quinta-feira, 26 de setembro de 2019

O Evangelho dominical (Pagola) - 29.09.2019


QUEBRAR A INDIFERENÇA

Segundo Lucas, quando Jesus gritou que não se pode servir a Deus e ao dinheiro, alguns fariseus que o ouviam e eram amigos do dinheiro riram-se dele. Mas Jesus não recua, e conta uma parábola comovente para que aqueles que vivem escravos da riqueza possam abrir os olhos.
Jesus descreve em poucas palavras uma situação dramática. Um homem rico e um mendigo pobre, que vivem perto um do outro, estão separados pelo abismo que há entre a vida de opulência insultante do rico e a miséria extrema do pobre.
A história descreve os dois personagens enfatizando fortemente o contraste entre os dois. O homem rico está vestido de púrpura e linho fino, o corpo do pobre está coberto de feridas. O rico banqueteia-se esplendidamente, não apenas nos dias de festa, mas diariamente; o pobre está deitado na sua porta, incapaz de levar à boca o que cai da mesa do homem rico. Apenas os cachorros que procuram algo no lixo lambem suas feridas.
Não se fala em nenhum momento que o homem rico tenha explorado o pobre ou que o tenha maltratado ou desprezado. Poderíamos dizer que não fez nada de mal. No entanto, toda a sua vida é desumana, pois só vive para o seu próprio bem-estar. O seu coração é de pedra. Ignora totalmente o pobre. Tem-no à sua frente, mas ele não o vê. Está ali mesmo, doente, faminto e abandonado, mas não consegue atravessar a porta para tomar conta dele.
Não nos enganemos. Jesus não está a denunciar apenas a situação da Galileia dos anos trinta. Está tentando mexer com a consciência daqueles que se acostumaram a viver na abundância, tendo junto ao seu portal, apenas a algumas horas de voo, a povos inteiros vivendo na miséria mais absoluta.
É desumano fechar-nos na nossa sociedade do bem-estar ignorando totalmente essa outra sociedade do mal estar. É cruel continuar a alimentar essa secreta ilusão de inocência que nos permite viver com a consciência tranquila, pensando que a culpa é de todos e de ninguém.
A nossa primeira tarefa é quebrar a indiferença. Resistir a desfrutar de um bem-estar vazio de compaixão. Não continuar a isolar-nos mentalmente para deslocar a miséria e a fome que há no mundo em direção a uma afastamento abstrato, para poder assim viver sem ouvir nenhum clamor, gemido ou choro.
O Evangelho pode nos ajudar a viver vigilantes, sem tornarmo-nos cada vez mais insensíveis aos sofrimentos dos abandonados, sem perder o sentido da responsabilidade fraterna e sem permanecermos passivos e omissos.
José Antônio Pagola.
Tradutor: Antônio Manuel Álvarez Perez.

