segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

O Evangelho do Ano Novo (Pagola) - 01.01.2020


A MÃE

Muitos podem estranhar que a Igreja faça coincidir o primeiro dia do novo ano civil com a festa de Santa Maria Mãe de Deus. E, no entanto, é significativo que, desde o século IV, a Igreja, depois de celebrar solenemente o nascimento do Salvador, deseje começar o novo ano sob a proteção materna de Maria, Mãe do Salvador e nossa Mãe.
Os cristãos de hoje precisam se perguntar o que fizemos de Maria nestes últimos anos, pois provavelmente empobrecemos a nossa fé, eliminando-a demasiado da nossa vida. Movidos, sem dúvida, por uma vontade sincera de purificar nossa vivência religiosa e encontrar uma fé mais forte, abandonamos excessos piedosos, devoções exageradas, costumes superficiais e perdidos. Procuramos superar uma certa mariolatria na qual, talvez, substituíssemos Cristo por Maria e víamos nela a salvação, o perdão e a redenção que devemos acolher do seu Filho.
Se tudo tivesse sido para corrigir desvios e colocar Maria no lugar autêntico que lhe corresponde como Mãe de Jesus Cristo e Mãe da Igreja, teríamos que nos alegrar e reafirmar a nossa posição. Mas tem sido exatamente assim? Não a teremos esquecido excessivamente? Não a arrumamos em algum lugar escuro da alma, junto das coisa que nos parecem de pouca utilidade?
Um abandono de Maria, sem aprofundar mais na sua missão e no lugar que há de ocupar na nossa vida, não enriquecerá jamais a nossa vivência cristã, mas a empobrecerá. Provavelmente cometemos excessos de mariolatria no passado, mas agora corremos o risco de nos empobrecer com a sua quase total ausência na nossa vida.
Maria é a mãe de Cristo. Mas aquele Cristo que nasceu do seu seio estava destinado a crescer e incorporar em Si muitos irmãos, homens e mulheres que viveriam um dia da Sua Palavra e da sua graça. Hoje Maria não é apenas mãe de Jesus. Ela é a mãe do Cristo total. Ela é a mãe de todos os crentes.
É bom que, ao começar um novo ano, o façamos levantando os nossos olhos para Maria. Ela nos acompanhará ao longo dos dias com cuidado e ternura de mãe. Ela cuidará da nossa fé e da nossa esperança. Não a esqueçamos ao longo do ano.
José Antônio Pagola.
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez.

Mensagem do Papa para o Ano Novo - 2020 (5)

A paz como caminho de esperança:
diálogo, reconciliação e conversão ecológica

5. Obtém-se tanto quanto se espera
O caminho da reconciliação requer paciência e confiança. Não se obtém a paz, se não a esperamos. Trata-se, antes de mais nada, de acreditar na possibilidade da paz, de crer que o outro tem a mesma necessidade de paz que nós. Nisto, pode-nos inspirar o amor de Deus por cada um de nós, amor libertador, ilimitado, gratuito, incansável.
O medo é frequentemente fonte de conflito. Por isso, é importante ir além dos nossos temores humanos, reconhecendo-nos filhos necessitados diante d’Aquele que nos ama e espera por nós, como o Pai do filho pródigo (cf. Lc 15, 11-24). A cultura do encontro entre irmãos e irmãs rompe com a cultura da ameaça. Torna cada encontro uma possibilidade e um dom do amor generoso de Deus. Faz-nos de guia para ultrapassarmos os limites dos nossos horizontes estreitos, procurando sempre viver a fraternidade universal, como filhos do único Pai celeste.
Para os discípulos de Cristo, este caminho é apoiado também pelo sacramento da Reconciliação, concedido pelo Senhor para a remissão dos pecados dos batizados. Este sacramento da Igreja, que renova as pessoas e as comunidades, convida a manter o olhar fixo em Jesus, que reconciliou «todas as coisas, pacificando pelo sangue da sua cruz, tanto as que estão na terra como as que estão no céu» (Col 1, 20); e pede para depor toda a violência nos pensamentos, nas palavras e nas obras quer para com o próximo quer para com a criação.
A graça de Deus Pai oferece-se como amor sem condições. Recebido o seu perdão, em Cristo, podemos colocar-nos a caminho para ir oferecê-lo aos homens e mulheres do nosso tempo. Dia após dia, o Espírito Santo sugere-nos atitudes e palavras para nos tornarmos artesãos de justiça e de paz.
Que o Deus da paz nos abençoe e venha em nossa ajuda. Que Maria, Mãe do Príncipe da paz e Mãe de todos os povos da terra, nos acompanhe e apoie, passo a passo, no caminho da reconciliação. E que toda a pessoa que vem a este mundo possa conhecer uma existência de paz e desenvolver plenamente a promessa de amor e vida que traz em si.
Vaticano, 8 de dezembro de 2019.
Franciscus

