sexta-feira, 30 de junho de 2023

O Evangelho de cada dia (34)

XII Semana do Tempo Comum | Sábado | Mateus 8,5-17

(01/07/2023)

Depois da primeira etapa do processo de “formação na ação” que Jesus oferece aos seus discípulos (purificação e cura de um leproso), entramos na fase narrativa, que descreve a novidade do Reino de Deus em ação naquilo que Jesus faz. Também nisso ele forma, educa e orienta seus discípulos/as missionários/as. Ontem vimos como ele desmascara a ideologia que taxa os leprosos como impuros, e, assim exclui eles da convivência social

Uma leitura atenta do início do capítulo 8 do evangelho segundo Mateus nos leva a perceber que Jesus derruba os muros e atravessa as fronteiras políticas, étnicas, religiosas e sociais enfrentando o sofrimento das pessoas rejeitadas, oprimidas, isoladas, doentes, paralíticas, etc. E faz isso evitando os centros e deslocando-se para as margens. Usa como meios eficazes a Palavra e o toque, a compaixão e a misericórdia, sem recorrer a ações poderosas e capazes de impressionar, seduzir e provocar medo. São ações que beneficiam os necessitados, e não subjugam ninguém.

Na cena de hoje se confrontam dois reinos (o império romano e o Reino de Deus), duas etnias (os judeus e os pagãos) e duas classes (um chefe militar e uma mulher sem nome). O escravo e a sogra de Pedro não têm voz, não contam para nada. Diante desses dois sujeitos sociais, Jesus faz o que império romano não faz, e corrige aquilo que a dominação provoca. A possessão era a expressão da completa destruição da pessoa, e Jesus põe fim a esse mal que fere tanta gente.

A figura do oficial romano é ambivalente, pois ele faz parte da estrutura de dominação e de violência do império romano, mas, ao mesmo tempo, é um pagão, e, como tal, é desprezado pelos judeus. Pela confiança radical na força libertadora da pessoa e da Palavra de Jesus para curar alguém tratado por ele como simples propriedade, este oficial chama a atenção e atrai o elogio de Jesus.

A atitude e as palavras desse pagão inspiram a vida cristã. Sua fé é exemplo até para os judeus mais piedosos. Em cada celebração eucarística, repetimos suas palavras, e queremos assimilar sua atitude. “Senhor, eu não sou digno que entres em minha casa, mas uma palavra tua basta para curar-me!”

 

Meditação:

·        Preste atenção na atitude, nos gestos e nas palavras do oficial romano: ele pede em favor de um escravo, que é uma entre as suas propriedades, uma pessoa que talvez ele mesmo tivesse torturado

·        O oficial expressa sua fé na força da Palavra e da compaixão de Jesus de Nazaré por aqueles que não tem voz nem vez

·        Jesus se interessa pela sogra de Pedro, vai ao encontro dela no reduto doméstico, ajuda-a a superar a enfermidade e recoloca-a de pé

·        Você deseja que Jesus entre na sua casa e faça as mudanças que o Evangelho pede, tome você pela mão e faça de você um/a servidor/a dos outros?

O Evangelho dominical (Pagola) - 02.07.2023

O PERIGO DE UM CRISTIANISMO SEM CRUZ

Um dos maiores riscos do cristianismo de hoje é passar pouco a pouco da «religião da cruz» para uma «religião do bem-estar». Há alguns anos, tomei nota de umas palavras de Reinhold Niebuhr, que me fizeram pensar muito. Falava o teólogo americano do perigo de uma «religião sem ferrão» que acabaria por pregar «um Deus sem cólera que conduz uns homens sem pecado a um reino sem julgamento por meio de um Cristo sem cruz». O perigo é real e devemos evitá-lo.

Insistir no amor incondicional de um Deus Amigo nunca deve significar fabricarmos um Deus à nossa conveniência, o Deus permissivo que legitime uma «religião burguesa» (João Batista Metz). Ser cristão não é procurar o Deus que me convém e diz «sim» a tudo, mas encontrar-me com o Deus que, precisamente por ser Amigo, desperta a minha responsabilidade e, por isso mesmo, mais do que uma vez me faz sofrer, gritar e calar.