ANO C | TEMPO COMUM | VIGÉSIMO-SEXTO DOMINGO | 29.09.2019


A Palavra de Deus nos mostra o caminho e pede conversão!
Caminhando decididamente para Jerusalém, arena do confronto definitivo com os poderes que discriminam, excluem e matam, inclusive em nome de Deus, Jesus continua alertando e formando seus discípulos em relação à tentação da aparência, do dinheiro e do poder. Ele polemiza com os fariseus, mas sua atenção está voltada aos discípulos. A fé na sua Palavra e a adesão aos seus ensinamentos deve qualificar a relação dos seus discípulos com os bens e com os pobres. Uma fé vivida unicamente como remédio para nossos males individuais ou como combustível para uma carreira de sucesso tem pouco a ver com ele.
Tanto no tempo do Jesus como hoje, há um abismo tão real quanto ignorado e encoberto que separa as pessoas que frequentam a mesma comunidade, os cidadãos de um mesmo pais, os habitantes do único planeta. É isso que aparece na parábola de hoje: há um rico que se veste elegantemente e dá esplêndidas festas todos os dias; e há um pobre coberto de feridas, devorado pela fome, rodeado de cães e sentado na calçada, em frente à porta da casa do rico, absolutamente invisível a irrelevante para ele. Profetas como Amós já levantavam sua voz e denunciavam o insulto dos banquetes dos ricos frente à miséria dos pobres.
No centro da vida cristã está a compaixão pelos pobres, e não há lugar para a indiferença e a busca do próprio bem-estar individual a qualquer custo. O caminho entre a porta e a mesa deve ser amplo e aberto! Jesus não aceita a indiferença dos ricos frente aos sofrimentos dos pobres. Sua Palavra é clara e contundente: “Ai de vós, os ricos, porque já tendes vossa consolação!” (Lc 6,24). Ele insiste que os pobres e os sofredores devem ocupar os primeiros lugares na lista de convidados para as festas e celebrações (cf. Lc 14,13). Mas, o Brasil naturaliza casas-grandes e senzalas e não permite que Lázaro vá além da porta dos ricos.
Por isso, é estranho, para não dizer cínico, o grito do rico, depois da morte, pedindo que Lazaro tenha compaixão dele. O rico sem nome continua achando que os pobres devem estar a seu serviço: bem que eles poderiam aliviar a sede ou avisar seus parentes e livrá-los a tempo dos males que os esperam. Não pode não ser cinismo este apelo para que os pobres tenham compaixão dos ricos que sempre se vestiram de indiferença e prepotência. O caminho para o céu é nossa vida na terra, e a indiferença corta a comunicação, destrói as pontes, cava abismos e fere de morte a solidariedade entre as pessoas.
Jesus se demora na descrição das tentativas infrutíferas do homem rico para reverter uma situação irreversível, sem tomar consciência do abismo que ele mesmo cavou, pedindo que lhe tragam água para amenizar a sede e enviem um morto ressuscitado para convencer seus parentes da necessidade de mudar de atitude. Mas, na verdade, não há sinal poderoso ou milagre esplendoroso capaz de tocar o coração e a mente de quem se fechou em si mesmo e faz da indiferença uma couraça protetora. Nada pode curar aqueles que se fecharam à Palavra e dos profetas, dos apóstolos e do próprio Jesus.
É lamentável que ainda hoje muitos pregadores apresentem esta parábola simplesmente como uma espécie fotografia da inversão que a morte provocaria na vida real. Jesus não está falando da felicidade que espera os sofredores no paraíso futuro, ou do sofrimento destinado aos ricos depois da morte! O que ele enfatiza é o caráter decisivo e irreversível das opções que fazemos e das práticas que desenvolvemos no tempo presente! O caminho da vida cristã é pavimentado pela escuta da Palavra de Deus e pela conversão. E nela não há lugar para privilégios, nem para milagres fáceis e encomendados, pagos e golpes de dízimo.
Na carta a Timóteo, Paulo pede: “Tu que és um homem de Deus, foge das coisas perversas, procura a justiça e a piedade, a fé, a caridade, a constância, a mansidão. Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para a qual fostes chamado.” Ele nos pede para juntar a piedade à prática da justiça, unir a solidariedade à fé, casar a mansidão com a perseverança no seguimento de Jesus Cristo, único e soberano líder que pode nos guiar a um mundo justo, fraterno e liberto.
“Fala, Senhor! Fala da Vida! Só tu tens palavras eternas, e nós queremos ouvir. São tantos os apelos que vêm dos oprimidos. Tu és quem liberta, o Deus dos esquecidos.” Ajuda-nos a vencer a indiferença que cava abismos entre pessoas que nasceram para ser irmãos e irmãs. Ensina-nos a acolher, compreender aquilo que nos dizes através dos profetas e santos de ontem e de hoje. Sustenta a coragem daqueles que denunciam golpes midiáticos e sequestros de direitos. E que tua Palavra seja sempre a luz dos nossos passos. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Profecia de Amós 6,4-7 | Salmo 145 (146)
Carta de Paulo A Timóteo 6,11-16 | Evangelho de São Lucas 16,19-31

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

O Evangelho dominical - 22.09.2019


A CRISE NÃO É SOMENTE ECONÔMICA!