domingo, 29 de dezembro de 2019

ANO A | TEMPO DE NATAL | MARIA, MÃE DE DEUS | ANO NOVO – 01.01.2020


A Paz se faz com memória, reconciliação e conversão ecológica!
Celebramos o início de um novo ano ainda iluminados pelo mistério do Natal. Nascido e acolhido também por nós e no meio de nós, Jesus de Nazaré pacifica o mundo abrindo caminhos de diálogo, reconciliação e conversão, inclusive conversão ecológica, diz o Papa Francisco. Deus cumpre suas promessas e realiza as esperanças humanas através de Maria e de cada um de nós, dos homens e mulheres de boa vontade, dos líderes autênticos fazem memória das violências e assumem práticas de diálogo, conversão e reconciliação.
O autêntico espírito do Natal deve perdurar e prosseguir na passagem do ano, em nós e em nossas comunidades. Por isso, a liturgia continua nos convidando a penetrar mais profundamente o mistério da encarnação. Hoje, no raiar do novo ano, contemplamos a chegada dos pastores à gruta Belém, onde encontram Jesus no seio de uma família, ficam vivamente impressionados com o que veem, e comparam tudo com aquilo que tinham ouvido. Como pode uma criatura tão frágil ser portadora de Paz a todos os homens e mulheres de boa vontade? Esta é a pergunta dos pastores, de Maria e de José, e também a nossa!
Ao ser apresentado no templo e circuncidado, Jesus recebe o nome proposto pelo Anjo a Maria na anunciação. Ele se chama Jesus, ‘boa notícia da salvação’, pois Deus salva seu povo do pecado. De fato, Jesus agirá libertando, perdoando, acolhendo. Nele, a humanidade se descobre livre do débito que tinha consigo mesma por não conseguir realizar a utopia que faz arder seu coração. Em Jesus, todos estamos livres do peso de termos ficado aquém do alvo, ou errado o rumo (pois é isso que significa ‘pecado’). Deus não espera que cheguemos heroicamente a ele: Ele mesmo vem decididamente ao nosso encontro. Ele é nossa Paz!
Mas a Paz que Jesus nos assegura não está unicamente no fim do caminho, na plena confraternização entre lobos e cordeiros, serpentes e crianças. A Paz autêntica está no caminho, na caminhada, nos caminhantes. Está nas pessoas inconformadas que ousam mudar, renovar, começar de novo, cortar pela raiz as atitudes violentas, inclusive as que falseiam a memória, e isso cada dia, e não apenas no início do ano. Está nos homens e mulheres sábios, capazes de ver nas sementes as flores e os frutos que virão depois, e de encarnar nas relações cotidianas os sonhos e utopias que, literalmente, parecem não ter um lugar.
Para os cristãos, o fundamento da Paz é a relação com Jesus Cristo. Nascido de mulher menosprezada e sob a violência transformada em estrutura e lei, Jesus conduz todas as pessoas à liberdade, começando pelas vítimas das diversas formas de violência. Ele confirma que Deus reconhece todos como filhos e filhas, e nos convida a superar as relações viciadas pelo medo, pela escravidão e pela violência. Todos estão em Paz com Deus, e podem proclamar “meu Papai querido!”  E, na medida em que somos filhos e filhas, somos também herdeiros do Reino de Deus, da “shalom” que possibilita o convívio sadio, que tem a justiça como base.
No ano que passou, os que governam o Brasil e os que os apoiam quiseram nos convencer de que o pobre é pobre porque não sabe poupar; que “o meio ambiente é um entrave para os negócios; que os garimpeiros e madeireiros devem ser defendidos dos fiscais do meio ambiente; que o professor é inimigo e o miliciano é amigo; que a escravidão foi benéfica para os descendentes de africanos; que não existe racismo no Brasil; que a mulher deve ser submissa ao homem; que os ditadores e os torturadores devem ser exaltados... Para eles, assimilar estas lições significaria colocar Deus acima de tudo e pacificar o país...
Mas o Papa Francisco, na sua mensagem para o Ano Novo, ensina lições muito diferentes! Ele diz que a Paz “é um trabalho paciente de busca da verdade e da justiça, que honra a memória das vítimas e abre para uma esperança mais forte que a vingança”. E buscar a Paz supõe “abandonar o desejo de dominar os outros e aprender a olhar-se mutuamente como pessoas, como filhos de Deus”. Mas “nunca haverá paz verdadeira, se não formos capazes de construir um sistema econômico mais justo.” E nos chama a uma “relação pacífica entre as comunidades e a terra, entre o presente e a memória, entre as experiências e as esperanças”.
Deus querido, Pai e Mãe! Iniciando um novo ano, te pedimos: ensina-nos a compreender o anseio de Paz e de comunhão que pulsa no coração do mundo. Ajuda-nos a destruir pela raiz toda atitude violenta e desmascarar e erradicar as mentiras que nos impingem como sabedoria. Suscita em nós o canto que brota da dignidade indestrutível de filhos e filhas, e dá-nos a graça de experimentar, com Maria, José e os pastores, a alegria de reconhecer a grandeza de Deus na fragilidade humana. Assim seja! Amém!
 Itacir Brassiani msf
Livro dos Números 6,22-27 | Salmo 66 (67)
Carta de Paulo aos Gálatas 4,4-7 | Evangelho de São Lucas 2,16-21

