quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

O Evangelho dominical - 03.03.2019


DETER-NOS

As nossas vilas e cidades hoje oferecem um clima pouco propício para aqueles que querem procurar um pouco de silêncio e paz para encontrar-se consigo mesmo e com Deus. Não é fácil libertar-nos do ruído permanente e do assédio constante de todo o tipo de chamadas e mensagens. Por outro lado, as preocupações, os problemas e as pressas de cada dia nos levam de um lado para outro, sem nos permitirmos ser donos de nós mesmos.
Nem sequer no nosso próprio lar, invadido pela televisão e cenário de múltiplas tensões, é fácil encontrar o sossego e o recolhimento indispensáveis para nos encontrarmos conosco mesmos ou para descansarmos alegremente diante de Deus.
Pois bem, precisamente, nestes momentos em que necessitamos mais do que nunca de lugares de silêncio, recolhimento e orações, nós crentes, mantemos frequentemente os nossos templos e igrejas fechados uma boa parte do dia.
Esquecemos o que é parar, interromper por uns minutos a nossa pressa, libertar-nos por alguns instantes das nossas tensões e deixar-nos penetrar pelo silêncio e a calma de um lugar sagrado. Muitos homens e mulheres ficariam surpreendidos ao descobrir que com frequência basta parar e ficar em silêncio por algum tempo, para acalmar o espírito e recuperar a lucidez e a paz.
Quanto precisamos, os homens e mulheres de hoje, encontrar esse silêncio que nos ajude a entrar em contato conosco mesmos para recuperar a nossa liberdade e resgatar de novo toda a nossa energia interior. Acostumados ao barulho e à agitação, não suspeitamos do bem-estar do silêncio e da solidão. Ávidos por notícias, imagens e impressões, esquecemo-nos que só nos alimenta e enriquece verdadeiramente aquilo que somos capazes de ouvir no mais profundo do nosso ser.
Sem esse silêncio interior, não se pode escutar Deus, reconhecer a sua presença na nossa vida e crescer a partir de dentro como seres humanos e como crentes. De acordo com Jesus, a pessoa “retira o bem a partir da bondade que está no seu coração”. O bem não brota de nós espontaneamente. Temos que o cultivar e fazer crescer no fundo do coração. Muitas pessoas começariam a transformar as suas vidas se pudessem parar para escutar todo o bem que Deus desperta no silêncio dos seus corações.
José Antônio Pagola
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