«Não podeis servir a Deus e ao dinheiro». Estas palavras de Jesus não podem ser esquecidas por aqueles que se sentem seus seguidores, pois contêm a advertência mais grave que Jesus deixou à humanidade. O dinheiro, convertido em ídolo absoluto, é o grande inimigo para construir esse mundo mais justo e fraterno, amado por Deus.
Desgraçadamente, a riqueza converteu-se, neste nosso mundo globalizado, num ídolo de imenso poder que, para subsistir, exige cada vez mais vítimas e desumaniza e empobrece cada vez mais a história humana. Neste momento encontramo-nos apanhados por uma crise gerada em grande parte pelo desejo de acumular.
Praticamente tudo se organiza, se move e dinamiza a partir dessa lógica: procurar mais produtividade, mais consumo, mais bem-estar, mais energia, mais poder sobre os outros. Essa lógica é imperialista. Se não a pararmos, podemos colocar em perigo o ser humano e o próprio Planeta.
Talvez a primeira coisa a fazer seja tomar consciência do que está acontecendo. Esta não é apenas uma crise econômica. É uma crise social e humana. Já temos dados suficientes à nossa volta e no horizonte do mundo para perceber o drama humano em que vivemos imersos.
É cada vez mais óbvio que um sistema que conduz uma minoria de ricos a acumular cada vez mais poder, deixando em fome e miséria a milhões de seres humanos é uma loucura insuportável. É inútil fazer de conta que não vemos.
Já nem as sociedades mais progressistas são capazes de assegurar um trabalho digno a milhões de cidadãos. Que progresso é este que, lançando-nos a todos para o bem-estar, deixa tantas famílias sem recursos para viver com dignidade?
A crise está arruinando o sistema democrático. Pressionados pelas exigências do Dinheiro, os governantes não podem atender às verdadeiras necessidades dos seus povos. O que é a política se já não está ao serviço do bem comum?
A diminuição dos gastos sociais em diversos campos e a privatização interesseira e indigna de serviços públicos, como a saúde, continuarão a bater nos mais indefesos, gerando cada vez mais exclusão, desigualdade vergonhosa e fratura social.
Os seguidores de Jesus, não podemos viver encerrados numa religião isolada deste drama humano. As comunidades cristãs devem ser um espaço de consciencialização, discernimento e compromisso. Devemos nos ajudar a viver com lucidez e responsabilidade. A crise há de tornar-nos mais humanos e mais cristãos.
José Antônio Pagola.
Tradutor: Antônio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

