terça-feira, 19 de novembro de 2024

A relação de Jesus conosco é de confiança

A relação de Jesus conosco é de confiança, e não de cobrança! | 537|20. 11.2024 | Lucas 19,11-28

Esta parábola de Jesus é apresentada por Lucas na sequência da conhecida cena de Zaqueu e no finalzinho da caminhada de Jesus a Jerusalém. A aproximação da capital e do templo suscita nos discípulos e discípulas a pergunta pela possibilidade de uma manifestação gloriosa e poderosa do Reino de Deus. “Alguns pensavam que o Reino de Deus chegaria logo”, diz o evangelista.

Para curar a “febre escatológica” que contamina parte dos discípulos, e para desmontar uma expectativa marcadamente apocalíptica e triunfalista, Jesus recorre a uma parábola, como gostava de fazer. Na parábola, Jesus chama a atenção para a figura do homem nobre que viaja para ser coroado como rei, e também para a figura do último de uma série de dez empregados.

Os empregados recebem, cada um, 100 moedas de prata para administrar. O homem nobre coroado rei não pede nada mais: somente pede que administrem do modo como sabem e querem. Na sua volta, apenas três empregados são citados. O primeiro revela que fez o valor recebido se multiplicar por dez. O segundo, o fez render cinco vezes mais. O terceiro devolveu as 100 moedas, sem mais.

Mas há também um grupo de concidadãos que se manifestam contra a coroação, não aceitam sua autoridade, e acabam atraindo sobre si a ira do rei. O foco da atenção recai sobre o terceiro empregado, que age guiado pelo medo, porque o rei seria muito severo e exigente. Na realidade, o rei não é severo nem exigente, pois não cobra nada, não toma de volta o que confiou e ainda confia mais bens àqueles que foram criativos.

A figura do rei representa Jesus, que vai a Jerusalém para ser coroado, não exatamente como rei, mas para ser contestado em sua liderança, onde acaba sendo coroado de espinhos, numa evidente sátira ao seu poder de rei. Seu reino se manifesta na acolhida de todas as pessoas como filhas de Abraão, na cura de doenças, na integração dos excluídos. Na sua coroa não brilham pedras preciosas, mas espinhos... E cabe aos discípulos e discípulas segui-lo e fazer o que ele fez.

A punição mais dura é reservada àqueles que rejeitam que o rei governe sobre eles, enquanto que o servo medroso e preguiçoso apenas perde a confiança e a missão a ele encomendada, porque, acorrentado pelo medo, não obedece e não é fiel. Quanto mais fiéis formos à missão, mais crescemos na comunhão com Jesus.

 

Meditação:

·      Retome esta parábola com atenção à figura do homem nobre (Jesus) e do discípulo medroso e preguiçoso

·      Observe que o rei é generoso, e não exigente, como pensa e afirma o personagem

·      Como nós imaginamos hoje a irrupção do Reino de Deus, a gestação de “um outro mundo possível”, da terra sem males?

·      Por que tantos setores da Igreja separam Jesus do Reino de Deus, ou o substituem pela salvação da alma?

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Quando há conversão e partilha, a salvação vem morar conosco!

Quando há conversão e partilha, a salvação vem morar conosco! | 536|19. 11.2024 | Lucas 19,1-10

Depois do encontro com o cego que mendigava na entrada de Jericó, que, uma vez curado, tornou-se discípulo, Jesus entra na cidade. Neste último episódio antes da sua chegada em Jerusalém, Jesus se encontra com um cobrador de impostos, chefe do grupo e muito rico. É um encontro inusitado, pois Jesus costumava andar em meio a gente estropiada, e não perdia oportunidade de fustigar os ricos.

Zaqueu tinha um desejo: ver quem era Jesus (e não apenas ver Jesus). Mas enfrentava uma série de barreiras: havia muita gente ao redor do Nazareno; Zaqueu (que significa puro, inocente, pequeno) era de baixa estatura; além do mais, ele exercia uma profissão impura, e era publicamente odiado pelos judeus mais piedosos. Mas não há obstáculos intransponíveis para quem sente-se tocado e interpelado por Jesus.

