Do encontro com Jesus ressuscitado, brota nossa
missão.
A
provocadora luz da ressurreição de Jesus normalmente não brilha de forma
repentina e poderosa na vida dos cristãos. Ela vai se acendendo aos poucos... Naquela
noite do primeiro dia da semana, as portas da sala, onde se encontravam os
discípulos desiludidos e assustados, estavam firmemente trancadas. O ambiente
externo era hostil e aquele punhado de sonhadores cheios de ambiguidades
sentia-se desamparado. A lembrança da traição de Jesus por um deles, da negação
pública de um dos principais e da deserção de quase todos doía e envergonhava.
Era noite por fora e por dentro, e nem mesmo a Boa Notícia anunciada por Maria
Madalena conseguira arrancá-los daquela prostração.
Este
ambiente noturno e fechado contrasta com a manhã luminosa e aberta na qual
Maria Madalena se encontrara com Jesus ressuscitado (cf. Jo 20,1-18). Os
discípulos vivem a mesma sensação de escuridão e ameaça que haviam
experimentado ao atravessar o lago, depois da tentativa frustrada de
transformar Jesus em rei (cf. Jo 6,16-21). Mas as trevas da noite costumam ser
proporcionais à luz da aurora que se esconde no seu ventre, como aquela noite na
qual Deus fez vigília e iniciou a libertação do povo do Egito (cf. Ex 12,42; Dt
16,1), e como em tantas outras noites da história da humanidade.
Superando
todos os obstáculos, Jesus irrompe no meio dos discípulos, e não o faz para
advertir e acusar. Os discípulos se alegram quando Jesus, mostrando-lhes as
mãos e o lado, se apresenta como Cordeiro com o qual se inicia a festa do êxodo
libertador. Ele faz questão de mostrar as mãos nas quais o Pai tinha posto tudo
(cf. Jo 13,3); as mãos que realizaram as ações libertadoras de Deus (cf. Jo
3,36); as mãos firmes das quais nenhuma ovelha pode ser arrancada (cf. Jo
10,28). Estas mãos perfuradas simbolizam a historicidade e a concretude humana
da sua presença na comunidade de fé.
Mas
Jesus quer, porém, evitar a tentação de uma paz que consola e acomoda. Como
Deus havia feito no início da criação, Jesus transmite seu Sopro aos discípulos
e os constitui agentes vivificadores, sinais e instrumentos de uma nova
criação. “Então soprou sobre eles e falou: ‘Recebei o Espírito Santo’.” Assim,
a experiência pascal é êxodo corajoso e libertador de todos os fechamentos e
redis para prosseguir o caminho trilhado por Jesus. Não encontraremos nem
conheceremos verdadeiramente Jesus Cristo ressuscitado enquanto não estivermos
situados num horizonte de esperança e de ação missionaria.
Somos
enviados como ele foi enviado pelo Pai, como Cordeiros que carregam o pecado do
mundo, pois perdoar é libertar uma pessoa de um peso que prende e impede de
viver plenamente, como Jesus fizera com a mulher samaritana (cf. Jo 4,1-42),
com o homem que sofria há 38 anos (cf. Jo 5,1-18), com a mulher acusada de
adultério (cf. Jo 8,1-11), com o cego de nascença (cf. Jo 9,1-41). Conduzidos e
fortalecidos pelo Espírito de Jesus, somos enviados para construir uma
comunidade de homens e mulheres que procuram romper com o espírito do mundo e
tomar distância das estruturas de pecado.
A
primeira expressão da missão que brota da experiência pascal é o testemunho de
vida fraterna e solidária, diante do qual a sociedade é obrigada a tomar
posição. E a segunda é, como nos mostra João evangelista, o anúncio de que isso
é feito em nome de Jesus, “o primeiro e o último, Aquele que vive”, a pedra
rejeitada pelos construtores e escolhida por Deus como pedra principal. É em
Jesus que se fundamenta nosso novo viver e nossa irrenunciável missão. Mas
desde sempre, como nos mostra Pedro, a missão dos cristãos é também ação
transformadora: todos os que se aproximavam dele eram curados.
Hoje
a missão continua, e vai sendo tecida pelos fios do testemunho, do diálogo, do
anúncio e o serviço que defende e promove a vida. Partindo do encontro com o
Ressuscitado, o anúncio e o testemunho são vividos não apenas no cuidado dos
doentes, mas também nas diversas iniciativas e cuidados pastorais em favor das
crianças, dos encarcerados, dos migrantes, dos operários, da mulher
marginalizada, da juventude, da terra, da família, do ambiente, nossa casa
comum. As pessoas têm o direito de sentir em nós a mão do próprio Jesus Cristo
tocando seus ombros cansados e espantando o medo!
Jesus de Nazaré, Cordeiro de Deus, o
último num mundo obcecado pelo poder e o primeiro no Reino de Deus... Na mesa
da tua Palavra e do teu Corpo somos nutridos e encorajados a partir em missão e
tirar o pecado do mundo, amar e servir incondicionalmente. E o faremos
tornando-nos uma bênção que de mil formas toca, desperta, cura, liberta. Não
permitas que, como ocorreu com Tomé, nos separemos do corpo eclesial e, assim, sejamos
incapazes de te reconhecer vivo entre nós. E dá-nos a graça de crer em ti apoiando-nos
no testemunho daqueles que provaram teu amor e tocaram tuas chagas. Assim seja!
Amém!
Itacir Brassiani msf
(Atos dos Apóstolos 5,12-16 * Salmo 117 (118) * Apocalipse
1,9-13.17-19 3,1-4 * Evangelho de João 20,19-31)