Descobrir o evangelho como fonte de vida e estímulo de crescimento são não significa viver «imunizado» diante do sofrimento. O evangelho não é um tranquilizante para uma vida organizada ao serviço dos nossos fantasmas de prazer e bem-estar. Cristo faz-nos regozijar e faz-nos sofrer, consola e inquieta, apoia e contradiz. Só assim é caminho, verdade e vida.

Crer num Deus Salvador que, já a partir de agora e sem esperar pelo além, procura libertar-nos do que nos prejudica não deve levar-nos a entender a fé cristã como uma religião de uso privado ao serviço exclusivo dos nossos problemas e sofrimentos. O Deus de Jesus Cristo sempre nos coloca a olhar para a pessoa que sofre. O evangelho não centra a pessoa no seu próprio sofrimento, mas no sofrimento dos outros. Só assim se vive a fé como experiência de salvação.

Na fé como no amor tudo tende a andar muito misturado: a entrega confiada e o desejo de posse, a generosidade e o egoísmo. É por isso que não devemos apagar do Evangelho aquelas palavras de Jesus que, por mais duras que pareçam, nos colocam diante da verdade da nossa fé: «O que não toma a sua cruz e me segue, não é digno de mim. O que encontra a sua vida perdê-la-á, e quem perder a sua vida por mim encontrá-la-á».

José Antonio Pagola

Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez

quinta-feira, 29 de junho de 2023

O Evangelho de cada dia (33)

XII Semana do Tempo Comum | Sexta-feira | Mateus 8,1-4

(30/06/2023)

Depois de concluir a primeira etapa da formação dos discípulos e discípulas, feita na montanha e concluída com o chamado a construir a casa sobre a rocha (ouvindo e praticando a Boa Notícia de Deus), Jesus desce da montanha para continuar o processo formativo, agora na ação, mediante o testemunho. Jesus ensina por aquilo que faz, e age de forma transformadora com aquilo que anuncia.

Jesus havia afirmado que são felizes, entre outras, as pessoas que choram compartilhando a dor dos outros, assim como as pessoas misericordiosas. Uma multidão de gente marcada pela dor e pela esperança o seguia, porque só podiam contar com ele. Na cena de hoje, um leproso, que não poderia estar com a multidão nem com sua própria família, se aproxima de Jesus, transgredindo os preceitos, que o obrigavam a tomar distância e anunciar sua maldição.

O leproso se aproxima e, demonstrando sua reverência e dependência, se ajoelha diante de Jesus e lhe faz um pedido: “Senhor, se queres, tu tens o poder de me purificar”. Como a lepra, sendo uma contagiosa doença de pele, era vista como impureza que excluía a pessoa da convivência social, o leproso não pede para ser curado, mas para ser purificado. A purificação (ou o perdão) é a ação interior e espiritual que se expressa na cura exterior ou física.

Jesus realiza o querer e o agir de Deus, por isso afirma que ele quer sim purificar/curar aquela pessoa sofrida e excluída, quer que ela fique totalmente limpa, e possa frequentar todos os espaços sociais e religiosos antes absolutamente interditados a ela. Purificado, o leproso é reinserido na convivência social, e tem o direito de ser tratado como ser humano e como cidadão. A purificação ressoa como uma espécie de emancipação.

Inicialmente pode parecer estranho que, fazendo algo que não poderia fazer segundo a lei judaica (somente Deus poderia curar) e denunciando a incapacidade do templo de fazê-lo em nome de Deus, Jesus tenha enviado o homem purificado justamente ao templo. Ao que parece, Jesus ordena isso por dois motivos: mostrando-se aos sacerdotes e apresentando sua oferta, o homem adquire o “passaporte” que lhe permite frequentar o templo e a sociedade; ao mesmo tempo, demonstra “ao vivo e a cores” a incompetência deles.

 

Meditação:

·        Participe desta cena e interaja com os personagens, descendo com Jesus da montanha, misturando-se à multidão, observando e acolhendo o leproso

·        Quem são hoje as pessoas e grupos sociais cuja presença e circulação na sociedade não é bem vista, é indesejada ou é até proibida?

quarta-feira, 28 de junho de 2023

O Evangelho de cada dia (32)

XII Semana do Tempo Comum | Quinta-feira | Mateus 7,15-21-29

(29/06/2023)

A espiritualidade da encarnação do Evangelho na vida cotidiana é a luz que ilumina com cores especiais os textos bíblicos deste tempo litúrgico. Ela ajusta nosso olhar para podermos reconhecer os sinais da permanência de Deus “no meio de nós” em trajes humanos de pobreza, de simplicidade, de proximidade e de coerência. E nos sensibiliza ao sonho, à esperança, à generosidade. O texto de hoje é a conclusão da “catequese da montanha”, o primeiro anúncio de Jesus às multidões e a primeira de uma série de lições aos discípulos/as missionários/as.

