quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

O Evangelho dominical (Pagola) - 02.03.2020


AS TENTAÇÕES DA IGREJA HOJE

A primeira tentação acontece no «deserto»
Depois de um longo jejum, entregue ao encontro com Deus, Jesus sente fome. É então quando o tentador lhe sugere agir pensando em si mesmo e esquecendo o projeto do Pai: «Se és o Filho de Deus, diz que essas pedras se convertam em pão». Jesus, desfalecido, mas cheio do Espírito de Deus, reage: «Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que vem de Deus». Não viverá procurando o seu próprio interesse. Não será um Messias egoísta. Multiplicará o pão quando vir os pobres a passar fome. Ele se alimentará da Palavra viva de Deus.
Sempre que a Igreja procura o seu próprio interesse, esquecendo o projeto do reino de Deus, desvia-se de Jesus. Sempre que os cristãos colocam o nosso bem-estar antes das necessidades dos últimos, afastam-se de Jesus.
A segunda tentação acontece no «templo»
O tentador propõe a Jesus uma entrada triunfal na cidade santa, descendo do alto como Messias glorioso. A proteção de Deus estaria assegurada. Os seus anjos cuidariam Dele. Jesus reage rapidamente: «Não tentará o Senhor, teu Deus». Não será um Messias triunfador. Não colocará Deus ao serviço da Sua glória. Não fará «sinais do céu». Apenas sinais para curar doentes.
Sempre que a Igreja coloca Deus a serviço de sua própria glória e «desce do alto» para mostrar sua própria dignidade, ela se desvia de Jesus. Quando os seguidores de Jesus procuram «parecer bem» em vez de «fazer o bem», nos afastamos dele.
A terceira tentação acontece numa «montanha altíssima»
Dela se vêm todos os reinos do mundo. Todos estão controlados pelo diabo, que faz a Jesus uma oferta assombrosa: dará todo o poder do mundo. Impõe apenas uma condição: «Se te prostras e me adoras». Jesus reage violentamente: «Vai embora, Satanás». «Só ao Senhor, teu Deus, adorarás». Deus não o chama para dominar o mundo como o imperador de Roma, mas para servir os que vivem oprimidos pelo seu império. Não será um Messias dominador, mas um servidor. O reino de Deus não se impõem com poder, oferece-se com amor.
A Igreja tem hoje que afugentar todas as tentações de poder, glória ou dominação, gritando com Jesus: «Vai-te, Satanás». O poder mundano é uma oferta diabólica. Quando nós, cristãos, o procuramos, afastamo-nos de Jesus.
José Antonio Pagola
Tradutor: Antonio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

