Esta frase programática e provocativa parece extraída de um panfleto das
famosas manifestações juvenis de 1968, ou de uma das tantas canções de época,
que ressoam nos ouvidos de quem viveu intensamente ou ouviu falar daqueles
‘anos dourados’. Mas não! Esta afirmação faz parte da leitura fielmente
criativa que Paulo faz do Evangelho. Para o apóstolo dos gentios, quem crê em
Jesus Cristo e assume sua proposta de vida renasce para uma vida nova, assume
uma nova escala de valores, é uma nova criatura. Evangelho tem tudo a ver com mudança
de horizontes, com renovação radical.
A realidade política, social e cultural que vivemos hoje no Brasil é muito
semelhante àquela que Jesus evidencia no evangelho de hoje: são dois filhos do
mesmo pai, mas o filho mais velho reclama seus direitos, acusa irmão que vive
miseravelmente e não o reconhece como seu irmão. Há quem bata panelas cheias,
ignore avanços e proteste contra a inclusão de gente que historicamente
excluída. Não esqueçamos que, no seu contexto, Jesus age como uma espécie de
transgressor, beneficiando e elogiando pessoas que não pertencem ao judaísmo
(7,1-10; 10,25-37), acolhendo outras de má fama (5,27-32; 7,36-50), ajudando as
que são consideradas impuras (4,38-39; 5,1-16; 7,11-17; 8,26-56)...
O filho mais jovem da parábola representa exatamente esta multidão que
anda cansada e abatida, como ovelhas sem pastor. Uma leitura apressada e
moralista da parábola chama a atenção para a controversa atitude do filho mais jovem:
pedir a parte da herança à qual tem direito; esbanjar tudo imprudentemente;
arrepender-se e voltar à casa do pai. O mais importante na parábola, porém, é a
alusão à situação em que vivem aqueles com quem Jesus se solidariza: são como
migrantes desempregados num país estranho; mendigam para sobreviver; são tratados pior que os porcos...
Com esta parábola Jesus quer chamar a atenção para a figura do pai, sacramento
da ação de Deus. Sua bondade supera uma justiça que se restringe a dar a cada
um aquilo que, segundo a lei ou os costumes, lhe corresponde e, ‘tomado de
compaixão’, corre ao encontro do filho necessitado, abraça-o, veste-o e beija-o.
Ao pai pouco importa o refrão ensaiado por aquele que não era mais reconhecido
como gente, tanto que sequer permite que o recite por inteiro. Para o pai
misericordioso, aquele resto humano nunca deixara de ser seu filho, e isso era
o mais importante, o que realmente importava.
Neste mundo convertido em festiva casa de irmãos e irmãs, Deus não trata
ninguém como empregado, muito menos como estrangeiro ou devedor. Ele não é
contador, nem juiz! Todos são filhos e filhas, e podem usufruir
incondicionalmente da sua acolhida e dos seus bens. Na sua casa há lugar para
todos! Para os filhos e filhas maltratados e mais necessitados ele reserva as
melhores túnicas, o anel com o brasão da família e a festa com carne do novilho
mais gordo. No seu projeto, ninguém é excluído nem padece fome. E isso mesmo
que seja verdade que o fim da miséria seja apenas o começo!
Mas infelizmente existem cristãos que, por ignorância ou por maldade,
murmuram contra a proposta de um mundo diferente e acusam os que ousam
ensaiá-lo. Representando os fariseus e escribas, o filho mais velho é o
protótipo do cidadão e do crente preconceituoso e observante das leis. Não lhe
falta nada e tem tudo em abundância, mas não esconde que se sente credor diante
de Deus. Não consegue disfarçar sua raiva diante de um pai que acolhe
generosamente o jovem inquieto e necessitado de tudo. Ofende o próprio pai,
acusando-o violentamente de ser parcial, injusto e avarento.
O filho mais velho não reconhece aquela criatura miserável e necessitada
como seu irmão. Discutindo com o pai, refere-se a ele como ‘esse teu filho’.
Mas o pai, depois de afirmar que os bens que julga seus na verdade lhe foram
doados, insiste que aquele não-cidadão acolhido com festa é ‘teu irmão’. A
solidariedade faz da humanidade uma família onde todas as pessoas se reconhecem
e protegem mutuamente, e a ação contra a exclusão está intimamente associada à
criação e recomposição dos laços sociais, laços de humanidade, ao nascimento
como nova criatura.
Jesus de
Nazaré, jovem galileu e filho de Deus, peregrino no santuário das dores e
esperanças humanas: desejamos ardentemente sentar à mesa do teu Reino, entre os
pobres resgatados e os fiéis agraciados. Afasta do nosso meio, do nosso país, a
violência da apartação social, o opróbrio da discriminação e da necessidade de
mendigar direitos humanos. Dá às nossas comunidades eclesiais e aos seus
responsáveis a generosidade daquele pai com um coração de mãe, para que saiam
ao encontro dos oprimidos e os acolham festivamente, compartilhando com eles a
palavra, a mesa e a missão. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Livro de josué 59-12 * Salmo 33 (34) * 2ª. Carta aos Coríntios 517-1 * Lucas
5,1-3.11-32)
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