ANO C | TEMPO COMUM | VIGÉSIMO-QUINTO DOMINGO | 22.09.2019


A Palavra de Deus adverte os exploradores e opressores.
A parábola que Jesus nos apresenta no evangelho de hoje é muito complexa. Para entende-la, precisamos ter presente na memória as parábolas que lemos e meditamos no domingo passado São inesquecíveis as figuras do pastor que sai pressuroso ao encontro da ovelha que se perdeu e da mulher que varre atentamente a casa em busca da moeda extraviada. E como esquecer a figura daquele pai que esbanja atenção, dinheiro e compaixão na festa de acolhida do filho que chegara a disputar comida com os porcos?
A parábola de hoje coloca em evidência um protagonista muito diferente: um administrador acusado de esbanjar os bens que não lhe pertencem e que, por isso, está ameaçado de demissão. Ciente de que não está preparado para assumir outro trabalho e recusando-se a pedir esmolas, o administrador esbanjador age com esperteza e rapidez: altera, em favor dos devedores, o montante de algumas contas, prejudicando mais ainda seu patrão! Faz isso movido pela esperança de que, no futuro, os devedores por ele beneficiados retribuam solidariamente e abundantemente seu gesto de bondade.
O que surpreende e desconcerta é que a esperteza desonesta do administrador seja explicitamente elogiada pelo patrão (e pelo próprio Jesus). Há quem explique o elogio a esta estratégia aparentemente imoral levantando a hipótese de que o desconto de 50 e 20% dado pelo administrador corresponderia aos juros iníquos cobrados pelo credor ou à comissão à qual o administrador teria direito. Mas será que Jesus não está propondo outra mensagem, semelhante àquela do pai que gasta sem critérios para acolher e restabelecer a dignidade do filho que havia descido involuntariamente ao degrau mais baixo do inferno social?
A questão fundamental que Jesus apresenta com esta parábola poderia ser formulada da seguinte maneira: Como usar de forma evangelicamente correta os bens, as honras e o prestígio que temos como cristãos e como Igreja? A palavra corajosa de Amós traz à luz do dia as práticas de acúmulo que os ricos de todos os tempos tentam esconder nas sombras da noite ou nas franjas da hipocrisia mais deslavada. Mas Jesus também deixa claro que somos apenas administradores de bens que não nos pertencem e que, frente ao bem maior do Reino de Deus, o dinheiro é coisa de pouco valor e radicalmente injusta.
O administrador aparentemente desonesto é elogiado porque evita ser amigo do dinheiro (como o eram os fariseus) e se mostra amigo das pessoas, não das que contabilizam créditos, mas daquelas que são devedoras insolventes. Com ele, nós aprendemos que o dinheiro e demais bens que passam pelas nossas mãos, bolsas e contas não nos pertencem e precisa ser usados corretamente: para construir solidariedade, para beneficiar a pessoa humana (todas as pessoas, insiste Paulo), começando pelas mais necessitadas. É isso é exatamente o oposto do que fazem os comerciantes e políticos denunciados pelo profeta Amós!
Aquilo que, à primeira vista, parece esbanjamento e desonestidade é, na verdade, sabedoria evangélica! Precisamos assumir nossas responsabilidades no mundo da economia – produção, administração, distribuição e consumo de bens – com critérios evangélicos. E o critério fundamental é este: ou os bens estão a serviço de uma convivência social sadia e solidária, ou não servem pra nada! E desviar para os bens econômicos o amor e o afeto que devemos às pessoas é uma loucura que compromete nossa felicidade pessoal e destrói os laços sociais. Só o uso solidário pode lavar o dinheiro sujo!
O próprio Jesus veio ao mundo como herdeiro e administrador das coisas do Pai, e não fez outra coisa que diminuir e cancelar os débitos das pessoas e grupos que os sistemas criminalizam. Ele esbanjou os bens do Pai, inclusive a própria vida, para fazer amigos entre os excluídos! Ele não teve receio de comprometer a honra, o nome e a própria ortodoxia para fazer amigos. Mas, infelizmente, muitas Igrejas ainda dão a impressão de existem unicamente para aumentar seus débitos ou cobrar comissão para renegociá-las... Em vez de fazer amigos e emancipar os oprimidos, engordam suas próprias contas bancárias.
Senhor, tua Palavra é caminho de sabedoria. Queremos guardá-la e pô-la em prática em todas as circunstâncias da nossa vida. Ensina-nos a contar adequadamente o tempo e avaliar corretamente o valor das coisas. Dá-nos a coragem de desmascarar os males que nos são propostos em belas e sedutoras embalagens. Confirma-nos no serviço a ti, único e supremo bem, e àqueles que são excluídos da mesa e recebem apenas as migalhas que sobram. Ajuda-nos a gastar tudo o que temos e somos para fazer amigos e irmãos, retirando os pobres do lixo e fazendo-os sentar entre os nobres do teu povo. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf

Profecia de Amós 8,4-7 | Salmo 112 (113)
Carta de Paulo A Timóteo 2,1-8 | Evangelho de São Lucas 16,1-13