Por serem colaboradores dos invasores romanos e oprimir o próprio povo, extorquindo deles mais do que a lei permitia, os cobradores dos impostos eram desprezados e odiados pelos “judeus de bem”. Mas Jesus vai na contracorrente dos judeus tradicionalistas, e sai ao encontro dos pecadores para propor-lhes uma mudança. É isso que acontece com Zaqueu. Por negociar com os romanos, pagãos e impuros ele também era considerado pecador e impuro

Movido pelo desejo de ver “quem” é Jesus, Zaqueu expõe-se ao ridículo e toma uma atitude própria de crianças: sobe numa árvore. Lucas não diz se ele vê Jesus, mas o certo é que Jesus vê Zaqueu. Não só vê aquela pessoa odiada ridiculamente pendurada na árvore, mas fala com ele e “se convida” para visitá-lo. E vai à sua casa!

Zaqueu desce depressa (a mesma pressa com que Maria saiu à procura de Isabel), recebe Jesus em sua casa e o serve com alegria à mesa, sob o olhar reprovador e a murmuração daqueles que se consideravam “pessoas de bem”. Dizem: “Ele (Jesus) foi hospedar-se na casa de um pecador...” Além de falar com um pecador e ir à sua casa, senta à mesa com ele, compartilha com ele.

Reféns de seus próprios preconceitos e de sua soberba, os fariseus não conseguem reconhecer a mudança que esse encontro provoca em Zaqueu. Ele é um exemplo de acolhida do Evangelho e de adesão a Jesus. Tocado nas profundezas, Zaqueu muda sua avareza em partilha e solidariedade. Ele sim é um verdadeiro filho de Abraão!

 

Meditação:

·    Acompanhe esta cena – que não é parábola ou história inventada – passo a passo, gesto a gesto, palavra por palavra

·    Perceba Jesus se dirigindo a você, pedindo que você “desça” dos pedestais e títulos para um encontro íntimo na sua “casa”

·    Que atitudes você precisa tomar para corresponder à humanidade misericordiosa de Jesus?

·    Você ainda se escandaliza com a acolhida que Jesus dispensa aos pecadores e a opção da Igreja pelas causas dos pobres?

domingo, 17 de novembro de 2024

Jesus, filho de Davi, tem piedade de nós e cura nosso olhar!

Jesus, filho de Davi, tem piedade de nós e cura nosso olhar! | 535|18. 11.2024 | Lucas 18,35-43

O episódio narrado no evangelho de hoje está situado no caminho de Jesus a Jerusalém, depois da parábola do fariseu e do publicano, após a apresentação das crianças como modelo para os discípulos e do anúncio de Jesus sobre sua rejeição e morte que sofreria, em Jerusalém, nas mãos das autoridades religiosas.

Próximo a Jericó, um cego está mendigando à beira da estrada. Como a cidade estava nas proximidades de Jerusalém, a presença de pessoas que pediam esmolas aos peregrinos era frequente. Percebendo um crescente rumor de gente que se aproxima, o cego pergunta o que está acontecendo. Ele já ouvira algo sobre Jesus, e quando lhe dizem que é “Jesus Nazareno” que passa, solta seu grito, sem constrangimento.

Sua palavra é um pedido, e seu pedido é um grito de quem pede socorro: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” O cego e mendigo não leva em conta as advertências das pessoas que acompanham Jesus, e, mesmo com a advertência delas, não se cala. Mesmo sendo cego, ele reconhece naquele profeta itinerante e suspeito o Messias enviado por Deus, o esperado filho de Davi, rejeitado pela própria família.

O grito do cego é expressão de fé, de tenaz e perseverante confiança de que Jesus Nazareno, o Filho de Davi, é movido por entranhas de compaixão, e vem para abrir os olhos aos cegos. Jesus vê a situação daquele “resto de gente”, assim como a dor e a força que suscitam seu grito. Por isso, interrompe seu deslocamento, e pede que tragam o cego a ele. Um cego e mendigo interrompe a marcha de filho de Deus!

