A
luta contra a corrupção não pode ser cínica e hipócrita!
Não
deixemos que a liturgia e a doutrina nos prendam ao passado ou a ideias
abstratas. Deus está fazendo hoje coisas novas! A fé vivida e testemunhada
pelas gerações que nos antecederam serve para acender nossas utopias e iluminar
a estrada que devemos percorrer. Paulo deixa bem claro que quem encontra e
acolhe Jesus Cristo não tem medo de jogar no lixo costumes, sistemas e doutrinas
que hierarquizam, desprezam e escravizam. Iluminados pelo encontro de Jesus com
a mulher acusada na praça, assumamos hoje, com força renovada, nosso
protagonismo no cuidado da casa comum!
Pelo
profeta Isaías, é o próprio Deus que nos convida a não ter saudades do passado.
“Eis que estou eu fazendo coisas novas... No deserto eu abro um caminho, rasgo
rios na terra seca.” Não é uma promessa: é uma ação em curso, no tempo
presente. E Paulo completa, provocando-nos com seu itinerário pessoal: “Esquecendo
o que fica para trás, lanço-me para o que está à frente.” Nossas celebrações,
assim como a catequese e a pregação, devem pôr em relevo a vida presente, à luz
do mistério de Jesus Cristo, e não podem ser reduzidas a uma memória morta de
fatos de um passado remoto.
Assim,
não podemos ceder à tentação de ler o episódio relatado por João como coisa do
passado. Chama a atenção que os escribas e fariseus não dão tréguas no zelo
pela lei e ‘trabalham’ de noite, madrugada adentro: nas altas horas da noite, prendem
uma mulher adúltera e a trazem para o centro do círculo que se formara em torno
de Jesus, no templo. O centro, que era o lugar da Lei, fora invadido por Jesus
e agora é ocupado pela mulher acusada. Até parece que os pobres e oprimidos só
ocupam o centro das atenções e sistemas quando são réus nos tribunais ou acusados
nas páginas policiais...
O cinismo
dos líderes religiosos é impressionante: acusam uma pobre mulher com o objetivo
de atingir o próprio Jesus. “Esta mulher foi flagrada cometendo adultério.
Moisés, na Lei, nos mandou apedrejar tais mulheres. E tu, o que dizes?” Jesus
procura evitar a armadilha, e não lhe passa despercebida a leitura tendenciosa
que os escribas e fariseus fazem da Lei de Moisés, pois no Levítico está
escrito: “Se um homem cometer um adultério com a mulher do próximo, o adúltero
e a adúltera serão punidos com a morte” (Lv 20,10). Onde fora parar o adúltero,
o primeiro citado pela Lei?
No fundo,
aqueles senhores que se apresentam como zelosos defensores dos direitos de Deus
não passam de ferozes agressores dos direitos humanos mais elementares. E assim
como era no passado é também no presente! Em nome do maldito e absoluto direito
à propriedade privada, aquela que nos priva de viver e de amar, criminaliza-se
os sem-terra, os índios e aqueles que os apoiam. E em nome de um suposta combate
a corrupção, procura-se recuperar um sistema que privilegia os fortes e
devolver o comando do país àqueles que mais sabem conviver com a corrupção e se
beneficiar dela...
Diante da
insistência dos agentes da tradição, dispostos a executar a sentença capital
contra a mulher e a denunciá-lo como subversivo diante da Lei, Jesus pronuncia
sua sentença: “Quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra.” Aquela
pobre e frágil mulher é transformada numa espécie de espelho no qual todos eles
podiam ver suas próprias debilidades, frustrações e transgressões. É como se Jesus
dissesse que não faz sentido transformar uma pessoa ou um grupo social em bode
expiatório. Mas, infelizmente, continuam sendo muitas as vítimas acusadas
sumariamente por detratores que carregam pedras mortais nas mãos e pronunciam
palavras ofensivas nos meios de comunicação...
A
liberdade lúcida e solidária de Jesus é uma memória e um sonho que, como a
recordação do êxodo para os hebreus, enche nossa boca de sorrisos, faz nossa
língua cantar de alegria e nos desafia a mudar conceitos e práticas
tradicionais. Paulo não brinca quando diz que, por causa de Jesus Cristo,
perdeu tudo e jogou no lixo aquilo que sempre lhe parecera precioso e certo.
Para ele, diante da pessoa e do projeto de vida de Jesus Cristo, todos os
sistemas e ideologias, inclusive religiosas, perderam o sentido. O que resta é
a dignidade da pessoa humana, de todas as pessoas, e sua igualdade fundamental.
Jesus de Nazaré, nós te agradecemos pela madura e bela
lição que nos ensinas hoje. O que são nossos privilégios, costumes e doutrinas
diante da humana solidariedade e da incrível liberdade que nos ofereces? Que
tua Igreja nos inicie na coragem de pôr no centro dos nossos projetos e
decisões a defesa e a promoção da dignidade da pessoa humana. Ajuda-nos a
desmascarar a hipocrisia e a violência, mesmo quando aparecem maquiadas de luta
contra a corrupção. Abre nossas mãos para que não cansemos de semear o teu
Reino de liberdade e solidariedade, esperando abundantes colheitas. Assim seja!
Amém!
Itacir Brassiani msf
(PROFECIA DE ISAÍAS 43,16-21 * SALMO 125 (126) * CARTA AOS FILIPENSES 3,8-14 * JOÃO 8,1-11)
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