quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

ANO C | TEMPO COMUM | SÉTIMO DOMINGO | 24.02.2019


Cristão é quem ama e serve gratuitamente, a fundo perdido!
É possível que alguns de nós ainda estejamos perplexos com as palavras de Jesus que escutamos e meditamos no domingo passado. Como pode ser ele tão duro e insensível com os ricos, com os famosos, com quem só tem motivos para rir e com quem tem mesa farta? Afinal, o que haveria de mal nisso? Bem que Jesus poderia ter ficado nas bem-aventuranças, e até amenizado um pouco sua parcialidade em favor das vítimas. Definitivamente, os pobres, os famintos os que choram e os perseguidos não nos parecem tão perfeitos.
Mas Jesus não impressiona nem se detém. Ele mantém o olhar fixo na utopia de Deus, no horizonte da vontade do Pai, horizonte tão diferente do nosso, mas que ele deseja que compartilhemos com ele. Por isso, no contraponto daqueles que, mesmo confessando-se cristãos, proclamam que “bandido bom é bandido morto”, que amar não é atitude inteligente e armar é a saída, que às “pessoas de bem” devemos respeito e aos “maus sujeitos” não resta senão a lei e as grades, Jesus pede amor inimigos, bênção a quem só sabe nos amaldiçoar, oração por aqueles que nos caluniam, enfim: amor e doação de si a fundo perdido.
Jesus não ignora as tensões e conflitos que marcam a história e a sociedade. Ele está bem consciente dos abismos e muros, cavados a golpes de indiferença e de exploração, que separam ricos e pobres, saciados e famintos, tranquilos e aflitos, bajulados e perseguidos. Ele sabe que existem aqueles que se consideram puros e merecedores de tudo e grupos humanos que são por eles humilhados e desprezados. Jesus não desconhece que existem pessoas que agem como nosso inimigos, porque nos odeiam, caluniam, amaldiçoam, esbofeteiam, penhoram nossos bens. E ele experimentou isso na própria carne.
O que Jesus faz é propor um horizonte e uma régua para que sejamos reconhecidos como seus discípulos: o horizonte é ser misericordioso (com todas as pessoas) como o é Deus, universalmente misericordioso; a régua ou medida, é que tratemos os outros como gostaríamos que eles nos tratassem. O horizonte da misericórdia é a atitude que Deus demonstrou no êxodo: tendo visto a opressão do seu povo, age sem demora e sem exigências em favor das vítimas, sem distinguir entre gente que merecia e gente que não merecia; e manteve essa sua atitude, transformando-a em compromisso mediante uma aliança.
Como Jesus, os cristãos somos chamados a testemunhar em projetos, palavras e ações essa misericórdia, primeiro às vítimas dos processos de dominação e exclusão, mas chegando até aqueles que nos maltratam.  Somente assim seremos de fato filhos do Deus altíssimo, pois os filhos herdam o melhor dos seus pais. Este dinamismo loucamente transformador que nos vem do Pai e, através de nós, chega às vítimas não conhece limites ou pré-condições. Amar e ajudar apenas aqueles que “são dos nossos” não passa de um belo disfarce do nosso egoísmo. Fazer algo pensando apenas na recompensa não tem nada a ver com o cristianismo.
O amor e o serviço próprios dos cristãos ultrapassam a simples obrigação de reciprocidade, de dar esperando receber, de emprestar esperando receber de volta, de amar quem nos ama. E vão também além de um amor ou um serviço reativo, da obrigação de retribuir a iniciativa do outro. Com sua vida e sua pregação, Jesus pede que tomemos a iniciativa, inclusive em relação àqueles que nos fazem o mal: “O que desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles”. Fica claro que o amor cristão é uma ação exigente, e não mero sentimentalismo, oportunismo, boas maneiras ou refinada estratégia: é uma ação alternativa!
O amor ao próximo e extensivo aos inimigos somente é possível a partir de uma rica e intensa experiência de ser filho amado por Deus. Somente alimentados por esse amor estaremos em condições de superar a raiz da violência que se aninha e cresce em nós, inclusive a violência que nos é proposta como palatável e aceitável, conhecida como legítima defesa. É triste e deplorável ver como muitos cristãos piedosos engolem esse veneno, esquecendo o exemplo e o ensinamento de Jesus e ampliando perigosamente o conceito de legítima defesa, a ponto de aceitar até a violência preventiva por medo ou forte emoção.
Jesus de Nazaré, vulto da misericórdia de Deus e expressão da plena humanidade: desejamos ardentemente ser como és, amar como tu amas, encarnar tua liberdade e tua ousadia, refletir em nós a imagem do homem celeste que brilha em ti. Ensina-nos a ser indulgentes e pacientes, bondosos e compassivos, capazes de tratar os outros a partir de suas necessidades e não dos seus merecimentos, pois vivemos num país que flerta perigosamente com múltiplas formas de violência contra os pobres e indefesos. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
1º Livro de Samuel 26,2-23 | Salmo 102 (103)| 1ª. Carta de Paulo aos Coríntios 15,45-49| Evangelho de São Lucas 6,27-38

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