sábado, 28 de dezembro de 2019

Festa da Sagrada Família de Nazaré


EXÍLIO, UMA FAMÍLIA CLANDESTINA
“Levanta-te, pega o menino e sua mãe e foge para o Egito!” (Mt 2,13)
Hoje, fala-se muito da crise da instituição familiar. Mas a história nos ensina que nos tempos difíceis os vínculos familiares se estreitam mais.
Concretamente, no contexto da grave crise social-política-econômica que estamos vivendo, a família corre o risco de ser uma escola do preconceito, da intolerância, da indiferença diante do diferente e daquele que pede abrigo.Mas, em sentido contrário, ela pode ser o lugar no qual se faz memória que temos um Pai comum, e que o mundo não se limita às paredes da própria casa.
Por isso, não podemos celebrar a festa da Família de Nazaré sem escutar o desafio de nossa fé. Nem toda família se deixa inspirar pela Família de Nazaré. Há famílias abertas ao serviço da sociedade e famílias egoístas, fechadas sobre si mesmas. Há Famílias autoritárias e há famílias onde se aprende a dialogar. Há famílias que educam no egoísmo e famílias que ensinam a solidariedade.
Serão nossos lares um lugar onde as novas gerações poderão escutar o chamado do Evangelho à fraternidade universal, à defesa dos abandonados e à busca de uma sociedade mais justa, ou se converterão na escola mais eficaz da indiferença, da passividade egoísta e da insensibilidade frente os problemas sociais?
Só podemos celebrar a festa da Sagrada Família quando descobrimos que as famílias mais sagradas, aquelas que devemos respeitar, proteger e potenciar, são aquelas que não tem casa, nem pátria, nem meios de vida, e no entanto, continuam caminhando.
Já desde pequeno Jesus se solidariza com os pobres, os últimos, a “massa sobrante”. Ele fez a experiência da exclusão. Ele é um Deus frágil que arma tenda nos acampamentos dos exilados, nas favelas e cortiços da miséria total. É um Deus que acompanha e compartilha a sorte dos fugitivos, expulsos das aldeias, mandados para fora da segurança e da tranqüilidade dos muros da cidade. Para Ele permanecem cerradas as portas de ferro dos palácios.
Maria compartilha a sorte do menino, vive para ele e com ele assume os riscos da fuga e exílio. Ela cuida, protege, educa o menino entre perseguições e exílio. Enquanto existirem mães que protegem e cuidam das crianças, como Maria, haverá Natal.
José, em meio à perseguição, põe-se a serviço do Deus fugitivo, expulso, exilado do mundo. Como verdadeiro esposo e pai, ameaçado e fugitivo, percorre, com Maria e o menino, os caminhos do desterro.
Enquanto existirem pais que, como José, se arriscam pela mulher e pelos filhos, que são sua riqueza, o dom de Deus, enquanto estiverem dispostos a sofrer por seus filhos e pelas mães de seus filhos, no exílio ou na pobreza, haverá Natal.
É por esse caminho que podemos chegar à descoberta e à experiência de Deus. É também por este caminho que podemos chegar ao conhecimento de nós mesmos e nos fazermos mais humanos e solidários. Ali temos de buscá-Lo e encontrá-Lo, nós que celebramos a festa da Sagrada Família.
Cada vez mais, multidões em todos os continentes vivem o exílio na própria carne. Cada vez mais, famílias inteiras são expulsas de seus países pela fome, falta de trabalho, violência, guerra e insegurança. Cruzam mares, montanhas e desertos para bater à porta dos países desenvolvidos, onde enfrentam o rosto cruel da falta de solidariedade e do preconceito. Tais famílias vivem a dura experiência de um sentimento permanente de serem inadequadas, de não pertencer a nada nem a ninguém. Um nó na garganta e uma tristeza no coração se fazem presentes, quando elas evocam saudosamente a antiga terra, de onde foram desenraizadas.
Os cristãos fazem memória de uma família que viveu a dura realidade do exílio no Egito. Mas, parece que essa memória não desperta espírito de solidariedade e acolhida em seus corações, pois os países ditos “cristãos” são aqueles que se revelam mais frios, intransigentes e desumanos quando se trata de acolher pessoas que, por diversos motivos, foram arrancadas de suas terras.
Como exilados, Jesus e seus pais, fazem parte da corrente ininterrupta das vítimas do poder, que são obrigados a percorrer lugares inóspitos, desertos, cidades estrangeiras, gente hostil, durante o percurso dos séculos. Jesus e seus pais são irmãos de todos os refugiados políticos dos países repressivos.
Em chave de interioridade, nosso “Egito” não é outro que a identificação com o “ego”, que nos reduz à pior das escravidões.  “Egito”, em hebraico significa “lugar estreito”; vida estreita, sonhos estreitos, famílias estreitas... A “Terra Prometida” é o despertar da consciência, nossa verdadeira identidade, o território esque-cido e, com frequência, oculto detrás de tantos mapas desumanos que a nossa mente fabrica.
É preciso transitar pelos territórios interiores com liberdade, integrando e pacificando vivências, fatos, encontros e desencontros.
Ao sair desse “egito interior”, iremos nos encontrando com todos aqueles que são obrigados a se deslocar. Também com o próprio Jesus, cuja identidade compartilhamos, porque não pode haver senão um único Território, o da humanidade que transgride todas as fronteiras desumanizadoras.
Só quem transita com liberdade pelos lugares interiores será capaz de ir ao encontro do diferente, de acolhê-lo e de entrar em sintonia com ele. Transitar pela interioridade alarga a mente, expande o coração e ativa uma nova sensibilidade solidária.
Esta é a realidade: nós pensamos, sentimos, amamos a partir de onde estão nossos pés. Quando pisamos lugares atrofiados (fechados, guetos, condomínios...), nossos pensamentos e sentimentos ficam atrofiados.
Vivemos um paradoxo da “Pós-modernidade”: enquanto a tecnologia nos permite aumentar nossos conhecimentos de lugares e pessoas tão distantes de nós, ao mesmo tempo cresce o medo do outro, daquele que é diferente, daquele que não pertence à nossa raça, religião, cultura, encerrando-nos em pequenos mundos. “À medida que a sociedade se faz cada vez mais globalizada, nos faz a todos vizinhos; mas não nos faz irmãos” (Bento XVI).
Não é comum prestar atenção àqueles que estão sem lugar, sobretudo aqueles que pensam e sentem de maneira diferente; tornou-se “normal” perceber, delimitar, defender e fechar-se no próprio lugar. Isso é vivido de maneira tão zelosa que nem se vê aqueles que estão para além do próprio lugar. São grandes os riscos de se viver em horizontes tão estreitos. Tal estreiteza aprisiona a solidariedade e dá margem à indiferença, à insensibilidade social, à falta de compromisso com aqueles que foram arrancados de seus lugares. O próprio lugar se torna uma couraça e o espírito de hospitalidade some do horizonte inspirador de tudo aquilo que se faz.
A festa da Sagrada Família pede muita sabedoria, lucidez e discernimento. Ela pede de nós cristãos uma espiritualidade da acolhida, para estender pontes entre culturas, raças, sexos, crenças religiosas, visões políticas, para romper fronteiras a partir da não-violência, para criar redes que inter-atuam.
Precisamos sair de nossos pequenos e atrofiados “egitos” para criar vínculos com tantos grupos, organizações sociais, movimentos que buscam outra cultura, a cultura da solidariedade, da hospitalidade, do encon-tro comprometido.
Precisamos nos levantar cotidianamente de nos-sos lugares: há sempre pessoas “sem-lugares” que nos esperam, espaços excluídos a serem vi-sitados, ambientes atrofiados a serem curados; é preciso lançar por terra nosso modo arcaico de proceder, romper com os espaços rotineiros e cansativos para ir ao encontro dos “novos lugares” dos excluídos e expulsos de suas terras.
Pe. Adroaldo Palaoro SJ

Mensagem do Papa Francisco para o Ano Novo 2020 (4)

