Morte e
Ressurreição: Só ressuscita quem primeiro morre (Lucas 23,44-24,12)
Neste
relato, Lucas conta como foram a morte, o enterro e a ressurreição de Jesus.
Mas ele conta os fatos de tal maneira, que a gente consiga perceber a semente
de esperança e de vida nova que pode nascer da crise, da dor e da morte. Na
hora em que a luz bate nos olhos, tudo escurece. Na hora do parto, as dores se
anunciam. Na hora da crise, o futuro se abre. Na hora da morte, a vida renasce.
O
texto descreve o que se passou desde a morte e o enterro de Jesus até a
experiência da sua ressurreição. Durante a leitura vamos prestar atenção no
seguinte: “Quais são, um depois do outro, os acontecimentos descritos neste
texto?”
SITUANDO
Os
inimigos conseguem realizar o seu projeto. Matam Jesus. Vencem, usando o poder
da força bruta. Vencem, mas não convencem! Não conseguem destruir nem abafar a
bondade e o amor em Jesus. Pelo contrário! Lucas mostra como Jesus, exatamente
enquanto está sendo vítima do ódio e da crueldade dos homens, revela a ternura
de Deus e nos dá a “suprema prova do amor!” (Jo 13,1).
Eis
algumas frases de Jesus que só Lucas nos conservou e nas quais transparece a
vitória da vida que a morte não conseguiu matar: “Desejei ardentemente comer
esta páscoa com vocês” (22,15). “Façam isto em memória de mim!” (22,19).
“Simão, rezei por você, para que não desfaleça a sua fé!” (22,32). Na hora da
negação de Pedro, Jesus fixa nele o olhar, provocando o choro de arrependimento
(22,61). No caminho do calvário, Jesus acolhe as mulheres: “Filhas de
Jerusalém, não chorem por mim!” (23,28). Na hora de ser pregado na cruz, ele
reza: “Pai, perdoa, porque não sabem o que fazem” (23,34). Ao ladrão pendurado
na cruz a seu lado ele diz: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso!” (23,43).
Estas frases nos dão os olhos certos para ler e saborear a descrição da morte,
do enterro e da ressurreição de Jesus.
COMENTANDO
Lucas 23,44-46: A morte de Jesus
Jesus
está pendurado na Cruz. A morte está chegando. Ao meio-dia, o sol escurece, as
trevas invadem a terra. Estes fenômenos da natureza interpretam o significado
da morte de Jesus. Simbolizam a chegada do Reino. O véu do san¬tuário rasgou-se
ao meio. Terminou a vigência do Antigo Testamento, simboli¬zado pelo Templo,
cujo véu separava Deus do resto do mundo. Pela sua vida, paixão, morte e
ressurreição, Jesus trouxe Deus para perto de nós e revelou a sua presença em
tudo que existe e acontece. Na hora de morrer, Jesus dá um forte grito. O grito
do povo oprimido deu início ao primeiro êxodo (Ex 2,23-25), pois Deus escutou o
grito do povo. Escuta também o grito de Jesus, fazendo com que se realize o
novo êxodo. Jesus resume toda a sua vida dizendo: “Pai, em tuas mãos entrego o
meu espírito”. Com esta frase do salmo (Sl 31,6), Jesus devolve ao Pai o
Espírito que dele tinha recebido na hora do batismo (Lc 3,22). Foi na força do
Espírito que Jesus iniciou a sua missão. É na força do mesmo Espírito que ele a
encerra.
Lucas 23,47-48: As reações diante da morte de Jesus
Um
estrangeiro, centurião do exército romano, vendo o que acontecera na hora da
morte de Jesus, faz uma profissão de fé: “Realmente, este homem era um justo!”
Justo é aquele que realiza o objetivo da Lei de Deus. Jesus realizou a Lei,
transgredindo normas inúteis, abrindo novos caminhos e acolhendo a todos,
inclusive aos pagãos. A multidão, vendo o que tinha acontecido, volta para casa
batendo no peito. Reconhece o erro que cometeu pedindo a conde-nação de Jesus.
Lucas 23,49: As testemunhas da morte de Jesus
Os
amigos e as mulheres que o haviam acompanhado desde a Galileia permanecem à
distância, observando tudo. Testemunham que foi assim que Jesus morreu. Aqui,
Lucas indica a fonte de onde recolheu parte do material que acaba de contar.
Lucas 23,50-54: O enterro de Jesus
José
de Arimateia, membro do Sinédrio, que não concordara com a condenação de Jesus,
cuida do enterro. Jesus é enterrado num sepulcro novo, talhado na rocha.
Realiza-se, assim, outra profecia de Isaías sobre o Servo que dizia: “Seu
túmulo está com os ricos” (Is 53,9: “profecia historicizada”). Lucas insiste em
dizer: “Era o dia da Preparação. O sábado estava quase começando”. O sábado é o
7° dia. Estava terminando o 6° dia da nova criação. Jesus descansa no 7° dia.
