sexta-feira, 26 de julho de 2024

O Evangelho do Reino é um tesouro que levamos em vasos de barro

O Evangelho do Reino é um tesouro que levamos em vasos de barro | 423 | 27.07.24 | Mateus 13,24-30

Ao lado da parábola do semeador, a parábola do trigo e do joio é uma das mais conhecidas dos leitores, cristãos e não cristãos. É verdade que, para não resvalarmos para uma interpretação parcial e arbitrária do dinamismo do Reino de Deus, precisamos ler conjuntamente todas as parábolas do Reino. Mas cada uma delas tem seu próprio conflito subjacente e seu foco.

Depois de termos meditado a parábola do semeador e uma das suas possíveis interpretações, hoje somos colocados diante de uma nova parábola. Qual seria o conflito ou a preocupação que subjaz à parábola do trigo e do joio? A quais questionamentos ela se propõe a responder? No contexto literário é difícil perceber, pois, no capítulo 13, Mateus agrupa um conjunto de diferentes parábolas, como se fosse um livreto separado.

A ambiguidade dos pensamentos e sentimentos, nossos e dos outros, nos atordoam. É difícil aceitar a ambivalência dos acontecimentos, instituições e estruturas. Por que as coisas e pessoas não são mais simples, transparentes e coerentes? Até a Igreja, comunidade dos discípulos de Jesus, que nasceu para ser sinal eloquente e unívoco de Jesus e do Reino de Deus, tem suas contradições e sombras que colaboram para desbotar as cores vivas do Reino.

Parece-me que é este conjunto de questões, que rondam os cristãos de ontem e hoje, que a parábola do trigo e do joio quer iluminar. Assim como Deus viu que as criaturas que brotaram de suas generosas mãos de artista são belas e boas, também a semente do Reino de Deus espalhada pelos cristãos nos diversos terrenos da missão são boas e fecundas. Mas a história e o tempo continuam sendo o terreno das imperfeições e do crescimento. A história é marcada pela ambiguidade.

Não adianta lamentar, nem é possível separar e excluir as pessoas que taxamos como maldosas ou menos boas enquanto estamos a caminho. Se é pelos frutos (que quase sempre chegam no final da vida das plantas), e não pelas folhas e pelas aparências, que conhecemos as árvores, é também pelas ações que realizamos (e não pelas fotos e pelas falas) que demonstramos quem somos e que conheceremos os outros. Aqui nada é puro, nada é perfeito, nem a Igreja: somos um povo santo e pecador.

 

Meditação:

·    Procure ler e entender esta parábola do Reino relacionando-a com as parábolas do fermento e da semente de mostarda

·    O que Jesus quer nos ensinar com a parábola do trigo e do joio? Será a passividade diante do mal?

·    Em que medida somos iludidos pelo sonho de uma Igreja e um mundo sem ambiguidades, descanso para quem desistiu de lutar?

·    Como evitar o engano de pensar que o tempo da colheita chegou, e colocarmo-nos como colhedores e não como trigo?

quinta-feira, 25 de julho de 2024

Dia dos avós

Os homens e mulheres justos dão bons frutos, mesmo na velhice | 422 | 26.07.24 | Mateus 13,16-17

Estes dois versículos fazem parte do diálogo catequético e formativo de Jesus com seus discípulos. O objetivo de Jesus é explicar as razões que o levam a falar em parábolas, especialmente quando se dirige às autoridades religiosas e ao povo. Mas, na liturgia de hoje, este breve trecho do evangelho segundo Mateus ilumina a festa de São Joaquim e Sant’Ana, pais de Maria e avós de Jesus.

As parábolas tratam, antes de tudo, do mistério do Reino de Deus, por vontade de Deus acessíveis prioritariamente aos “pequenos”, aos pobres e humildes do Senhor. Como as crianças e vulneráveis, são eles os mais aptos a entender e acolher o Reino de Deus como graça e tarefa. Ver e ouvir o que Jesus faz e diz significa discernir a presença de Deus nos acontecimentos e na ação de Jesus.

Pelos capítulos que antecedem estes versículos, sabemos que as lideranças do judaísmo rejeitaram o ensino e a ação libertadora de Jesus. Eles escutaram sem entender e viram sem aceitar. Tendo um coração torpe, fecharam os ouvidos e os olhos para não se converterem. Por outro lado, aqueles que acolhem o ensino de Jesus e o seguem são realmente felizes, alcançaram uma vida cheia de brilho e de vigor.