Hoje, a santa e boa Palavra nos adverte sobre uma forma deficiente e imatura de ouvir e acolher o Evangelho de Jesus: reduzi-lo a um motivo para exultação, suspiros e gemidos, cânticos e linguagens estranhas. Mais que isso, Jesus nos provoca e encoraja a levar o Evangelho para a vida, como dinamizador de ações, iniciativas, decisões e relações concretas, em todos os âmbitos.

Acolher Jesus e seguir seus passos e suas lições significa fazer-se seu discípulo/a, ser seu/sua companheiro/a de caminhada, assumir seus sentimentos e pensamentos, participar da sua missão. A ação verdadeiramente evangélica do/a discípulo/a missionário/a nasce da escuta atenta da Palavra, que nos fala pela Bíblia e pela Vida. Ler, escutar ou meditar o Evangelho e não agir de acordo com ele equivale a desobedecer.

Infelizmente, tanto no tempo de Jesus como hoje, há quem queira ser cristão sem uma ação ou uma prática correspondente. Tem o nome de Jesus sempre nos lábios, mas usa-o para promoção pessoal ou das suas igrejas (ou negócios religiosos). E há instituições que embelezam seus espaços e ambientes com símbolos, afrescos e móveis caros, mas não querem saber do Evangelho. E não faltam cristãos que querem reduzir a fé a uma moral mesquinha.

A autenticidade do/a discípulo/a missionário/a se faz patente e evidente numa vida centrada em Jesus e no Reino de Deus. No discipulado cristão não há espaço para as fachadas (humanas e comerciais) tão enfeitadas quanto falsas. Não é aceitável o uso do nome de Jesus como fórmula mágica e afirmação de poder. Isso seria insensatez ou falta de juízo, como diz Jesus, seria como tentar construir um edifício sobre terreno movediço.

 

Meditação:

·    O evangelho de hoje nos chama e orienta para uma atitude madura e adequada em todas as esferas da vida cotidiana

·    Será que alguns movimentos religiosos atualmente muito em moda não caíram na tentação de reduzir a vida cristã à invocação do nome de Jesus?

·    Perceba a advertência de Jesus às pessoas aparentemente piedosas (profetizam pregam, participam da Eucaristia), mas más em suas relações?

·    Será que, diante das exigências do Evangelho de Jesus, alguns setores cristãos estão buscando ensinamentos em outros “mestres”, menos radicais?

terça-feira, 27 de junho de 2023

O Evangelho de cada dia (31)

XII Semana do Tempo Comum | Quarta-feira | Mateus 7,15-20

(28/06/2023)

Continuamos frequentando as lições de Jesus, Mestre da vida, avançando pouco a pouco em nossa formação como discípulos/as missionários/as. Depois de nos convidar a meditar sobre a regra de ouro, que mede a avalia todas as nossas relações (fazer aos outros o que desejamos que eles façam a nós), Jesus nos adverte em relação aos líderes que se apresentam como profetas e guias, mas vivem de um modo que tem pouco a ver com o Evangelho do Reino de Deus.

Ao que parece, a advertência de Jesus se dirige tanto aos dirigentes do judaísmo como às lideranças cristãs que se comportam de modo ambíguo. Jesus não deixa fora desse “puxão de orelha” o amplo leque dos discípulos/as missionários/as que se reúnem em torno dele. Quanto a algumas pessoas que exercem liderança ignorando o caminho do serviço e da gratuidade, a crítica de Jesus é contundente: elas se aproximam dos cristãos como ovelhas, como gente mansa e necessitada, mas, por dentro e na prática, são lobos perigosos.

A este respeito, Jesus propõe um princípio que pode ajudar as comunidades a identificar e desmascarar estes falsos profetas: todas as pessoas, inclusive as lideranças, se revelam nas ações que produzem, nos frutos da ação que desenvolvem, como os figos remetem à figueira, e as uvas apontam à parreira. “Uma árvore boa não produz frutos ruins, e uma árvore ruim não produz frutos bons”, sentencia Jesus. Não colhemos manga nos espinheiros!