Interrogado sobre o que deseja do mais profundo da sua atribulada existência, o cego diz o óbvio: “Senhor, eu quero enxergar de novo...” Neste caso, enxergar é mais do que ver: é reconhecer a presença de Deus nos homens e mulheres, reconhecê-los como irmãos, crer na vontade libertadora de Deus e colaborar com ela.

Jesus não é um messias poderoso, mas um profeta compassivo com os pobres e necessitados. Ele ensina e demonstra que a fé e confiança nele e na sua Palavra têm força iluminadora, transformadora, libertadora. A fé a confiança exemplares do cego está na raiz da cura. Mas a salvação vai além da cura, e se traduz no seguimento agradecido de Jesus. E esse testemunho vivo é Evangelho que alegra a humanidade.

 

Meditação:

§  Imagine-se à beira da estrada, na periferia de Jericó, em meio a esta cena, interagindo com os diversos personagens

§  Perceba a situação do cego mendigo, seu grito de socorro, o desprezo dos que seguem Jesus, o diálogo com o mendigo, a mudança radical da situação

§  Qual é a intensidade da sua confiança e sua fé em Jesus, o homem de Nazaré, e o que você pede insistentemente a ele?

§  Em que medida a ativa e solidária compaixão de Jesus pelas pessoas vulneráveis atrai e sustenta sua caminhada de fé?

Jornada Mundial dos Pobres - 2024

Deus socorre os pobres através de nós!

No próximo domingo, 17 de novembro, as comunidades cristãs católicas são chamadas a celebrar, pela oitava vez, a Jornada Mundial dos Pobres, convocada pelo Papa Francisco. Esta jornada é celebrada anualmente, no domingo imediatamente anterior à festa de Cristo Rei do Universo, e faz um certo contraponto a ela. O Cisto Rei do Universo vem a nós em vestes de pobre, vulnerável e necessitado.

A inspiração da sua mensagem pastoral para esse dia o Papa encontra no livro do Eclesiástico (21,5): “A súplica do pobre vai direto aos ouvidos de Deus”, chama nossa atenção para a multidão de pobres gerados pela “má política das armas”, recorda que “cada um destes pequeninos traz gravado em si o rosto do Filho de Deus, e que a nossa solidariedade e o sinal da caridade cristã devem chegar até eles”.

Nossa resposta não pode ser simplesmente “fazer alguma coisa”, ou multiplicar apelos à piedade e à caridade. Essencial é não esquecer que cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos permanentes de Deus ao serviço da libertação e promoção dos pobres, “para que possam integrar-se plenamente na sociedade, e isto supõe “estar docilmente atentos, para ouvir o clamor do pobre e socorrê-lo”.

Mas uma atitude fundamental é assumir como nossa a oração dos pobres e rezar com eles; fazer o clamor deles ressoar em nossas orações e celebrações, da oração do terço à celebração eucarística. E isso supõe um coração humilde, a coragem de tornarmo-nos mendigos, de sermos capazes de reconhecer-nos pobre e necessitado, pois existe uma estreita relação correspondência entre pobreza, humildade, confiança e oração.

Nas palavras do Papa: “O homem humilde não tem nada de que se vangloriar nem nada a reclamar, sabe que não pode contar consigo próprio, mas acredita firmemente que pode recorrer ao amor misericordioso de Deus. O pobre, sem nada em que se apoiar, recebe a força de Deus e coloca n’Ele toda a sua confiança. A humildade gera a confiança de que Deus nunca nos abandonará e não nos deixará sem resposta”.

O Papa deseja que o Dia Mundial dos Pobres se torne um compromisso de todas as comunidades e movimentos eclesiais, algo que “desafia cada fiel a escutar a oração dos pobres, tomando consciência da sua presença e das suas necessidades”, um apelo a tomar iniciativas inteligentes e duradouras que ajudem os pobres e a reconhecer e apoiar os numerosos voluntários que se dedicam com paixão aos mais necessitados.

