“Livrai o oprimido das mãos do opressor” (Jr 22,3)
Queridos
irmãos, louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
No dia 25 de novembro, a
comunidade internacional se dedicou à reflexão sobre a eliminação da violência
contra as mulheres. Movido pelo impulso desse dia e, também, por uma
preocupação séria e inadiável – a violência contra as mulheres -, tomei a
liberdade de chegar até vocês por meio desta carta. Em primeiro lugar, quero
lembrá-los de que o tema não é apenas um drama social; é uma ferida moral,
espiritual e humana, que marca famílias, destrói vidas, traumatiza crianças e
humilha a dignidade dada por Deus a cada mulher. No rosto de cada mulher
violentada, vemos o rosto Cristo Crucificado, da Igreja ferida.
Os números oficiais revelam que a
gravidade do que enfrentamos é uma realidade que clama aos Céus. Em 2024, o
Espírito Santo registrou 15.954 atendimentos por violência contra a mulher no
canal Ligue 180 – um aumento de 44% em relação ao ano anterior (BRASIL, 2024).
As denúncias formais chegaram a 2.670 registros (BRASIL, 2024).
§ Segundo o
Observatório Mulher ES, somente em 2023, houve milhares de casos de violência
física, psicológica, sexual, moral e patrimonial;
§ Em 2024,
41% dos homicídios de mulheres no ES foram feminicídios;
§ Em 2025,
graças ao esforço conjunto do governo e da sociedade, vem se registrando uma
pequena queda nos feminicídios, embora cada caso ainda seja uma tragédia que
não deveria existir;
Mas números não consolam. Porque,
por trás de cada um, há uma mulher com nome, rosto, história — e, muitas vezes,
filhos traumatizados pelo que viram ou sofreram. A violência, como nos alertou
o Papa Francisco, é “uma chaga que desfigura a humanidade” (EVANGELII GAUDIUM,
n. 217).
A masculinidade que o mundo
ensina – baseada em poder, silêncio, agressividade, descuido e violência -,
fere o Evangelho. Um estilo de masculinidade que gera medo não é cristão. Um
homem que levanta a mão para ferir uma mulher, nega o batismo que recebeu.
O fazer-se cristão começa nas
relações cotidianas: no respeito, nos gestos de cuidado, na renúncia ao
machismo, na vigilância sobre as atitudes e palavras.
Como homens cristãos, precisamos
nomear claramente o mal que desejamos combater. A violência contra a mulher
inclui: violência física: agressões, empurrões, tapas, estrangulamentos,
lesões; violência psicológica: humilhações, ameaças, controle, insultos,
manipulação emocional; violência sexual: coerção, estupro, abuso, exposição
forçada; violência moral: calúnias, difamações, controle público da vida da
mulher; violência patrimonial: impedir a mulher de trabalhar, controlar
dinheiro, destruir objetos, reter documentos.
Toda violência é incompatível com
o Evangelho. A Sagrada Escritura nos recorda: “Maridos, amai vossas esposas
como Cristo amou a Igreja” (Ef 5,25); “Quem quiser ser o primeiro, seja o servo
de todos” (Mc 9,35); “Enviou-me para libertar os oprimidos” (Lc 4,18).
A violência contradiz diretamente
o mandamento do amor. Como o Papa Francisco afirmou: “A violência contra as
mulheres é uma covardia que degrada toda a humanidade.” A Encíclica Amoris Laetitia denuncia a violência
doméstica como “uma vergonha que precisa ser erradicada” (AL 54). São João
Paulo II também recorda que a mulher possui “uma dignidade inalienável que deve
ser respeitada em qualquer circunstância” (MULIERIS DIGNITATEM, 10).
Como pastor diocesano, também
como homem, venho lhes fazer um apelo: Em nome de Jesus Cristo, convertamos as
nossas atitudes, palavras e comportamentos. A masculinidade de acordo com os
princípios cristãos não domina, não humilha, não controla, não grita, não
ameaça, não impõe medo.