ANO A | TEMPO QUARESMAL | PRIMEIRO DOMINGO | 01.03.2020


Não nos deixemos contaminar pelo vírus da indiferença!
O evangelho do primeiro domingo da quaresma nos convida a meditar as tentações de Jesus. A questão central é a seguinte: Quem orienta e determina as ações de Jesus, ou a quem ele serve? Para os discípulos de Jesus, a questão pode ser expressa de modo semelhante: A quem hipotecamos nossa lealdade, ou a serviço de quem nos colocamos? Qual é o horizonte que dá sentido ao que fazemos e sonhamos? Seguimos nossos próprios interesses e tentamos construir nossa vida relativizando tudo, inclusive Deus?
Por ocasião do seu batismo no rio Jordão, Jesus havia dito a João que era preciso cumprir toda a justiça, assumir a condição humana com todas as consequências. Ele fizera a experiência de ser Filho querido e precioso aos olhos do Pai (cf. Mt 3,15-17), mas parece que lhe parecia difícil assumir a condição humana, como o é para nós: a impotência, a carência, a falta de imagens concretas e palpáveis de Deus nos inquieta e deixa inseguros. E aqui está a verdadeira tentação: manipular Deus e viver indiferentes a tudo e todos.
O Evangelho diz que Jesus foi tentado pelo diabo. Este personagem não está nos evangelhos para assustar ou impor medo. Ele simboliza o espírito invisível do império romano, de todos os impérios, e das elites do judaísmo e de todas as instituições, religiosas ou não. As lideranças políticas e religiosas são a forma institucional e histórica deste dinamismo misterioso e potente que opõe resistência aos propósitos de Deus e impõe seus caminhos por meio da indiferença, da injustiça e do medo. E esta força tentadora está presente inclusive no templo, e não apenas no monumental templo de Jerusalém ou de Salomão!
A lógica do poder questiona e desafia Jesus sobre o modo mais correto e eficaz de viver sua filiação divina, sua lealdade do Pai. E a primeira tentação é esta: aproveitar-se da condição de filho para exibir o poder de Deus e saciar a própria fome, agindo em benefício próprio e sem se importar com os demais, como costumam fazer as elites. Jesus vence esta tentação afirmando que a nossa sobrevivência depende da obediência a Deus e à sua Palavra, e não da submissão interesseira aos poderosos, inclusive àqueles que agem em seu nome.
A segunda tentação ocorre no centro político, social e religioso do judaísmo. Jerusalém e o seu templo, construídos para louvar a Deus e ser asilo aos perseguidos, se transformam em obstáculo à lealdade a ele. Aqui a tentação é exigir provas da proteção de Deus sem a contrapartida da fidelidade, pedir a Deus uma exibição grandiosa e capaz de impressionar. Jesus se recusa a chamar Deus em causa própria, confia filialmente no Pai, age de acordo com a sua vontade e não cede às tentações típicas do poder.
Na terceira tentação, o tentador tira as máscaras e revela seu rosto como poder. Ele leva Jesus a um lugar alto e fala, explicitamente e sem sutilezas, quem controla os impérios e poderes do mundo: é do diabo, do tentador, que os tiranos recebem o poder, e é a ele que servem. Por que Jesus não poderia fazer o mesmo, demonstrar que é filho de Deus agindo segundo a lógica do poder? Mas Jesus permanece fiel à sua identidade de filho do Pai e demonstra a supremacia de Deus sobre todos os poderes.
Como Jesus, nossa tentação hoje é fugir da bela e terrível vulnerabilidade humana. Como desejaríamos ser uma espécie de deus!  Jesus relativiza as tentativas e vence a tentação de renegar a condição humana e realizar a vontade de Deus pelas vias do poder, e demonstra que nossa fome radical de vida só pode ser saciada pela Palavra que sai da boca de Deus, pela Utopia para a qual acena reiteradamente. E ensina que Deus vem em nosso auxílio exatamente quando renunciamos a pô-lo à prova.
A Campanha da Fraternidade questiona: Fomos criados para conviver para sempre com a indiferença e o ódio? Seremos capazes de abrir caminhos que os superem? Teremos força e vontade para erradicar o vírus da indiferença, que contamina os organismos sociais e até as comunidades eclesiais? É no interior desse desafio que a campanha quaresmal de 2020 deseja fomentar uma cultura do cuidado, da responsabilidade, da memória e da proximidade, fazendo alianças contra todo tipo de indiferença e ódio (cf. Texto-base, 71).
Deus querido, Pai e Mãe de todas as criaturas: em Jesus, teu filho e nosso irmão, revelaste quão profunda e vivificante é tua materna paternidade. Que teu Espírito nos conduza nas muitas travessias, nos ajude a superar as tentações do poder e a não transformar a religião num antro de indiferença ou numa cruzada violenta contra a diversidade. Que ele nos sustente na exigente responsabilidade de abrir os olhos e ver, de exercitar a compaixão e de cuidar solidariamente da vida ferida ou ameaçada. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf

Livro do Gênesis 2,7-9.3,1-7 | Salmo Salmo 50 (51)
Carta de Paulo aos Romanos 5,12-19 | Evangelho de São Mateus 4,1-11

