quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

ANO A | TEMPO DE NATAL | FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA – 29.12.2019


A Sagrada Família assume as raízes e esperanças do seu povo!
Hoje somos convidados a contemplar o quadro de uma família que caminha em meio às contingências da história, guiada pelas fecundas sendas da fé. A família de Nazaré percorre o duro caminho dos refugiados e, voltando do exílio, toma distância de Jerusalém e vai viver em Nazaré, na periferia do judaísmo. Ninguém percebe nada de especial nessa família. O essencial permanece oculto ao olhar que não considera as coisas à luz da fé. O Verbo de Deus se fez carne, e fez de uma família anônima e normal o seu lar e o seu santuário!
Depois de uma estadia que podemos imaginar difícil no Egito, obediente à voz do anjo, José discerne o tempo de voltar à sua terra e toma o rumo da Galileia, onde estabelece sua morada. O povo da Galileia era um povo mestiço, tanto do ponto de vista étnico como religioso, e a região era considerada uma terra de gentios (cf. Is 8,23). De fato, a Galileia nunca chegou a ser uma região verdadeiramente israelita, pelo menos do ponto de vista religioso. E Nazaré era um pequeno povoado que pouco representava para os judeus, mesmo que nela tenha possivelmente vivido um ramo marginal da descendência de Davi.
Para a Sagrada Família de Nazaré, manter a decisão de morar em Nazaré significou fazer suas as esperanças cultivadas pelo “resto de Israel”, pelo “broto das raízes de Jessé” (cf. Is 11,1-9). Implicou também em não se afastar das raízes populares e do vínculo com os pobres, assumir resolutamente os caminhos abertos pelos povos periféricos, por ‘aqueles que estão longe’, e privilegiar a encarnação da esperança nos retalhos que compõem a vida cotidiana, dimensão que tece a vida normal de todas as pessoas. Eis aqui uma perspectiva que os discípulos missionários jamais devem abandonar!
Nas cenas descritas pelo evangelista, José e Maria não dizem uma única palavra. O protagonista e o dono da Palavra é Deus. É Ele quem fala e conduz todas decisões e ações. O próprio José, mesmo tomando iniciativas lúcidas que respondem ao apelo que Deus lhe faz mediante os sonhos, não governa sua família como um patriarca que manda e espera ser obedecido. Ao contrário, é ele quem obedece e, atento aos acontecimentos históricos, protege fielmente e se põe a serviço da esposa e do filho, sacrificando a isso honras e comodidades. Como Abraão, ele vive pela fé e, assim, se revela um grande amigo de Deus.
A cena descrita por Mateus não nos dá permissão para imaginar a Sagrada Família de Nazaré de modo ingênuo ou romântico. Como expressão da eterna compaixão de Deus pela humanidade e da resposta absolutamente generosa da humanidade a este dom, a família de Nazaré inspira as famílias a serem espaço e dinamismo de enraizamento nas utopias do nosso povo e de crescimento humano e espiritual; a formar comunidades afetivas que tecem seus vínculos num amor inclusivo e aberto; a caminhar discernindo Palavra e a vontade de Deus nos complexos e às vezes obscuros sinais dos tempos.
O Papa Francisco exorta as famílias a terem diante de si o ícone da família de Nazaré, “com seu dia-a-dia feito de fadigas e até de pesadelos, como quando teve que sofrer a violência incompreensível de Herodes, experiência que ainda hoje se repete tragicamente em muitas famílias de refugiados.” E convida as famílias a se inspirarem nos magos e a contemplar o Menino e sua Mãe, prostrando-se e adorando-o. Por fim, como Maria, exorta as famílias a viverem “com coragem e serenidade, os desafios familiares tristes e entusiasmantes, e a guardar e meditar no coração as maravilhas de Deus” (Amoris Laetitia, 30).
No tesouro do coração de Maria e de José estão os acontecimentos, dificuldades, sonhos e lutas de cada família de hoje, como a situação de mais de 20 milhões de mães brasileiras solteiras, e de mais de 5 milhões de filhos e filhas sem o nome de um pai no seu registro. Nas situações difíceis das pessoas e famílias mais necessitadas, a Igreja é chamada a “compreender, consolar e integrar”, evitando a imposição de “um conjunto de normas como se fosse uma rocha”. A Igreja deve portar-se como uma mãe, de quem se espera uma manifestação clara e inequívoca da misericórdia de Deus (cf. Amoris Laetitia, 49).
Jesus Salvador, filho de Maria e de José, Irmão querido! Viveste a aventura e os desafios que a vida familiar encerra. Guia nossas famílias e comunidades no caminho que tu mesmo percorreste com tua família: no amor terno e comunicativo; na dedicação e fidelidade recíprocas; na atenção à surpreendente Palavra de Deus; na abertura às dores e aos sonhos da humanidade; no empenho lúcido e generoso na tarefa de derrubar as barreiras, até que todos os homens e mulheres sejam, de fato, uma só família. Assim seja! Amém!
 Itacir Brassiani msf
Livro do Eclesiástico 3,3-17 | Salmo 127 (128)
Carta de Paulo aos Colossenses 3,12-21 | Evangelho de São Mateus 2,13-23

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