Considerando aquilo que Jesus ensinou nas lições precedentes, pode-se concluir com segurança que ele não se refere aos frutos do cumprimento simples, minucioso e inflexível das leis e mandamentos, da moral e da doutrina, mas a uma justiça maior que aquela que os fariseus ostentam: trata-se da compaixão e da misericórdia tal como a viveu José em relação a Maria, e tal como Jesus demonstra em relação aos pobres, doentes e toda a sorte de pessoas excluídas.

Assim, pelas relações que estabelecem e pelas ações que produzem, os/as discípulos/as revelam quem é seu mestre e guia: são as atitudes e práticas concretas de justiça e de misericórdia, de partilha dos bens e de sede de justiça, de busca prioritária do Reino de Deus, de amor a um só Senhor. O nome e os símbolos que usamos dizem pouco sem as práticas que lhes dão concretude.

 

Meditação:

·    Acolha a advertência de Jesus e aplique-a a você mesmo/a e às lideranças eclesiais e políticas, que gostam de posturas formais e respostas evasivas

·    Que frutos as lideranças eclesiais, sociais e políticas que despontam ou se impõem estão produzindo neste amargo momento do Brasil?

·    Aplicando o princípio “é pelos frutos que nós conhecemos a um líder”, o que podemos dizer das nossas lideranças eclesiais, hierárquicas ou não?

·    Em que medida também nós – pais, mães, catequistas, religiosos/as, padres, – nos apresentamos como ovelhas mas atuamos como lobos?

segunda-feira, 26 de junho de 2023

O Evangelho de cada dia (30)

XII Semana do Tempo Comum | Terça-feira | Mateus 7,6.12-14

(27/06/2023)

Continuamos frequentando as lições de Jesus, Mestre da vida, para que possamos avançar, cada dia um pouco mais, na nossa formação como discípulos/as missionários/as. Para hoje, a Igreja nos propõe um versículo (v. 6) que parece mais ligado ao trecho que meditamos ontem (crítica e autocrítica), omite os versos que ressaltam a eficácia da oração (v. 7-11) e nos convida a meditar sobre a regra de ouro, que mede a avalia todas as nossas relações.

“Portanto, façam às pessoas o mesmo que vocês desejam que elas façam a vocês. Esta é, de fato, a lei e os profetas”. É isso que Jesus jamais anulou, e deseja destacar e concretizar com sua vida e seu ensinamento. Esta é a lei que permanece para sempre, o corolário das leis, a régua ou a balança que avalia a qualidade da vida dos/as discípulos/as do reino. Este imperativo ético e espiritual, dá primazia ao outro, sublinha o apreço e o respeito por ele, afasta e supera as relações de indiferença, raiva e violência.

Aqui Jesus alarga o horizonte das relações dos/as discípulos/as entre si e para fora da comunidade. O foco não é unicamente a comunidade interna (os irmãos e irmãs), mas as pessoas em geral. E não se trata de ser justo/a e bom/boa com as pessoas esperando que elas nos retribuam na mesma moeda. Ao seguidor/a de Jesus basta ser bom/boa, e o retorno não entra no orçamento, nem na contabilidade. Essa é a novidade do Reino de Deus. Jesus é realista, e adverte que são poucas as pessoas que ousam este modo de viver e nele perseveram.

Por isso, Jesus recorre às imagens da porta e da estrada, que, no ambiente do império romano, eram meios de propaganda e espaços de controle militar, de exploração econômica (cobrança de impostos) e de dominação violenta sobre os cidadãos hebreus. Porta e estrada são também imagens que expressam direção ou opção escolhida, e entrada ou acolhida. Jesus torna mais precisa suas metáforas, e fala de porta estreita e de estrada estreita.

Falando do caminho estreito e da porta apertada do Reino, Jesus não se refere à carroçada de prescrições morais que padres e pastores costumamos impor ao povo, mas à necessidade de seguir seu estilo de vida, de ser uma comunidade alternativa, que antecipa o sonho do Reino de Deus. Não é verdade que essa é uma estrada estreita e supõe empenho? Para os cristãos, não há outro caminho que possa levar à vida, à felicidade. Não há como ser bom e justo sem isso.