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

O Evangelho dominical - 15.09.2019


O GESTO MAIS ESCANDALOSO
O gesto mais provocador e escandaloso de Jesus foi, sem dúvida, a sua forma de acolher com especial simpatia a pecadoras e pecadores, excluídos pelos dirigentes religiosos e socialmente marcados pela sua conduta à margem da Lei. O que mais irritava as autoridades religiosas era o costume de Jesus comer amigavelmente com eles.
Normalmente esquecemos que Jesus criou uma situação surpreendente na sociedade de seu tempo. Os pecadores não fogem dele. Pelo contrário, sentem-se atraídos pela sua pessoa e a sua mensagem. Lucas diz-nos que «os pecadores e publicanos costumavam aproximar-se de Jesus para O ouvir». Aparentemente, encontram Nele um acolhimento e compreensão que não encontram em nenhum outro lugar.
Enquanto isso, os setores fariseus e os doutores da Lei, os homens de maior prestígio moral e religioso ante o povo, só sabem criticar escandalizados o comportamento de Jesus«Esse acolhe os pecadores e come com eles». Como pode um homem de Deus comer na mesma mesa com aquelas pessoas pecadoras e indesejáveis?
Jesus nunca fez caso das suas críticas. Sabia que Deus não é o Juiz severo e rigoroso de que falam com tanta segurança, aqueles mestres que ocupam os primeiros assentos das sinagogas. Ele conhece bem o coração do Pai. Deus entende os pecadores; ofereça o Seu perdão a todos; não exclui ninguém; perdoa tudo. Ninguém há de desfigurar o seu perdão insondável e gratuito.
Portanto, Jesus oferece-lhes a Sua compreensão e amizade. Aquelas prostitutas e cobradores hão de sentir-se acolhidos por Deus. Isso vem primeiro. Nada têm a temer. Podem sentar-se à Sua mesa, podem beber vinho e cantar cânticos com Jesus. O seu acolhimento vai curando-os por dentro. Liberta-os da vergonha e da humilhação. Devolve-lhes a alegria de viver.
Jesus os acolhe como são, sem exigir-lhes nada. Vai contagiando-os com a Sua paz e a Sua confiança em Deus, sem ter certeza de que responderão mudando o seu comportamento. Faz isso confiando na misericórdia de Deus que já os está esperando com os braços abertos, como um bom pai que corre ao encontro do seu filho perdido.
A primeira tarefa de uma Igreja fiel a Jesus não é condenar os pecadores, mas compreende-los e acolhe-los amistosamente. Em Roma pude comprovar há alguns meses que, sempre que o papa Francisco insistia que Deus perdoa sempre, perdoa tudo, perdoa todos… as pessoas aplaudiam com entusiasmo. Certamente é o que muitas pessoas de fé pequena e hesitante precisam ouvir claramente hoje da Igreja.
José Antônio Pagola
Tradutor: Antônio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

ANO C | TEMPO COMUM | VIGÉSIMO-QUARTO DOMINGO | 15.09.2019


É digna de fé a Boa Notícia da misericórdia de Deus!
A Palavra e a ação de Jesus trazem à tona uma divisão social tão real quanto inaceitável: de um lado estão os sujeitos chamados ‘publicanos e pecadores’, e, do outro, as pessoas consideradas ‘justas’, aquelas que se dispensam de qualquer esforço de conversão. Na ideologia religiosa de Israel, os primeiros são da parte do mal, os ímpios ou impuros; os segundos são os piedosos e puros, ‘gente de bem’. Fiel à sua experiência de Deus, no horizonte da tradição profética, Jesus se aproxima do grupo dos pecadores e impuros, assume sua defesa e afirma que, na lógica do Reino de Deus, os últimos são os primeiros.
É isso que Jesus ilustra com as três parábolas do evangelho de hoje. As pessoas rotuladas como pecadoras são como a ovelha perdida, procurada com incomparável empenho pelo pastor; como uma pequena moeda extraviada e procurada incansavelmente pela dona de casa; como um filho amado que caiu no fundo do poço da degradação e da exclusão. O que importa não é o motivo ou a causa do extravio, mas a alegria do pastor, da dona de casa e do pai por encontrar o que havia perdido: “Alegrai-vos comigo! Encontrei a minha ovelha que estava perdida... Encontrei a moeda que tinha perdido... Meu filho estava morto e voltou a viver!”
Ao propor a existência de dois filhos, Jesus estabelece uma clara correspondência com os dois grupos que se dividem em relação a ele e seu Evangelho: os pecadores e excluídos, que se aproximam para escutá-lo; os fariseus e doutores da lei, que murmuram contra ele. É verdade que a parábola começa aparentemente dando razão aos fariseus e escribas. O filho mais novo pede sua parte da herança, vai embora, gasta tudo sem o menor controle e acaba empregado na criação de porcos em terra estrangeira. Mas, com isso, jesus quer ressaltar mais sua situação de miséria, exploração e marginalização que sua culpa!
A situação do filho mais jovem é tão desesperadora que ele se convence de que perdeu todos os direitos e se resigna a ser tratado como empregado na casa do próprio pai! Esta é a experiência subjetiva dos doentes, estrangeiros, pecadores, mulheres e tantas outras pessoas no tempo de Jesus. E o profeta de Nazaré sublinha que, aos olhos de Deus, não há gente de primeira classe e gente desclassificada, filhos cheios de direitos e filhos deserdados. Para Deus, a humanidade é indivisível! Avistando de longe o filho miserável, e antes de qualquer palavra de arrependimento por parte dele, o pai vai ao seu encontro absolutamente comovido.
Eis a boa notícia! Deus se recusa a aceitar a divisão do mundo entre uns poucos que se presumem irrepreensíveis e merecedores de todos os bens, e uma multidão que deve repetir o refrão das culpas que lhe atribuem e mendigar até a simples sobrevivência. Deus rompe com as regras de uma justiça estreita e escancara as portas da sua casa aos necessitados e pecadores. As ações aparentemente exageradas do pai sublinham exatamente isso: Deus não se contenta e possibilitar apenas que o filho sobreviva; o pai não lhe dá uma roupa qualquer, mas a melhor túnica, e não lhe mata um simples novilho, mas o mais gordo!
Uma ação de resgate da cidadania e inclusão social como essa merece ser solenemente festejada, sem dar atenção aos que murmuram e se recusam a participar. Na postura e nas palavras do filho mais velho ressoam os protestos e a presunção dos fariseus e escribas de todos os tempos. Para eles, os pobres sofrem por própria culpa, e os ricos vivem bem porque merecem. Como não perceber aqui o eco do desconforto e da raiva das velhas e novas elites brasileiras que desejam pôr fim ao bem-estar mínimo e aos míseros direitos que as classes populares conquistaram nas últimas décadas?
Jesus Cristo é a Palavra de Deus feita carne, o ‘sim’ irrevocável de Deus à humanidade. Nele todas as promessas de Deus se unificam e recebem concretude. Nele, a Palavra vivificante de Deus se resume no anúncio do início de um tempo, regido pela gratuidade e pela compaixão. É essa a experiência que vira a vida de Paulo de cabeça para baixo e que ele descreve na sua carta o amigo Timóteo.  Em suas incontáveis contradições e misérias, experimentou a incondicional misericórdia de Deus. Por isso, recorda: “Segura e digna de ser acolhida por todos é esta Palavra: Jesus Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores.” 
Senhor das misericórdias, não permite que nos fechemos em nós mesmos e em nosso pequeno grupo. Tu vieste ao mundo para salvar os pecadores, e nós somos os primeiros deles. Tu vieste para libertar os oprimidos, e são tantos os que ainda não têm sua dignidade reconhecida. Vem ao nosso encontro, regenera-nos no teu abraço, toma-nos pela mão e faz com que entremos na tua casa e participemos da festa de acolhida daqueles que estavam perdidos e foram encontrados. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Livro do Êxodo 32,7-14 | Salmo 50 (51)
Carta de Paulo A Timóteo 1,12-17 | Evangelho de São Lucas 15,1-32