Por fim, esse dia também nos convida a agradecer a Deus pelas pessoas que a escutam e apoiam os pobres e suas causas, e vão além do socorro emergencial. “Em todas as circunstâncias, somos chamados a ser amigos dos pobres, seguindo os passos de Jesus, que foi o primeiro a solidarizar-se com os últimos”, sublinha o Papa. Agindo assim, somos “a voz da resposta de Deus às orações daqueles que a Ele recorrem”. Quando alguém socorre uma pessoa em necessidade e defende a sua dignidade, quebra-se o silêncio e a invisibilidade à qual os pobres são relegados, e eles passam a existir socialmente.

Dom Itacir Brassiani msf

Bispo diocesano de Santa Cruz do Sul

sábado, 16 de novembro de 2024

Algo novo está nascendo, e nada será como antes!

Algo novo está nascendo, e nada será como antes! | 534 |17. 11.2024 | Marcos 13,24-32

Vivemos um tempo de crises profundas e caminhamos sem referências seguras. Os grandes mitos e narrativas desapareceram. A esperança fez as malas e desertou, sem deixar o endereço para contatos. Falar de esperança passou a ser considerado algo anacrônico. A fuga aparece como a única possibilidade para viver em paz. A convocação de um Jubileu da Esperança parece quase um atrevimento, e a negação das crises e seus riscos, assim como das urgências e responsabilidades como pessoas e como coletividade, passou a ser uma “rota de fuga” que não se sabe onde vai dar.

No evangelho de hoje, Jesus não quer insinuar que uma catástrofe cósmica esteja se aproximando Também não quer justificar e explicar os desastres ambientais que nos ferem tão profundamente, nem suscitar medo e fuga diante dos dramas da história. Na linguagem apocalíptica à qual Jesus recorre, sol, lua e estrelas simbolizam os poderes aparentemente invencíveis. Para Jesus, esta solidez é apenas aparente, pois o advento do homem novo depõe os poderosos dos seus tronos e eleva os humildes; afirma a dignidade dos últimos; faz germinar sementes e florir os desertos; enfim, desarticula as forças e estruturas que propõem a violência como solução.

O abalo da ordem velha e cambaleante é sinal de que o humano está nascendo, está batendo à porta (ele não desce pela chaminé!) e pedindo para entrar. E, na medida em que ele for acolhido e se tornar familiar, uma nova humanidade nascerá, “reunindo as pessoas que Deus escolheu”, de todos os povos e religiões. A parábola da figueira pede atenção aos sinais dessa mudança. A velha e injusta ordem social simbolizada pelo templo deve chegar ao fim para que desponte um outro mundo.

O ‘filho do homem’ e seus seguidores, ao lado dos pobres da terra, serão os protagonistas desta mudança. A imagem dele “vindo sobre as nuvens com grande poder e glória” é uma referência ao Jesus “elevado” na cruz. No filho do homem perseguido e crucificado resplandece o que é verdadeiramente humano e se revela a glória de Deus.  A revelação daquilo que é plenamente humano se dá definitivamente em Jesus crucificado, em sua solidária fidelidade às dores e à dignidade dos pobres. É em torno dele, identificado com os pobres e as vítimas, que se reúnem as pessoas de boa vontade, qualquer que seja o povo ou a religião à qual pertencem.

 

Meditação:

·        Acompanhe e participe desta cena, observando o espanto dos discípulos, escutando e entendendo o ensino de Jesus

·        Será que nós também não nos orgulhamos demais de uma diocese que cumpriu 65 anos, de uma Igreja que tem 2000 anos, como se ela fosse indestrutível?

·        Em que medida nós invertemos as coisas: consideramos passageiro ou relativo o ensino de Jesus e imutáveis nossos hábitos e interesses?

·        O que nós, como família e como Igreja, precisamos hoje entender que é transitório e relativo diante do Evangelho, o único que não passa?