ANO C | TEMPO COMUM | OITAVO DOMINGO | 03.03.2019


Cegos podem guiar cegos, e raposas podem cuidar de galinhas?
Há 60 dias o novo presidente do Brasil e seus ministros ocuparam os cargos para os quais foram eleitos ou nomeados. Os governadores dos estados da federação também tomaram posse no primeiro dia do mês de janeiro. Os parlamentares estaduais e federais, deputados e senadores, assumiram suas cadeiras há 30 dias, e elegeram seus presidentes. No período eleitoral, a grande maioria dessa gente se apresentou como combatentes da corrupção e paladinos de uma nova política. Bastaram dois meses para que ficasse evidente que tanto a maioria dos parlamentares como boa parte dos governadores trazem pouca novidade.
Longe de nós a pretensão de assumir a postura de juízes que condenam ao fogo do inferno ou ao inferno das prisões deputados, governadores e presidente. Jesus nos adverte que, com os olhos vedados por nossos preconceitos e interesses egoístas, não estamos em condições de julgar quem quer que seja. Mas, como discípulos de Jesus, pedimos ao Espírito Santo a graça de apreciar retamente todas as coisas, fatos e processos. Por isso, não podemos nos furtar à tarefa de analisar criticamente e à luz da fé os acontecimentos e ações, e de denunciar os prejuízos que eles podem trazer ao povo de Deus.
Uma série de fatos, que ocorreram ou vieram à tona nos últimos meses, sustentam a afirmação de que boa parte dos homens e mulheres que receberam o voto de um povo cansado de falcatruas não passa de gente que combateu a lama que suja os pés de alguns para esconder o lixo que deteriora irremediavelmente suas próprias palavras e projetos. Recorrendo a discursos ardilosos, criminalizaram a conduta de alguns para atrair os votos enquanto que, de modo mais que sorrateiro, afundavam na lama da corrupção e arquitetavam projetos e planos para caçar os poucos direitos sociais do povo brasileiro, historicamente defraudado.
Pode um cego guiar outro cego, ou pode um corrupto combater a corrupção? Precisamos, sim, escutar e meditar o Evangelho de Jesus Cristo em chave social e profética. Leituras espiritualistas, intimistas ou moralizantes não são suficientes. Não podemos isolar e espiritualizar esta Palavra de Jesus: “Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás enxergar bem para tirar o cisco do olho do teu irmão”. Dizendo isso, Jesus não quer de modo algum questionar a profecia de quem denuncia as falcatruas dos poderosos, mas alertar para a necessária e permanente autocrítica que deve acompanhar a denúncia profética.
O próprio Jesus agiu assim, e nisso foi seguido pelos discípulos. É claro que ele não tinha cisco ou trave nos olhos, pois seu olhar estava voltado à dignidade dos pequenos, das vítimas, dos últimos na escala social. Sem medo da morte e sem nada a perder, Jesus se empenhou radicalmente no anúncio e na realização da Justiça do Reino de Deus, dando prioridade aos excluídos e criminalizados. E, a partir disso, não mediu palavras para denunciar opressões e dar nome aos opressores. Mesmo limitados e pecadores, os discípulos fizeram o mesmo: não se calaram, e denunciaram os olhares enviesados das autoridades políticas e religiosas.
Voltando ao momento político que vivemos, o problema não é apenas o cisco ou a trave no olho de boa parte dos eleitos ou nomeados para funções públicas. Eles não são apenas cegos que se arvoram em guias de cegos, embora parte deles o seja de fato. Há um grupo considerável que se parece a raposas que querem fazer-se passar por protetoras do galinheiro. Recorreram ao voto popular apresentando-se como representantes e defensores dos mais pobres, mas tomam ou apoiam medidas que ferem e defraudam irremediavelmente as pessoas mais humildes e beneficiam os ricos e poderosos de sempre. Parece o pior dos carnavais...
O tesouro do Evangelho de Jesus – sua palavra e sua prática – só contém palavras e propostas que fazem bem ao povo de Deus. Desse tesouro, não podemos tirar incitações à violência, à punição dos pobres, ao uso de armas, à exclusão das pessoas que não se enquadram nos nossos padrões. Jesus mesmo foi a pedra que os construtores rejeitaram, como o foram também seus profetas e missionários mais autênticos. Por isso, prossigamos firmes e inabaláveis, como nos pede Paulo, empenhando-nos cada vez mais na proposta do Senhor Jesus. Nosso esforço em vista da coerência profética não será em vão.
Jesus de Nazaré, vulto da misericórdia de Deus e expressão da plena humanidade: livra-nos da hipocrisia de querer acusar as injustiças praticadas pelos outros sem atentar para as nossas próprias ambivalências, ou até disfarçando-as. Mas livra-nos também de fugir da nossa responsabilidade profética em nome de convivências mesquinhas. Faze que produzamos frutos que mostrem que é em ti que estão nossas raízes! Ajuda-nos a retirar do tesouro do Reino palavras que façam bem aos nossos irmãos. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Eclesiástico 27,5-8 | Salmo 91 (92)| 1ª. Carta de Paulo aos Coríntios 15,54-58| Evangelho de São Lucas 6,39-45

