sábado, 31 de dezembro de 2016

Mensagem do Papa para o Ano Novo

A não-violência: estilo de uma política para a paz
Mensagem do Papa Francisco para o 50° Dia Mundial da Paz (01.01.2017)

No início deste novo ano, formulo sinceros votos de paz aos povos e nações do mundo inteiro, aos chefes de Estado e de governo, bem como aos responsáveis das Comunidades Religiosas e das várias expressões da sociedade civil. Almejo paz a todo o homem, mulher, menino e menina, e rezo para que a imagem e semelhança de Deus em cada pessoa nos permitam reconhecer-nos mutuamente como dons sagrados com uma dignidade imensa. Sobretudo nas situações de conflito, respeitemos essa dignidade mais profunda e façamos da não-violência ativa o nosso estilo de vida.
Nesta ocasião, desejo deter-me na não-violência como estilo duma política de paz, e peço a Deus que nos ajude, a todos nós, a inspirar na não-violência as profundezas dos nossos sentimentos e valores pessoais. Sejam a caridade e a não-violência a guiar o modo como nos tratamos uns aos outros nas relações interpessoais, sociais e internacionais. Quando sabem resistir à tentação da vingança, as vítimas da violência podem ser os protagonistas mais credíveis de processos não-violentos de construção da paz. Desde o nível local e diário até ao nível da ordem mundial, possa a não-violência tornar-se o estilo caraterístico das nossas decisões, dos nossos relacionamentos, das nossas ações, da política em todas as suas formas.
Um mundo dilacerado
Enquanto o século passado foi arrasado por duas guerras mundiais devastadoras, conheceu a ameaça da guerra nuclear e um grande número de outros conflitos, hoje, infelizmente, encontramo-nos a braços com uma terrível guerra mundial aos pedaços. Não é fácil saber se o mundo de hoje seja mais ou menos violento que o de ontem, nem se os meios modernos de comunicação e a mobilidade que caracteriza a nossa época nos tornam mais conscientes da violência ou mais rendidos a ela.
Seja como for, esta violência que se exerce aos pedaços, de maneiras diferentes e a variados níveis, provoca enormes sofrimentos de que estamos bem cientes: guerras em diferentes países e continentes; terrorismo, criminalidade e ataques armados imprevisíveis; os abusos sofridos pelos migrantes e as vítimas de tráfico humano; a devastação ambiental. E para quê? Porventura a violência permite alcançar objetivos de valor duradouro? Tudo aquilo que obtém não é, antes, desencadear represálias e espirais de conflitos letais que beneficiam apenas a poucos senhores da guerra?
A violência não é o remédio para o nosso mundo dilacerado. Responder à violência com a violência leva, na melhor das hipóteses, a migrações forçadas e a atrozes sofrimentos, porque grandes quantidades de recursos são destinadas a fins militares e subtraídas às exigências do dia-a-dia dos jovens, das famílias em dificuldade, dos idosos, dos doentes, da grande maioria dos habitantes da terra. No pior dos casos, pode levar à morte física e espiritual de muitos, se não mesmo de todos.
A Boa Nova
O próprio Jesus viveu em tempos de violência. Ensinou que o verdadeiro campo de batalha, onde se defrontam a violência e a paz, é o coração humano: «Porque é do interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos» (Marcos 7, 21). Mas, perante esta realidade, a resposta que oferece a mensagem de Cristo é radicalmente positiva: Ele pregou incansavelmente o amor incondicional de Deus, que acolhe e perdoa, e ensinou os seus discípulos a amar os inimigos (cf. Mateus 5, 44) e a oferecer a outra face (cf. Mateus 5, 39). Quando impediu, aqueles que acusavam a adúltera, de a lapidar (cf. João 8, 1-11) e na noite antes de morrer, quando disse a Pedro para repor a espada na bainha (cf. Mateus 26, 52), Jesus traçou o caminho da não-violência que Ele percorreu até ao fim, até à cruz, tendo assim estabelecido a paz e destruído a hostilidade (cf. Efésios 2, 14-16). Por isso, quem acolhe a Boa Nova de Jesus, sabe reconhecer a violência que carrega dentro de si e deixa-se curar pela misericórdia de Deus, tornando-se assim, por sua vez, instrumento de reconciliação.
Hoje, ser verdadeiro discípulo de Jesus significa aderir também à sua proposta de não-violência. Esta, como afirmou o meu predecessor Bento XVI, «é realista pois considera que no mundo existe demasiada violência, demasiada injustiça e, portanto, não se pode superar esta situação, exceto se lhe contrapuser algo mais de amor, algo mais de bondade. Este “algo mais” vem de Deus». E acrescentava sem hesitação: “a não-violência para os cristãos não é um mero comportamento tático, mas um modo de ser da pessoa, uma atitude de quem está tão convicto do amor de Deus e do seu poder que não tem medo de enfrentar o mal somente com as armas do amor e da verdade. O amor ao inimigo constitui o núcleo da “revolução cristã”. 
Mais poderosa que a violência
Por vezes, entende-se a não-violência como rendição, negligência e passividade, mas, na realidade, não é isso. (...) A não-violência, praticada com decisão e coerência, produziu resultados impressionantes. Os sucessos alcançados por Mahatma Gandhi e Khan Abdul Ghaffar Khan, na libertação da Índia, e por Martin Luther King Jr contra a discriminação racial nunca serão esquecidos. As mulheres, em particular, são muitas vezes líderes de não-violência, como, por exemplo, Leymah Gbowee e milhares de mulheres liberianas, que organizaram encontros de oração e protesto não-violento (pray-ins), obtendo negociações de alto nível para a conclusão da segunda guerra civil na Libéria.