 

Meditação:

·    Deixe ressoar em você cada palavra e cada frase dessa lição sobre a regra de ouro que deve inspirar nossas ações e relações

·    Detenha-se na imagem da estrada e da porta, e tente compreender seu sentido à luz do Evangelho vivido e anunciado por Jesus

·    Também você tende às vezes a fazer o bem focado prioritariamente na expectativa da retribuição, do aplauso e do reconhecimento?

domingo, 25 de junho de 2023

O Evangelho de cada dia (29)

XII Semana do Tempo Comum | Segunda-feira | Mateus 7,1-5

(26/06/2023)

Continuamos na primeira etapa de formação inicial que Jesus oferece a seus discípulos/as missionários. Ele é realista, e sabe que formamos comunidades de homens e mulheres imperfeitos, de pessoas que estão a caminho, que ainda têm muito caminho pela frente. Quando Jesus nos pede que sejamos perfeitos como o Pai é perfeito, na verdade está pedindo que nos empenhemos e perseveremos no próprio caminho de crescimento, e não propriamente uma perfeição. E hoje ele ilustra o que significa ter coração puro.

Como seguidores/as de Jesus, como gente que o escolheu como mestre da vida, precisamos discernir o que fazer, e desenvolver relações e práticas coerentes com a novidade do Reino de Deus, tanto no âmbito social como no interior da comunidade. Partindo da convicção de que todos/as somos pecadores/as e limitados/as, precisamos conjugar a necessária correção das faltas dos irmãos e irmãs com uma serena e profunda capacidade de autocrítica. A crítica sem autocrítica, sem o cultivo de um olhar e um coração puros, pode virar hipocrisia e descambar para a intolerância e a exclusão.

Jesus não diz que devemos nos omitir diante das faltas e dos limites que marcam a vida comunitária, mas pede que nosso olhar sobre os outros seja correto. Precisamos limpar nosso olhar e purificar nossos juízos, evitando criminalizar os outros com a intenção de declararmo-nos inocentes. E não podemos cair na tentação de ocupar o lugar de Deus, a quem compete o julgamento final. Privar os outros de misericórdia é impedir a misericórdia de Deus conosco mesmos/as. A balança e a trena com que medimos os outros serão aplicadas também a nós.

Com o exemplo do cisco no olho do irmão e da trave no nosso próprio olhar, Jesus oferece um critério fundamental: julgar e condenar os outros sem autocrítica é ridículo e hipócrita, e isso é inaceitável para um/a discípulo/a missionário/a. Na revisão de vida, o “eu” vem antes que o “tu” e o “eles”. Se invertemos a prioridade, deixaremos de ser comunidades alternativas, comunidades capazes de fecundar a história com a novidade do Reino de Deus, semente e fermento de justiça, de acolhida e de fraternidade. É claro que isso não significa diminuir ou eliminar a necessária denúncia profética!

 

Meditação:

·    Deixe ressoar em você cada palavra e cada frase dessa lição sobre a correção fraterna na comunidade familiar e cristã

·    Detenha-se na imagem do cisco e da medida (balança ou régua) que Jesus propõe como metáfora na prática da correção fraterna

·    Você também tende às vezes a ceder a um julgamento implacável, a uma crítica sem autocrítica, a um olhar condenatório sobre os outros?

·    Como e quando seu olhar sobre os irmãos e irmãs é turvo, distorcido e encobridor dos seus próprios limites, e quando é puro e transparente?

sábado, 24 de junho de 2023

O Evangelho de cada dia (28)

XII Semana do Tempo Comum | Domingo | Mateus 10,26-33

(25/06/2023)

O evangelho deste domingo é uma contundente exortação a não ter medo das dificuldades oriundas da fidelidade ao discipulado missionário ao qual Jesus nos chama. Os versículos de hoje estão inseridos no contexto da escolha, instrução e envio dos doze discípulos como colaboradores da missão de Jesus, com a competência de expulsar os espíritos maus e de curar todo tipo de doença e enfermidade (cf. Mt 10,1-4).

Antes de enviá-los, Jesus dá aos discípulos uma série de instruções fundamentais e orientações práticas. Pede-lhes absoluta confiança nas inspirações do Espírito Santo, especialmente para a autodefesa diante das perseguições. Jesus não esconde nada daqueles que escolhe e envia, e sublinha que a reação persecutória é mais que uma possibilidade, e pode-lhes vir inclusive da própria família de sangue. Eles são ovelhas em meio a lobos (cf. v 16-25).