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

ANO A | TEMPO QUARESMAL | QUARTA-FEIRA DE CINZAS | 26.02.2020


Fraternidade e reconciliação são dons e compromissos!
O tempo quaresmal se abre como um convite a voltar a Deus com integridade de mente e coração, a vencer a tendência à fragmentação e à indiferença, a verter todas as energias para o único objetivo realmente decisivo: acolher a reconciliação que o próprio Deus nos oferece; refazer as relações fraternas e avançar na construção de uma sociedade justa; e, neste ano, defender e promover a vida em todas as suas expressões, especialmente nas situações em que ela se encontra ameaçada pelas diversas formas de violência.
Escrevendo aos cristãos de Corinto, Paulo sublinha que o próprio Deus toma a iniciativa de refazer a aliança e consertar a ruptura que provocamos com a sua vontade: em Jesus Cristo, ele reconciliou definitivamente consigo o mundo inteiro e cada um de nós. É deste dom incondicional, desta amizade reatada por livre, generosa e soberana iniciativa dele, que brota para nós a exigência de reconciliação com o Pai, e com os irmãos e irmãs. E isso não é algo secundário, mas uma tarefa essencial. É coisa para hoje, para agora!
A tradição das comunidades cristãs privilegiou três ações para expressar a mudança de direção e a convergência das forças que a Quaresma nos propõe: a esmola, a oração e o jejum. Mas, em relação a estas práticas de piedade, presentes em todas as religiões, Jesus pede atenção e autocrítica, pois nem mesmo elas estão livres da falsificação e do faz-de-conta. Por mais piedosos que pareçam, estes gestos podem ser motivados apenas pela busca de aprovação, de estima e de reconhecimento e, então, nos afastam da lógica de Deus, pois ele aprecia aqueles que o mundo não vê, aquilo que fica escondido.
Em relação à esmola, Jesus não a descarta, mas também não se entusiasma ingenuamente. De fato, ele interroga sobre a motivação e a disposição com as quais costumamos praticá-la. “Não mande tocar trombeta na frente. Que a sua mão esquerda não saiba o que a sua direita faz.” O sentido autêntico da esmola é a solidariedade e a partilha daquilo que temos com as pessoas mais necessitadas que nós. Mais que dar daquilo que sobra ou não nos faz falta, trata-se de partilhar aquilo que é fruto da terra e do trabalho da humanidade e, por isso, pertence a todos e não pode ser privatizado.
Para a maioria das religiões, a oração é uma expressão de fé e de comunhão com a divindade. Não faltam pregadores e movimentos que insistem na necessidade de rezar muito, de multiplicar terços, ladainhas, missas e promessas. Mas Jesus insiste mais na qualidade e na motivação que na quantidade da oração!  Para ele, a oração é abertura radical a Deus e à sua vontade; superação dos estreitos limites dos nossos gostos, preferências e necessidades; diálogo íntimo e amigo com Aquele que quer nosso bem e que não descansa enquanto todos os seus filhos e filhas não tenham vida em abundância.
Em relação ao jejum, hoje ele está na moda, e recebe o simpático nome de dieta... Em geral, quem a pratica está muito preocupado consigo mesmo – com a saúde ou com a aparência – e pouco interessado na compaixão e a partilha. No tempo de Jesus, muitas pessoas usavam o jejum, que era originalmente um sinal de arrependimento e de mudança, para impressionar os outros e aumentar a influência e o poder sobre eles. Como cristãos, precisamos resgatar hoje o sentido pedagógico do jejum: fazer experiência da própria vulnerabilidade e participar solidariamente das necessidades dos nossos irmãos e irmãs.
Na espiritualidade quaresmal, o jejum, a esmola e a oração estão a serviço do fortalecimento pessoal e comunitário para combater todas as formas de mal, da conversão ao tesouro inegociável do reino de Deus, da renovação da vida em todas as suas expressões. E isso se mostra cotidianamente na abertura humilde e reverente a Deus, na consciência da nossa interdependência em relação aos nossos irmãos e irmãs, na luta permanente para superar a indiferença frente às agressões que se voltam contra a vida. Ver, compadecer-se e cuidar são as ações que nos acompanharão na Quaresma desse ano (cf. Texto-base da CF, nº 25).
Deus Pai, fonte da Vida e princípio do bem viver, dai-nos um coração capaz de acolher e assumir a vida como dom e compromisso. Abri nossos olhos, para que vejam as necessidades dos nossos irmãos e irmãs, especialmente dos mais pobres e marginalizados. Ensinai-nos a viver a compaixão que se expressa no cuidado fraterno, próprio de quem reconhece no próximo o rosto do teu Filho. Inspirai-nos palavras e ações para sermos construtores de uma nova sociedade. E dai-nos a graça de vivermos em comunidades eclesiais missionárias, que se aproximam e cuidam daqueles que mais sofrem. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Profecia de Joel 2,12-18 | Salmo Salmo 50 (51)
Segunda Carta de Paulo aos Coríntios 5,20-6,2 | Evangelho de São Mateus 6,1-6.16-18

