quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Sobre pirralhas e energúmenos



A pirralha e o energúmeno
De acordo com os repetidos impropérios e inverdades do presidente Jair M. Bolsonaro, a “pirralha” seria a ativista ambiental sueca Greta Tintin Eleonora EmmanThunberg, mais conhecida como Greta Thunberg.
Com apenas 16 anos de idade, tornou-se um ícone das lutas ambientalistas ao liderar o movimento Greve das escolas pelo clima. Desde então, tem sido uma referência internacional para o cuidado e preservação do meio ambiente, ameaçado em seu equilíbrio pela aceleração incontrolada das mudanças climáticas e suas consequências nefastas e irreversíveis. A firmeza e persistência de Greta renderam-lhe o título de personalidade do ano, com direito a figurar na capa da revista estadunidense Time.
Ainda segundo os destemperos truculentos do presidente Bolsonaro, o “energúmeno” seria o educador e filósofo brasileiro Paulo Reglus Neves Freire, ou simplesmente Paulo Freire. Falecido em maio de 1997, é considerado um dos pensadores mais influentes da história da pedagogia mundial. A partir do contexto do Nordeste brasileiro, criou um método crítico e interativo de alfabetização, o qual, além de conduzir as pessoas ao mundo da leitura e da escrita, constituía também uma via para um processo de conscientização, organização e mobilização popular.
Embora tenha sido banido pela ditadura militar, segue considerado, o patrono da educação brasileira. Entre suas numerosas obras publicadas, podemos destacar Pedagogia do oprimido (1968), Educação como prática da liberdade (1965), Os cristãos e a libertação dos oprimidos(1978), Educação e mudança (1981), Prática e educação (1985), Por uma pedagogia da pergunta (1985), A educação na cidade (1991) – além de Cartas à Guiné Bissau (registros de uma experiência em processo) e Política e educação (ensaios).
Cabe um olhar ao dicionário. A palavra “pirralha” significa criança ou jovem, em geral de pequena estatura. Já o termo “energúmeno”, de acordo com o dicionário Houaiss, tem três significados: a) no cristianismo primitivo, indivíduo possuído pelo demônio; possesso, endemoniado; b) pessoa que age com violência, de forma irracional, brutal; c) indivíduo ignorante; boçal, imbecil. Outros dicionários acrescentam um desfile de adjetivos com tonalidades marcadamente pejorativas: idiota, pateta, tonto, inepto, estúpido, tapado, besta, burro, estulto, abestado, desequilibrado, descontrolado, desatinado, desnorteado, fanático, furioso, exaltado, louco, arrebatado.
Poucos brasileiros (e cidadãos de outros países), com um mínimo de bom senso e escolaridade, ousariam utilizar um dos adjetivos acima para se referir ao grande educador que foi Paulo Freire. Reconhecido internacionalmente como um inovador no processo educativo, deixou-nos um legado que engradece o país e o mundo.
Após o golpe militar de 1964, foi preso durante 70 dias, exilando-se depois no Chile. Nesse país, ajudou em trabalhos de educação de adultos, bem como no Instituto Chileno para a Reforma Agrária. No final da década de 1960, lecionou na Universidade de Harvard, situada em Cambridge, estado de Massachusetts, nos Estados Unidos.
Num período de dez anos, exerceu o cargo de consultor especial do Departamento de Educação do Conselho Mundial das Igrejas, em Genebra, na Suíça. Na qualidade de consultor educacional, efetuou várias viagens pelos países do Terceiro Mundo. Retornou ao Brasil com a anistia de 1980, tendo sido professor da UNICAMP e da PUC, bem como Secretário de Educação da prefeitura de São Paulo, no mandato da prefeita Luísa Erundina.
De igual modo, poucos suecos (e cidadãos de outros países), com um mínimo de bom senso e escolaridade, ousariam referir-se a Greta Thunberg como pirralha. Não obstante a tenra idade, ela nos deixa a herança de um cuidado sóbrio e responsável com “nossa casa comum”, para usar a expressão do Papa Francisco, e com as futuras gerações.
Lamentavelmente, os governantes e autoridades das repetidas Conferências sobre mudanças climáticas, representantes de várias nações do planeta, continuam surdos ao grito da terra e da vida. Da mesma forma que o governo e as autoridades do Brasil seguem míopes ou cegos às inovações corajosas e libertadoras da filosofia e pedagogia de Paulo Freire.
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs

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