segunda-feira, 21 de março de 2016

ANO C – TRÍDUO PASCAL: CEIA DE JESUS – 24.03.2016

Um pão partilhado, um corpo unido, e a casa bem cuidada!

Hoje nos reunimos para celebrar a Aliança nova, terna e eterna de Deus conosco, filhas e filhos queridos, família na qual o Filho de Deus se faz irmão. A mesa está pronta, e há lugar para todos, inclusive para pecadores como nós, porque sua misericórdia é eterna e incondicional. O próprio Jesus de Nazaré nos diz que preparou e desejou ardentemente celebrar este momento conosco (cf. Lc 22,15). E não recusamos o convite porque intuímos que não temos outra honra senão esta de trazer em nossos sonhos, projetos, ações e relacionamentos as marcas da cruz de Cristo, do seu amor compassivo e sem fronteiras.
Na mesa que reúne pessoas que desejam ardentemente viver uma fraternidade sem fronteiras, fazemos memória, recordamos coisas maravilhosas e animadoras. Esta celebração é um memorial dos inúmeros êxodos e travessias que somos convidados a empreender: travessias de um eu fechado em si mesmo para uma comunidade aberta e solidária; de uma mesa grande e vazia para uma mesa farta e partilhada; de projetos estreitos e ancorados no sucesso pessoal para utopias coletivas; de lutas empreendidas contando apenas conosco mesmos para alianças muito mais que estratégicas...
A ceia eucarística é a memória de Jesus e dos discípulos que, tendo atrás as memoráveis experiências das refeições partilhadas com toda sorte de pecadores e à frente a ameaça dos poderes que não toleram mudanças, compartilham suor e sangue, vinho e pão. A eucaristia é o alimento de quem está na estrada, e não privilegio dos que se pretendem perfeitos. Celebramos esta ceia e aceitamos a aliança que Deus nos oferece ainda “na terra do Egito”. Sentamos à mesa e celebramos esta refeição prontos a empreender travessias mais que urgentes e necessárias: com cintos que diminuem os embaraços; com sandálias que agilizam os passos; com cajados com os quais nos defendemos e que nos sustentam nos vales escuros.
No centro desta magnífica refeição não está um cordeiro, mas um corpo feito inteiramente dom. Jesus Cristo oferece a totalidade concreta da sua vida como dom, partilha e aliança. É sua vida, o que ele mesmo é, que ele nos dá sem reservas e sem impor condições. E o faz numa ceia ordinária, numa refeição marcada pelo afeto fraterno, num contexto de ameaça de morte, pedindo insistentemente que façamos o mesmo para manter viva sua memória. “Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado...” A eucaristia faz da Igreja uma comunidade aberta, em saída, dom àqueles que estão fora ou estão “longe”.
Jesus ilustra o sentido da sua vida feita aliança no gesto de lavar os pés. Ele havia dito e repetido que viera para servir e não para ser servido, como Servo e não como Senhor. Demonstrara isso numa dedicação sem cansaço aos últimos da sociedade. Pois agora, depois de repartir pão e vinho, deixa a mesa e assume o serviço próprio de mulheres e crianças, lavando os pés daqueles que estavam à mesa. Nele, é o próprio Deus que se inclina diante da humanidade e, de joelhos, lava nossos pés. E não o faz para demonstrar humildade, mas para desfazer as hierarquias e afirmar a absoluta igualdade de todos.
Pedro – e, com ele, outros, história afora! – reage diante da lição de Jesus. Não lhe parece bem mudar as coisas assim tão radicalmente: para ele, senhores e superiores devem ser honrados; servos e inferiores devem ser desfrutados; esta é a ordem e nada deve ser mudado. Parece-lhe difícil aceitar que esta não seja a ordem querida por Deus, que participar da eucaristia implica em fazer-se memória viva da vida de Jesus Servo... Como custa à Igreja e a cada um de nós assimilar esta lição: Deus não se identifica com o soberano, mas com o servo; somente quem hipoteca sua vida pelos outros a ganha verdadeiramente.
A lição é difícil e nada óbvia. É por isso que, depois de comer e de lavar os pés dos discípulos, Jesus nos interroga: “Vocês compreenderam o que eu acabei de fazer?” E, para não deixar dúvidas, explica: “Eu lhes dei um exemplo... E vocês serão felizes se o puserem em prática...” Precisamos passar da memória e do gesto teatral à vida. É preciso dar conteúdo e concretude à eucaristia no dom cotidiano aos outros, no serviço despojado a todos, aos migrantes de todas as procedências, mesmo àqueles que aparentemente não o merecem, à casa comum... “Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado...”
Jesus, Filho de Deus e da Humanidade, peregrino nas estradas de um mundo desigual, arauto de um tempo novo e promissor. Ajuda-nos a não deixarmos no interior do templo a toalha que nos dás como hábito e identidade. Abre nossa mente e nossas mãos para que o serviço aos irmãos e irmãs não se limite à intenção, mas se realize nas estradas e esquinas do mundo. Faz que superemos os ritos e transformemos teu gesto em prática cotidiana. Guia e sustenta a Igreja no caminho do esvaziamento que a faz livre e capaz de cuidar da casa comum e de servir, sem outra parcialidade senão a preferência pelos últimos. Amém! Assim seja!

Itacir Brassiani msf
(Livro do Êxodo 12,1-14 * Salmo 115 (116) * 1ª Carta aos Críntios 11,23-26 * Evangelho de João 13,1-15)

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