Jesus inscreve a ação dos discípulos missionários no próprio processo de desvelamento da realização das promessas de Deus e da iniquidade humana que se lhe opõe. A missão que eles desenvolvem colabora na revelação daquilo que está escondido e na descoberta aquilo que está oculto no coração humano, no seio da história e nas instituições sociais. Mas também alerta seus enviados em relação ao medo paralisador que as perseguições podem provocar.

Os discípulos missionários não podem sucumbir ao medo de ser descartado. A própria perseguição não está fora do conhecimento de Deus. Ele é pai carinhoso que conhece e protege seus filhos e filhas. Ele se desdobra em cuidados e carinhos até dos pássaros que não gozam de importância alguma, e nem o detalhe da queda dos cabelos não lhe passa despercebida. Seus enviados/as valem muito mais que alguns pardais ou um chumaço de cabelo!

O poder das pessoas e estruturas que perseguem e matam é limitado, enquanto que o cuidado do Pai pelos seus enviados/as não tem limites. É preciso temer mais a Deus que aos podres poderes. O temor de Deus e a confiança absoluta na sua Sabedoria e na sua Vontade sustenta a fidelidade. Com os olhos fixos em Jesus, o Profeta contestado e o Enviado rejeitado, e sem largar a mão de ninguém que compartilha a missão, enfrentaremos serenamente as contrariedades. E que ninguém ouse dizer que ser missionário/a nos tempos atuais é muito difícil e complexo! Basta contemplar a nuvem de testemunhas que nos antecederam.

 

Meditação:

·    Deixe ressoar em você cada palavra e cada frase desta exortação missionária de Jesus, e procure deter-se naquela que lhe fala mais alto

·    Quais são hoje os medos que inibem a força e o dinamismo da missão pública dos cristãos? Você também os sente?

·    Onde, em que e com quem você busca encorajamento para viver a missão profética que lhe é confiada, com serenidade e firmeza?

O Evangelho dominical (Pagola)

APRENDER A CONFIAR EM DEUS

Estou convencido de que a experiência de Deus, tal como a oferece e comunica Jesus, infunde sempre uma paz inconfundível no nosso coração, cheio de inquietudes, medos e inseguranças. Esta paz é quase sempre o melhor sinal de que ouvimos desde o fundo do nosso ser a sua chamada: «Não tenhais medo, não há comparação entre vós e os pardais». Como nos aproximamos desse Deus?

Talvez a primeira coisa seja deter-nos e experimentar Deus só como amor. Tudo o que nasce dele é amor. Dele só nos chega vida, paz e bem. Eu posso afastar-me dele e esquecer o seu amor, mas ele não muda. A mudança só ocorre em mim. Ele nunca deixa de me amar.

Há algo ainda mais comovente. Deus ama-me incondicionalmente, assim como eu sou. Não tenho que ganhar o seu amor. Não tenho que conquistar o seu coração. Não tenho que mudar ou ser melhor para ser amado por ele. Pelo contrário, sabendo que me ama assim, posso mudar, crescer e ser bom.

Agora posso pensar na minha vida: o que me pede Deus? Que espera de mim? Ele espera apenas que eu aprenda a amar. Não sei em que circunstâncias posso me encontrar e que decisões terei de tomar, mas Deus só espera de mim que ame as pessoas e procure o seu bem, que me ame a mim mesmo e me trate bem, que ame a vida e me esforce por fazê-la mais digna e humana para todos. Que seja sensível ao amor.

Há algo que não devo esquecer. Nunca estarei só. Todos nós «vivemos, movemo-nos e existimos» em Deus. Ele será sempre essa presença compreensiva e exigente que necessito, essa mão forte que me sustentará na debilidade, essa luz que me guiará pelos seus caminhos. Ele sempre me convidará a caminhar dizendo «sim» à vida. Um dia, quando termine a minha peregrinação por este mundo, conhecerei junto a Deus a paz e o descanso, a vida e a liberdade.

José Antonio Pagola

Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez

sexta-feira, 23 de junho de 2023

O Evangelho de cada dia (27)

XI Semana do Tempo Comum | São João Batista | Lucas 1,57-66.80

(24/06/2023)

Este belo texto do Evangelho nos convida a valorizar os pequenos fatos da vida, como o nascimento de uma criança, os encontros de amigos/as, a superação de uma enfermidade, pois é o relato do nascimento de João Batista. É Deus presente no meio de nós, Deus que continua cumprindo suas promessas. Diante do nascimento do filho esperado, Zacarias abriu a boca, soltou a língua e começou a bendizer a Deus, e é isso que precisamos fazer.