O Evangelho dominical (Pagola) - 17.11.2024

FAZENDO AS GRANDES PERGUNTAS

O homem contemporâneo não se atemoriza com os discursos apocalípticos sobre o fim do mundo. Tampouco se detém a escutar a mensagem esperançosa de Jesus, que, usando essa mesma linguagem, anuncia, no entanto, o nascimento de um mundo novo. O que o preocupa é a crise ecológica. Não se trata só de uma crise do ambiente natural. É uma crise do próprio homem. Uma crise global da vida neste planeta. Crise mortal não só para o ser humano, mas também para os outros seres animados que a sofrem desde algum tempo.

Pouco a pouco começamos a dar-nos conta de que entramos num beco sem saída, colocando em crise todo o sistema de vida do mundo. Hoje, progresso não é uma palavra de esperança como era no século passado, pois teme-se cada vez mais que o progresso termine levando-nos à morte. A humanidade começa a ter o pressentimento de que não pode ser certo um caminho que conduz a uma crise global, desde a extinção dos bosques até à propagação das neuroses, desde a poluição das águas até ao vazio existencial de tantos habitantes de cidades massificadas.

Para deter o desastre é urgente mudar de rumo. Não basta substituir as tecnologias «sujas» por outras «mais limpas» ou a industrialização selvagem por uma mais civilizada. São necessárias mudanças profundas nos interesses que hoje orientam o desenvolvimento e o progresso das tecnologias. Aqui começa o drama do homem moderno. As sociedades não se mostram capazes de introduzir mudanças decisivas no seu sistema de valores e de sentido.

Os interesses econômicos imediatos são mais fortes do que qualquer outra abordagem. E consideram melhor desdramatizar a crise, desqualificar os três ou quatro ambientalistas exaltados e encorajar a indiferença. Não é chegado o momento de nos colocarmos as grandes questões que nos permitam recuperar o sentido global da existência humana sobre a Terra e de aprender a viver uma relação mais pacífica entre os homens e com a criação inteira?

O que é o mundo? É um bem sem dono que nós podemos explorar de forma impiedosa e sem qualquer consideração, ou a casa que o Criador nos dá para torná-la cada dia mais habitável? O que é o cosmos? Uma matéria-prima que podemos manipular à vontade, ou a criação de um Deus que, através do seu Espírito, vivifica tudo e conduz os céus e a terra à sua consumação definitiva?

O que é o homem? Um ser perdido no cosmos, lutando contra a natureza, mas destinado a extinguir-se sem remédio, ou um ser chamado por Deus a viver em paz com a criação, colaborando na orientação inteligente da vida para a sua plenitude no Criador?

José Antônio Pagola

Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

A perseverança na luta pela nossa dignidade é o segredo da vitória

A perseverança na luta pela nossa dignidade é o segredo da vitória | 533 |16. 11.2024 | Lucas 18,1-18

O episódio do evangelho de hoje se relaciona com aqueles trechos que lemos e meditamos nos últimos dias pelo tema da fé confiante e perseverante. A questão central não é propriamente a oração, mas aquilo que ela busca e expressa: a fidelidade de Deus e a confiança nele, especialmente nos tempos de demora e tribulação. E eu os convido a ler e meditar sobre ele no horizonte do tema da 8ª Jornada Mundial dos Pobres, convocada pelo Papa Francisco para o domingo.

A parábola do juiz e da viúva é, no mínimo, inusitada. Se a figura de uma viúva injustiçada e indefesa pode facilmente representar os discípulos em tempos de perseguição, ou povos inteiros que clamam por compaixão e respeito à sua dignidade, um juiz desumano, agnóstico e pragmático não parece uma boa representação da ação de Deus, ao menos da imagem de Deus que Jesus Cristo nos apresenta em sua ação e em seu ensino.