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

O Evangelho dominical - 24.02.2019


SEM ESPERAR NADA

Por que tantas pessoas vivem secretamente insatisfeitas? Por que tantos homens e mulheres acham a vida monótona, trivial, insípida? Por que se entediam no meio do seu bem-estar? O que lhes falta para encontrar de novo a alegria de viver?
Talvez a existência de muitos mudasse e adquirisse outra cor e outra vida, simplesmente se aprendessem a amar alguém totalmente de graça. Quer queira quer não, o ser humano está chamado a amar desinteressadamente; e, se não o faz, na sua vida abre-se um vazio que nada nem ninguém pode preencher. Não é ingenuidade escutar as palavras de Jesus: “Façam o bem... sem esperar nada”. Pode ser o segredo da vida. O que nos pode devolver a alegria de viver?
É fácil levar a vida sem amar ninguém de uma forma verdadeiramente gratuita. Não faço mal a ninguém. Não me meto nos problemas dos outros. Respeito os direitos dos outros. Vivo a minha vida. Já é suficiente me preocupar comigo e com as minhas coisas. Mas isso é vida? Viver despreocupado dos outros, reduzido ao meu trabalho, à minha profissão ou ao meu ofício, impermeável aos problemas dos outros, alheio aos sofrimentos das pessoas, encerrado na minha redoma de vidro?
Vivemos numa sociedade onde é difícil aprender a amar gratuitamente. Quase sempre perguntamos: para que serve isso? É útil? Que ganho com isso? Tudo calculamos e medimos. Criamos a ideia de que tudo se obtém comprando: alimentos, vestuário, casa, transporte, entretenimento... E assim corremos o risco de converter todas as nossas relações numa pura troca de serviços.
Mas o amor, a amizade, o acolhimento, a solidariedade, a proximidade, a confiança, a luta pelos fracos, a esperança, a alegria interior não podem ser obtidos com dinheiro. São algo gratuito que é se oferece sem esperar nada em troca, que não o crescimento e a vida do outro.
Os primeiros cristãos, ao falar de amor, usaram a palavra «ágape», justamente para enfatizar mais esta dimensão da gratuidade, em contraste com o amor entendido apenas como "eros" e que, tinha para muitos, uma ressonância de interesse e egoísmo.
Entre nós há pessoas que só podem receber um amor gratuito, porque quase não têm nada para poder retribuir àqueles que se querem aproximar deles. Pessoas sozinhas, maltratadas pela vida, incompreendidas por quase todos, empobrecidas pela sociedade, com quase nenhuma saída na vida.
Aquele grande profeta que foi Dom Helder Camara recorda-nos o convite de Jesus com estas palavras: “Para libertar-te a ti mesmo, lança uma ponte para além do abismo que o teu egoísmo criou. Tenta ver para além de ti mesmo. Tenta escutar outra pessoa e, acima de tudo, tenta esforçar-te por amar ela em vez de amar-te a ti mesmo”.
José Antônio Pagola.
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