As promessas começam a se cumprir. O filho que foi prometido a Zacarias nasceu e trouxe alegria, não apenas a ele, mas a todo o povo. Chegou o tempo estabelecido, que é também o tempo da graça. O anjo já havia anunciado que muita gente se alegraria com este nascimento. A vinda do pequeno João à luz é um sinal de esperança para todo o povo do qual fará parte.

Os vizinhos queriam dar ao bebê o nome do pai, inserindo-o na lógica e na tradição da família e no clã. Mas o nome será aquele sugerido a Zacarias pelo anjo: João, que significa “o Senhor é gracioso” ou favorável. Este nome amplia o desejo da vizinhança, e diz que João é uma graça de Deus para todos. A este nome a tradição acrescenta ‘Batista’, como referência à sua prática profética. Que nenhuma tradição festiva ou redução intimista apague sua profecia!

Zacarias havia ficado mudo (e surdo), e, com o nascimento do filho, volta a falar. Como um homem justo, começa a bendizer a Deus. A liturgia que ele dirigia no templo no dia do anúncio e fora interrompida é agora retomada, em clima de louvor e festa. A notícia se espalha e todo o povo fica sabendo o que Deus está fazendo pelo povo, e todos/as se enchem de admiração e respeito pelo que estava acontecendo. O medo faz calar, a admiração faz proclamar.

A vizinhança se pergunta o que vai ser daquele menino. E o Evangelho diz que João é o escolhido por Deus para uma missão importante. Ele falará e agirá em nome de Deus, chamando à conversão, endireitando caminhos, propondo a reconciliação e a justiça. A terá a grata satisfação de mostrar o Messias presente no mundo, Jesus de Nazaré. Que jamais nos cansemos de celebrar os sinais da grandeza do amor misericordioso de Deus na pequenez e na fragilidade de pessoas e acontecimentos.

 

Meditação:

·    Participe desta cena e interaja com Isabel, Zacarias, a vizinhança e os parentes, que se reúnem para participar da alegria de Isabel

·    O que aconteceu com as nossas liturgias, que expulsaram a alegria para hospedar a seriedade, o comedimento, a doutrina e a moral?

·    O que a alegria e a simplicidade que marcam as festas juninas podem nos ensinar sobre a vivência cotidiana da fé cristã?

·    Como poderíamos resgatar a missão profética de João Batista e trazê-la para dentro das festas populares que o celebram?

quinta-feira, 22 de junho de 2023

O Evangelho de cada dia (26)

XI Semana do Tempo Comum | Sexta-feira | Mateus 6,19-23

(23/06/2023)

A parte do evangelho de Mateus que conhecemos como “sermão da montanha” é uma iniciação dos/as discípulos/as à novidade do Reino de Deus vivida e proposta por Jesus. Depois de dar exemplos de uma nova interpretação da antiga lei, e depois de falar criticamente das práticas de piedade (esmola, oração e jejum), Jesus adverte seus discípulos/as sobre os compromissos do coração, ou seja, sobre a opção fundamental que orienta e unifica todas as ações.

A seção que começamos hoje, e que vai até o fim do capítulo 6 de Mateus, adverte os/as discípulos/as e demais ouvintes sobre a insensatez e a imprudência da cobiça e do acúmulo de bens. Os “tesouros na terra” são os bens materiais, a obsessão da prosperidade, o consumo desmedido, a competição predatória, o sucesso a qualquer custo. São coisas instáveis cuja posse nunca está garantida, coisas sem valor verdadeiro, sempre sujeitas à deterioração. Tratar isso como essencial equivale a negligenciar a vontade de Deus.

Jesus propõe a busca de “tesouros no céu”, que são os valores do Reino de Deus: a misericórdia, o amor, a compaixão, a partilha solidária, a fraternidade como bens maiores, imperdíveis e indestrutíveis. Sobre isso Jesus já falara, de algum modo, nos trechos anteriores (bem-aventuranças, superação das leis mesquinhas, radicalização do amor ao próximo, amor aos inimigos, etc.). Trata-se então de ter isso como desejo sincero, preponderante, profundo e permanente. Em outras palavras, de transformar isso em nossa opção fundamental.