E não podemos esquecer também aquela década que terminou com a queda dos regimes comunistas na Europa. As comunidades cristãs deram a sua contribuição através da oração insistente e a ação corajosa. Especial influência exerceu São João Paulo II, com o seu ministério e magistério. Refletindo sobre os acontecimentos de 1989, o meu predecessor fazia ressaltar como uma mudança epocal na vida dos povos, nações e Estados se realizara «através de uma luta pacífica que lançou mão apenas das armas da verdade e da justiça». Este percurso de transição política para a paz foi possível, em parte, «pelo empenho não-violento de homens que sempre se recusaram a ceder ao poder da força e, ao mesmo tempo, souberam encontrar aqui e ali formas eficazes para dar testemunho da verdade».
A Igreja comprometeu-se na implementação de estratégias não-violentas para promover a paz em muitos países solicitando, inclusive aos intervenientes mais violentos, esforços para construir uma paz justa e duradoura. Este compromisso a favor das vítimas da injustiça e da violência não é um património exclusivo da Igreja Católica, mas pertence a muitas tradições religiosas, para quem «a compaixão e a não-violência são essenciais e indicam o caminho da vida». Reitero-o aqui sem hesitação: «nenhuma religião é terrorista». A violência é uma profanação do nome de Deus. Nunca nos cansemos de repetir: «jamais o nome de Deus pode justificar a violência. Só a paz é santa. Só a paz é santa, não a guerra».
A raiz doméstica duma política não-violenta
Se a origem donde brota a violência é o coração humano, então é fundamental começar por percorrer a senda da não-violência dentro da família. É uma componente daquela alegria do amor que apresentei na Exortação Apostólica Amoris laetitia. Esta constitui o cadinho indispensável no qual cônjuges, pais e filhos, irmãos e irmãs aprendem a comunicar e a cuidar uns dos outros desinteressadamente e onde os atritos, ou mesmo os conflitos, devem ser superados, não pela força, mas com o diálogo, o respeito, a busca do bem do outro, a misericórdia e o perdão.  A partir da família, a alegria do amor propaga-se pelo mundo, irradiando para toda a sociedade. 
Aliás, uma ética de fraternidade e coexistência pacífica entre as pessoas e entre os povos não se pode basear na lógica do medo, da violência e do fechamento, mas na responsabilidade, no respeito e no diálogo sincero. Neste sentido, lanço um apelo a favor do desarmamento, bem como da proibição e abolição das armas nucleares: a dissuasão nuclear e a ameaça duma segura destruição recíproca não podem fundamentar este tipo de ética. Com igual urgência, suplico que cessem a violência doméstica e os abusos sobre mulheres e crianças.
O meu convite
A construção da paz por meio da não-violência ativa é um elemento necessário e coerente com os esforços contínuos da Igreja para limitar o uso da força através das normas morais, mediante a sua participação nos trabalhos das instituições internacionais e graças à competente contribuição de muitos cristãos para a elaboração da legislação a todos os níveis. O próprio Jesus nos oferece um «manual» desta estratégia de construção da paz no chamado Sermão da Montanha. As oito Bem-aventuranças (cf. Mateus 5, 3-10) traçam o perfil da pessoa que podemos definir feliz, boa e autêntica. Felizes os mansos – diz Jesus –, os misericordiosos, os pacificadores, os puros de coração, os que têm fome e sede de justiça.
Este é um programa e um desafio também para os líderes políticos e religiosos, para os responsáveis das instituições internacionais e os dirigentes das empresas e dos meios de comunicação social de todo o mundo: aplicar as Bem-aventuranças na forma como exercem as suas responsabilidades. É um desafio a construir a sociedade, a comunidade ou a empresa de que são responsáveis com o estilo dos obreiros da paz; a dar provas de misericórdia, recusando-se a descartar as pessoas, danificar o meio ambiente e querer vencer a todo o custo. Isto requer a disponibilidade para «suportar o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de ligação de um novo processo». Agir desta forma significa escolher a solidariedade como estilo para fazer a história e construir a amizade social.
A não-violência ativa é uma forma de mostrar que a unidade é, verdadeiramente, mais forte e fecunda do que o conflito. No mundo, tudo está intimamente ligado. Claro, é possível que as diferenças gerem atritos: enfrentemo-los de forma construtiva e não-violenta, de modo que «as tensões e os opostos [possam] alcançar uma unidade multifacetada que gera nova vida», conservando «as preciosas potencialidades das polaridades em contraste».
Asseguro que a Igreja Católica acompanhará toda a tentativa de construir a paz inclusive através da não-violência ativa e criativa. No dia 1 de janeiro de 2017, nasce o novo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, que ajudará a Igreja a promover, de modo cada vez mais eficaz, «os bens incomensuráveis da justiça, da paz e da salvaguarda da criação» e da solicitude pelos migrantes, «os necessitados, os doentes e os excluídos, os marginalizados e as vítimas dos conflitos armados e das catástrofes naturais, os reclusos, os desempregados e as vítimas de toda e qualquer forma de escravidão e de tortura». Toda a ação nesta linha, ainda que modesta, contribui para construir um mundo livre da violência, o primeiro passo para a justiça e a paz.
Em conclusão
No ano de 2017, comprometamo-nos, através da oração e da ação, a tornar-nos pessoas que baniram dos seus corações, palavras e gestos a violência, e a construir comunidades não-violentas, que cuidem da casa comum. «Nada é impossível, se nos dirigimos a Deus na oração. Todos podem ser artesãos de paz».
Vaticano, 8 de dezembro de 2016.

