Jesus nos convida a
sonhar e ensaiar uma nova humanidade!
Qual é o
núcleo dinâmico do anúncio cristão? Mesmo conscientes de que o Evangelho que
recebemos não é uma simples doutrina teológica, e já veio marcado pelos
condicionamentos culturais, religiosos e políticos dos primeiros cristãos,
precisamos fazer um esforço para identificar os contornos da boa notícia cujo
anúncio nos foi confiado. E sabemos de antemão que este núcleo vai mostrando
novas facetas à medida em que entra em contato com culturas diferentes e
dialoga com cada época histórica.
Na
segunda parte do trecho do Evangelho proposto para este domingo podemos
identificar alguns elementos essenciais do conteúdo deste anúncio: todos somos
irmãos e irmãs, porque temos um único mestre, um único guia e um único pai;
Deus age elevando os rebaixados e rebaixando os que se consideram superiores;
diante de Deus não valem critérios como pertença a uma classe ou uma nação,
cumprimento externo e estrito de leis, méritos acumulados por práticas de piedade.
É
evidente que, para que seja compreendido e mereça crédito, este anúncio precisa
vir acompanhado da prática que lhe corresponde. O anúncio missionário da Igreja
pressupõe que ela se organize, se apresente e viva como uma comunidade de
irmãos e irmãs, na qual a igualdade fundamental de todos seja respeitada,
buscada e proclamada. Sem a coerência do missionário e da comunidade que ele
representa, o anúncio soa como dissonante, e seu efeito libertador acaba sendo
reduzido e até anulado.
É neste
contexto que podemos compreender a profundidade e a contundência da crítica que
Jesus faz às lideranças religiosas do seu tempo. A primeira impressão diante de
Mt 23,1-7 é de que é uma ladainha de ódio e ressentimento. Mas se trata de uma
linguagem polêmica, de um estilo de discurso muito conhecido no ambiente de
Jesus, cujo objetivo era mais estabelecer a diferença qualitativa do próprio
grupo que atacar e desqualificar os adversários. É uma linguagem própria de
grupos marginais.
Esta
espécie de lista de insultos tem como objetivo formar e reformar a conduta dos
discípulos. Jesus fala a eles e às multidões com a intenção de estabelecer
claramente a diferença entre a atitude que se espera deles e a prática comum e
condenável dos doutores da lei, dos fariseus e dos escribas: eles não praticam
o espírito da lei que leem e ensinam; impõem pesadas obrigações legais sobre os
fiéis; não ajudam o povo em suas necessidades; fazem tudo com o desejo de serem
honrados e reconhecidos.
Efetivamente,
os grupos sócio religiosos (não se trata de indivíduos!) criticados por Jesus
gozam de um notável poder religioso, cultural e social. Num mundo no qual a
maioria das pessoas não eram alfabetizadas e as cópias dos textos sagrados eram
poucas, a possibilidade de ter acesso a estes textos e poder lê-los era um
privilégio reservado a poucos, e fator de honra e poder. E o problema maior era
a interpretação destes textos, feita a partir dos interesses desta minoria e do
controle da vida do povo.
Criticando
tal postura, Jesus Cristo lança as bases da Igreja como comunidade ou família
com um estilo de vida alternativo, igualitário ou não-hierárquico. “Um só é o
vosso mestre e todos vós sois irmãos!” A igualdade fraterna que a Igreja é
chamada a ensaiar e anunciar se apoia sobre este tríplice pilar: um único
mestre, Jesus Cristo; um só Pai, que está no céu; um único guia ou instrutor, o
Messias. Desse pilar brota o mandamento: “O maior dentre vós deve ser aquele
que serve!” O maior e mais excelente não é quem coleciona diplomas, se veste de
púrpura, usa mitra ou báculo, anel ou batina, mas quem faz de si mesmo um dom solidário
e generoso para promover os últimos.
Jesus não
se contenta em dizer “vós sois irmãos”, mas faz questão de dizer “todos vós sois irmãos”. Trata-se de uma
igualdade radical e total. A organização da Igreja deve partir disso. Este
princípio operacional, por sua vez, é consequência de outro, mais fundamental:
“Um só é o pai de vocês, aquele que está no céu.” A figura do pai é mais
adequada para expressar o ser de Deus, pois ele faz nascer o sol sobre bons e
maus, tem olhos para a pessoa e as ações que passam despercebidas, esconde seus
segredos aos sábios e potentes e os revela aos pequenos e humildes (cf. Mt
5,45; 6,6; 11,25-26).
Deus pai e mãe, origem, coração e meta de toda missão:
te agradecemos pela nuvem de testemunhas que despertaste no passado e suscitas
e sustentas ainda hoje. Que elas se mantenham radicalmente livres e humildes,
libertas do peso de uma Igreja poderosa, hierarquizada, dona da verdade e da
vida. Que estes homens e mulheres renascidos do teu Espírito vivam e
testemunhem a evangélica alegria de pertencer a uma comunidade de iguais, onde
a pessoa mais humilde e servidora seja a mais honrada. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Profeta Malaquias 1,1-4.2,2 * Salmo 130 (131)
* 1ª. Carta aos Tessalonicenses 2,7-13 * Evangelho de S. Mateus 23,1-12)