Isso não é frustração nem acaso, mas fruto do querer de Deus. A condição das pessoas que, entendendo e acolhendo a mensagem do reino de Deus, a vivem e anunciam, é a mesma, ou ainda superior, à dos justos e profetas do Antigo Testamento: eles quiseram ouvir, mas não conseguiram, quiseram ver, mas não alcançaram. Assim são os discípulos missionários de todos os tempos.

A liturgia de hoje nos leva a entender que Joaquim e Ana, pais de Maria e avós de Jesus, fazem parte daqueles justos e profetas que, vivendo a esperança da vinda do Messias e fazendo o que estava ao alcance para que isso acontecesse, desejaram ver e ouvir, mas não conseguiram.  

E nós celebramos a memória destes santos como Dia dos Avós e dos Idosos. A propósito, vale a pena recordar o que diz salmista: “O justo florescerá como a palmeira, crescerá como o cedro que há no Líbano. Mesmo no tempo da velhice darão frutos, serão cheios de seiva e verdejantes”. Que o Bom Deus conceda essa graça aos nossos idosos e idosas.

 

Meditação:

·    Leia atentamente, sem pressa, palavra por palavra, estes dois breves versículos nos quais Jesus elogia os verdadeiros discípulos/as

·    Somos capazes de ver, reconhecer e alegrar-nos com os sinais do reino de Deus nas pessoas e acontecimentos simples e frágeis?

·    Somos capazes de ver e reconhecer na sabedoria afetuosa e no amor terno e vulnerável dos avós sinais da bondade de Deus?

·     Alegramo-nos de verdade com esta dinâmica do reino de Deus, e como isso transparece naquilo que fazemos e anunciamos?

segunda-feira, 22 de julho de 2024

Jesus questiona e supera o modelo patriarcal de família

Jesus questiona e supera o modelo patriarcal de família | 419 | 23.07.24 | Mateus 12,46-50

Jesus acabara de acusar as autoridades religiosas de serem incapazes de discernir sua identidade de Messias, enviado do Pai para anunciar e inaugurar seu Reino. Depois disso, Jesus deixa a sinagoga, e, nesta cena, está em uma casa, não necessariamente a sua, com seus discípulos e discípulas. Esta casa é como se fosse o lugar de encontro e convivência de uma nova família, uma família alternativa, que relativiza os tradicionais laços de raça e de sangue.

Mateus diz que alguém (não diz se é um discípulo ou não) avisou Jesus que sua mãe e seus irmãos estão lá fora, e desejam falar com ele. Seus familiares aproximam-se respeitosamente, e não interrompem a ação missionária de Jesus. Seriam movidos pela saudade? Pelo desejo de que ele voltasse para casa? Pela vontade de segui-lo na aventura do Reino de Deus? Estar dentro ou fora dessa casa delimita a clara pertença ao “círculo” de Jesus e do Reino.

A novidade do Reino de Deus, muito esperada por todos e trazida por Jesus, implica claramente em uma mudança nas relações sociais, econômicas, religiosas, culturais, políticas, mas também das relações familiares. É no horizonte do Reino de Deus que Jesus questiona e supera o modelo de família patriarcal, baseada nos laços de sangue e na submissão ao homem e senhor, um modelo sempre funcional aos sistemas estruturados sobre a dominação.

Jesus responde ao aviso da chegada dos familiares com uma pergunta, uma declaração e um gesto. Dirigindo-se aos discípulos e discípulas que o circundam, ele pergunta quem é sua família, e ele mesmo responde, afirmando e indicando com a mão: “Eis minha mãe e meus irmãos! Pois todo aquele que faz a vontade do meu Pai, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe!” A comunidade de discípulos é a nova família, aberta, não sujeita aos vínculos de sangue, de raça, de gênero, de religião. Nela, só Deus é Pai, e todos são iguais!

Nós cremos que Maria também está neste círculo, pois, ninguém mais que ela, viveu para realizar prontamente a vontade do Pai. Nisso ela é nossa mãe, irmã e discípula. Mas é importante também que nos sintamos incluídos por Jesus no âmbito da sua família. Somos seus irmãos, irmãs e sua mãe, se fazemos a vontade do Pai.

