Falemos com
sabedoria e ensinemos com amor!
É o segundo
ano consecutivo que o povo brasileiro inicia a quaresma sem ter vivido o
carnaval. Para muitos, é como ter vivido um duro tempo de penitência social e
ter que iniciar um tempo de penitência quaresmal. E, infelizmente, não faltam
pessoas que ainda insistem em atribuir a pandemia e a crise sanitária e
sanitária que ela trouxe aos excessos de carnavais anteriores. Esta é uma forma
perversa e detestável de encobrir as verdadeiras causas dessa tragédia
humanitária.
Mesmo que o
carnaval de salão continue a existir como passarela para exibicionismo da
classe de cima, o mais puro e original do carnaval de rua continua sendo o
protagonismo do povo. As pessoas que passam o ano inteiro dobradas sob o peso
da exploração rasgam suas fantasias de povo submisso e lançam seu grito alegre
e provocador, afirmando em cores e ritmos que a dignidade e a fraternidade são
inegociáveis.
No domingo
passado Jesus ensinava que um cego não pode oferecer-se como guia de outros
cegos, e que não temos condições de apontar o cisco no olho do próximo se nosso
próprio olhar está prejudicado pela sujeira. Com isso, ele já afirmava a
necessidade de conversão permanente e alertava para a arrogância descabida de
quem quer sentar-se na cadeira do juiz. Daí emerge a importância de uma
campanha que suscite atitudes e gestos de fraternidade.
Falando em
nome de Deus, o profeta Joel pede que rasguemos o coração e não as vestes, que
mudemos nossas atitudes profundas e não a exterioridade das fantasias e
máscaras. Já vivemos o suficiente para aprendermos que não basta mudar de
governo, de partido ou de Igreja. A desumanidade corroeu todas as instituições
e setores sociais. Sem arrependimento sincero, sem mudança profunda e
estrutural não há esperança possível nem comportamento inocente.
Jesus
suspeita até da religião e suas expressões mais piedosas. Ele ensina que não
basta proclamar que Deus está acima de tudo, pois isso pode ser uso da religião
para esconder interesses de classe. O simples uso público e político da
religião já deve soar como sinal de alarme, pois pode beirar à hipocrisia e a busca
de vantagens, elogios e votos. Ao mesmo tempo em que questiona o uso interesseiro
da religião, Jesus repete que Deus vê o que está oculto ou escondido.
Junto com a
certeza de que Deus vê aquilo que fazemos sem publicidade, precisamos cultivar
o olhar de Deus, ou seja, a capacidade de ver aquilo que não tem notoriedade: a
doação e o engajamento sincero e cotidiano de milhares de pessoas pelo bem
comum; os grupos e movimentos que lutam pela paz e contra a guerra; a multidão
de homens e mulheres que, em nome da sua fé, defendem e servem os pobres e as vítimas,
e não apenas as vítimas das catástrofes.
No momento em
que presenciamos atônitos e demasiadamente passivos a ação de “milícias
digitais” que torcem tudo o que é reto e tornam palatáveis os venenos mais
perniciosos, a Igreja do Brasil nos convoca a falar com sabedoria e ensinar com
amor, como o fez Jesus. A Campanha da Fraternidade nos convoca a olhar
criticamente para os processos educativos familiares, eclesiais e civis e
vertê-los para um horizonte humanista, dialogal e libertador.
E quando
somos obrigados a assistir desolados o espocar de mais uma guerra, dessa vez
desejada e provocada pela Rússia, somos interpelados a superar nossos olhares
enviesados e recordar outras tantas tragédias humanitárias provocadas por
potências do ocidente que hoje se fazem passar por defensoras da soberania dos
países e dos direitos humanos. Seus porta-vozes falam com hipocrisia e ensinam
o que não fazem. Com eles, precisamos despir as máscaras de “pessoas de bem” e
revestir-nos da verdade que despoja e nos eleva.
Jesus misericordioso e compassivo, que falas com sabedoria e ensinas
com amor, dá-nos um coração sábio e capaz de reconhecer o teu Reino entre nós.
Em tua misericórdia e habitando entre nós, testemunhaste o amor solidário de
Deus e ensinaste o Evangelho que torna sábios aqueles que o mundo despreza. Que
seu exemplo nos conduza a esta sabedoria e nos faça bons educadores,
verdadeiros parteiros/as de uma humanidade renovada e sábia. Assim seja! Amém!