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

O Evangelho dominical (Pagola) - 23.02.2020


AMAR INCLUSIVE AOS INIMIGOS

É inegável que vivemos numa situação paradoxal. «Quanto maior a sensibilidade face aos direitos atropelados ou injustiças violentas, mais cresce o sentimento de ter que recorrer a uma violência brutal ou sem piedade para levar a cabo as profundas mudanças que se anseiam». Assim, dizia há alguns anos, no seu documento final, a Assembleia Geral dos Jesuítas.
Não parece haver outro caminho para resolver os problemas que não, o recurso à violência. Não é estranho que as palavras de Jesus ressoem na nossa sociedade como um grito ingênuo e além disso discordante: «Amai os vossos inimigos, fazei o bem àqueles que vos odeiam». E, no entanto, talvez seja a palavra que mais precisamos ouvir nestes momentos em que, anulados pela perplexidade, não sabemos o que fazer concretamente para retirar do mundo a violência.
Alguém disse que «problemas que só podem resolver-se com violência devem ser levantados novamente». E é precisamente também aqui que o Evangelho de Jesus tem muito a contribuir hoje, não para oferecer soluções técnicas para conflitos, mas para descobrir em que atitude devemos abordá-los.
Há uma convicção profunda em Jesus. O mal não se pode ser vencido com base no ódio e na violência. O mal é vencido apenas com o bem. Como dizia Luther King, «o último defeito da violência é que ela gera uma espiral descendente que destrói tudo o que gera. Em vez de diminuir o mal, aumenta-o».
Jesus não especifica se, em alguma circunstância concreta, a violência pode ser legítima. Pelo contrário, convida-nos a trabalhar e lutar para que nunca seja. Por isso, precisamos buscar caminhos que levem à fraternidade e não ao fratricídio.
Amar os inimigos não significa tolerar as injustiças e retirar-se confortavelmente da luta contra o mal. O que Jesus viu claramente é que não se luta contra o mal destruindo as pessoas. Há que combater o mal, mas sem destruir o adversário.
Mas não nos esqueçamos de algo importante. Esse apelo a renunciar à violência deve dirigir-se não tanto aos fracos, que quase não têm poder nem acesso à violência destrutiva, mas, sobretudo, a quem maneja o poder, o dinheiro ou as armas e, portanto, pode por isso oprimir violentamente os mais fracos e indefesos.
José Antônio Pagola
Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

ANO A | TEMPO COMUM | SÉTIMO DOMINGO | 23.02.2020


Revelamos que somos filhos de Deus no amor sem fronteiras!
Jesus nos apresenta um caminho inusitado mas seguro para de felicidade, para a plena realização das aspirações humanas mais profundas, para a santidade. Trata-se de buscar a perfeição ou o jeito de ser do próprio Deus, evitando a tentação de construir uma ideia de Deus à nossa imagem e semelhança, delimitada pelos nossos medos e interesses. Embora este caminho nos pareça um pouco estranho e dissonante, o próprio Jesus o viveu em primeira pessoa, demonstrando que é um projeto tão necessário quanto viável.
No evangelho deste domingo, Jesus responde à pergunta sobre como reagir frente às situações de violência e aos seus agentes. Ele conhece bem a lei judaica que, para limitar uma violência reativa e desproporcional à violência sofrida, propõe não passar do “olho por olho” e do “dente por dente”. Por mais estranho que nos pareça, esta lei representa um avanço em relação à lei que facultava a reação violenta e desproporcional do mais forte e ferido sobre os mais fracos. Jesus aponta os limites deste preceito: pagar com a mesma moeda não erradica a violência que ofende, machuca e mata.
Jesus ensina e pede para não reagirmos com violência à ação dos violentos. Mas ele vai mais além, ilustrando e concretizando sua proposta de não-violência ativa em três situações: o tapa no rosto, ato de humilhação considerado um direito dos superiores; o processo de penhora da roupa de um pobre endividado, visto como direito dos credores; a obrigação de acompanhar a marcha dos soldados a serviço do império, carregando às costas as armas que se voltavam contra o próprio povo.
Mas, atenção! A proposta de Jesus não tem nada a ver com submissão e passividade! Oferecer a outra face significa permanecer senhor de si e desafiar a legitimidade de um sistema projetado para humilhar. Dar o manto a quem penhora a túnica (desnudar-se publicamente!) significa revelar a humanidade que a todos irmana e denunciar a avareza violenta dos credores. Caminhar o dobro do percurso que o soldado determinou significa não aceitar o jogo do império, questionar a hierarquia, tomar a iniciativa. Isso significa que a proposta de Jesus tem como meta eliminar o círculo vicioso que liga as ações e reações violentas!
O fato é que sempre classificamos as pessoas e dividimos o mundo em amigos e inimigos. Amamos e respeitamos os que estão próximos e alimentamos suspeitas ou somos indiferentes em relação aos estranhos. O conceito do ‘próximo’ abrange uma certa diversidade de gênero, riqueza, parentesco e etnia, e a imagem do ‘inimigo’ não se limita aos adversários nacionais ou aos membros de outras religiões, mas se estende a todos os oponentes pessoais. É aqui que entra o mandamento de Jesus: nosso amor não pode se restringir aos iguais, aos próximos, mas deve chegar aos estranhos e distantes, até aos inimigos.
Talvez hoje situemos entre os inimigos as pessoas e grupos que ameaçam nosso bem-estar e nossos privilégios ou questionam nossa supremacia em termos de competência, gênero, religião, cultura, etc. Pedindo que amemos nossos inimigos e até rezemos por aqueles que nos perseguem, Jesus está sublinhando que condição social, a etnia, o gênero e a religião não podem ser limites que restringem o dinamismo do nosso amor. O amor entre os iguais pode ser egoísmo! Amar o inimigo significa ir além do que ele é hoje e amar aquilo que ele pode ser: irmão e parceiro!
Jesus resume sua proposta ética e espiritual numa frase: “Sejam perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito.” A perfeição do Pai faz com que a chuva beneficie tanto os justos como os injustos e o sol ilumine tanto os bons quanto os maus. Ser perfeito como o Pai celeste significa não impor condições nem ter reservas, ser inteiro e verdadeiro em tudo e com todos, pois, como nos lembra Paulo, todos – nós, os outros, a comunidade eclesial e a comunidade humana! – somos santuários de Deus e templos do Espírito Santo. Que ninguém ponha sua gloria no próprio grupo, etnia, gênero, igreja, religião!
Jesus, mestre e servidor da liberdade, de todas as liberdades: ajuda tua Igreja a vencer o medo da liberdade e da verdade que viveste e ofereceste a todos. Faz que nossas comunidades sejam laboratórios nos quais as pessoas de boa vontade se exercitam no respeito e na promoção da dignidade de todos os teus filhos e filhas, inclusive no amor aos inimigos. E dá-nos a sábia loucura que espanta os doutores mas seduz as pessoas que não sacrificaram sua humanidade no altar da competição e do egoísmo predatório. Queremos ser filhos do teu e nosso Pai, generosos e perfeitos na misericórdia e na compaixão solidária! Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf

Livro do Levítico 1,2.17-18 | Salmo 102 (103)
Carta de Paulo aos Coríntios 3,16-23 | Evangelho de São Mateus 5,38-48

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

O Evangelho dominical (Pagola) - 16.02.2020


NÃO À GUERRA ENTRE NÓS!

Os judeus falavam com orgulho da lei de Moisés. Segundo a tradição, o próprio Deus a havia dado ao seu povo. Era a melhor coisa que tinham recebido Dele. Nessa lei, está a vontade do único Deus verdadeiro. Ali podem encontrar tudo o que necessitam para serem fiéis a Deus.
Também para Jesus, a Lei é importante, mas já não ocupa o lugar central. Ele vive e comunica outra experiência: o reino de Deus está chegando; o Pai está procurando abrir caminho entre nós para criar um mundo mais humano. Não basta cumprir a lei de Moisés. É necessário abrirmo-nos ao Pai e colaborar com ele para tornar a vida mais justa e fraterna.
Por isso, segundo Jesus, não basta cumprir a Lei, que ordena «não matarás». É necessário, também, arrancar da nossa vida a agressividade, o desprezo pelo outro, os insultos ou as vinganças. Aquele que não mata cumpre a Lei, mas se não se liberta da violência, no seu coração não reina, todavia, esse Deus que procura construir conosco uma vida mais humana.
Segundo alguns observadores, está espalhando-se na sociedade atual, uma linguagem que reflete o crescimento da agressividade. Cada vez são mais frequentes os insultos ofensivos, proferidos apenas para humilhar, desprezar e magoar. Palavras nascidas da rejeição, do ressentimento, do ódio ou da vingança.
Por outro lado, as conversas estão frequentemente tecidas de palavras injustas que espalham condenações e semeiam suspeitas. Palavras ditas sem amor e sem respeito que envenenam a convivência e fazem mal. Palavras nascidas quase sempre da irritação e da mesquinhez.
Este não é um acontecimento presente apenas na vida social. É também um grave problema no interior da Igreja. O Papa Francisco sofre ao ver divisões, conflitos e confrontos de cristãos em guerra contra outros cristãos. É um estado de coisas tão contrário ao Evangelho que sentiu a necessidade de nos dirigir uma chamada urgente: «Não à guerra entre nós».
Assim fala o Papa: «Dói-me verificar como, em algumas comunidades cristãs, e mesmo entre pessoas consagradas, consentimos em várias formas de ódios, calúnias, difamações, vinganças, ciúmes, desejo de impor as próprias ideias à custa de qualquer coisa e até perseguições que parecem uma implacável caça às bruxas. A quem vamos evangelizar com esse tipo de comportamento?» O Papa quer trabalhar para uma igreja em que «todos possam admirar como vos cuidais uns aos outros, como vos dais alento mutuamente e como vos acompanhais».
José Antonio Pagola
Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