 Francisco

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

O Evangelho dominical - 01.01.2017

A MÃE
A muitos lhes pode estranhar que a Igreja faça coincidir o primeiro dia do novo ano civil com a festa de Santa Maria, Mãe de Deus. E, no entanto, é significativo que, desde o século IV, a Igreja, depois de celebrar solenemente o nascimento do Salvador, deseje iniciar o ano novo sob a proteção maternal de Maria, Mãe do Salvador e Mãe nossa.
Os cristãos de hoje, temos que nos preguntar que temos feito de Maria estes últimos anos, pois provavelmente temos empobrecido a nossa fé eliminando-a de forma inconsciente da nossa vida. Movidos, sem dúvida, por uma vontade sincera de purificar a nossa vivência religiosa e encontrar uma fé mais sólida, temos abandonado excessos piedosos, devoções exageradas e costumes superficiais. Temos tratado de superar uma certa ‘mariolatria’ em que arriscávamos substituir Cristo por Maria e ver nela a salvação, o perdão e a redenção, que, na realidade, temos de acolher do Seu Filho.
Se tem sido corrigir desvios e colocar Maria no lugar autêntico que lhe corresponde como Mãe de Jesus Cristo e Mãe da Igreja, teríamos que nos alegrar e reafirmar na nossa postura. Mas, foi exatamente assim? Não a teremos esquecido excessivamente? Não a teremos afastado para algum lugar obscuro da alma junto às coisas que nos parecem de pouca utilidade?
O simples abandono de Maria, ao invés de aprofundar sua missão e o lugar que há de ocupar na nossa vida, jamais enriquecerá a nossa vivência cristã, pelo contrário a empobrecerá. Provavelmente teremos cometido excessos de ‘mariolatria’ no passado, mas agora corremos o risco de nos empobrecermos com a sua ausência quase total nas nossas vidas.
Maria é a Mãe de Jesus. Mas aquele Cristo que nasceu do seu seio estava destinado a crescer e incorporar a si numerosos irmãos, homens e mulheres que viveriam um dia da Sua Palavra e do Seu Espírito. Hoje Maria não é só Mãe de Jesus. É a Mãe de Cristo total. É a Mãe de todos os crentes.
É bom que, ao começar um ano novo, o façamos elevando os nossos olhos para Maria. Ela nos acompanhará ao longo dos dias com cuidado e ternura de mãe. Ela cuidará da nossa fé e da nossa esperança. Não a esqueçamos ao longo do ano
José Antonio Pagola
Tradutor: Antonio Manuel Álvarez Perez

ANO A – SOLENIDADE DA SANTA ME DE DEUS, MARIA – 01.01.2017

Construamos a Paz mediante a Justiça e a não violência!