 

Meditação:

·    Procure inserir-se na cena relatada pelo evangelista e interagir com os diversos personagens que aparecem

·    Como ressoa em você o questionamento de Jesus aos que falam em nome de sua família e sua resposta a eles?

·    Você se sente efetivamente e com alegria irmão ou irmã de Jesus e de todos/as aqueles que vivem seu Evangelho?

·    O que nossas comunidades e Igrejas precisam mudar ou melhorar para serem verdadeiras famílias humanas?

domingo, 21 de julho de 2024

Santa Maria Madalena

Santa Maria Madalena, apóstola que reúne os apóstolos dispersos | 418 | 22.07.24 | João 20,1-2.11-18

Por ser hoje a festa de Santa Maria Madalena, retomamos a bela cena que a comunidade do evangelista João nos transmitiu. Já a meditamos por ocasião da páscoa de Jesus, mas hoje a perspectiva é outra. Ainda de madrugada, Maria Madalena foi sozinha à sepultura de Jesus, de quem era discípula e amiga, e a encontrou aberta. Então, correu para anunciar o fato a Pedro e João, surpresa e apavorada: “Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram”.

Também tomados pela surpresa, os discípulos João e Pedro saíram correndo, chegaram, viram a sepultura vazia e acreditaram, mas voltaram para casa calados. Maria Madalena ficou sozinha junto à sepultura, chorando por ter perdido aquele que ela amava porque despertara nela a dignidade adormecida e não reconhecida. É assim que Maria se inclina para dentro da sepultura, como Jesus se inclinara diante da mulher ameaçada de apedrejamento e diante dos discípulos no lava-pés.

Em vez de panos estendidos no chão, Maria Madalena vê anjos, mensageiros e mensagem de Deus, que a interrogam pela razão do seu pranto. Ela perdera o guia, a referência, o mestre amado. Está desolada porque não sabe que rumo dar à sua vida, não tem mais um amor concreto com o qual possa contar. Os próprios condiscípulos haviam todos desertado, e estavam refugiados em suas casas.

A desorientação, a solidão e a dor de Maria são tão intensas que ela dá voltas ao redor de si mesma, sem conseguir deslocar seu olhar dos mensageiros para aquele para o qual eles apontam. Ela confunde Jesus, que vem ao seu encontro, com um jardineiro, e até imagina que teria sido ele quem roubara o corpo daquele que ela amava. Para ela, a esperança ficou no passado, e a vida é apenas luto.

Mas quando Jesus pronuncia o seu nome, com a ternura com a qual ele chama cada um de nós, os olhos de Maria Madalena se abrem. Nesse momento, Maria Madalena toma consciência de que Jesus não lhe pertence, e que o encontro que lhe abriu os olhos da fé é força que impele à missão. E ela, que já era discípula dedicada, torna-se apóstola e missionária dos apóstolos: vai anunciar a Boa Notícia aos outros discípulos e refunda a comunidade eclesial que se havia dispersado.

 

Meditação:

·    Procure inserir-se na cena relatada pelo evangelista e interagir com os diversos personagens que aparecem

·    Acompanhe Madalena na sua busca dolorida, no seu anúncio apressado, na sua permanência teimosa, na sua dificuldade de ler os sinais

·    Preste atenção na resposta de Maria Madalena às perguntas dos anjos e de Jesus, e perceba o que ela esconde e revela

·    Participe da alegria de Maria ao reconhecer Jesus quando dele pronuncia seu nome, o desapego de um amor pessoal e maduro, a prontidão com que ela anuncia a notícia

sábado, 20 de julho de 2024

A missão dos discípulos e Jesus não podem ser guiadas pela agenda

A vida e a missão dos discípulos e Jesus não podem ser guiadas pela agenda | 417 | 21.07.24 | Marcos 6,30-34

No episódio do envio dos apóstolos ao “estágio missionário” (cf. Mc 6,7-13), a ênfase recaía sobre as instruções de Jesus para a missão. Na crônica sobre a trama e morte de João Batista (cf. Mc 6,14-29), o evangelista sublinhava o recorrente confronto entre reis arrogantes e enfraquecidos e os profetas que não calam a verdade. Segundo o Evangelho, este é o caminho e o destino de Jesus, e os discípulos missionários que ele envia também devem preparar-se para isso.

