quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

ANO C | TEMPO COMUM | OITAVO DOMINGO | 03.03.2019


Cegos podem guiar cegos, e raposas podem cuidar de galinhas?
Há 60 dias o novo presidente do Brasil e seus ministros ocuparam os cargos para os quais foram eleitos ou nomeados. Os governadores dos estados da federação também tomaram posse no primeiro dia do mês de janeiro. Os parlamentares estaduais e federais, deputados e senadores, assumiram suas cadeiras há 30 dias, e elegeram seus presidentes. No período eleitoral, a grande maioria dessa gente se apresentou como combatentes da corrupção e paladinos de uma nova política. Bastaram dois meses para que ficasse evidente que tanto a maioria dos parlamentares como boa parte dos governadores trazem pouca novidade.
Longe de nós a pretensão de assumir a postura de juízes que condenam ao fogo do inferno ou ao inferno das prisões deputados, governadores e presidente. Jesus nos adverte que, com os olhos vedados por nossos preconceitos e interesses egoístas, não estamos em condições de julgar quem quer que seja. Mas, como discípulos de Jesus, pedimos ao Espírito Santo a graça de apreciar retamente todas as coisas, fatos e processos. Por isso, não podemos nos furtar à tarefa de analisar criticamente e à luz da fé os acontecimentos e ações, e de denunciar os prejuízos que eles podem trazer ao povo de Deus.
Uma série de fatos, que ocorreram ou vieram à tona nos últimos meses, sustentam a afirmação de que boa parte dos homens e mulheres que receberam o voto de um povo cansado de falcatruas não passa de gente que combateu a lama que suja os pés de alguns para esconder o lixo que deteriora irremediavelmente suas próprias palavras e projetos. Recorrendo a discursos ardilosos, criminalizaram a conduta de alguns para atrair os votos enquanto que, de modo mais que sorrateiro, afundavam na lama da corrupção e arquitetavam projetos e planos para caçar os poucos direitos sociais do povo brasileiro, historicamente defraudado.
Pode um cego guiar outro cego, ou pode um corrupto combater a corrupção? Precisamos, sim, escutar e meditar o Evangelho de Jesus Cristo em chave social e profética. Leituras espiritualistas, intimistas ou moralizantes não são suficientes. Não podemos isolar e espiritualizar esta Palavra de Jesus: “Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás enxergar bem para tirar o cisco do olho do teu irmão”. Dizendo isso, Jesus não quer de modo algum questionar a profecia de quem denuncia as falcatruas dos poderosos, mas alertar para a necessária e permanente autocrítica que deve acompanhar a denúncia profética.
O próprio Jesus agiu assim, e nisso foi seguido pelos discípulos. É claro que ele não tinha cisco ou trave nos olhos, pois seu olhar estava voltado à dignidade dos pequenos, das vítimas, dos últimos na escala social. Sem medo da morte e sem nada a perder, Jesus se empenhou radicalmente no anúncio e na realização da Justiça do Reino de Deus, dando prioridade aos excluídos e criminalizados. E, a partir disso, não mediu palavras para denunciar opressões e dar nome aos opressores. Mesmo limitados e pecadores, os discípulos fizeram o mesmo: não se calaram, e denunciaram os olhares enviesados das autoridades políticas e religiosas.
Voltando ao momento político que vivemos, o problema não é apenas o cisco ou a trave no olho de boa parte dos eleitos ou nomeados para funções públicas. Eles não são apenas cegos que se arvoram em guias de cegos, embora parte deles o seja de fato. Há um grupo considerável que se parece a raposas que querem fazer-se passar por protetoras do galinheiro. Recorreram ao voto popular apresentando-se como representantes e defensores dos mais pobres, mas tomam ou apoiam medidas que ferem e defraudam irremediavelmente as pessoas mais humildes e beneficiam os ricos e poderosos de sempre. Parece o pior dos carnavais...
O tesouro do Evangelho de Jesus – sua palavra e sua prática – só contém palavras e propostas que fazem bem ao povo de Deus. Desse tesouro, não podemos tirar incitações à violência, à punição dos pobres, ao uso de armas, à exclusão das pessoas que não se enquadram nos nossos padrões. Jesus mesmo foi a pedra que os construtores rejeitaram, como o foram também seus profetas e missionários mais autênticos. Por isso, prossigamos firmes e inabaláveis, como nos pede Paulo, empenhando-nos cada vez mais na proposta do Senhor Jesus. Nosso esforço em vista da coerência profética não será em vão.
Jesus de Nazaré, vulto da misericórdia de Deus e expressão da plena humanidade: livra-nos da hipocrisia de querer acusar as injustiças praticadas pelos outros sem atentar para as nossas próprias ambivalências, ou até disfarçando-as. Mas livra-nos também de fugir da nossa responsabilidade profética em nome de convivências mesquinhas. Faze que produzamos frutos que mostrem que é em ti que estão nossas raízes! Ajuda-nos a retirar do tesouro do Reino palavras que façam bem aos nossos irmãos. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Eclesiástico 27,5-8 | Salmo 91 (92)| 1ª. Carta de Paulo aos Coríntios 15,54-58| Evangelho de São Lucas 6,39-45

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