Vivendo num tempo de perseguições violentas, de aparente ausência ou de silêncio de Deus, a comunidade dos discípulos de Jesus que Lucas conhece muito bem se questiona quando isso terá fim, quando Jesus se manifestará em sua glória, quando ele fará justiça aos oprimidos. O risco da desilusão e da resignação é grande, e só lhes resta uma arma para combatê-la: a insistência, a perseverança na oração.

É nisso que a figura da viúva suplicante reforça a exortação de Jesus. A viúva não se resigna nem se intimida frente à absoluta indiferença do juiz. A insistência é a única arma que lhe resta, em sua extrema vulnerabilidade. Esta perseverança insistente de uma pessoa indefesa produz seus frutos, pois acaba dobrando o juiz insensível.

A lição que Jesus transmite é evidente. Se um juiz desumano e injusto se dobra e atende, por razões pragmáticas, a demanda da viúva indefesa, Deus Pai poderia ser pior que ele? O Pai está sempre atento aos clamores e dores do seu povo, e pronto a atender as necessidades dos seus filhos e filhas. Ele toma a peito a causa dos pobres!

Para Jesus, a oração não tem um caráter piedoso e pragmático, mas engajado e programático. A oração cristã ajuda a discernir, acolher e realizar a vontade do Pai. Se faltar essa atitude de abertura e de busca confiante, se grassarem a dúvida na força e no socorro de Deus, não há mais fé, e o que resta é apenas uma ideologia religiosa.

 

Meditação:

·    Solte as asas da sua imaginação e coloque-se dentro desta história imaginaria, interagindo com os personagens, tendo presente a Jornada Mundial dos Pobres

·    Procure sintonizar com os diferentes grupos sociais e cristãos que lutam desesperadamente por sua dignidade e seus direitos

·    Procure acolher, compreender e tirar as consequências da afirmação de que Deus leva a peito as dores dos seus filhos, que ele ouve o clamor dos pobres

·    A fé vivida e celebrada por sua comunidade suscita perseverança nas lutas e confiança na justiça de Deus?

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

ivamos acordados e vigilantes

Vivamos acordados e vigilantes, amando, servindo e esperando | 532 |15. 11.2024 | Lucas 17,26-37

Esta cena continua a cena que meditamos ontem, quando os fariseus pedem de Jesus uma resposta sobre quando aconteceria a manifestação pública do Reino de Deus, quando seria o “Dia de Javé”. Para Jesus, o Reino de Deus se faz presente no mundo como fermento, como sal e como semente de mostarda. Ele está no meio de nós e ao nosso alcance, onde há amor verdadeiro e solidariedade efetiva.

No texto de hoje, Jesus continua no mesmo tema e, para ilustrar seu ensino, recorre a dois eventos bíblicos bem conhecidos dos seus interlocutores: o dilúvio e a destruição da cidade de Sodoma. Ambos são episódios de eliminação de pessoas e organizações que não vivem corretamente e fazem o mal aos semelhantes. E nenhum desses dois acontecimentos foram previstos ou levados a sério pelas pessoas em geral, não obstante os alertas dos enviados de Javé.

Esta postura de fechamento, indiferença e desatenção às mensagens de advertência vindas de Deus é o que estabelece a relação dos personagens do passado com o presente vivido pelos interlocutores de Jesus. Imersos em suas atividades cotidianas e mergulhados nos seus pequenos interesses, poucos dão atenção e levam a sério o convite de Jesus a mudar de mentalidade e abrir-se à novidade do Reino de Deus.

Ignorando que são chamados a um estilo de vida contrastante ou contracorrente, os discípulos perguntam a Jesus “onde” acontecerá a manifestação do Reino de Deus. Como respondera aos fariseus, que perguntavam “quando” esse evento se realizaria, Jesus diz que não se pode localizar o Reino de Deus no tempo e no espaço. Ele não tem território, não se identifica com uma nação ou um povo particular, nem com um evento especial. Viver vigilantes não significa saber o dia e o lugar.