ANO C | TEMPO COMUM | SÉTIMO DOMINGO | 24.02.2019


Cristão é quem ama e serve gratuitamente, a fundo perdido!
É possível que alguns de nós ainda estejamos perplexos com as palavras de Jesus que escutamos e meditamos no domingo passado. Como pode ser ele tão duro e insensível com os ricos, com os famosos, com quem só tem motivos para rir e com quem tem mesa farta? Afinal, o que haveria de mal nisso? Bem que Jesus poderia ter ficado nas bem-aventuranças, e até amenizado um pouco sua parcialidade em favor das vítimas. Definitivamente, os pobres, os famintos os que choram e os perseguidos não nos parecem tão perfeitos.
Mas Jesus não impressiona nem se detém. Ele mantém o olhar fixo na utopia de Deus, no horizonte da vontade do Pai, horizonte tão diferente do nosso, mas que ele deseja que compartilhemos com ele. Por isso, no contraponto daqueles que, mesmo confessando-se cristãos, proclamam que “bandido bom é bandido morto”, que amar não é atitude inteligente e armar é a saída, que às “pessoas de bem” devemos respeito e aos “maus sujeitos” não resta senão a lei e as grades, Jesus pede amor inimigos, bênção a quem só sabe nos amaldiçoar, oração por aqueles que nos caluniam, enfim: amor e doação de si a fundo perdido.
Jesus não ignora as tensões e conflitos que marcam a história e a sociedade. Ele está bem consciente dos abismos e muros, cavados a golpes de indiferença e de exploração, que separam ricos e pobres, saciados e famintos, tranquilos e aflitos, bajulados e perseguidos. Ele sabe que existem aqueles que se consideram puros e merecedores de tudo e grupos humanos que são por eles humilhados e desprezados. Jesus não desconhece que existem pessoas que agem como nosso inimigos, porque nos odeiam, caluniam, amaldiçoam, esbofeteiam, penhoram nossos bens. E ele experimentou isso na própria carne.
O que Jesus faz é propor um horizonte e uma régua para que sejamos reconhecidos como seus discípulos: o horizonte é ser misericordioso (com todas as pessoas) como o é Deus, universalmente misericordioso; a régua ou medida, é que tratemos os outros como gostaríamos que eles nos tratassem. O horizonte da misericórdia é a atitude que Deus demonstrou no êxodo: tendo visto a opressão do seu povo, age sem demora e sem exigências em favor das vítimas, sem distinguir entre gente que merecia e gente que não merecia; e manteve essa sua atitude, transformando-a em compromisso mediante uma aliança.
Como Jesus, os cristãos somos chamados a testemunhar em projetos, palavras e ações essa misericórdia, primeiro às vítimas dos processos de dominação e exclusão, mas chegando até aqueles que nos maltratam.  Somente assim seremos de fato filhos do Deus altíssimo, pois os filhos herdam o melhor dos seus pais. Este dinamismo loucamente transformador que nos vem do Pai e, através de nós, chega às vítimas não conhece limites ou pré-condições. Amar e ajudar apenas aqueles que “são dos nossos” não passa de um belo disfarce do nosso egoísmo. Fazer algo pensando apenas na recompensa não tem nada a ver com o cristianismo.
O amor e o serviço próprios dos cristãos ultrapassam a simples obrigação de reciprocidade, de dar esperando receber, de emprestar esperando receber de volta, de amar quem nos ama. E vão também além de um amor ou um serviço reativo, da obrigação de retribuir a iniciativa do outro. Com sua vida e sua pregação, Jesus pede que tomemos a iniciativa, inclusive em relação àqueles que nos fazem o mal: “O que desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles”. Fica claro que o amor cristão é uma ação exigente, e não mero sentimentalismo, oportunismo, boas maneiras ou refinada estratégia: é uma ação alternativa!
O amor ao próximo e extensivo aos inimigos somente é possível a partir de uma rica e intensa experiência de ser filho amado por Deus. Somente alimentados por esse amor estaremos em condições de superar a raiz da violência que se aninha e cresce em nós, inclusive a violência que nos é proposta como palatável e aceitável, conhecida como legítima defesa. É triste e deplorável ver como muitos cristãos piedosos engolem esse veneno, esquecendo o exemplo e o ensinamento de Jesus e ampliando perigosamente o conceito de legítima defesa, a ponto de aceitar até a violência preventiva por medo ou forte emoção.
Jesus de Nazaré, vulto da misericórdia de Deus e expressão da plena humanidade: desejamos ardentemente ser como és, amar como tu amas, encarnar tua liberdade e tua ousadia, refletir em nós a imagem do homem celeste que brilha em ti. Ensina-nos a ser indulgentes e pacientes, bondosos e compassivos, capazes de tratar os outros a partir de suas necessidades e não dos seus merecimentos, pois vivemos num país que flerta perigosamente com múltiplas formas de violência contra os pobres e indefesos. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
1º Livro de Samuel 26,2-23 | Salmo 102 (103)| 1ª. Carta de Paulo aos Coríntios 15,45-49| Evangelho de São Lucas 6,27-38