ANO A | TEMPO COMUM | SEXTO DOMINGO | 16.02.2020


A Justiça do Reino de Deus é mais que cumprimento de leis!
A pedagogia libertadora de Jesus desvela o sentido profundo e as implicâncias concretas das Escrituras na nossa vida cotidiana. Ele nos propõe uma justiça mais ampla, profunda e humana que aquela ensinada e praticada pelos escribas e fariseus. “Não penseis que eu vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para dar-lhes pleno cumprimento.” Já diante de João Batista, Jesus já antecipara sua visão da lei e dos costumes: “Devemos cumprir toda a justiça!” (3,16). Paulo chama isso de “misteriosa sabedoria de Deus, sabedoria escondida”, sabedoria que nenhum dos poderosos deste mundo conheceu.
No evangelho deste domingo, Jesus propõe duas ênfases na leitura e na interpretação das Escrituras Sagradas. A primeira é a vinculação das Escrituras ao sonho de Deus, ao seu projeto de vida abundante para todos, com clara prioridade aos que são tratados como ‘últimos’ na escala social. Quando este vínculo é rompido ou enfraquecido, as Escrituras podem produzir o contrário daquilo que Deus quer transmitir, e acaba justificando o poder dos poderosos, ocultando as relações de opressão, aumentando o peso do fardo que penaliza os mais fracos da sociedade, afirmando orgulhosa dos crentes diante do próprio Deus.
A segunda ênfase proposta por Jesus é a estreita ligação entre escutar, ensinar e praticar as Escrituras. Para Jesus, estava claro que os escribas e fariseus tinham se apropriado da compreensão das Escrituras, mas não estavam dispostos a fazer a passagem da compreensão intelectual à ação responsável. E esta continua sendo a grande tentação que ronda os teólogos e dirigentes religiosos. A advertência de Jesus Cristo é clara e inequívoca: “Se vossa justiça não for maior que a dos escribas e dos fariseus, não entrareis no Reino dos Céus.”  E, dito isso, Jesus passa a alguns exemplos concretos.

Um primeiro exemplo da radicalização da Lei e da concretização das bem-aventuranças há pouco proclamadas solenemente está no campo das tensões nas relações interpessoais. Esta questão era já contemplada pelo mandamento “Não matarás!” Mas, para Jesus, o conteúdo desta lei não se resume em evitar o homicídio. O projeto de Deus é muito mais amplo, e passa pela pacificação das relações e pela superação das posturas raivosas e da linguagem eivada de desprezo, preconceito e violência, como aquela tão comumente usada hoje nas redes sócias em relação a quem quer que pense diferente.

Uma segunda área de demonstração é a liturgia. Jesus critica o culto que ignora as rupturas nas relações humanas e não leva à reconciliação. Para ele, a vida concreta é mais importante que os ritos religiosos, e a percepção das tensões e rupturas relacionais tem primazia sobre a ortodoxia. “Deixa a tua oferenda diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão.” E que ninguém se engane, sentindo-se justificado por não ter matado ninguém ou postergando para um futuro indefinido a reconciliação. É preciso fazer isso antes de chegar ao tribunal do incerto fim da vida. O tempo é agora!
Jesus prossegue com duas novas exemplificações da ética do Reino de Deus, agora no âmbito das relações homem-mulher. O primeiro exemplo focaliza a questão do adultério, e afirma que a lei tem a função de educar para uma relação que não seja possessiva. “Quem olhar para uma mulher com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério...” Jesus sabe que o dinamismo que sustenta comportamentos sexuais descontrolados é sutil: passa do olhar viciado e interesseiro, que não reconhece a dignidade da pessoa, à palavra que humilha e despreza e à mão que se apossa e manipula. Jesus insiste que é preciso cortar o mal pela raiz.
Ainda nesse âmbito da relação de gênero, Jesus reprova a dominação masculina sobre a mulher, mesmo quando sancionada pela cultura e pela lei. Dizer que a lei permite ou que é costume não desculpa nem justifica ninguém. Este é o horizonte da proposta de Jesus no caso do divórcio. A permissão legal do divórcio legitimava o descompromisso do marido com a ex companheira e garantia ele o direito de maltratá-la e execrá-la publicamente, mas a ética do Reino de Deus restringe o poder ilimitado e violento dos homens.
Jesus Cristo, mestre na formação de uma nova mentalidade e na construção de um mundo mais humano: ensina-nos a colocar as leis e tradições no seu devido lugar, a não transformá-las em instrumentos de dominação. Que teu ensino e teu exemplo desenvolvam em nós relações pacificadas, igualitárias e solidárias. E que teu Espírito suscite em nossas comunidades cristãs a criatividade livre e a verdade fiel, sendas que levam à uma justiça radical, ampla, duradoura e humanizadora. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Livro do Eclesiástico 15,16-21 | Salmo 118 (119)
Carta de Paulo aos Coríntios 2,6-10 | Evangelho de São Mateus 5,17-37

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

A prece do "que"...