Jesus ensina que o Reino de Deus é um evento certo, imprevisível e universal. Como nos dias de Noé, ele vem nos dias da semana, sem grandes sinais, e é preciso estar atento e vigilante para não “perder o trem”. O Reino de Deus está onde estão os discípulos fiéis de Jesus, aqueles que prosseguem sua prática, em qualquer tempo e lugar. Mas é um acontecimento cujo dinamismo sempre fora do nosso controle. A vida cristã não se identifica com algo estável, adquirido, possuído com segurança, algo que podemos manipular a nosso bel-prazer. Será sempre novidade e surpresa.

 

Meditação:

·    Será que também nós estamos demasiadamente preocupados em saber o tempo e o lugar do encontro com Deus e seu Reino?

·    Será que a ditadura das necessidades cotidianas, mesmo as ações pastorais, não estão nos sequestrando e dispersando?

·    Como entender que quem procura salvar a sua vida vai perde-la, e quem perde a sua vida pelo Reino, vai ganha-la?

·    Como viver o seguimento de Jesus de olhos abertos, atentos aos apelos e sinais de Deus, engajados na construção do seu Reino?

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

O céu se faz realidade onde houver pessoas amando

O céu se faz realidade onde houver pessoas amando e servindo | 531 |14. 11.2024 | Lucas 17,20-25

Os fariseus continuam pressionando e desafiando Jesus no horizonte de suas próprias tradições, privilégios, medos e maldades. No texto de hoje, eles pedem de Jesus uma resposta sobre quando aconteceria a manifestação pública e ostensiva do Reino de Deus, ou quando aconteceria aquilo que eles chamavam de “Dia de Javé”, dia no qual os pagãos e demais pecadores seriam punidos impiedosamente.

Os fariseus e vários outros grupos sociais e religiosos do tempo de Jesus esperavam e anunciavam a irrupção do Reino de Deus, do Messias de Deus, com características de potência e esplendor, a qualquer momento. Os pobres e humilhados também esperavam esse Dia, mas com marcas de vitória sobre as diversas opressões, inclusive com a expulsão dos invasores e dominadores romanos.

Para Jesus, o futuro não obedece aos nossos calendários, nem responde às nossas ansiedades, medos e ambições. Por isso, para responder ao questionamento, inicialmente ele não se pronuncia sobre o momento em que isso viria acontecer, mas sobre o modo pelo qual o Reino de Deus se mostrará e será reconhecido. Para falar disso, Jesus recorre à linguagem apocalíptica, apreciada entre seus interlocutores.

Ele mesmo, em sua encarnação, despojamento pessoal e engajamento solidário, é a manifestação do Reino de Deus, o Messias enviado por Deus para libertar seu povo. E sua atuação nos caminhos da Galileia deixa claro que Deus não costuma se “intrometer” na história prescindindo da ação humana ou substituindo-a. Ele atua como motivador e indutor das decisões e ações livres daqueles que acreditam nele.

Ao mesmo tempo, Jesus descarta de forma inequívoca os sinais espetaculares. Os sinais mais eloquentes de Deus estão na encarnação, na missão e na entrega solidária de si mesmo na cruz. O Reino se faz ativamente presente no mundo como fermento misturado à farinha, como sal misturado ao alimento, como semente caída na terra.

Os discípulos de Jesus precisamos estar atentos a estes pequenos sinais e a reagir a eles com responsabilidade. O Reino de Deus está ao nosso alcance, nos é acessível, está entre nós, em nossa caminhada de discípulos e discípulas e em nossa atuação como missionários. O templo e a lei não possuem leveza e grandeza necessárias para contê-lo e dinamizá-lo. Muito pelo contrário. A vinda do Reino será a ruína deles!

 

Meditação:

·    Leia e releia esta passagem, acompanhando os personagens, observando atentamente as palavras de Jesus

·    Qual poderia ser o significado do símbolo do raio: Terror? Letalidade? Extermínio? Ou concretude e imprevisibilidade?

·    Será que é possível aceitar o uso da força e da violência para construir um mundo fraterno e solidário? 

·    Quais os sinais visíveis do reino de Deus no meio de nós, em nossa família, vizinhança e comunidade?