Celebramos o início de um novo ano à luz do mistério do Natal. Nascido e acolhido também por nós e no meio de nós, Jesus de Nazaré pacifica o mundo estabelecendo relações novas, livres do vírus da violência e baseadas na justiça. Deus cumpre suas promessas e realiza as esperanças humanas através de Maria e através de cada um de nós, dos homens e mulheres de boa vontade, dos líderes autênticos e das organizações que não se resignam à Paz aparente, baseada no equilíbrio de forças ou no terrorismo estatal, e assumem, com intrepidez e criatividade, numa atitude radicalmente não-violenta.
Na passagem de ano, o autêntico espírito do Natal deve perdurar e prosseguir em nossas comunidades, e a liturgia continua nos convidando a penetrar mais profundamente o mistério da encarnação. Hoje, contemplamos a chegada dos pastores à gruta Belém. Lá eles encontram Jesus no seio de uma família pobre e migrante, ficam vivamente impressionados com o que lhes é dado ver e comparam tudo com aquilo que tinham ouvido. Como pode uma criatura tão frágil ser portadora da Paz a todos os homens e mulheres de boa vontade? Esta é a pergunta dos pastores, de Maria e de José, e também a nossa!
Ao ser apresentado no templo e circuncidado, Jesus recebe o nome proposto pelo Anjo a Maria no anúncio-convite. Ele se chama Jesus, ‘boa notícia da salvação’, pois Deus salva seu povo do pecado. De fato, ele agirá libertando, perdoando. Nele a humanidade se descobre livre do débito que tinha consigo mesma por não conseguir realizar a utopia que faz arder seu coração. Em Jesus, todos estamos livres do peso de termos ficado aquém ou errado o alvo (pois é isso que significa ‘pecado’). Deus não espera que cheguemos heroicamente a ele: Ele mesmo vem decididamente ao nosso encontro. Ele é nossa Paz!
Mas a Paz que Jesus nos alcança não está unicamente no fim do caminho, na plena confraternização entre lobos e cordeiros, serpentes e crianças. A Paz autêntica está no caminho, na caminhada, nos caminhantes. Está nas pessoas inconformadas que ousam mudar, renovar, começar de novo, cortar pela raiz as atitudes de violência, e isso cada dia, e não apenas no início do ano. Está nos homens e mulheres que adquiriram a sabedoria que ajuda a ver nas sementes as flores e os frutos que virão depois, que encarnam nas relações cotidianas os sonhos e utopias que, literalmente, parecem não ter um lugar.
Para os cristãos, o fundamento da Paz é a relação com Jesus Cristo. Nascido de mulher e sob a violência feita lei, Jesus conduz todas as pessoas à liberdade, começando pelas que são jogadas à margem. Ele confirma que Deus reconhece todos como filhos e filhas, e nos convida a superar as relações viciadas pelo medo, pela escravidão e pela violência. Todos estão em Paz com Deus e podem proclamar “meu Papai querido!”  E, na medida em que somos filhos e filhas, somos também herdeiros do Reino de Deus, da “shalom” que possibilita o convívio sadio que tem a justiça como base.
Na sua mensagem para o dia de hoje, o Papa Francisco lembra que o século passado “foi arrasado por duas guerras mundiais devastadoras, conheceu a ameaça da guerra nuclear e um grande número de outros conflitos”, enquanto que hoje vivemos “uma terrível guerra mundial aos pedaços”:  as violências são perpetradas “de maneiras diferentes e a variados níveis, provoca enormes sofrimentos de que estamos bem cientes: guerras em diferentes países e continentes; terrorismo, criminalidade e ataques imprevisíveis; abusos contra os migrantes e as vítimas de tráfico humano; a devastação ambiental...”
Perante esta realidade, o Papa lembra que a resposta de Cristo e dos cristãos é radicalmente positiva e visceralmente não-violenta. Jesus pregou incansavelmente o amor incondicional de Deus, que acolhe e perdoa, e ensinou os seus discípulos a amar os inimigos e a oferecer a outra face. Quando impediu que os acusadores apedrejassem a mulher adultera, e quando, na noite antes de ser preso, pediu a Pedro para repor a espada na bainha, Jesus traçou o caminho da não-violência que Ele mesmo percorreu até ao fim, tendo assim estabelecido a Paz e destruído a hostilidade. E isso evidentemente não tem nada de passividade, e muito de paixão pela Justiça e pela Paz! Este é o caminho cristão para um Ano Novo!
Deus querido, Pai e Mãe! Neste dia em que começamos um novo ano, te pedimos: ensina-nos a compreender o anseio de Paz e de comunhão que pulsa no coração do mundo, e transforma-nos em artífices da Paz. Ajuda-nos a destruir pela raiz toda atitude violenta e a lutar contra as injustiças que continuam sendo perpetradas contra teu povo mais pobre e sofredor. Suscita em nós o canto que brota da dignidade indestrutível de filhos e filhas, e dá-nos a graça de experimentar, como Maria, José e com os pastores, a alegria de reconhecer a grandeza de Deus na fragilidade humana. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Livro dos Números 6,22-27 * Salmo 66 (67) * Carta aos Galatas 4,4-7 * Evangelho de S. Lucas 2,16-21)

Uma prece natalina (6)

O Natal do comércio chega de um dia para o outro.
Fácil, tilintante, confuso, pré-fabricado.
É um Natal visual, um amontoado de símbolos, um ar do tempo.
Dentro de nós, porém, sabemos que não é assim.
Para ser verdade, o Natal não pode ser só isto.
Não pode servir apenas para uma emoção social, para um rodopio de compensações, compras e trocas.
Para ser verdade, o Natal tem de ser fundo, pessoal, despojado, interpelador, silencioso, solidário, espiritual.
Acorda em nos, Senhor, o desejo de um Natal autêntico!
                                                                                                                     
(José Tolentino Mendonça, Um Deus que dança, p. 57)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Diante da manjedoura