No episódio de hoje, Marcos descreve o que acontece quando os discípulos voltam do breve “estágio missionário”. Eles são enviados como missionários itinerantes, dedicados integralmente ao anúncio e realização do Reino de Deus, sem contar com o apoio de meios potentes, absolutamente dependentes da hospitalidade alheia. Voltando, eles se reúnem diante de Jesus e compartilham o que haviam feito e ensinado, e o fazem com indescritível alegria.

Atento ao cansaço e aos limites do apostolado deles, Jesus os convida a um retiro de descanso e de aprofundamento do seu ensino. Este descanso/retiro se faz necessário, pois é muita gente chegando para pedir socorro a ponto de limitar até as condições para se alimentar adequadamente. Mas a proposta de descanso sugerida por Jesus se torna uma lição inesquecível de dedicação incansável ao Reino de Deus, concretizada na compaixão pelo povo necessitado.

De fato, enquanto os discípulos que apenas estreavam como apóstolos ainda tinham dificuldades de reconhecer a identidade de Jesus, as multidões cansadas e abatidas, abandonadas pelos seus líderes e pastores políticos e religiosos, intuem quem é Jesus, depositam nele suas derradeiras esperanças e chegam antes deles no “retiro”. É isso que relatam os versículos subsequentes.

A dedicação incansável de Jesus ao povo, ao lado da sua ação curadora e emancipadora, é a lição que faltava aos apóstolos. A missão não é uma etapa, um momento, uma entre outras atividades que nos ocupam. A divina e humana compaixão não conhece agenda. E as pessoas descartadas pelos “pastores” de plantão são a prioridade dos discípulos missionários. Mesmo quando se retiram para a oração e a formação, o povo está presente e os carca por todos os lados.

 

Meditação:

·    Releia o texto com atenção, acompanhando o retorno dos apóstolos, o convite ao descanso, a multidão que os rodeia

·    A formação, a oração, as celebrações e outras demandas da vida cristã não podem ser obstáculos ao “ministério da compaixão”

·    A verdadeira evangelização (anúncio da Boa Notícia de Deus) se concretiza e culmina na compaixão demonstrada nas ações

·    Em que medida é a humana e divina compaixão de Jesus que dinamiza nossa formação, nossa oração e nossa missão?

O Evangelho dominical (Pagola) - 21.07.2024

DESCANSO RENOVADOR

É uma alegria para o crente encontrar-se com um Jesus, pois ele sabe compreender as necessidades mais profundas do ser humano. Por isso enche-se a nossa alma de alegria quando ouvimos o convite que dirige aos seus discípulos: «Vinde para um lugar tranquilo e descansem um pouco».

Os homens necessitam festejar. E talvez hoje mais do que nunca. Submetidos a um ritmo de trabalho inflexível, escravos de ocupações e tarefas por vezes esgotadoras, necessitamos desse descanso que nos ajude a libertar-nos da tensão, do desgaste e da fadiga acumulada ao longo dos dias.

O homem contemporâneo acabou frequentemente por ser escravo da produtividade. Tanto nos países socialistas como nos países capitalistas, o valor da vida foi reduzido, na prática, à produção, à eficiência e ao desempenho no trabalho. Segundo H. Cox, o homem atual «comprou a prosperidade ao preço de um vertiginoso empobrecimento dos seus elementos vitais». A verdade é que todos corremos o risco de esquecer o valor último da vida para nos afogarmos no ativismo, no trabalho e na produção.

A sociedade industrial tornou-nos mais trabalhadores, mais bem organizados, mais eficazes, mas, ao mesmo tempo, há muitos que têm a impressão de que a vida se lhes escapa tristemente entre as mãos. Por isso o descanso não pode ser apenas a pausa necessária para repor as nossas energias esgotadas ou a válvula de escape que nos liberta das tensões acumuladas, para voltar com novas forças ao trabalho habitual.

O descanso deveria ajudar-nos a regenerar todo o nosso ser, descobrindo novas dimensões da nossa existência. A festa deve recordar-nos que a vida não é só esforço e trabalho esgotador. O ser humano foi eito também para desfrutar, para brincar, para desfrutar da amizade, para rezar, para agradecer, para adorar… Não devemos esquecer que, acima das lutas e das rivalidades, todos estamos chamados a partir de agora a desfrutar como irmãos da festa que um dia será definitiva.

