sua vida, e como ele influi nas suas relações, ações e opções, grandes ou pequenas

§ Recorde as consequências que esta resposta de Pedro tem na vida dele, de Paulo e dos discípulos que vieram depois deles

§ Deixe ressoar em você a palavra de Jesus: “Feliz és tu, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai!”

sexta-feira, 27 de junho de 2025

O Coração da Mãe

Maria conservava no coração tudo o que via e ouvia | 758 | 28.06.2025 | Lucas 2,41-51

Ontem celebrávamos o Sagrado Coração de Jesus, e hoje, a memória do Imaculado Coração de Maria. Precisamos evitar o risco de imaginar Jesus como um ser errante e solitário, que não conheceu a beleza exigente da vida em família. Não podemos ver Maria como uma espécie de divindade, isolada do mistério do Reino de Deus vivido e revelado por Jesus.

O texto que estamos meditando não tem nada de fábula infantil. Tem tudo a ver com o núcleo fundamental que dinamizou a vida de Jesus: o empenho em fazer a vontade do Pai (que é reunir todas as pessoas na única família do Pai), inclusive mediante a superação dos vínculos da família patriarcal e, principalmente, através da cruz. É isso que, mesmo sem entender, devemos guardar e meditar em nosso coração, como fez Maria.

Na cena de hoje, a nossa atenção não pode se desviar do seu núcleo, que é a palavra de Jesus a seus pais (a primeira palavra de Jesus no evangelho de Lucas!): “Não sabeis que devo estar na casa (ou me ocupar das coisas) de meu Pai?” Trata-se da sua própria identidade e da sua missão de Filho de Deus. E essa “estadia” na casa do Pai supõe a “saída” das “cercas” família e do judaísmo mediante a entrega generosa e sem reservas na cruz.

Mas a memória do Imaculado Coração de Maria nos pede também uma atenção especial às atitudes de Maria. Ao lado do marido e junto com o Filho, ela peregrina com seu povo e cultiva suas tradições religiosas. A angústia por perder o filho de vista, e o susto por encontrá-lo entre os mestres da lei, nos remete à dificuldade, dela e nossa, de assimilar o sentido da sua missão, paixão e morte.

Maria não se resigna à dificuldade para entender a missão de Jesus. Meditando os fatos e palavras, inclusive a paixão e a morte do filho, ela se torna discípula exemplar, peregrina despojada, mulher de fé e de reflexão. Seu coração é imaculado porque ela acreditou na Palavra que lhe foi anunciada e colocou-se a serviço da realização da Vontade de Deus.

 

Sugestões para a meditação

§   Deixe-se envolver na peregrinação, no encontro de Jesus com os doutores da lei, na busca de José e Maria, no reencontro e no diálogo

§   Maria, na sua dificuldade de compreender a palavra e a escolha de Jesus, é retrato de todo discípulo de Jesus

§   Será que, acolhendo e interrogando os fatos no coração, não nos convida a uma fé lúcida, reflexiva e amadurecida?

§   Em que medida nós nos ocupamos, como Jesus, Maria e José, mais com “as coisas” do Pai que com nossos afetos e interesses?