Oração diante da manjedoura

À minha volta, meus companheiros dormem em seus quartos e eu, em vigília, 
medito sobre o Mistério de Belém...
Vem, Jesus, estou Te esperando!
Maria e José, sentindo que a hora se aproxima, 
rejeitados pelos habitantes da cidade, 
procuram abrigo no campo.
Eu sou um pobre pastor: não tenho senão um mísero estábulo,
uma pequena manjedoura, uns poucos feixes de palha.
Mas eu Te ofereço tudo!
Compraze-te em aceitar minha humilde choupana.
Eu Te ofereço o meu coração. 
A minha alma é pobre de virtudes. 
Porém, ó Senhor meu, o que mais poderias esperar?
É tudo o que tenho!
A Tua pobreza me enternece.
Estou comovido até às lágrimas.
Não tenho, entretanto, nada melhor para Te oferecer.
Jesus, embeleza a minha alma com a Tua presença, 
adorne-a com a Tua graça.
Queima essas palhas secas e transforme-as em macio berço
para o Teu santíssimo corpo.
Jesus, estou aqui à Tua espera. 
Homens perversos Te rejeitaram, 
e lá fora sopra um vento gélido.
Sou um homem pobre, mas Te acolherei da melhor forma que puder.
Ao menos condescende e alegra-Te com a minha vontade de Te dar uma ardente acolhida, 
de Te amar, de me sacrificar por Ti.
A Teu modo, porém, és rico, e podes ver todas as minhas carências.
És a chama da caridade, 
e purificarás o meu coração de tudo o que não for do Teu agrado.
És a santidade incriada, e encher-me-ás com as Tuas graças,
para que fecundem em minha alma o verdadeiro progresso espiritual.
Vem, Jesus!

(Papa João XXIII)

ANO A – FESTA DA SAGRADA FAMILIA DE NAZARÉ – 30.12.2016

A Sagrada Família assume as raízes e esperanças populares

Ainda imbuídos do espírito natalino, hoje somos convidados a contemplar o quadro de uma família que caminha em meio às contingências da história, guiada pela fecunda obscuridade da fé. A família de Nazaré percorre o duro caminho dos refugiados e, voltando do exílio, segue o rumo da marginalidade, tomando distância de Jerusalém, a capital, para viver em Nazaré, na periferia. Praticamente ninguém percebe nada de especial nessa família. O essencial permanece oculto ao olhar que não considera as coisas à luz da fé. O Verbo de Deus se fez carne, e fez de uma família anônima e normal o seu lar!
Depois de uma estadia que podemos imaginar difícil no Egito, obediente à voz do anjo, José guia Jesus e Maria a Nazaré, na Galileia, e ali estabelece sua morada. O povo da Galileia, lugar de origem dessa família, era mestiço, tanto do ponto de vista étnico como religioso, e a região era considerada uma terra de gentios (cf. Is 8,23). De fato, a Galileia nunca chegou a ser uma região verdadeiramente israelita, pelo menos do ponto de vista religioso. E Nazaré era um pequeno povoado que pouco representava para os judeus, mesmo que nela tenha possivelmente vivido um ramo marginal da descendência de Davi.
Para a Sagrada Família de Nazaré, manter a decisão de morar em Nazaré significou fazer suas as esperanças cultivadas pelo “resto de Israel”, pelo “broto das raízes de Jessé” (cf. Is 11,1-9). Implicou também em não se afastar das raízes populares e do vínculo com os pobres, assumir resolutamente os caminhos abertos pelos povos periféricos, por aqueles que estão longe, e privilegiar a encarnação da esperança nos retalhos que compõem a vida cotidiana, dimensão que tece a vida normal de todas as pessoas. Eis aqui uma perspectiva que os discípulos missionários jamais devem abandonar!
Nas cenas descritas pelo evangelista, José e Maria não dizem uma única palavra. O protagonista e o dono da Palavra é Deus. É Ele que fala e conduz todas decisões e ações. O próprio José, mesmo tomando iniciativas lúcidas que respondem ao apelo que Deus lhe faz mediante os sonhos, não governa sua família como um patriarca que manda e espera ser obedecido. Ao contrário, é ele quem obedece e, atento aos acontecimentos históricos, protege fielmente e se põe a serviço da esposa e do filho, sacrificando a isso honras e comodidades. Como Abraão, ele vive pela fé e, assim, se revela um grande amigo de Deus.
A cena descrita por Mateus impede que imaginemos a Sagrada Família de Nazaré de modo ingênuo ou romântico. Como expressão da eterna compaixão de Deus pela humanidade e da resposta absolutamente generosa da humanidade a este dom, a família de Nazaré inspira as famílias a serem espaço e dinamismo de enraizamento nas utopias do nosso povo e de crescimento humano e espiritual; a formar comunidades afetivas que tecem seus vínculos num amor inclusivo e aberto; a caminhar discernindo Palavra e a vontade de Deus nos complexos sinais dos tempos.
O Papa Francisco exorta as famílias a terem diante de si o ícone da família de Nazaré, “com seu dia-a-dia feito de fadigas e até de pesadelos, como quando teve que sofrer a violência incompreensível de Herodes, experiência que ainda hoje se repete tragicamente em muitas famílias de refugiados.” E convida as famílias a se inspirarem nos magos e a contemplar o Menino e sua Mãe, prostrando-se e adorando-o. Por fim, como Maria, as famílias são exortadas a “viver, com coragem e serenidade, os desafios familiares tristes e entusiasmantes, e a guardar e meditar no coração as maravilhas de Deus” (Amoris Laetitia, 30).
No tesouro do coração de Maria e de José estão os acontecimentos, dificuldades, sonhos e lutas de cada família de hoje, como a situação de mais de 20 milhões de mães brasileiras solteiras, e de mais de 5 milhões de filhos e filhas sem o nome de um pai no seu registro. O Papa Francisco ensina que, nas situações difíceis das pessoas e famílias mais necessitadas, a Igreja é chamada a “compreender, consolar e integrar”, evitando a imposição de “um conjunto de normas como se fosse uma rocha” ou julgando-as e condenando-as, em aberta contradição com sua missão de ser como uma mãe, de quem se espera uma manifestação clara e inequívoca da misericórdia de Deus (cf. Amoris Laetitia, 49).
Jesus Salvador, filho de Maria e de José, Irmão querido! Viveste a aventura e os desafios que a vida familiar encerra, e nos ensinaste que a família morre se não rompe os estreitos limites do sangue e dos papéis estabelecidos. Guia nossas famílias e comunidades no caminho que tu mesmo percorreste com tua família: no amor terno e comunicativo; na dedicação e fidelidade recíprocas; na atenção à surpreendente Palavra de Deus; na abertura às dores e aos sonhos da humanidade; no empenho lúcido e generoso na tarefa de derrubar as barreiras, até que todos os homens e mulheres sejam uma só família. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Livro do Eclesiástico 3,3-7.14-17 * Salmo 127 (128) * Evangelho de São Mateus 2,13-15.19-23)