Temos que aprender a fazer férias de outra forma. Não se trata de ficar obcecado em passar bem a todo o custo, mas de saber disfrutar com simplicidade e gratidão os amigos, a família, a natureza, o silêncio, os jogos, a música, o amor, a beleza, a convivência. Não se trata de nos esvaziarmos na superficialidade de uns dias vividos de forma louca, mas de recuperar a harmonia interior, cuidar mais das raízes da nossa vida, encontrar-nos conosco mesmo, desfrutar da amizade e do amor das pessoas, desfrutar de Deus através de toda a criação.

E não esqueçamos algo importante. Só temos direito ao descanso e à festa se nos cansarmos diariamente no esforço por construir uma sociedade mais humana e feliz para todos.

José Antônio Pagola

Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

sexta-feira, 19 de julho de 2024

Jesus é o Servo enviado pelo Pai para elevar o homem

Jesus é o Servo enviado pelo Pai para elevar o homem humilhado | 416 | 20.07.24 | Mateus 12,14-21

Jesus havia questionado fortemente o ensino e a prática dos fariseus, orgulhosos da sua piedade ostensiva, afirmando a prioridade da vida sobre a lei. Isso ficou muito claro nos episódios dos discípulos que colhem trigo para comer em dia de sábado e na cura do homem com mão seca (cf. 12,1-8 e 12,9-13), o primeiro dos quais lemos e comentamos ontem. Os fariseus sentem o golpe, mas não desistem, e, no sagrado dia de sábado, tramam a morte de Jesus.

Sabendo disso, Jesus retira-se do ambiente da sinagoga. Uma multidão de gente necessitada, mesmo sem conhecer a fundo e sem aderir a Jesus, vai atrás dele em busca de alívio para seus fardos, que são muitos e pesados. E o evangelista diz que ninguém voltou sem ser beneficiado. O que a religião oficial do judaísmo e seus agentes não conseguem ou não querem fazer, Jesus faz, sem descanso e sem impor condições. Mas ele rejeita toda forma de publicidade pelo bem que faz, e isso é bem diferente de alguns pregadores que conhecemos.

Nesse momento, o evangelista busca na profecia de Isaías a chave para bem entender a identidade e o modo de agir de Jesus. Jesus é o Servo anunciado pelo profeta, uma realização plena e superior do resto humilde e fecundo do povo deportado. Sendo Servo, Jesus não assusta nem oprime, mas traz vida e bem-viver. O Servo (a palavra hebraica é a mesma para dizer “servo” e “criança”) é aquele que faz em tudo a vontade de Deus, e não a sua, ou a vontade das instituições.

Jesus é também o filho Amado do Pai, aquele que realmente o agrada, pois o amor compassivo e misericordioso é a base e a motivação de tudo o que diz e faz. Ele é o Escolhido a dedo por Deus Pai para realizar uma missão e, para tanto, foi ungido e recebeu o dinamismo do Espírito de Deus, a própria ação de Deus no mundo. Ele recupera a sociedade e o mundo de caídos e diminuídos pelas mais diversas forças de opressão, e os faz como Deus os sonhou.

Sendo Servo, Amado e Escolhido, Jesus evita gastar tempo em discussões teóricas e não se ocupa com a própria defesa. Ele não grita nas praças, como faziam os mensageiros dos imperadores. Ele não é peso ou ameaça para quem está atribulado e fragilizado, como pavio que vai se apagando. Ele não quebra quem já está “moído” pela dominação, como a cana. Ele é a esperança de todos povos, a visita de Deus que estabelece sua morada definitiva na humanidade.

 

Meditação:

·        Acolha e deixe ressoar em você as imagens eloquentes do profeta Isaías: Servo, Amado, Escolhido, Enviado.

·        Como poderemos testemunhar um Jesus Cristo que não grita para se impor, não quebra quem já está machucado, que não esmaga quem já está arrasado?

·        Você não acha que gastamos muito tempo e energia defendendo-nos e em discussões estéreis com quem se opõe ao Evangelho?

quinta-feira, 18 de julho de 2024

As escrituras nos apresentam um Deus compassivo

As escrituras nos apresentam um Deus compassivo e misericordioso | 415 | 19.07.24 | Mateus 12,1-8

Nesta cena a questão central que Jesus discute com os fariseus parece ser a questão da obediência à Lei. Porém, sobressai outra questão, mais importante: as leis e costumes que controlam a comida e o acesso a ela. A recorrente menção do evangelista ao campo de trigo, aos grãos e à fome, ao ato de comer, tanto dos discípulos como de Davi e seus companheiros, não deixa dúvidas. O sistema econômico limitava o direito dos pobres à alimentação, e os fariseus agiam para limitar aos discípulos o acesso ao alimento. O império da legalidade impedia a segurança alimentar do povo mais pobre.