A prece do "que"...

Frente a tantos desafios e dificuldades em lugares tão distantes dos bens de vida e da justiça, peço a Deus auxílio:
Que possa sempre compreender a cada irmão e irmã;
Que eu não os avalie conforme o meu jeito de pensar;
Que eu nunca os julgue pela aparência que os meus olhos refletem;
Que eu saiba compreendê-los com o coração e com a fé;
Que eu não veja com normalidade todo o sofrimento dos pequenos e indefesos;
Que o amor ao próximo seja sempre a bússola orientadora do meu caminhar e do meu agir.
Que minha maior busca seja sempre o Reino de Justiça;
Que o reino de Deus seja o tesouro onde meu coração possa se alegrar e descansar;
Que Cristo me dê forças e seja a poronga que ilumine a estrada da minha vocação e da minha vida;
Que o Senhor seja a seiva que busco toda manhã;
Que o Senhor, Deus Pai Criador de todas as coisas e do Amor Misericordioso me ajude para não acostumar com os pecados sociais e com as injustiças;
Que eu nunca me canse, nem desanime diante das incompreensões, dificuldades, desânimos, descrenças, exploração, abandono, ou busca de poder;
Que eu sempre veja teu rosto nos rostos dos pequenos e fracos;
Que o amor seja sempre minha resposta e minha atitude;
Que a minha esperança seja renovada a cada dia pela Tua Palavra;
Senhor, seja sempre o “QUE” que me une aos irmãos e irmãs.
Amém.
(Ir. Lauri de Césare msf, Itamarati, AM)

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

O Evangelho dominical (Pagola) - 09.02.2020


A LUZ DAS BOAS OBRAS

Os seres humanos tendemos a aparecer diante dos outros como mais inteligentes, melhores, mais nobres do que realmente somos. Passamos a vida a tentar aparentar diante dos outros e diante de nós mesmos uma perfeição que não possuímos.
Os psicólogos dizem que essa tendência se deve, sobretudo, ao desejo de afirmar-nos perante nós mesmos e os outros, para assim defendermo-nos da sua possível superioridade.
Falta-nos a verdade das «boas obras», e enchemos a nossa vida de conversa e de todo o tipo de divagações. Não somos capazes de dar ao filho um exemplo de vida digna, e passamos os dias exigindo o que nós não vivemos.
Não somos coerentes com nossa fé cristã, e tentamos justificar-nos criticando aqueles que abandonaram a prática religiosa. Não somos testemunhas do evangelho, e queremos pregá-lo a outros.
Talvez tenhamos que começar por reconhecer pacientemente as nossas incoerências, para apresentar aos outros apenas a verdade de nossa vida. Se tivermos a coragem de aceitar a nossa mediocridade, iremos abrir-nos mais facilmente à ação desse Deus que ainda pode transformar a nossa vida.
Jesus fala do perigo de que «o sal se torne insonso». São João da Cruz diz de outra maneira: «Deus nos livre que se comece a envaidecer o sal, que, embora pareça que faz algo por fora, em substância nada será, quando é verdade que as boas obras não podem ser feitas senão por virtude de Deus».
Para ser «sal da terra», o importante não é o ativismo, a agitação, o protagonismo superficial, mas "as boas obras" que nascem do amor e da ação do Espírito em nós.
Com que atenção deveríamos escutar hoje na Igreja estas palavras de São João da Cruz: «Advirtam, pois, aqui os que são muito ativos e pensam rodear o mundo com as suas pregações e obras exteriores, que muito mais proveito teriam à Igreja e muito mais agradariam a Deus se passassem metade desse tempo em estar com Deus em oração».
Caso contrário, de acordo com o místico doutor, «tudo é martelar e fazer pouco mais que nada, e às vezes nada, e às vezes até prejudicar».
No meio de tanta atividade e agitação, onde estão as nossas boas obras? Jesus dizia aos Seus discípulos: «Ilumine a vossa luz os homens, para que vejam as vossas boas obras e deem glória ao Pai».
José Antônio Pagola
(Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez)