Uma prece natalina (5)

Senhor, de todas as perguntas que tu me deixas,
há uma que cresce dentro de mim:
“Que fazes do teu tempo?”
Sabes, perco-me nas tarefas, nas voltas a dar,
nesta ou naquela responsabilidade, num imprevisto...
E, no meio disso tudo, confesso, o tempo da minha vida
assemelha-se mais a uma fuga que a uma sementeira.
Hoje queria pedir-te que me desses a sabedoria de viver e de repartir o meu tempo.
Ajuda-me a realizar o meu trabalho e o meu lazer,
o meu esforço e a minha pausa como tempos de dádiva e de encontro.
Como tempos que nãos sejam apenas tempo,
mas circulação de vida, de entusiasmo, de criação e de afeto. 

(José Tolentino Mendonça, Um Deus que dança, p. 65)

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

ANO A – TEMPO DO NATAL – MEMÓRIA DOS SANTOS INOCENTES – 28.12.2016

Proclamemos nossa fé em Jesus de Nazaré com a própria vida!

As luzes natalinas continuam acesas, ainda há doces que esperam pela nossa degustação, mas a festa do Natal de Jesus parece terminar em tragédia: no dia 26 fizemos memória do primeiro mártir cristão (Santo Estêvão) e no dia 28 recordamos o martírio das crianças de Belém pelas mãos do fraco, prepotente e sanguinário Herodes. Na festa dos Santos Inocentes, somos chamados a proclamar com a vida aquilo que professamos com os lábios, convocados a participar da eucaristia com um coração simples e puro, com uma fé feita mais de ações que de palavras e promessas.
São João nos diz que Deus é Luz e que nele não há trevas. O evangelista também nos convida a caminhar na luz de Cristo, e isso significa assumir serenamente nossos limites e pecados e viver em solidaria comunhão com nossos irmãos e irmãs. Mediante a comunhão viva e ativa com próximo, que é pecador como nós somos pecadores, abrimo-nos solidariamente a eles, o sangue de Jesus Cristo purifica os nossos pecados e sua luz resplandece em nosso corpo, em nossas relações. “Se caminhamos na Luz, então estamos em comunhão com os outros”.
O Evangelho nos ensina que, nos sonhos, José reforça a consciência da própria vocação: tomar conta da vida do Menino e protegê-lo de todos os riscos e ameaças. A vida, em todas as suas formas e expressões, é santa e precisa ser cuidada. A vida dos pobres e pequenos é mais santa ainda, e merece um cuidado redobrado. Em vista disso, precisamos estar prontos a arriscar nossa própria vida em favor de quem de nós necessita e a desprezar as aparentes e frágeis seguranças. Nisso José, Maria e (mais tarde) Jesus são nossos mestres, desde sempre.
Mateus nos mostra também que José, o carpinteiro de Nazaré e marido de Maria, se inspira noutro José, aquele que fora vendido pelos próprios irmãos aos comerciantes do Egito. É com ele que o carpinteiro de Nazaré aprendeu a sonhar. As preocupações e esperanças que o envolvem inteiramente durante o dia se transformam em sonhos noturnos. E mediante os sonhos, o pai e protetor de Jesus toma consciência da urgência das situações, mostra-se pronto e faz-se obediente à vontade de Deus. “José levantou-se, de noite, com o menino e a mãe, e retirou-se para o Egito.”
O risco escondido no ventre das posições de poder é o obscurecimento da mente e a idéia de que a coisa mais transcendente a ser feita é assegurar a sua própria continuidade. Assim o fez Herodes e muitos outros que o seguiram, nos palácios reais ou eclesiásticos, nas cúrias de todos os nomes e em todas as latitudes. Herodes fica furioso porque os magos o fazem de bobo. Acostumado a se impor pelo medo, Herodes não consegue admitir que alguém desobedeça suas ordens. A fúria que dorme sob o disfarce da complacência é acordada pelo mais simples e inocente sinal de insubmissão.