A paz como caminho de esperança:
diálogo, reconciliação e conversão ecológica

4. A paz, caminho de conversão ecológica
Se às vezes uma má compreensão dos nossos princípios nos levou a justificar o abuso da natureza, ou o domínio despótico do ser humano sobre a criação, ou as guerras, a injustiça e a violência, nós, crentes, podemos reconhecer que então fomos infiéis ao tesouro de sabedoria que devíamos guardar.
Vendo as consequências da nossa hostilidade contra os outros, da falta de respeito pela casa comum e da exploração abusiva dos recursos naturais – considerados como instrumentos úteis apenas para o lucro de hoje, sem respeito pelas comunidades locais, pelo bem comum e pela natureza – precisamos duma conversão ecológica.
O Sínodo recente sobre a Amazônia impele-nos a dirigir, de forma renovada, o apelo em prol duma relação pacífica entre as comunidades e a terra, entre o presente e a memória, entre as experiências e as esperanças.
Este caminho de reconciliação inclui também escuta e contemplação do mundo que nos foi dado por Deus, para fazermos dele a nossa casa comum. De fato, os recursos naturais, as numerosas formas de vida e a própria Terra foram-nos confiados para ser «cultivados e guardados» (cf. Gn 2, 15) também para as gerações futuras, com a participação responsável e diligente de cada um. Além disso, temos necessidade duma mudança nas convicções e na perspectiva, que nos abra mais ao encontro com o outro e à recepção do dom da criação, que reflete a beleza e a sabedoria do seu Artífice.
De modo particular brotam daqui motivações profundas e um novo modo de habitar na casa comum, de convivermos uns e outros com as próprias diversidades, de celebrar e respeitar a vida recebida e partilhada, de nos preocuparmos com condições e modelos de sociedade que favoreçam o desabrochar e a permanência da vida no futuro, de desenvolver o bem comum de toda a família humana.
Por conseguinte a conversão ecológica, a que apelamos, leva-nos a uma nova perspectiva sobre a vida, considerando a generosidade do Criador que nos deu a Terra e nos chama à jubilosa sobriedade da partilha. Esta conversão deve ser entendida de maneira integral, como uma transformação das relações que mantemos com as nossas irmãs e irmãos, com os outros seres vivos, com a criação na sua riquíssima variedade, com o Criador que é origem de toda a vida. Para o cristão, uma tal conversão exige deixar emergir, nas relações com o mundo que o rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus.
Franciscus

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Mensagem do Papa Francisco para o Ano Novo - 2020 (3)


A paz como caminho de esperança:
diálogo, reconciliação e conversão ecológica

3. A paz, caminho de reconciliação na comunhão fraterna
A Bíblia, particularmente através dos profetas, chama as consciências e os povos à aliança de Deus com a humanidade. Trata-se de abandonar o desejo de dominar os outros e aprender a olhar-se mutuamente como pessoas, como filhos de Deus, como irmãos. O outro nunca há de ser circunscrito àquilo que pôde ter dito ou feito, mas deve ser considerado pela promessa que traz em si mesmo. Somente escolhendo a senda do respeito é que será possível romper a espiral da vingança e empreender o caminho da esperança.
Guia-nos a passagem do Evangelho que reproduz o seguinte diálogo entre Pedro e Jesus: “Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas vezes lhe deverei perdoar? Até sete vezes?” Jesus respondeu: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt 18, 21-22). Este caminho de reconciliação convida-nos a encontrar no mais fundo do nosso coração a força do perdão e a capacidade de nos reconhecermos como irmãos e irmãs. Viver no perdão aumenta a nossa capacidade de nos tornarmos mulheres e homens de paz.

O que é verdade em relação à paz na esfera social, é verdadeiro também no campo político e econômico, pois a questão da paz permeia todas as dimensões da vida comunitária: nunca haverá paz verdadeira, se não formos capazes de construir um sistema econômico mais justo. Como escreveu Bento XVI, a vitória sobre o subdesenvolvimento exige que se atue não só sobre a melhoria das transações fundadas sobre o intercâmbio, nem apenas sobre as transferências das estruturas assistenciais de natureza pública, mas sobretudo sobre a progressiva abertura, em contexto mundial, para formas de atividade econômica caraterizadas por quotas de gratuidade e de comunhão.
Papa Francisco

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

O Evangelho dominical (Pagola) 29.12.2019


ABERTAS AO PROJETO DE DEUS

Os relatos evangélicos não deixam qualquer dúvida. Segundo Jesus, Deus tem um grande projeto: construir no mundo, uma grande família humana. Atraído por este projeto, Jesus entrega-se inteiramente dedicado a que todos sintam Deus como Pai e todos aprendam a viver como irmãos. Este é o caminho que conduz à salvação do género humano.
Para alguns, a família atual está a arruinar-se porque se perdeu o ideal tradicional da família cristã. Para outros, qualquer novidade é um progresso em direção a uma sociedade nova. Mas como é uma família aberta ao projeto humanizador de Deus? Que traços podemos destacar?
Amor entre os esposos. É o primeiro. O lar está vivo quando os pais sabem amar-se, apoiar-se mutuamente, partilhar tristezas e alegrias, perdoar, dialogar e confiar um no outro. A família começa a desumanizar-se quando cresce o egoísmo, as discussões e os mal-entendidos.
Relação entre pais e filhos. Não basta o amor entre os esposos. Quando pais e filhos vivem em confronto e quase sem nenhuma comunicação, a vida familiar torna-se impossível, a alegria desaparece, todos sofrem. A família necessita de um clima de confiança mútua para pensar no bem de todos.
Atenção aos mais frágeis. Todos devem encontrar na sua casa, acolhimento, apoio e compreensão. Mas a família torna-se mais humana, acima de tudo, quando cuida com amor e carinho os mais pequenos, quando se ama com respeito e paciência os idosos, quando se atende os doentes ou deficientes, quando não se abandona a quem está a passar mal.
Abertura para os necessitados. Uma família trabalha por um mundo mais humano, quando não se fecha nos seus problemas e interesses, mas vive aberta às necessidades de outras famílias: lares desfeitos que vivem situações de conflito e de dor, e necessitam de apoio e compreensão; famílias sem trabalho ou rendimento, que necessitam de ajuda material; famílias de imigrantes que pedem acolhimento e amizade.
Crescimento da fé. Na família, aprende-se a viver as coisas mais importantes. Portanto, é o melhor lugar para aprender a acreditar nesse Deus bom, Pai de todos; para conhecer o estilo de vida de Jesus; para descobrir a Sua Boa Nova; para rezar juntos à volta da mesa; para tomar parte da vida da comunidade de seguidores de Jesus. Estas famílias cristãs contribuem para a construção desse mundo mais justo, digno e abençoado, amado por Deus. São uma bênção para a sociedade.
José Antônio Pagola.
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez.