domingo, 8 de setembro de 2019

Um grito pela vida, vida para todos, vida em primeiro lugar!


Um grito diferente no 7 de setembro

Um grito contra o furacão de arrogância e do autoritarismo,
Metralhadora verbal que, em todos os momentos e direções,
Cospe fogo e bala sobre qualquer crítico e opositor de bom senso;
Tidos todos como inimigos, comunistas, perigosos, baderneiros...
Um grito contra a guerra às instâncias e instituições democráticas,
Guerra que espalha confusão e intriga entre os poderes e competências,
Semeando insultos, ataques e ofensas entre os diferentes órgãos,
Desqualificando visões, pensamento e valores contrários...
Um grito contra a institucionalização da mentira histórica,
Que desenterra tiranos e rebeldes, torturadores e vítimas,
No sentido de exaltar a ditadura como o melhor dos regimes,
Desdizendo os fatos há muito consolidados pela historiografia...
Um grito contra a falta de políticas públicas de bem comum,
Que possam defender os direitos básicos e a dignidade humana
Dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, dos migrantes
E de todas as pessoas e grupos cuja vida se encontra mais ameaçada...
Um grito contra o patrimonialismo, o nacionalismo e o nepotismo:
Um porque mistura, confunde e baralha o campo público e privado;
Outro porque se nutre de bravatas, agressões e retórica populista;
E outro ainda porque privilegia o clã familiar em detrimento da nação....
Um grito contra a cultura da violência que libera o uso e abuso das armas,
Divide o campo de batalha em “bons” e “maus”, os “nossos” e “eles”,
Governa de arma em punho, apontada para os que estão do lado de fora,
Vendo fantasmas em cada esquina, em cada mensageiro, em cada sombra...
Um grito contra o desmonte de políticas dura e longamente construídas:
Em favor da preservação do meio ambiente e da biodiversidade,
Em favor dos povos e riquezas, da fauna e flora da região amazônica,
Em favor da pesquisa científica e da educação para o diálogo...
Um grito contra a cultura do confronto, da vingança e da morte;
Que após se espalhar pelo país tem ultrapassado suas fronteiras,
Jogando cizânia em meio ao trigo das boas maneiras diplomáticas,
Isolando o Brasil e provocando retaliações nas relações econômicas...
Um grito contra um sistema que não vale, pois exclui, descarta e mata;
Em favor da mobilização e da luta por justiça, direitos e liberdade;
Pela reconstrução de um projeto em vista do “Brasil que queremos”
Pelo resgate da democracia na esfera local, nacional e global...
Um grito pela vida, vida para todos, vida em primeiro lugar!
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs – Rio de Janeiro, 6 de setembro de 2019