A raiva de Herodes contra os magos heroicamente desobedientes acaba se voltando contra as crianças. Com medo de um concorrente ao trono, o rei opta pelo extermínio dos inocentes. Aqui não importam tanto os acontecimentos históricos, mas a serena constatação de que o medo e a prepotência dos poderosos sempre fazem vítimas, e as crianças são atingidas em primeira linha, tanto pela fuga, pela fome, pela morte ou pela orfandade como por outras consequências da violência. Como diz o evangelista, citando o profeta Jeremias, a violência sofrida pelos inocentes é um grito que brada aos céus.
A Igreja acolhe o testemunho das crianças anônimas de Belém e as reconhece como mártires. Elas nem mesmo haviam conhecido Jesus e, menos ainda, tinham aderido ao seu caminho. Mas tiveram a vida estraçalhada por causa de Jesus Cristo. Mesmo sem dizer uma só palavra, essas inocentes crianças confessaram com o sangue a chegada do Filho de Deus, abriram com seus pequenos corpos os caminhos do Reino de Justiça e de Paz, e testemunharam a violência mórbida e desumanizadora de Herodes. Mas, apesar das aparências contrárias, a liturgia de hoje não é um lamento, mas um convite à confiança, e o salmista deixa isso suficientemente claro.
Deus pai e mãe das vítimas, dos migrantes, dos órfãos e das viúvas: no Menino da manjedoura mostraste ao mundo a glória da compaixão, e na fuga para o Egito partilhaste o destino de todos os perseguidos por causa do teu Nome. Aprendemos do livro santo que é da boca dos pequeninos que recebes o perfeito louvor. As anônimas crianças de Belém anunciaram com o próprio sangue a glória de teu Filho nascido na manjedoura. Faz com que nossa vida, tanto nos grandes momentos como nas práticas cotidianas, testemunhe nossa fé em Jesus de Nazaré e na aurora invencível do teu Reino. Assim seja! Amém!


Itacir Brassiani msf
(1ª. Carta de João 1,5-2,2* Salmo 123 (124) * Evangelho de São Mateus 2,13-18)

Uma prece natalina (4)

Senhor, não sei bem o que será viver só de luz.
Estou tão habituado a coisas que acabam, ao dia e à noite, aos prazos breves de duração...
Vou aceitando como inevitáveis sombras, silêncios, capacidades...
E, contudo, hoje o que te peço é que me ajudes a não desistir da luz.
Não quero, Senhor, recolher apenas, em uma caixa, as figuras do presépio,
como se fosse figuras de um teatro anual que monto para a minha consciência.
Não consigo arrumar numa gaveta as palavras que o Natal me deixou...
           
(José Tolentino Mendonça, Um Deus que dança, p. 62)

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Uma prece natalina (3)

“Nós reduzimos o Natal a uma festa do tubo digestivo”.
Li esta frase num dos últimos artigos assinados por Victor Cunha Rego,
e desde ai, se penso nela,
acho que a alma me fica doendo por muito tempo,
embrulhada numa daquelas desolações que só tu entendes.
Ponho-me a pensar em nos, “tão pobre que somos”,
a tentar esconder isso – feridas, fragilidades, interrogações, limites... –
debaixo da toalha de uma abundância ofuscante,
feita de caprichos, embrulhos e confeitaria.
Quando tu, Senhor, nos vens precisamente dizer 
que não tenhamos medo do essencial...


(José Tolentino Mendonça, Um Deus que dança, p. 63)

domingo, 25 de dezembro de 2016

Uma prece natalina (2)

Pergunto-me, Senhor, que segredo tem o Natal?
Há um milagre que acontece dentro de nós,
só pode ser um milagre,
pois é como se a vida se reacendesse.
Contemplando o presépio,
percebo que este é um milagre humaníssimo que Deus suscita aos nossos olhos.
Ele amou-nos tanto que nos deu o seu próprio Filho.
O milagre do Natal assenta sobre este dom absoluto,
que nos faz perceber que só somos à medida que nos damos.
E que a vida renasce, como dádiva,
na ponta dos dedos, no olhar, nas palavras.