Mensagem do Papa Francisco para o Ano Novo 2020 (2)

A paz como caminho de esperança:
diálogo, reconciliação e conversão ecológica

2. A paz, caminho de escuta baseado na memória e na solidariedade
Os sobreviventes aos bombardeamentos atômicos de Hiroshima e Nagasaki contam-se entre aqueles que, hoje, mantêm viva a chama da consciência coletiva, testemunhando às sucessivas gerações o horror daquilo que aconteceu em agosto de 1945 e os sofrimentos indescritíveis que se seguiram até aos dias de hoje. Assim, o seu testemunho aviva e preserva a memória das vítimas, para que a consciência humana se torne cada vez mais forte contra toda a vontade de domínio e destruição. «Não podemos permitir que as atuais e as novas gerações percam a memória do que aconteceu, aquela memória que é garantia e estímulo para construir um futuro mais justo e fraterno.
Como eles, há muitos, em todas as partes do mundo, que oferecem às gerações futuras o serviço imprescindível da memória, que deve ser preservada não apenas para evitar que se voltem a cometer os mesmos erros ou se reproponham os esquemas ilusórios do passado, mas também para que a memória, fruto da experiência, constitua a raiz e sugira a vereda para as opções de paz presentes e futuras.

Mais ainda, a memória é o horizonte da esperança: muitas vezes, na escuridão das guerras e dos conflitos, a lembrança mesmo dum pequeno gesto de solidariedade recebida pode inspirar opções corajosas e até heroicas, pode colocar em movimento novas energias e reacender nova esperança nos indivíduos e nas comunidades.
Abrir e traçar um caminho de paz é um desafio muito complexo, pois os interesses em jogo, nas relações entre pessoas, comunidades e nações, são múltiplos e contraditórios. É preciso, antes de mais nada, apelar à consciência moral e à vontade pessoal e política. Com efeito, a paz alcança-se no mais fundo do coração humano, e a vontade política deve ser incessantemente revigorada para abrir novos processos que reconciliem e unam pessoas e comunidades.
O mundo não precisa de palavras vazias, mas de testemunhas convictas, artesãos da paz abertos ao diálogo sem exclusões nem manipulações. De fato, só se pode chegar verdadeiramente à paz quando houver um convicto diálogo de homens e mulheres que buscam a verdade mais além das ideologias e das diferentes opiniões. A paz é uma construção que deve estar constantemente a ser edificada, um caminho que percorremos juntos procurando sempre o bem comum e comprometendo-nos a manter a palavra dada e a respeitar o direito. Na escuta mútua, podem crescer também o conhecimento e a estima do outro, até ao ponto de reconhecer no inimigo o rosto dum irmão.
Por conseguinte, o processo de paz é um empenho que se prolonga no tempo. É um trabalho paciente de busca da verdade e da justiça, que honra a memória das vítimas e abre, passo a passo, para uma esperança comum, mais forte que a vingança. Num Estado de direito, a democracia pode ser um paradigma significativo deste processo, se estiver baseada na justiça e no compromisso de tutelar os direitos de cada um, especialmente se vulnerável ou marginalizado, na busca contínua da verdade. Trata-se duma construção social em contínua elaboração, para a qual cada um presta responsavelmente a própria contribuição, a todos os níveis da comunidade local, nacional e mundial.
Como assinalava o Papa São Paulo VI, a dupla aspiração à igualdade e à participação procura promover um tipo de sociedade democrática. Isto, de per si, já diz bem qual a importância de uma educação para a vida em sociedade, em que, para além da informação sobre os direitos de cada um, seja recordado também o seu necessário correlativo: o reconhecimento dos deveres de cada um em relação aos outros. O sentido e a prática do dever são, por sua vez, condicionados pelo domínio de si mesmo, pela aceitação das responsabilidades e das limitações impostas ao exercício da liberdade do indivíduo ou do grupo.
Pelo contrário, a fratura entre os membros duma sociedade, o aumento das desigualdades sociais e a recusa de empregar os meios para um desenvolvimento humano integral colocam em perigo a prossecução do bem comum. Inversamente, o trabalho paciente, baseado na força da palavra e da verdade, pode despertar nas pessoas a capacidade de compaixão e solidariedade criativa.
Na nossa experiência cristã, fazemos constantemente memória de Cristo, que deu a sua vida pela nossa reconciliação (cf. Rm 5, 6-11). A Igreja participa plenamente na busca duma ordem justa, continuando a servir o bem comum e a alimentar a esperança da paz, através da transmissão dos valores cristãos, do ensinamento moral e das obras sociais e educacionais.

Papa Francisco

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

ANO A | TEMPO DE NATAL | FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA – 29.12.2019


