Em Jesus, a sepultura é
transformada em sementeira de vida!
Chegamos
à festa que preparamos com tanto empenho nas últimas seis semanas. Trazemos a
memória agradecida da aliança realizada na última ceia e nas muitas e
solidárias ceias penúltimas. Trazemos nos olhos o sinal luminoso das mãos
perfuradas e dos braços abertos em forma de cruz, prontos a abraçar a
humanidade inteira. Partilhamos com Madalena o vazio de uma ausência querida.
Trazemos na mente e no ventre o trabalho das mulheres e homens, comunidades e
movimentos que, no escuro da noite, prepararam tecidos e perfumes para cuidar
da casa comum e não permitir que a vida se perca.
A Páscoa
celebra o reconhecimento de Jesus – o profeta perseguido e assassinado, o irmão
e servidor da humanidade – como Filho de Deus. Proclama que nele Deus vence
todas as formas de morte, desde a morte física até a morte progressiva e
massiva que resulta das estruturas iníquas e dos poderes despóticos. Anuncia
que Jesus, considerado uma pedra sem utilidade e problemática na manutenção do
mundo, é por Deus reconhecido e apresentado como pedra fundamental da
construção de um mundo novo. Afirma que nossa esperança, embora ainda dance na
corda bamba, é teimosa e tem futuro.
A Páscoa
de Jesus de Nazaré e dos cristãos celebra as milhares de possibilidades
escondidas na vida de cada pessoa e da humanidade. Afirma que a última palavra
não será sempre do discurso frio daqueles que impõem sua injusta ordem, lincham
midiaticamente os líderes populares e mandam calar os profetas. Proclama que a
ação realmente eficaz e grávida de futuro é aquela que estabelece a absoluta
superioridade do outro necessitado. Evidencia
que a direção certa e o sentido da vida está no cuidado da terra, no fazer-se
semente de um mundo outro e de uma outra
vida, tão possível quanto urgente.
Ademais, a
ressurreição não é algo que se manifesta apenas depois da morte. Paulo nos
surpreende afirmando que os cristãos já foram ressuscitados! Ele se refere ao
dinamismo pascal do nosso batismo, que possibilita e pede a passagem de uma
vida individualista a uma vida plena e solidária. “Procurem as coisas do alto”,
exorta Paulo. E isso significa assumir um estilo de vida centrado no amor, no
serviço e na partilha, na busca de uma segurança que tenha a justiça como mãe.
O pecado ainda não perdeu totalmente sua influência, mas está mortalmente
ferido, e não domina mais sobre nós.
É verdade
que a ressurreição de Jesus não é algo que se impõe com força de evidência, não
vem acompanhada de manifestações potentes. O dia já havia amanhecido, mas, na
cabeça de Maria Madalena e dos apóstolos a experiência do fracasso pairava como
escuridão. Só muito lentamente eles foram percebendo que os lençóis estendidos
não estavam lá para cobrir um morto mas para acolher as núpcias de uma nova
aliança de Deus com a humanidade. O sudário sim, depois de ter coberto a cabeça
de Jesus, agora estava à parte e envolvia totalmente o templo, o lugar onde a
morte fora tramada e decretada.
Lembremos
que a Páscoa de Jesus de Nazaré inaugura uma Nova Criação. Ressucitando e trazendo
no corpo as feridas dos pregos e da lança, ele é o Homem Novo, o Novo Adão, o
Irmão primogênito e solidário de todos os homens e mulheres. Os discípulos e
discípulas se reúnem em torno da sua memória e organizam comunidades que
continuam seu sonho e seu caminho. E as pessoas acolhidas nestas comunidades
estabelecem vínculos que formam um Novo Povo de Deus, a comunhão dos grupos e
movimentos de cuidadores e servidores, de gente que luta por vida abundante
para todos.
Na
entusiasmada catequese que desenvolve na manhã de pentecostes, Pedro sublinha
que Jesus andou por toda parte fazendo o bem e agindo sem medo, apesar da
violência que havia levado João Batista à morte. Enfatiza que Deus estava com
ele, inclusive no vazio escuro da cruz, quando parecia havê-lo abandonado. Ensina
que Deus o ressuscitou dos mortos, e transformou em juiz aquele que fora réu. E
lembra que os discípulos e discípulas, apesar da dificuldade de acreditar nele
e da permanente tentação de abandoná-lo, são constituídos testemunhas e
pregadores dessa Boa Notícia. Ora, essa é uma notícia tão boa e tão nova que,
para acolhê-la, precisamos de uma profunda mudança de mentalidade.
Jesus de Nazaré, filho amado de Deus, irmão querido da
humanidade! Aqui estamos reunidos para celebrar contigo a festa dos pequenos,
daqueles que se desvelam no cuidado da casa comum. É uma festa que não serve os
bens roubados aos fracos e não ostenta a indiferença de quem esquece a
continuidade da luta. O mistério da vida ressuscitada se dissemina discretamente
em tantas pessoas e grupos, inclusive naqueles que não te reconhecem
explicitamente. Por isso, celebramos nossa páscoa na tua páscoa, e saímos
apressados a testemunhar que a vida é mais forte que a morte e que o amor é
imortal. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Atos dos Apóstolos 10,34-43 * Salmo 117 (118) *
Carta aos Colossenses 3,1-4 * Evangelho de João 20,1-9)
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