Desejei muito
comer esta Páscoa com vocês! (Lc 22,14–23)
O
ambiente estava tenso. Era a última ceia de Jesus com seus discípulos. Judas já
tinha decidido trair Jesus. Os outros estavam com medo, sem entender os
acontecimentos. Mas estas contradições tão dolorosas não impediram a Jesus de
renovar a Aliança. O seu amor era maior que as falhas e as fraquezas dos
amigos.
SITUANDO
Lucas
descreve a paixão, morte e ressurreição de Jesus. Inicia-se a etapa final do
"êxodo" de Jesus, anunciado por Moisés e Elias no Monte da
Transfiguração. A maneira de Lucas descrever os acontecimentos é semelhante
àqueles filmes que, primeiro, mostram a cena de longe. Em seguida, pouco a
pouco, eles ajustam a câmera e a cena vai chegando mais perto, até que se
possam ver todos os detalhes.
Assim
faz Lucas. Desde o capítulo 9, ele vem dizendo que Jesus está indo para
Jerusalém. E agora, uma vez em Jerusalém, ele vai ajustando a câmera no ponto
em que os leitores e as leitoras devem prestar mais atenção: Primeiro, ele diz:
"Aproxima-se a festa dos ázimos, chamada Páscoa" (Lc 22,1). Em
seguida, informa: "Chegou o dia dos ázimos" (Lc 22,7). E finalmente,
constata: "Quando chegou a hora, ele sentou à mesa" (Lc 22,14). Este
é o ponto onde Lucas quer que a gente preste toda a atenção, pois é o momento
em que começa a Páscoa, o êxodo de todos.
COMENTANDO
Lucas 22,14-18: Início da Ceia Pascal
"Desejei
ardentemente comer esta Páscoa com vocês!" É como se dissesse: "Até
que enfim! Chegou o momento que tanto desejei!" Jesus tem o desejo ardente
de levar a bom termo o projeto do Pai. É a última vez que ele está reunido com
seus amigos. É a Páscoa definitiva, em que ele celebra a Nova Aliança e realiza
a passagem da opressão da antiga lei para a revelação da lei do amor. Jesus
enche um cálice de vinho e o distribui aos amigos. Beber o cálice significa
cumprir a missão recebida do Pai (Mc 10,38-39; Jo 18,11). Jesus bebe o cálice
que o Pai lhe deu e pede que seus amigos participem.
Lucas 22,19-20: A instituição da eucaristia
O
último encontro de Jesus com os discípulos realiza-se no ambiente solene da
celebração tradicional da Páscoa. Eles estão reunidos para comer o cordeiro
pascal e, assim, lembrar a libertação da opressão do Egito. O contraste é muito
grande. De um lado, os discípulos: eles estão inseguros, sem entenderem o
alcance dos acontecimentos. De outro lado, Jesus que faz um gesto de partilha,
convidando seus amigos a tomar o seu corpo e o seu sangue. Ele distribui o pão
e o vinho como expressão do que ele mesmo está vivendo naquele momento: doar
sua vida, distribuir-se aos outros para que eles possam viver, revelar o amor
do Pai. Este é o sentido da eucaristia: aprender de Jesus a distribuir-se,
doar-se, entregar-se, servir, sem medo dos poderes que ameaçam a vida. E Jesus
acrescenta uma frase que só Lucas conservou: "Fazei isto em memória de
mim" (Lc 19,22; cf. 1Cor 11,24.26).
Lucas 22,21-23: Anúncio da traição de Judas
Estando
reunido com os discípulos pela última vez, Jesus anunciou: "A mão daquele
que me trai está comigo sobre a mesa". Este jeito de falar acentua o
contraste. Para os judeus a comunhão de mesa era a expressão máxima da amizade,
da intimidade e da confiança. Em outras palavras, Jesus vai ser traído por
alguém muito amigo! E ele acrescenta: "Sim, o Filho do Homem vai morrer,
segundo o que foi determinado!" Aqui não se trata de predestinação nem de
fatalismo. Trata-se da certeza que a experiência humana de séculos nos
comunica: num mundo organizado a partir do egoísmo, quem decide viver o amor
vai morrer crucificado. E Jesus termina: "Ai daquele homem por quem o
Filho do Homem foi entregue!" Será para sempre conhecido e lembrado como o
traidor de Jesus!
ALARGANDO
A
grande luta. De um lado, Jesus. Animado pelo Espírito de Deus, ele procura
realizar o projeto do Pai. Do outro lado, os inimigos de Jesus. Animados pelo
espírito oposto, procuram realizar o projeto de satanás. "Satanás entrou
em Judas" e o levou a conferenciar com os sacerdotes, que estavam
procurando um meio para eliminar Jesus, mas temiam o povo. Combinaram o preço e
Judas começou a procurar um jeito de entregá-lo. É na última ceia que as duas
forças se encontram e se enfrentam! Jesus diz: "A mão que me trai está
comigo sobre a mesa". Por de trás da luta entre os homens está a luta
entre os poderes. O vencedor será Jesus.
Lucas
acentua a semelhança entre o êxodo e a paixão, morte e ressurreição de Jesus.
No êxodo antigo, conduzido por Moisés, Deus libertou o povo da lei do faraó que
oprimia e escravizava o povo. No novo êxodo, conduzido por Jesus, Deus liberta
o povo da escravidão da lei, que o impedia de perceber e de experimentar o amor
acolhedor de Deus como Pai. No antigo êxodo, nasceu o povo, feito de muitas
raças e tribos diferentes. O que os unia e fazia deles um só povo era a fé
comum em Javé, o Deus libertador. No novo êxodo, nasce um novo povo, feito de
muitas raças, culturas e etnias. O que nos une não é o sangue nem a raça, mas
sim a fé comum em Jesus. Ele nos revelou a misericórdia e a ternura do Deus
libertador que não exclui a ninguém.
Carlos Mesters e Mercedes Lopes
Nenhum comentário:
Postar um comentário