A Sagrada Família assume as raízes e esperanças do seu povo!
Hoje somos convidados a contemplar o quadro de uma família que caminha em meio às contingências da história, guiada pelas fecundas sendas da fé. A família de Nazaré percorre o duro caminho dos refugiados e, voltando do exílio, toma distância de Jerusalém e vai viver em Nazaré, na periferia do judaísmo. Ninguém percebe nada de especial nessa família. O essencial permanece oculto ao olhar que não considera as coisas à luz da fé. O Verbo de Deus se fez carne, e fez de uma família anônima e normal o seu lar e o seu santuário!
Depois de uma estadia que podemos imaginar difícil no Egito, obediente à voz do anjo, José discerne o tempo de voltar à sua terra e toma o rumo da Galileia, onde estabelece sua morada. O povo da Galileia era um povo mestiço, tanto do ponto de vista étnico como religioso, e a região era considerada uma terra de gentios (cf. Is 8,23). De fato, a Galileia nunca chegou a ser uma região verdadeiramente israelita, pelo menos do ponto de vista religioso. E Nazaré era um pequeno povoado que pouco representava para os judeus, mesmo que nela tenha possivelmente vivido um ramo marginal da descendência de Davi.
Para a Sagrada Família de Nazaré, manter a decisão de morar em Nazaré significou fazer suas as esperanças cultivadas pelo “resto de Israel”, pelo “broto das raízes de Jessé” (cf. Is 11,1-9). Implicou também em não se afastar das raízes populares e do vínculo com os pobres, assumir resolutamente os caminhos abertos pelos povos periféricos, por ‘aqueles que estão longe’, e privilegiar a encarnação da esperança nos retalhos que compõem a vida cotidiana, dimensão que tece a vida normal de todas as pessoas. Eis aqui uma perspectiva que os discípulos missionários jamais devem abandonar!
Nas cenas descritas pelo evangelista, José e Maria não dizem uma única palavra. O protagonista e o dono da Palavra é Deus. É Ele quem fala e conduz todas decisões e ações. O próprio José, mesmo tomando iniciativas lúcidas que respondem ao apelo que Deus lhe faz mediante os sonhos, não governa sua família como um patriarca que manda e espera ser obedecido. Ao contrário, é ele quem obedece e, atento aos acontecimentos históricos, protege fielmente e se põe a serviço da esposa e do filho, sacrificando a isso honras e comodidades. Como Abraão, ele vive pela fé e, assim, se revela um grande amigo de Deus.
A cena descrita por Mateus não nos dá permissão para imaginar a Sagrada Família de Nazaré de modo ingênuo ou romântico. Como expressão da eterna compaixão de Deus pela humanidade e da resposta absolutamente generosa da humanidade a este dom, a família de Nazaré inspira as famílias a serem espaço e dinamismo de enraizamento nas utopias do nosso povo e de crescimento humano e espiritual; a formar comunidades afetivas que tecem seus vínculos num amor inclusivo e aberto; a caminhar discernindo Palavra e a vontade de Deus nos complexos e às vezes obscuros sinais dos tempos.
O Papa Francisco exorta as famílias a terem diante de si o ícone da família de Nazaré, “com seu dia-a-dia feito de fadigas e até de pesadelos, como quando teve que sofrer a violência incompreensível de Herodes, experiência que ainda hoje se repete tragicamente em muitas famílias de refugiados.” E convida as famílias a se inspirarem nos magos e a contemplar o Menino e sua Mãe, prostrando-se e adorando-o. Por fim, como Maria, exorta as famílias a viverem “com coragem e serenidade, os desafios familiares tristes e entusiasmantes, e a guardar e meditar no coração as maravilhas de Deus” (Amoris Laetitia, 30).
No tesouro do coração de Maria e de José estão os acontecimentos, dificuldades, sonhos e lutas de cada família de hoje, como a situação de mais de 20 milhões de mães brasileiras solteiras, e de mais de 5 milhões de filhos e filhas sem o nome de um pai no seu registro. Nas situações difíceis das pessoas e famílias mais necessitadas, a Igreja é chamada a “compreender, consolar e integrar”, evitando a imposição de “um conjunto de normas como se fosse uma rocha”. A Igreja deve portar-se como uma mãe, de quem se espera uma manifestação clara e inequívoca da misericórdia de Deus (cf. Amoris Laetitia, 49).
Jesus Salvador, filho de Maria e de José, Irmão querido! Viveste a aventura e os desafios que a vida familiar encerra. Guia nossas famílias e comunidades no caminho que tu mesmo percorreste com tua família: no amor terno e comunicativo; na dedicação e fidelidade recíprocas; na atenção à surpreendente Palavra de Deus; na abertura às dores e aos sonhos da humanidade; no empenho lúcido e generoso na tarefa de derrubar as barreiras, até que todos os homens e mulheres sejam, de fato, uma só família. Assim seja! Amém!
 Itacir Brassiani msf
Livro do Eclesiástico 3,3-17 | Salmo 127 (128)
Carta de Paulo aos Colossenses 3,12-21 | Evangelho de São Mateus 2,13-23

Mensagem do Papa Francisco para o Ano Novo 2020 (1)


A paz como caminho de esperança:
diálogo, reconciliação e conversão ecológica

1. A paz, caminho de esperança face aos obstáculos e provações
A paz é um bem precioso, objeto da nossa esperança; por ela aspira toda a humanidade. Depor esperança na paz é um comportamento humano que alberga uma tal tensão existencial, que o momento presente, às vezes custoso, só pode ser vivido e aceito se levar a uma meta e se pudermos estar seguros dessa meta, se esta meta for tão grande que justifique a canseira do caminho. Assim, a esperança é a virtude que nos coloca a caminho, dá asas para continuar, mesmo quando os obstáculos parecem intransponíveis.
A comunidade humana traz, na memória e na carne, os sinais das guerras e conflitos que têm vindo a suceder-se, com crescente capacidade destruidora, afetando especialmente os mais pobres e frágeis. Há nações inteiras que não conseguem libertar-se das cadeias de exploração e corrupção que alimentam ódios e violências. A muitos homens e mulheres, crianças e idosos, ainda hoje se nega a dignidade, a integridade física, a liberdade – incluindo a liberdade religiosa – a solidariedade comunitária, a esperança no futuro. Inúmeras vítimas inocentes carregam sobre si o tormento da humilhação e da exclusão, do luto e da injustiça, se não mesmo os traumas resultantes da opressão sistemática contra o seu povo e os seus entes queridos.
As terríveis provações dos conflitos civis e dos conflitos internacionais, agravadas muitas vezes por violências desalmadas, marcam o corpo e a alma da humanidade. Na realidade, toda a guerra se revela um fratricídio que destrói o próprio projeto de fraternidade, inscrito na vocação da família humana.
Sabemos que, muitas vezes, a guerra começa pelo fato de não se suportar a diversidade do outro, que fomenta o desejo de posse e a vontade de domínio. Nasce, no coração do homem, a partir do egoísmo e do orgulho, do ódio que induz a destruir, a dar uma imagem negativa do outro, a excluí-lo e cancelá-lo. A guerra nutre-se com a perversão das relações, com as ambições hegemônicas, os abusos de poder, com o medo do outro e a diferença vista como obstáculo; e simultaneamente alimenta tudo isso.
Como assinalei durante a recente viagem ao Japão, é paradoxal que o nosso mundo viva a dicotomia perversa de querer defender e garantir a estabilidade e a paz com base numa falsa segurança sustentada por uma mentalidade de medo e desconfiança, que acaba por envenenar as relações entre os povos e impedir a possibilidade de qualquer diálogo. A paz e a estabilidade internacional são incompatíveis com qualquer tentativa de as construir sobre o medo de mútua destruição ou sobre uma ameaça de aniquilação total. São possíveis só a partir duma ética global de solidariedade e cooperação ao serviço dum futuro modelado pela interdependência e a corresponsabilidade na família humana inteira de hoje e de amanhã.
Toda a situação de ameaça alimenta a desconfiança e a retirada para dentro da própria condição. Desconfiança e medo aumentam a fragilidade das relações e o risco de violência, num círculo vicioso que nunca poderá levar a uma relação de paz. Neste sentido, a própria dissuasão nuclear só pode criar uma segurança ilusória.
Por isso, não podemos pretender manter a estabilidade no mundo através do medo da aniquilação, num equilíbrio muito instável, pendente sobre o abismo nuclear e fechado dentro dos muros da indiferença, onde se tomam decisões socioeconômicas que abrem a estrada para os dramas do descarte do homem e da criação, em vez de nos guardarmos uns aos outros. Então como construir um caminho de paz e mútuo reconhecimento? Como romper a lógica morbosa da ameaça e do medo? Como quebrar a dinâmica de desconfiança atualmente prevalecente?
Devemos procurar uma fraternidade real, baseada na origem comum de Deus e vivida no diálogo e na confiança mútua. O desejo de paz está profundamente inscrito no coração do homem e não devemos resignar-nos com nada de menos.
Papa Francisco