Temos visto como o ensinamento e a prática de Jesus são alternativos, e confrontam e desafiam as leis e sistemas, e não apenas as leis religiosas. Jesus revoluciona o papel da lei, do templo e a própria imagem de Deus. Ele é o filho do homem, o Senhor, o enviado pelo Pai, para revelar e realizar a sua vontade, anunciada nas escrituras, mas esvaziada pelo templo. Deus é misericórdia, e de nós ele espera misericórdia, e não cultos vazios e duros legalismos que penalizam os que já enfrentam tantas penas. A questão não se resume em admitir a existência de Deus, mas em afirmar que ele é compaixão, e demonstrar essa compaixão das próprias relações.

A misericórdia é a essência do relacionamento de Deus com suas criaturas, é a forma da justiça divina na relação com o ser humano, e praticá-la significa reconhecer Deus assim como ele é, e enfrentar e superar as práticas restritivas que limitam ou impedem o acesso dos seus filhos e filhas aos direitos humanos básicos, como a alimentação. A misericórdia é o dinamismo que brota da internalização das misérias do próximo, e esse dinamismo torna impossível a indiferença, a dominação e a opressão. É isso que Jesus faz, com a maior liberdade, e fazem seus discípulos/as. A fome tem prioridade sobre as leis e instituições.

Jesus questiona fortemente a interpretação restritiva e fria das escrituras ensinada e praticada pelos fariseus, que se mostram sempre tão corretos. Por duas vezes ele questiona: “Nunca lestes?” E adverte: “Se tivesses compreendido o que significa...” na verdade, a interpretação que eles fazem das escrituras é limitada e interesseira. Jesus é maior que o templo e a lei, é a superação de ambos e a chave-de-leitura da verdadeira religião. Para ele, a lei, o templo e o alimento pertencem a Deus, e crer é fazê-los acessíveis a todos. Tudo isso e tudo o mais está abaixo do querer de Deus.

 

Meditação:

·    Você identifica também hoje sinais de uso da fé para se dispensar da atenção à vida das pessoas?

·    E o que dizer da economia liberal, que faz da comida, da água, da saúde e de tudo o mais uma simples mercadoria, limitando o acesso de multidões a ela?

·    Como colocar em prática hoje, na sua família e na sua comunidade, a vontade de um Deus que prioriza a misericórdia e não a lei, o culto e os sacrifícios?

quarta-feira, 17 de julho de 2024

O caminho e o ensino de Jesus não é canga que amarra e pesa

O caminho e o ensino de Jesus não é canga que amarra e pesa | 414 | 18.07.24 | Mateus 11,28-30

Num contexto de rejeição da sua pessoa e da sua mensagem, Jesus elevou seu louvor ao Pai pelos discípulos e discípulas que entendem e acolhem o caminho do Reino de Deus. E sublinha que é resultado do querer de Deus que a elite do judaísmo nada consiga entender, e que os segredos da sabedoria da vida são acessíveis aos pobres. Eles, os pequenos e os pobres, foram libertados do cansaço pelo cumprimento de um monte de leis que não lavavam a nada.

A alegria e o consolo de Jesus é ver que, para encontrar alívio dos fardos que carregamos, muitos seguimos seus passos. Sua palavra e suas ações abrem-nos as portas da liberdade e da humanização, e todos precisamos aprender dele e com ele a promover, em palavras e ações, o Reino de Deus, que suscita e inaugura práticas, estruturas, relações, prioridades e perspectivas alternativas. E isso jamais será um peso ou uma tarefa a mais, mas algo que alivia nossos fardos.

O jugo ou caminho de Jesus não é canga que amarra e domina, mas leveza que nos torna mais humanos. E ele nos convida a aprender do seu coração a mansidão e a bondade, pois nele não há espaço para a indiferença, para a vingança e para a violência. O coração de Jesus, ou o Reino que ele encarna e antecipa, é suave, bom e amável, é misericórdia e compaixão que afirma, reabilita e liberta os oprimidos.