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

O Evangelho dominical - 17.02.2019


FELICIDADE

Pode-se ler e ouvir notícias cada vez mais optimistas sobre a superação da crise e a recuperação progressiva da economia. Dizem-nos que já estamos crescendo. Mas, crescimento de quê? Crescimento para quem? Dificilmente somos informados da verdade completa do que está a acontecer.
A recuperação econômica em curso está consolidando e até perpetuando a chamada sociedade dual: um crescente abismo está a abrir-se entre os que vão poder melhorar o seu nível de vida cada vez com maior segurança e aqueles que serão deixados para trás, sem trabalho nem futuro. De fato, está crescendo o consumo ostentoso e provocativo dos cada vez mais ricos e, simultaneamente, a miséria e insegurança dos cada vez mais pobres.
A parábola do homem rico que se vestia de púrpura e linho e que se banqueteava sumptuosamente todos os dias e do pobre Lázaro que procurava sem conseguir, para saciar o seu estômago, o que deitavam fora da mesa do rico, é uma crua realidade da sociedade dual. Percebemos claramente os mecanismos econômicos, financeiros e sociais denunciados por João Paulo II, “que, embora manejados pela vontade dos homens, trabalharam quase automaticamente, tornando mais rígidas as situações de riqueza de uns e as de pobreza de outros”.
Mais uma vez estamos consolidando uma sociedade profundamente desigual e injusta. Nessa encíclica tão lúcida e evangélica que é Sollicitudo Rei Socialis, tão pouco ouvida, inclusive por aqueles que constantemente o vitoriam, João Paulo II descobriu na raiz desta situação algo que só tem um nome: o pecado.
Podemos dar todos os tipos de explicações técnicas, mas quando o resultado é o enriquecimento cada vez maior dos já ricos e o afundamento dos mais pobres, aí se está a consolidar a falta de solidariedade e a injustiça. Nas Suas bem-aventuranças, Jesus adverte que um dia se inverterá o destino dos ricos e dos pobres. É possível que também hoje sejam muitos os que, seguindo Nietzsche, pensam que a atitude de Jesus é fruto do ressentimento e impotência de quem, não podendo obter mais justiça, pede a vingança de Deus.
No entanto, a mensagem de Jesus não nasce da impotência de um homem derrotado e ressentido, mas da sua visão intensa da justiça de Deus, que não pode permitir o triunfo final da injustiça. Vinte séculos se passaram, mas a palavra de Jesus continua a ser decisiva para os ricos e para os pobres. Palavra de denúncia para alguns e promessa para outros, ainda está viva e interpela-nos a todos.
José Antônio Pagola
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