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Sugestão de presentes para o Natal



Os presentes mais preciosos que podemos dar neste Natal:

Aos amigos e irmãos: a Confiança!
Aos inimigos e indiferentes: o Perdão!
Aos pais e mais velhos: o Respeito!
Aos filhos e mais novos: o Exemplo!
Aos tristes e desanimados: a Esperança!
Aos que nos procuram: a Hospitalidade!
A Deus e a todos: a Gratidão!

Você quer, você precisa? Tome, eu escolhi para você!

(Natal de 2019)

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

A luz do Natal de Jesus


A EXCITANTE NOITE DO NATAL
 “Naquela região, havia uns pastores que passavam a noite nos campos... A glória do Senhor os envolveu em luz” (Lc 2,8-9).
O evento do Nascimento de Jesus, o anúncio deste acontecimento e a resposta a este anúncio acontecem na noite, na pobreza, na pequenez. Alguém, na noite profunda, nasce para nós: agitam-se os acampamentos noturnos daqueles que aguardam o dia.
Na noite irrompe a luz, no silêncio ressoam o canto e a festa, na gruta surge a Vida. A noite é justamente o lugar do amor, o ventre do mistério, o tempo da concepção e do “natal”, o momento do encontro, do espanto e da acolhida.
A luz daquela noite calmamente ilumina e dá sentido a tantos pensamentos e a tantas expectativas. A noite permanece, mas torna-se finalmente compreensível, fascinante, eloqüente...
Contemplando a noite do Natal, o coração se alarga até o assombro, os braços se abrem para a acolhida, os olhos se aquecem ao reconhecer Àquele que, como criança, veio ao nosso encontro. Nas sombras das cidades Ele se faz encontrar, na solidão revela sua presença, na fragilidade mostra seu rosto.
O Menino de Belém nos é doado simplesmente como Luz na noite, como canto de louvor que interrompe o silêncio, como paz que nasce da experiência de sentir-se amado.
Na noite, o Senhor da História se faz história, o divino se faz humano, o Silêncio torna-se Palavra e o Verbo se faz Criança. O dia não chega de improviso; também não é fácil reconhecer o instante preciso em que isso começa, assim como não cresce improvisamente a vida no ventre de uma mulher.
Naquela noite, a atitude de velar mantém os pastores em estado de atenção: vigilantes, eles conservam seus olhos abertos e oferecem mutuamente calor e companhia. Em um primeiro momento, ao receber tanta luz de uma vez só, ela os cega e o medo se apodera deles. Mas, depois do encontro com a Luz e retornando aos seus lugares, levam consigo a frágil e exultante tranqüilidade do Menino. Assim, aquele encontro se transforma num festivo canto de louvor pela experiência vivida.
Eles agora são criaturas novas, não são mais como antes. O anúncio ouvido na noite deu-lhes a conhecer a fidelidade da “Palavra que se fez carne”, manifestada no Menino de Belém.
A história da humanidade ganha sentido e orientação somente à luz deste evento natalício; Luz que vem do alto e ressoa dentro, no silêncio e na noite do caminho, como um canto de alegria e um anúncio de paz.
Sobre o Menino se inclina sua Mãe, em silêncio: o Amor não precisa de palavras para ser entendido. Na noite Ele vem; no vento pronuncia o nosso nome; na cidade dos homens se deixa acolher; na solidão revela sua presença; na fragilidade se faz encontrar...
Natal é a irrupção da Luz. Com seu nascimento, Jesus dissipa as sombras do mundo, enche a Noite Santa de um fulgor celestial e difunde sobre o rosto dos homens e mulheres o esplendor da Beleza de Deus Pai.
Em torno ao Menino Jesus, movem-se personagens obscuros e outros tocados pela luz. Aqueles que não são capazes de vê-lo serão também aqueles que o rejeitarão mais tarde.
A luz, de fato, está fora de nós, é exterior, impalpável, intocável; mas também está em nós e sobre nós, nos ilumina, individualiza, é vida e calor. Sempre que temos a possibilidade de “mais luz” em nossa vida, também rondam os medos e, muitas vezes, toda transformação se encontra bloqueada pelo medo.
Mas, uma vez que a Luz do Menino nos toca, iluminando nossas dimensões sombrias, já não podemos retornar aos nossos lugares do mesmo modo: passamos a carregar em nosso interior uma Presença que nos plenifica. Tudo fica transformado pela irradiação da Luz que emerge a partir de dentro, iluminando todos os lugares por onde passamos e revelando a dignidade e a beleza de tudo e de todos. Diante de tal Luz, nós nos tornamos “lugar iluminado”; e a vida inteira passa a ser presépio, gruta, espaço sem limites onde acolher os outros.
A ação de Deus provoca um “deslocamento” geográfico, social, religioso, e todo aquele que pretende encontrar-se com Jesus terá de dar meia-volta e peregrinar em direção às “margens”.
O Senhor vem em meio à noite de nossa existência. Na sua direção põe-se a caminho os simples, os pobres, os excluídos, os últimos: somente eles tem olhos capazes de reconhecer a Luz; a Ele vão todos os que, em seu coração, lançam-se a uma busca aberta: somente quem deseja a Luz pode ver o brilho nos olhos do Menino de Belém! Na presença dele tudo é iluminado, tudo é aceito, tudo encontra seu lugar, nada é recusado.
Natal, noite dos “excessos”; a noite de Belém teve muito disso, ou seja, de exceder-se e transbordar, de ultrapassar todos os limites, todas as medidas, todo o conveniente, todo o adequado: escuridão inundada de resplendor, silêncio explodindo em hinos, pastores correndo em busca do Pastor, uma gruta transformada em templo aberto. Em palavras de Efrém de Nísive (séc. IV): o Grande se fazia pequeno, o Silencioso se tornava Palavra, o Senhor se transformou em servo, o Sentinela permanecia adormecido sobre um presépio.
Para transitar na noite de nosso tempo precisamos buscar na Gruta de Beléma Luz que a ilumine e nos indique a direção e o sentido de nossa existência.
A noite pede pessoas marcadas pela experiência natalina, capazes de ver a presença do Menino Deus no meio das realidades simples e cotidianas, no profundo do coração de cada ser humano, de cada realidade vivente, de cada palmo de nossa terra, no mistério insondável do universo grávido de graça.
Precisamos cultivar não só olhos que vejam a realidade, senão que sejam capazes de contemplar, no meio da noite, a presença da Luz: uma luz que brota das profundezas da realidade, do profundo do ser onde o Deus, fonte de vida, sustenta tudo; uma luz que nos faz descobrir nosso ser essencial: filhos e filhas amados(as) e irmanados(as) com todos e com tudo.
Certamente, nosso mundo está envolvido em muitas trevas (intolerâncias, violências, preconceitos...) mas, no meio delas, permanece acesa uma luz de humanismo e de esperança, porque só Deus pode fazer-se tão humano e suscitar em nós sentimentos de bondade e de fraternidade. S. João, no prólogo do seu evangelho afirma que as trevas não conseguiram apagar a Luz; é a luz que brilha em meio às trevas. Também no primeiro Natal a luz brilhou no meio das trevas da prepotência e opressão do Império Romano, no meio da hipocrisia dos sacerdotes e fariseus, no meio da crueldade do rei Herodes, no meio da indiferença dos vizinhos que não lhe deram pousada e não o receberam. Os pastores, sim, captaram esta Luz.
Natal é Jesus no meio de nós, Deus-conosco, Deus Menino que nos acompanha sempre. Não nos deixemos roubar esta esperança porque a Luz do Natal antecipa a luz da Páscoa da Ressurreição e vence as trevas de nosso mundo. Mesmo que seja uma luz tão pequena...
Nesta noite, a mais clara, redescobrir que o sentido de nossa vida não é outro que ser luz e levar luz a tantos ambientes envoltos nas trevas da vio-lência e da morte, ativando a luz presente no interior de cada pessoa; redescobrir que o sentido de nossa existência está em esvaziarmos de nós mesmos para que o amor che-gue puro e limpo a todos; re-encon-trar o sentido de nossa vida, ou seja, servindo, para que todos cheguem à Gruta de Belém, o único lugar onde não há excluídos.
Que a Luz Natalina brilhe e se faça presente nos corações e em todos os lares e comunidades.                                                                  Pe. Adroaldo Palaoro sj