O que nos cansa ou abate hoje? Às vezes fingimos e não queremos demonstra, mas a competição predatória e a ânsia de chegar em primeiro lugar, de dominar tudo, de ter e consumir tudo o que nos convencem que necessitamos, de tomar medrosa distância dos empobrecidos e diferentes, de bajular os poderosos e vencedores de plantão, de multiplicar orações e ritos sem fim, tudo isso nos cansa e nos deixa vazios, exaustos, frustrados e prostrados.

Nesse contexto, Jesus e seu Evangelho nos apontam outro caminho, mais realizador e mais humano. Ele tem suas exigências, mas seus custos não são pagos por uma vida sem gozo e sem sentido. A felicidade não consiste em possuir tudo, mas em necessitar de pouco! A humildade de Jesus é sua descida definitiva ao nível humano. A mansidão de Jesus é sua compaixão, que o compromete com a humanidade, e não cobra nem condena. Eis o caminho para viver com prazer e alegria.

 

Meditação:

·    O evangelho de hoje nos orienta para uma atitude madura e adequada em todas as etapas do nosso caminho: aprender de Jesus

·    Você seria capaz de dar nome e descrever o que é que mais está cansando e pesando na sua vida cristã e eclesial hoje?

·    Você consegue identificar os projetos e barreiras que pesam sobre as pessoas mais pobres e dificultam seu crescimento?

·    Como você, sua família e sua comunidade podem proceder para que as celebrações e a leitura orante não se tornem mais um peso?

terça-feira, 16 de julho de 2024

A maior e mais profunda alegria de Jesus é ser entendido pelos humildes

A maior e mais profunda alegria de Jesus é ser entendido pelos humildes | 413 | 17.07.24 | Mateus 11,25-27

Ontem, na celebração de Nossa Senhora do Carmo, a cena da mãe e dos parentes de Jesus que vão à sua procura nos chamava a fazer parte da família de Jesus mediante a prática da vontade de Deus em nossa vida cotidiana. No breve texto de hoje, Jesus muda radicalmente de tom, e se dirige carinhosamente aos discípulos e discípulas, como que para consolar e fortalecer quem se sente inseguro.

Na sua lucidez, Jesus não ignora a divisão e a rejeição que seu Evangelho provoca. Mas, a partir da sua intimidade com o Pai, percebe que há gente generosa que o acolhe, adere a ele, muda o rumo da própria vida. Ele sabe que essa é a vontade do Pai: que o Reino de Deus, que pertence aos pequenos, humildes e pobres, seja por eles levado adiante, não obstante a extrema limitação dos meios ao alcance deles. Nisso, os sábios das academias e os poderosos entronados contam pouco.

Os sábios e entendidos que se fecham à Boa Notícia do Reino de Deus são as elites culturais, políticas e religiosas, todos os grupos que se sentem superiores, sabidos e seguros, e não conseguem admitir nada além dos próprios interesses de classe. Mas, entre eles, há também outros menos elitizados, que se deixam influenciar por essa mentalidade, e se fecham à novidade libertadora de Deus: algumas cidades, gente do povo e até parentes de Jesus. Tanto ontem como hoje!

Os “pequeninos” dos quais Jesus fala são as pessoas humildes, sem segurança, receptivas ao Evangelho e à pessoa de Jesus, aquelas que o seguem como discípulas, dispostas e aprender sempre. São as pessoas mais vulneráveis, às vezes iludidas pelos doutores da lei, e até vistas como tolas. São as pessoas que entram para a comunidade dos discípulos, convictas de que mestre não é quem sabe tudo, mas quem aprende sempre, que vivem como eternas aprendizes.

Mas, atenção! Não é pelo fato de sermos contados entre os batizados ou “frequentadores” dos sacramentos que somos automaticamente discípulos e estamos livres da arrogância de quem pensa saber tudo. Na relação interna em nossas comunidades, e na postura diante das demais confissões cristãs e outras religiões, é frequente sentirmo-nos melhores, superiores e entendidos. Ou eu estou enganado?

 

Meditação:

·    Sublinhe ou se detenha na palavra ou frase de Jesus que lhe parece mais bela e significativa nesse momento

·    Em quais circunstâncias você se percebe agindo como sábio/a e entendido/a, que tem tudo a ensinar e nada a aprender?

·    Como poderíamos traduzir, com palavras e para as situações de hoje, essa belíssima alocução de Jesus?

·    O que fazer para deixar-se surpreender a cada dia pelas delicadezas de um Deus que tem prazer em ser acolhido pelas pessoas humildes e afirmar a dignidade das vítimas?