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

O Evangelho dominical - 08.09.2019


NÃO DE QUALQUER MANEIRA

Jesus vai a caminho de Jerusalém. O evangelista diz-nos que muitas pessoas o seguiam. No entanto, Jesus não tem ilusões. Não se deixa enganar pelo entusiasmo fácil do povo. Algumas pessoas hoje estão preocupadas como a diminuição do número de cristãos. Jesus se interessa mais a qualidade dos seus seguidores do que o seu número.
De repente, Jesus se volta e começa a falar para aquela multidão sobre as exigências concretas que decorrem do seu seguimento lúcido e responsável. Não quer que as pessoas o sigam de qualquer maneira. Ser discípulo de Jesus é uma decisão que deve marcar toda a vida da pessoa.
Jesus fala-lhes, em primeiro lugar, da família. Aquelas pessoas têm a sua própria família: pais e mães, mulheres e crianças, irmãos e irmãs. São os seus entes mais queridos e próximos. Mas se não deixam de lado os interesses familiares para colaborar com Ele na promoção da família humana, não baseada em laços de sangue, mas construída a partir de justiça e da solidariedade fraterna, não poderão ser seus discípulos.
Jesus não está pensando em desfazer os lares, eliminando o carinho e a convivência familiar. Mas, se alguém coloca acima de tudo a honra de sua família, patrimônio, herança ou bem-estar familiar, não poderá ser Seu discípulo nem trabalhar com Ele no projeto de um mundo mais humano.
Mais ainda. Se alguém só pensa em si mesmo e nas suas coisas, se vive apenas para desfrutar de seu bem-estar, se se preocupa unicamente com os seus interesses, que não se engane, não pode ser discípulo de Jesus. Falta-lhe a liberdade interior, coerência e responsabilidade para levá-lo a sério.
Jesus continua a falar duramente: «Quem não carrega a sua cruz e não me segue, não pode ser meu discípulo». Se se vive evitando problemas e conflitos, se não sabe assumir riscos e penalidades, se não está disposto a suportar o sofrimento pelo reino de Deus e da sua justiça, não pode ser discípulo de Jesus.
Surpreende a liberdade do papa Francisco para denunciar estilos de cristãos que têm pouco a ver com os discípulos de Jesus: «cristãos de boas maneiras, mas de maus hábitos», «crentes de museu», «hipócritas da casuística», «cristãos incapazes viver em contracorrente», cristãos «corruptos» que só pensam em si mesmos, «cristãos educados» que não anunciam o Evangelho.
José Antônio Pagola.
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