O Evangelho do Natal (Pagola)


VOLTAR A BELEM

No meio de felicitações e presentes, entre jantares e agitação, quase oculto por luzes, árvores e estrelas, é possível ainda vislumbrar no centro das festas de Natal «um menino deitado na manjedoura». O mesmo acontece no relato de Belém. Há luzes, anjos e canções, mas o coração dessa grandiosa cena é ocupada por um menino numa manjedoura.

O evangelista narra o nascimento do Messias com uma sobriedade surpreendente. Maria «chegou a hora do nascimento e deu à luz o Seu filho». Nem uma palavra mais. O que realmente parece-lhe interessar é como se acolhe o menino. Enquanto em Belém «não há lugar» nem mesmo na estalagem, em Maria encontra um acolhimento comovente. A mãe não tem meios, mas tem coração: «Envolveu-O em fraldas e deitou-O numa manjedoura».

Não podemos continuar o relato sem expressar a nossa primeira surpresa: Deus encarna nesta criança? Nunca o teríamos imaginado assim! Pensamos num Deus majestoso e onipotente, e Ele apresenta-se a nós na fragilidade de uma criança débil e indefesa. Imaginamo-Lo grande e distante, e Ele oferece-se na ternura de um recém-nascido. Santa Teresinha do Menino Jesus, diz: «Eu não posso temer um Deus que se tornou tão pequeno por mim... Eu O amo!»

O relato oferece uma chave para aproximarmo-nos do mistério desse Deus. Lucas insiste até três vezes na importância da manjedoura. É como uma obsessão. Maria coloca-O numa manjedoura. Os pastores não recebem outro sinal: eles O encontrarão numa manjedoura. Efetivamente, eles encontram-No na manjedoura ao chegar a Belém. A manjedoura é o primeiro lugar na terra onde se manifesta esse Deus feito criança. Essa manjedoura é o sinal para O reconhecer, o lugar onde há que o encontrar. O que se esconde por detrás desse enigma?

Lucas refere-se a umas palavras do profeta Isaías, em que Deus se queixa assim: «O boi conhece o seu amo; o burro conhece a manjedoura do seu Senhor. Mas Israel não me conhece, não pensa em mim» (Isaías 1,3). A Deus não há que procura-Lo no admirável e maravilhoso, mas no comum e cotidiano. Não há que indagar no grande, mas rastrear no pequeno.

Os pastores indicam-nos em que direção procurar o mistério do Natal: «Vamos a Belém». Mudemos a nossa ideia de Deus. Façamos uma releitura do nosso cristianismo. Voltemos ao início e descubramos um Deus próximo e pobre. Vamos acolher a sua ternura. Para o cristão, celebrar o Natal é «voltar a Belém».

José Antonio Pagola
Tradutor: Antonio Manuel Álvarez Perez