ANO C | TEMPO COMUM | SEXTO DOMINGO | 17.02.2019


Os pobres e perseguidos podem contar com Deus e têm futuro!
Como cristão que reflete sobre aquilo que crê, às vezes me pergunto se a ressurreição dos mortos era uma preocupação fundamental de Jesus de Nazaré. É verdade que a fé na ressurreição dos mortos faz parte do credo cristão, e o próprio Paulo questiona: “Se se prega que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como podem alguns dentre vós dizer que não há ressurreição dos mortos? E Se Cristo não ressuscitou, a vossa fé não tem nenhum valor e ainda estais nos vossos pecados.” Mas a fé na ressurreição e na vida eterna não é uma fuga, e está a serviço da vida terrena e terna, da vida engajada na transformação do mundo.
Escutando atentamente o Evangelho deste domingo, não podemos contornar uma outra pergunta, tão importante como a pergunta pela vida após a morte: os pobres e oprimidos têm futuro, já que a opressão e a escravidão teimam em não desaparecer e, com o passar dos séculos, vem se maquiando e reciclando? Revoluções feitas em nome dos oprimidos, aos poucos esquecem suas promessas e se fecham em torno dos interesses de uma nova classe hegemônica. O próprio cristianismo, que lança suas raízes nas esperanças dos pobres e oprimidos, caiu na tentação da fuga na tranquilidade do culto e na segurança da doutrina.
No breve texto do Evangelho que ouvimos hoje, Jesus retoma sua pregação inaugural na sinagoga de Nazaré. Depois de colher trigo em propriedade alheia e em dia de sábado e de curar um homem que tinha uma mão paralisada, depois de retirar-se para rezar e de constituir uma comunidade de discípulos, Jesus é cercado por uma numerosa multidão, profundamente necessitada de ajuda. É neste contexto que Jesus ensina seus discípulos, definindo claramente quem é feliz e pode contar com Deus e quem dá as costas a Deus e caminha para uma vida frustrada. E ele fala com a força e a autoridade do próprio Deus.
Para Jesus, os pobres e oprimidos podem contar com Deus, e por isso têm futuro. Às pessoas sem segurança material e social, tratadas como últimas nos projetos políticos, famintas e sofredoras, Jesus não promete riquezas, mas afirma: “Felizes vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus! Sereis saciados! Havereis de rir!” E esta esperança não engana, porque o próprio Jesus veio, como intuiu Maria, para mostrar a força do braço de Deus, dispersar os orgulhosos, derrubar os poderosos, exaltar os humildes e beneficiar os famintos (cf. Lc 1,51-53). E porque ele reúne, forma e envia discípulos e discípulas para continuarem sua ação.
E os ricos e opressores têm um futuro, merecem nossa admiração? O peso dos fatos quase nos obriga a crer que os ricos e poderosos sempre têm a última palavra, riem por último, riem melhor. “Eles confiam na sua força e se orgulham da sua grande riqueza” (Sl 49/48,7). Mas, para Jesus, eles já escolheram sua consolação e, permanecendo indiferentes e violentos, se auto excluem do banquete do Reino. “Mas ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação! Ai de vós que agora estais rindo, porque ficareis de luto e chorareis!” Com a parábola do pobre Lázaro e do rico anônimo Jesus não deixa dúvidas sobre isso (cf. Lc 16,19-31).
Não se trata de revanchismo barato, mas de justiça de Deus. Deus trata as pessoas e governa o mundo seguindo o critério da necessidade concreta, e não do mérito. E Jesus leva isso à radicalidade, começando pela inclusão dos ‘últimos’. Nenhuma concessão aos ricos, famosos e poderosos. Para o Evangelho, a felicidade que não fere e não é roubada é aquela que se enraíza na fidelidade a Jesus de Nazaré e nos engaja na sua missão, a assumir, se for o caso, o ódio e os insultos que isso traz. Beatos e felizes são os mártires, cuja caravana exultante e jubilosa atravessa os séculos e provoca instabilidade nos poderes e igrejas.
Jesus delimita muito bem o lugar e o caminho daqueles que chama a seguir seus passos. Precisamos granjear fama e honra a qualquer preço, mesmo que seja o alto preço do silêncio diante dos opressores? “Ai de vós quando todos falarem bem de vós, pois era assim que seus antepassados tratavam os falsos profetas.” A profecia e a perseguição são sinais inequívocos da fidelidade a Jesus Cristo. “Pois era assim que os seus antepassados tratavam os profetas.” Eles são como árvore plantada na beira do rio: suas folhas não murcham e dão frutos no tempo certo. Há esperança para sua descendência! (cf. Jr 31,17)
Jesus de Nazaré, missionário intrépido do Pai: a caravana dos homens e mulheres de boa vontade, que transforma a possibilidade de um outro mundo em realidade, se manifesta em nossas comunidades cristãs, mas as ultrapassa por todos os lados. Ajuda-nos a tomar consciência de que este mundo está sendo gestado, que somos chamados a ajudar no seu parto, que nisso reside a verdadeira felicidade, aquela alegria profunda e verdadeira que ofusca as apoteoses do carnaval e dos vencedores de plantão. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Profecia de Jeremias 17,5-8 | Salmo 1 | 1ª. Carta de Paulo aos Coríntios 15,12-20 | Evangelho de São Lucas 6,17-26