Lucas 23,55-56: As mulheres, testemunhas do enterro
de Jesus
As
mulheres testemunham também o lugar onde foi colocado o corpo de Jesus. Havia,
ali, muitos sepulcros, alguns fechados, outros abertos. Quem não soubesse bem
onde Jesus havia sido enterrado poderia enganar-se. Mas elas seguem José de
Arimateia, observam bem o túmulo, veem o lugar, fixam na memória. Aquele
sepulcro aberto do domingo de Páscoa é realmente de Jesus! Não é um engano! Em
seguida, elas voltam para casa, preparando aromas e perfumes para poder ungir o
corpo de Jesus depois do descanso do sábado.
Lucas 24,1-3: Os fatos encontrados: túmulo vazio,
pedra removida
Seguindo
de perto o Evangelho de Marcos, Lucas oferece informações detalhadas sobre a
hora e o lugar. Estes detalhes sugerem que as mulheres são pessoas de confiança
para testemunhar a ressurreição. Elas estão convencidas de que Jesus está
morto, pois vão para o túmulo para ungi-lo. A sua fé na res¬surreição não foi
fruto de fantasia, mas algo totalmente inesperado. Quando chegam ao sepulcro,
veem que a pedra já tinha sido removida. Entrando dentro do sepulcro não
encontram o corpo de Jesus. Estes são os fatos. Qual é o seu significado?
Lucas 24,4-8: O significado dos fatos: o anúncio da
ressurreição
Dentro
do sepulcro, elas encontram dois homens em vestes fulgurantes que lhes
interpretam o significado destes fatos inexplicáveis: “Jesus está vivo. Ele
ressuscitou!” Elas lembram as palavras do próprio Jesus e as palavras da
Escritura. Daqui para a frente, a palavra de Jesus e a palavra da Escritura têm
ambas o mesmo valor.
Lucas 24,9-12: Os apóstolos não acreditam no
testemunho das mulheres
Lucas
diz quem são as mulheres: Maria Madalena, Joana e Maria, a mãe de Tiago, bem
como as outras que estão com elas. Voltando do sepulcro, elas anunciaram a Boa
Nova aos Onze, mas estes não lhes dão crédito. Não foram capazes de crer no
testemunho das mulheres. Dizem que é um “desvario”, invenção, fofoca. Naquele
tempo, as mulheres não podiam ser testemunhas. Ao transmitir a elas a ordem de
anunciar a Boa Nova da ressurreição, Jesus estará pedindo uma mudança total na
cabeça das pessoas. Deviam dar crédito a quem, dentro da sociedade daquele
tempo, não merecia crédito. Assim, começou a subversão do anúncio da
ressurreição! Lucas termina dizendo que Pedro vai ao túmulo, encontra-o vazio e
volta para casa. Mas não chega a crer. Fica apenas surpreso.
ALARGANDO
A
experiência da ressurreição aconteceu, primeiro, nas mulheres (Mt 28,9-10; Mc
16,9; Lc 24,4-11.23; Jo 20,13-16); depois, nos homens. Ela é a confirmação de
que, para Deus, uma vida vivida como Jesus é vida vitoriosa. Deus a ressuscita!
Em torno desta Boa Nova surgiram as comunidades. Crer na ressurreição o que é?
É voltar para Jerusalém, de noite, reunir a comunidade e partilhar as
experiências, sem medo das autoridades dos judeus e dos romanos (Lc 24,33-35).
É receber a força do Espírito, abrir as portas e anunciar a Boa Nova à multidão
(At 2,4). É ter a coragem de dizer: “É preciso obedecer antes a Deus que aos
homens” (At 5,29). É reconhecer o erro e voltar para a casa do pai: “Teu irmão
estava morto e voltou a viver” (Lc 15,32). É sentir a mão de Jesus ressuscitado
que, nas horas difíceis, nos diz: “Não tenha medo! Eu sou o Primeiro e o
último. Sou o Vivente. Estive morto, mas eis que estou vivo para sempre. Tenho
as chaves da morte e da morada dos mortos” (Ap 1,17s). É crer que Deus é capaz
de tirar vida da própria morte (Hb 11,19). É crer que o mesmo poder usado por
Deus para tirar Jesus da morte opera também em nós e nas nossas comunidades,
através da fé (Ef 1,19-23).
Até
hoje, a ressurreição acontece. Ela nos faz experimentar a presença libertadora
de Jesus na comunidade, na vida de cada dia (Mt 18,20) e nos leva a cantar:
“Quem nos separará, quem vai nos separar, do amor de Cristo, quem nos separará?
Se ele é por nós, quem será contra nós?” Nada, ninguém, autoridade nenhuma é
capaz de neutralizar o impulso criador da ressurreição de Jesus (Rm 8,38-39). A
experiência da ressurreição ilumina a cruz e a transforma em sinal de vida (Lc
24,25-27). Abre os olhos para entender o significado da Sagrada Escritura (Lc
24,25-27.44-48) e ajuda a entender as palavras e gestos do próprio Jesus (Jo
2,21-22; 5,39; 14,26). Uma comunidade que quiser ser testemunho fiel da Boa
Nova da Ressurreição deve ser sinal de vida, lutar pela vida contra as forças
da morte. Sobretudo aqui na América Latina, onde a vida do povo corre perigo
por causa do sistema de morte que nos foi imposto.
Carlos Mesters e Mercedes Lopes
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