Ser homem, à luz do Evangelho, é
ser cuidador, guardião, servidor, construtor de paz. Por isso, peço-lhes que
examinem o coração. A raiz da violência muitas vezes está na dificuldade de
lidar com frustrações, na herança de padrões violentos aprendidos na infância,
no alcoolismo e no uso de drogas, na falta de diálogo, na incapacidade de
expressar emoções. A conversão passa por reconhecer limites e buscar ajuda
quando necessário.
Peço-lhes, ainda, com firmeza e
fraternidade: caso vejam sinais de violência em um amigo, colega, vizinho ou
parente, não se omitam. O amor ao Evangelho não nos permite neutralidade. Jesus
tomou partido pela vida, sempre. Sigamos os seus passos. Aconselhem-no.
Ofereçam ajuda. Mostrem a ele que existe outro caminho. Um homem ajudando outro
homem a mudar pode salvar uma família inteira. Um homem cristão, por amor a
Cristo, precisa falar com outro homem e dizer: “Isso não é certo.” “Procure
ajuda.” “Pare antes que destrua sua família.” Uma conversa pode salvar vidas.
Convoco os homens – jovem,
adulto, pai de família, trabalhador – participantes das nossas Comunidades
Eclesiais de Base, dos Círculos Bíblicos, das pastorais, movimentos, grupos de
oração, do terço dos homens- a falar sobre o assunto. Assumam essa missão como
parte da própria fé vivida no dia a dia. Sejamos todos promotores da vida, e
não cúmplices da violência. Uma comunidade que fala sobre o problema é uma
comunidade que cura. O silêncio é cúmplice da violência; a palavra liberta.
Para que isso aconteça, não é necessário formalidade, é preciso coragem.
Assim, sugiro que aprendamos a
promover rodas de conversa sobre masculinidade saudável e discipulado; cuidado
emocional; prevenção à violência; caminhos de superação do machismo; educação
dos filhos no respeito; fé e cuidado com a vida. É sinal de maturidade cristã que
um homem seja capaz de refletir e dialogar.
Cristo nos chama para agir, a
tomar atitudes e práticas para proteger vidas. Se vocês presenciam ou suspeitam
de violência, procedam assim:
1. Ligue 180
– Central de Atendimento à Mulher.
2. Ligue 190
– Emergência policial.
3. Procure a
Delegacia Especializada da Mulher (DEAM).
4. Encaminhe
a vítima para atendimento médico e psicológico.
5. Ajude a
garantir que a mulher não fique sozinha.
6. Acolha
sem julgar, sem pressionar e sem expor.
No território que compreende a
Igreja particular de Cachoeiro de Itapemirim, proponho que assumamos em nossas
comunidades: criar Grupos comunitários e paroquiais de enfrentamento à
Violência; produzir materiais formativos para homens; implementar, em toda a
Diocese, o Mês da Proteção da Mulher; oferecer formação para agentes de
pastoral acolherem vítimas; promover encontros anuais sobre masculinidade
cristã; integrar paróquias à rede municipal e estadual de proteção; fortalecer
a Pastoral Familiar, a Pastoral da Escuta e a Pastoral da Mulher.
Precisamos, como cristãos, como
homens de Deus, ouvir o clamor das mulheres, rezar por suas dores, suas
histórias, suas resistências e sua esperança. Pedimos perdão pelo silêncio
histórico que tantas vezes tolerou a violência. Não podemos esquecer que
crianças expostas à violência doméstica, são vítimas invisíveis. Elas carregam
traumas por toda a vida. Proteger a mulher é proteger os filhos.
Por fim, que São José, homem
justo, ensine-nos a amar sem dominar, proteger sem controlar, servir sem esperar
retorno. Que o Espírito Santo converta os corações endurecidos. E que o Deus da
vida nos envie como defensores da dignidade de cada mulher. Recebam minha bênção e meu cuidado pastoral.
Dom Luiz
Fernando Lisboa, CP
Diocese de Cachoeiro de Itapemirim
Diocese de Cachoeiro de Itapemirim