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

O Evangelho dominical - 10.02.2019

A FORÇA DO EVANGELHO

O episódio de uma pesca surpreendente e inesperada no lago da Galileia foi relatado pelo evangelista Lucas para encorajar a Igreja quando sente que todos os seus esforços para comunicar sua mensagem falham. O que nos é dito é muito claro: devemos colocar nossa esperança na força e atratividade do Evangelho.
A história começa com uma cena insólita. Jesus está em pé na margem do lago, e as pessoas vão se aglomerando à volta Dele para ouvir a Palavra de Deus. Não vem movidas pela curiosidade. Não se aproximam para ver prodígios. Eles só querem ouvir de Jesus a Palavra de Deus.
Não é sábado. Eles não estão reunidos na sinagoga próxima de Cafarnaum para ouvir os textos que são lidos às pessoas durante todo o ano. Eles não subiram a Jerusalém para ouvir os sacerdotes do Templo. O que os atrai é o Evangelho do Profeta Jesus, rejeitado pelos vizinhos de Nazaré.
A cena da pesca também é insólita. Quando à noite, na hora mais favorável para pescar, Pedro e seus companheiros trabalham por sua conta, não obtêm resultados. Quando, de dia, eles lançam suas redes confiando apenas na palavra de Jesus que guia seu trabalho, produz-se uma pesca abundante, contra todas as suas expectativas.
Na análise dos dados que mostram cada vez mais evidente a crise do cristianismo entre nós, há um fato inegável: a Igreja está a perder progressivamente o poder de atração e de credibilidade que tinha apenas alguns anos atrás. Não nos devemos enganar.
Nós, cristãos, temos verificado que a nossa capacidade de transmitir a fé às novas gerações está diminuindo. Não tem havido falta de esforços e iniciativas. Mas, aparentemente, não se trata apenas nem primordialmente de inventar novas estratégias.
Chegou o momento de lembrar que no Evangelho de Jesus há uma força de atração que não há em nós. Esta é a questão mais decisiva: continuamos a fazer as coisas a partir de uma Igreja que está perdendo a atratividade e a credibilidade, ou colocamos todas as nossas energias na recuperação do Evangelho como a única força capaz de gerar fé nos homens de hoje?
Não deveríamos colocar o Evangelho no primeiro plano de tudo? O mais importante nestes momentos críticos não são as doutrinas elaboradas ao longo dos séculos, mas a vida e a pessoa de Jesus. O decisivo não é que as pessoas venham participar das nossas coisas, mas que possam entrar em contato com Ele. A fé cristã só se desperta quando as pessoas encontram testemunhas que irradiam o fogo de Jesus.
José Antônio Pagola
Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