(José Tolentino Mendonça, Um Deus que dança, p. 61)

sábado, 24 de dezembro de 2016

Uma prece natalina (1)

Senhor, eis-nos à espera.
No fundo das nossas correrias, no coração destes dias agitados,
que nos dividem literalmente ao meio,
entre mil pequenas tarefas e mil pequenos pensamentos, 
há um silêncio que soletra o teu nome.
No fundo de nós sabemos que só um Deus nos pode salvar.
Pode até aparecer, no meio de tanto ruído, que te dispensamos.
Pode até acontecer que não tenhamos a força dos verdadeiros gestos de Natal.
Mas eis-nos à espera.
Acredita que, por vezes, enquanto trocamos cartões, augúrios, presentes, 
há um momento em que as nossas mãos ficam vazias, 
fixas no ar, como se rezassem.
É quando te pedimos que faças brilhar em nós a estrela luminosa do teu Natal.


(José Tolentino Mendonça, Um Deus que dança, p. 60)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Novena de Natal: 23.12.2016

Ó Emanuel, Deus-que-está-conosco, nosso rei legislador, esperança das nações e dos povos salvador: vinde enfim para salvar-nos, ó Senhor e nosso Deus, acende o brilho no nosso olhar opaco, sopra as brasas sob as cinzas ainda mornas, libera a carícia escondida nas mãos fechadas, devolve agilidade aos nossos pés sedentários e a criatividade ao nosso coração cansado e abatido!

Vejam! Eu vou criar um novo céu e uma nova terra.
As coisas antigas nunca mais serão lembradas, nunca mais voltarão ao pensamento.
Por isso fiquem para sempre alegres e contentes, por causa do que vou criar.
Farei de Jerusalém uma alegria, e de seu povo um regozijo.
Exultarei com Jerusalém e me alegrarei com o meu povo.
E nela nunca mais se ouvirá choro ou clamor.
Aí não haverá mais crianças que vivam alguns dias apenas,
nem velhos que não cheguem a completar seus dias,
pois será ainda jovem quem morrer com cem anos,
e quem não chegar aos cem anos será tido por amaldiçoado.
Construirão casas e nelas habitarão, plantarão vinhas e comerão seus frutos.
Ninguém construirá para outro morar, ninguém plantará para outro comer,
porque a vida do meu povo será longa como a das árvores,
meus escolhidos poderão gastar o que suas mãos fabricarem.
Ninguém trabalhará inutilmente, ninguém gerará filhos para morrerem antes do tempo,
porque todos serão a descendência dos abençoados de Javé, juntamente com seus filhos.
Antes que me invoquem eu responderei; quando começarem a falar, eu já estarei atendendo.
O lobo e o cordeiro pastarão juntos, o leão comerá capim junto com o boi,
mas o alimento da cobra é o pó da terra.
Em todo o meu monte santo ninguém causará danos ou estragos, diz Javé. 
(Profeta Isaías 65,17-25)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Novena de Natal: 22.12.2016

Ó Rei das Nações, desejado dos povos; ó Pedra Angular, que os opostos unis: oh, vinde e salvai os tão frágeis homens e mulheres, que um dia criastes do barro da terra! Ajuda-nos a apreciar corretamente o significado do Tempo, fecunda nossos Sonhos, apascenta nossos Sentimentos e faz frutificar a Obra das nossas mãos!

Senhor, tu foste o nosso refúgio de geração em geração.
Antes que os montes nascessem e a terra e o mundo fossem gerados, desde sempre e para sempre tu és Deus.
Tu reduzes o homem ao pó, dizendo: "Voltem, filhos de Adão!"
Mil anos são aos teus olhos como o dia de ontem, que passou, uma vigília dentro da noite.
Tu os semeias ano por ano, como erva que se renova: de manhã ela germina e brota, de tarde a cortam, e ela seca.
Sim, tua ira nos consumiu, e teu furor nos transtornou.
Colocaste nossas faltas à tua frente, nossos segredos sob a luz da tua face.
Nossos dias passaram sob a tua cólera, e como suspiro nossos anos se acabaram.
Setenta anos é o tempo da nossa vida, oitenta anos, se ela for vigorosa.
E a maior parte deles é fadiga inútil, pois passam depressa, e nós voamos.
Quem conhece a força da tua ira, e quem sentiu o peso do teu furor?
Ensina-nos a contar os nossos anos, para que tenhamos coração sensato!
Volta-te, Javé! Até quando? Tem compaixão dos teus servos!
Sacia-nos com o teu amor pela manhã, e nossa vida será júbilo e alegria.
Alegra-nos, pelos dias em que nos castigaste, pelos anos em que sofremos desgraças.
Que os teus servos vejam a tua obra, e os filhos deles o teu esplendor.

Que a bondade do Senhor venha sobre nós e confirme a obra de nossas mãos. (Salmo 90)