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

ANO A | TEMPO COMUM | QUINTO DOMINGO | 09.02.2020


“Vão pelo mundo e sejam uma luz que sempre brilha...”
As imagens do sal e da luz se prestam a diversas leituras, mas quando este ensino de Jesus é isolado do contexto literário acaba correndo o risco de perder muito do seu sentido original, profundamente provocador. Por isso, é importante não esquecer que o breve texto do evangelho proposto para este domingo está situado depois das bem-aventuranças e antes da reflexão sobre o sentido permanente das escrituras. Faz parte do conjunto literário conhecido como “Sermão da montanha”, no qual Jesus apresenta aos seus discípulos a ética cristã, ou o caminho da felicidade verdadeira e duradoura.
O sal dá sabor, purifica e conserva os alimentos, e o faz desaparecendo, como ocorre com o fermento na massa. O sal realiza plenamente aquilo que dele se espera quando se desfaz: o que se experimenta é o sabor, o que se vê é que o alimento não se estraga, o que se percebe é a limpeza e a esterilização. Algo semelhante ocorre com a luz: nosso olhar não se volta a ela mesma, mas às coisas que ela ilumina. Não olhamos para o sol, mas nos deleitamos com as paisagens e rostos que ele desvela. Um punhado de sal fora dos alimentos não é comestível, e olhar que se volta para a luz acaba cego...
Os discípulos e discípulas de Jesus que vivem uma condição bem concreta de injúria e perseguição, e que são os destinatários da última bem-aventurança, são agora chamados de sal da terra e luz do mundo. Jesus afirma que são as pessoas que promovem a paz, que tem sede de justiça, que são misericordiosas e coerentes, mansas e lutadoras, e as pessoas que por isso sofrem perseguição as que iluminam caminhos, dão sabor à vida e conservam sua qualidade. Estas vidas bem-aventuradas purificam a história e mostram uma direção!
As imagens do sal e da luz lembram a identidade testemunhal e missionária dos discípulos e discípulas de Jesus. A luz deles deve brilhar para todos os homens e mulheres, vendo o Reino de Deus em ação, glorifiquem a bondade de Deus. Ter fome e sede de justiça, promover a paz e enfrentar perseguições são atitudes que refletem um posicionamento ativo, uma ação que incide sobre as nefastas forças que tendem a oprimir e marginalizar. Nossa luz brilha quando demonstramos compaixão e solidariedade com os oprimidos.
Paulo, no texto da Carta aos Coríntios recortado e proposto para este domingo, nos recorda que o brilho do anúncio do mistério de Deus não está na linguagem elevada e exata, nem se alimenta do prestígio social ou das estratégias do poder de quem o anuncia. A luz e a força do Evangelho brotam de Jesus Crucificado por amor, da sua generosidade e compaixão pelos últimos da sociedade. E é também na proximidade que se faz presença solidária, mesmo quando acompanhada de fraqueza, receio e medo, que a pregação cristã brilha como luz e cumpre sua função de ser sal que dá sabor.
A história testemunha que nem sempre os cristãos estiveram à altura dessa vocação. Efetivamente, o sal pode perder o sabor e a luz pode se esconder e até desaparecer. A pregação também pode adquirir ares de arrogância e de imposição que intimida e oprime. Mais que uma possibilidade remota, isso é fato historicamente comprovado e tentação que nos ronda permanentemente. Não é por acaso que já as primeiras comunidades cristãs, através do evangelista Mateus, fazem questão de nos lembrar e advertir: o que se pode fazer e esperar quando o próprio sal perde sua qualidade?
Quando a comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus esquece sua responsabilidade com a transformação do mundo, para que as iniciativas, projetos e instituições se subordinem à tarefa de produzir o bem-estar da comunidade humana, ou quando, por medo ou por preguiça, deixa de viver a ética das bem-aventuranças, perde o sabor e não serve para mais nada. É como sal arruinado ou como uma lanterna escondida debaixo de uma caixa. Infelizmente temos muito sal insosso e muita luz que perdeu o brilho...
Deus querido, Pai e Mãe! Nós te agradecemos porque nos destes Jesus, Sal que dá sabor à nossa vida, Luz que revela a beleza e a dignidade de todas as tuas criaturas. Envia teu Espírito, para suscitar e manter a missão e o testemunho da tua Igreja em todas as circunstâncias, especialmente quando a perseguição assusta e o medo a leva a esconder tua preciosa luz. Ajuda nossas lideranças eclesiais a não fazerem média com os que oprimem e mudam leis e constituições para caçar direitos, e a não privar teu Evangelho do sal e do fogo que purificam. E concede às nossas comunidades aquela lucidez profética que lança luzes sobre os muitos sinais do teu Reino, que continua se aproximando, teimosamente. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Profecia de Isaías 58,7-10 | Salmo 111 (112)
Carta de Paulo aos Coríntios 2,1-5 | Evangelho de São Mateus 5,13-16