ANO C | TEMPO COMUM | QUINTO DOMINGO | 10.02.2019


Precisamos avançar para águas mais profundas e pescar diferente!
Nos primeiros domingos do tempo comum somos brindados com belíssimos encontros com a Palavra de Deus. Depois do episódio da sinagoga de Nazaré, quando Jesus foi expulso da cidade depois de apresentar-se como o profeta que prioriza a vida dos marginalizados, temos hoje o belo relato da pesca que termina em vocação. Jesus já havia estado em Cafarnaum e curado um homem possuído por um espírito impuro, a sogra de Pedro curvada sob a febre, e muita gente que estava doente (cf. Lc 4,31-41). Jesus então se retira para rezar (cf. Lc 4,42-44) e, posteriormente, chama, reúne e inicia a formação dos primeiros colaboradores.
Simão, Tiago e João voltam de uma noite de trabalho. Os barcos estão vazios de peixe e cheios de frustração e cansaço. Jesus vê os barcos parados à margem do lago e, mesmo percebendo que os pescadores não estão interessados na sua palavra, pede licença e sobe num dos barcos. É de dentro da própria vida, da lida cotidiana frequentemente dura e às vezes vazia, que Jesus se aproxima do povo e assegura que as promessas de Deus estão se cumprindo, que com ele uma boa notícia finalmente é anunciada aos pobres e oprimidos. Jesus entra na nossa vida e, desde o interior dela, nos ama, nos acolhe e nos chama.
Os pescadores e candidatos a discípulos não parecem muito interessados com o que está acontecendo naquele momento às margens do lago de Genesaré. O cansaço e a sensação de frustração os invade por inteiro. Não vislumbram um horizonte que não seja voltar ao mesmo e rotineiro trabalho na noite seguinte. Para eles, a vida dos trabalhadores não pode fazer concessão a sonhos e utopias. Seu destino está desde sempre escrito a ferro e fogo nas instituições. Poderiam repetir o ditado: ‘A vida é um combate que aos fracos abate’. Inicialmente, o jovem pregador não suscita neles nenhuma expectativa.
Não é muito diferente a vida de muitos cristãos de hoje. Infelizmente, são muitos os que se contentam com as rotinas de uma cultura religiosa recebida como herança e conservada por inércia. Outros vivem a fé como um fardo pesado e cansativo, ou como um hábito que envergonha. Permanecem cristãos por conveniência ou por medo de mudar, mas exalam vazio e a frustração por todos os poros. E o que dizer dos bispos, padres, religiosos e catequistas que reclamam do afastamento dos fiéis mas se conformam às ‘antigas lições’ com cheiro de caserna e aderem a posturas violentas, armadas e discriminadoras?
Sem desconhecer a frustração dos pescadores e o vazio do barco, Jesus pede que Pedro avance para águas mais profundas e recomece a pesca. A superficialidade sempre nos parece tentadoramente segura, mesmo que saibamos que é também é menos fecunda. Lugares profundos costumam ser arriscados e exigem prudência e habilidade. Mas a excessiva prudência impede o avanço e a superficialidade conduz à esterilidade. A abertura e a obediência à Palavra de Jesus abre portas à fecundidade. Como Pedro, precisamos superar a ideia de que somos pescadores experientes e tornarmo-nos discípulos e aprendizes.
Em atenção à Palavra de Jesus, Pedro lança as redes novamente, e o resultado é surpreendente. Ele então reconhece sua indignidade, mas Jesus não dá ouvidos às suas palavras. “Não tenhas medo! De agora em diante serás pescador de homens!” E aqui ‘pescar’ significa literalmente: vivificar, reunir para conservar a vida. E este chamado que Jesus dirige Pedro, e implica aprender uma nova missão, não é isolado: Tiago e João, companheiros e sócios no ofício da pesca, são agora também companheiros e participantes desta nova identidade e missão. “Eles levaram os barcos para a margem, deixaram tudo e seguiram Jesus.”
Há uma constante no verdadeiro encontro com Deus: somos colocados cara a cara com a nossa realidade mais profunda e autêntica: a vulnerabilidade e a finitude, que, quando negadas ou esquecidas, nos induz ao erro desde o primeiro passo, e a humanidade acaba pagando um alto preço. Mas, ao mesmo tempo, no encontro com Deus descobrimo-nos preciosos aos olhos de Deus. Ele dá impérios pela nossa liberdade (cf. Is 43,3-4), tatua nosso nome na palma da sua mão (cf. Is 49,16) e, tocando nossos lábios, perdoa nosso pecado, confirma nossa dignidade e nos engaja, lado a lado, ombro a ombro, na sua própria missão...
Jesus de Nazaré, peregrino nos santuários das dores e buscas humanas! Entra nesta barca que é a tua Igreja e transforma seus tímidos viajantes em ardorosas testemunhas. Abre nossos ouvidos à tua Palavra, preenche nossos vazios com tua presença, cura nossas frustrações e desamarra as mãos que o medo e a acomodação imobilizaram. Engaja-nos na tua missão de reunir teus irmãos e irmãs, de promover e conservar a vida e de anunciar teu Evangelho. E isso sem esquecer que somos sempre discípulos e servidores. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf

 Profecia de Isaías 6,1-8 | Salmo 137 138) | 1ª. Carta de Paulo aos Coríntios 15,1-11 | Evangelho de São Lucas 5,1-11