ANO C | TEMPO COMUM | VIGÉSIMO-TERCEIRO DOMINGO | 08.09.2019


A Palavra de Deus nos ajuda a viver com mais liberdade e lucidez!
Acabamos de celebrar a ‘Semana da Pátria’, e sobraram apelos vazios ao amor patriota e afirmações cínicas de defesa da soberania nacional, enquanto avança um criminoso programa de desmonte do país e cassação dos direitos sociais. A figura de um presidente tosco disfarça um programa de lesa-pátria. E Jesus Cristo, Palavra viva de Deus, chama a nossa atenção para as consequências da palavra dada e para os custos da realização das nossas decisões. Temos mesmo disposição de ir a fundo no seguimento de Jesus?
Nosso momento cultural não valoriza a prudência e o planejamento. A caderneta de poupança, com seu apelo a economizar, é coisa do passado. Hoje, reina absoluto o cartão de crédito, com seu permanente e sedutor convite a gastar sem planejamento, a seguir apenas os insaciáveis desejos de consumo. O que predomina e se impõe como regra é curtir e saborear a fundo o momento presente, sem preocupação com princípios e hábitos formulados por outros no passado, nem com aquilo que acontecerá no futuro.
Nesse ambiente, o seguimento responsável e maduro de Jesus Cristo sofre ameaças. Precisamos nos perguntar se nossa decisão de seguir Jesus Cristo tem fundamento. É claro que, para a maioria dos fiéis, o início da caminhada na fé cristã não está ligada a uma decisão pessoal, consciente e madura. Recebemos a fé cristã e católica misturada ao leite da mãe, ligada aos hábitos da nossa vizinhança, conjugada com a cultura transmitida pela escola. Seguimos esta estrada porque nos parecia a única, e o fizemos como ovelhas indiferenciadas de um rebanho. Era difícil e custoso trilhar outras sendas.
Mas, graças a Deus, nós crescemos, e os tempos mudaram. O pluralismo das opções que batem à nossa porta ou se oferecem aos nossos olhos todos os dias nos interpelam à aventura noutras estradas, ou a dar razões para permanecer naquela que sempre trilhamos. E hoje sabemos que o Evangelho nos pede prudência e avaliação crítica diante de atitudes e projetos que se travestem de sabedoria e se apresentam falsamente como religiosos e promotores de libertação. Jesus Cristo, com seu projeto de vida para todos, pede uma ruptura radical com a busca de vantagens individuais ou restritas a pequenos grupos.
Estar com Jesus e seguir seus passos supõe a decisão por uma específica escala de valores: a honra pessoal, a aceitação pública, a segurança dos bens e os próprios vínculos familiares são secundários em relação à prioridade absoluta da solidariedade com as vítimas, da abertura ao outro. A Palavra viva de Deus, feita carne em Jesus, nos mostra por onde andar. Tomar a cruz e caminhar com Jesus significa estar disposto a enfrentar a rejeição dos grandes e poderosos, libertar-se da busca infantil de cargos e honras e contar com a possibilidade do fracasso dos empreendimentos pessoais e institucionais.
Preferir Jesus Cristo ao pai, à mãe, à mulher ou marido e aos filhos e filhas significa viver as relações familiares fora dos moldes patriarcais, no horizonte da geração de um mundo de irmãos (como testemunha Paulo em relação a Onésimo e Filemon). É o próprio Jesus quem adverte: “Do mesmo modo, portanto, qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo.” Está claro que o problema não é possuir alguns bens, cultivar vínculos de amizade ou consumir de modo maduro e consciente, mas deixar-se dominar totalmente pelos bens e pelo consumo, como se o sentido da nossa vida dependesse disso.
O seguimento de Jesus comporta renúncias e rupturas. A renúncia aos bens limitados ou aparentes é um meio para percorrer com mais autenticidade um caminho que conduz à vida abundante, tanto para si mesmo como para os outros. Renunciar a tudo significa limpar a casa, abrir espaço, ordenar as prioridades e orientar-se pela compaixão misericordiosa proposta de Jesus, colocar Deus e o Outro acima de tudo. Jesus é a Palavra de Deus que nos desinstala e chama à conversão. Sua proposta está longe de ser um anestésico barato. O caminho para a humanidade nova tem seus custos, e nós precisamos avalia-los e contabiliza-los!
Jesus de Nazaré, irmão maior nos caminhos para uma humanidade irmanada e reconciliada, ensina-nos a avaliar bem as possibilidades e exigências do nosso tempo. Alimenta-nos e ilumina-nos com a tua Palavra, para que nossa consciência não permaneça anêmica ou anestesiada diante dos imensos desafios que a situação do Brasil nos apresenta. Ajuda-nos a compreender as exigências do seguimento dos teus passos e a renunciar a tudo o que possa nos afastar de ti. E que teu apóstolo e nosso irmão Paulo nos estimule a lançar as sementes da igualdade nas terras de um mundo ainda tragicamente desigual. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Livro da Sabedoria 9,13-18 | Salmo 89 (90)
Carta de Paulo a Filemon 9-17 | Evangelho de São Lucas 14,15-33