Jesus ilustra a diferença entre estes dois projetos de vida com a metáfora do olho. Na cultura do povo e do tempo de Jesus, os olhos eram considerados faróis que projetam para fora a luz que vem de dentro. Se nossos olhos faíscam cobiça, são faróis queimados, que só projetam escuridão doentia, e tornam nossa vida algo tenebroso. Se nossos olhos estão fixos no reino de Deus, projetam luz clara, suave e benfazeja, e nossa vida então será luminosa e iluminadora.

O enfoque sincero e profundo no reino de Deus significa: para os ricos, ruptura com a cobiça, renúncia à acumulação, partilha solidária; para os pobres, confiança profunda em Deus, que cuida de nós como o faz um pai; cooperação solidária com os/as iguais; superação da tentação de imitar os ricos e poderosos.

 

Meditação:

·    Quais são os valores que “brilham aos nossos olhos”, que mobilizam e potencializam nossas energias e nossas buscas?

·    O quanto nossos olhos brilham com a emancipação das pessoas, o crescimento humano, a igualdade e a compaixão, a justiça social?

·    Como entender que a busca da prosperidade a qualquer custo tenha ocupado o lugar da justiça em muitas pregações dos nossos padres e pastores?

·    Que pedidos ou súplicas costumam ocupar os primeiros lugares nas “listas de desejos” que diariamente apresentamos a Deus?

quarta-feira, 21 de junho de 2023

O Evangelho de cada dia (25)

XI Semana do Tempo Comum | Quinta-feira | Mateus 6,7-15

(22/06/2023)

Nestes versículos, omitidos no trecho maior que meditamos ontem, Jesus prossegue sua formação aos discípulos/as, deslocando nossa atenção das prescrições legais para a prática da oração. Não faltemos a esta importante lição da nossa formação permanente, mantenhamo-nos atentos e sintonizados com aquilo que é essencial, e não nos deixemos distrair por nada.

Em alguns versículos do texto que meditamos ontem, Jesus já chamava a nossa atenção para a atitude correta na oração. Por mais que a oração cristã tenha também uma marca comunitária e um caráter público, o que nos move não é o desejo de impressionar os outros ou o próprio Deus, de receber aplausos, de ostentar piedade. No horizonte da novidade de Jesus e do advento do Reino de Deus, a oração tem marcas e exigências próprias.

Jesus não pretende ensinar aos seus discípulos e discípulas uma fórmula de oração a ser repetida em todas as ocasiões, mas uma atitude a ser assimilada com profundidade e um horizonte capaz de inspirar nossa vida de oração. Jesus sublinha que a nossa oração deve estar focada no Pai, na vinda do seu Reino e na sua Vontade (a quem se referem três frases) e nos irmãos, nas relações com eles, nas suas necessidades e nas ameaças que sofremos (quatro referências).

Para Jesus, o desejo que deve mover nossa oração é, antes de tudo, que o nome de Deus seja universalmente e concretamente honrado na afirmação da dignidade dos seus filhos e filhas; que seu Reino venha para demolir as estruturas injustas e instaurar uma ordem social mais humana e solidária; que sua vontade seja a inspiração de todos os projetos e ações pessoais, eclesiais e sociais, e seja levada em conta tanto na terra como o é no céu.

Em segundo lugar, Jesus nos ensina a apresentar a Deus nossas necessidades mais pungentes, e não qualquer desejo ou capricho de menor importância: que não falte a ninguém o pão de cada dia; que tratemos nossas tensões e curemos as feridas relacionais mediante o perdão, sinal do Ano da Graça; que vençamos a tentação de desistir diante do desafio de viver como comunidade alternativa no meio do mundo; que sejamos mais fortes que o maligno, que às vezes se disfarça de anjo bom; enfim, que nossos desejos tenham a grandeza do desejo de Deus.

 

Meditação:

·      Deixe ressoar em você este ensino inovador de Jesus, que ele viveu em primeira pessoa: colocar-se inteiramente nas mãos do Pai e realizar plenamente sua vontade

·      Como você e sua comunidade tem exercitado a oração? Em que ela está focada nestes tempos de crise política, moral, ambiental, social e econômica?

Há algo a ser revisto ou ser melhorado na sua forma de rezar e no conteúdo da sua oração? Há algo a mudar ou melhorar no foco das nossas celebrações comunitárias, que são basicamente orações coletivas?