Vigília e Páscoa: onde estão os sinais da ressurreição?
Nas partilhas anteriores, já enumerei um rosário de
surpresas que tive na vivência da semana-santa na Vila do Morro. E aqui está
mais uma, a última: a comunidade católica costuma iniciar a celebração da
vigília, com a bênção do fogo, em frente ao cemitério da vila! Jamais havia
pensado nessa possibilidade... E faz sentido!
É no cemitério que deixamos os restos físicos das pessoas
que amamos, e também daquelas que ignoramos. É nele que repousará aquilo que
vai sobrar deste corpo no qual somos reconhecidos, que é mediação e expressão de
tantas coisas belas e no qual frequentemente experimentamos dores. O cemitério
é símbolo da longa e silenciosa espera da ressurreição da carne, elemento
constitutivo da nossa fé.
O início da vigília pascal estava previsto para as
19:30h. Cheguei às portas do cemitério às 19:00h, e já encontrei um bom número
de fiéis reunidos em torno de um belo monte de lenha, preparada por um generoso
fiel, cada qual preparado com sua vela e um frasco com água. Aproveitamos o
tempo de espera e, na falta de alguém que entoasse um “bendito” próprio para as
vigílias, começamos a entoar cânticos populares, convocando todas as criaturas
a esta vigília celebrada sob o céu estrelado, mas ainda sem a vita de luca
cheia. “Luar do Sertão”, “Calix Bento”, “Oh Minas Gerais”, “Sim, eu quero...”
foram canções que vieram expontaneamente à nossa memória e que foram cantadas
com entusiasmo por aquela gente simples, pura e fiel.
Depois de decorar o círio pascal, com todos os
pormenores simbólicos que isso comporta, e depois de abençoar o fogo, partimos
em direção à igreja, sempre cantando, pontilhando a escuridão com um sem número
de pequenas luzes que faziam sorrir as estrelas. Paramos na porta do templo e
perguntamos, cantando: “Senhor, quem entrará no santuário prá te louvar?” E nós
mesmos cantamos a resposta que que nos foi revelada: “Quem tem as mãos limpas e
o coração puro, quem não é vaidoso e sabe amar!” E, então, declaramos, em
uníssono: “Senhor, eu quero entrar!...” E adentramos no templo dando graças a
Deus pela luz de Cristo materializada no círio que nos precedia.
Depois da bela memória e profecia do “exultet”, ainda
na penumbra, abrimos a mente e o coração para escutar e deixar ressoar a
Palavra de Deus. Infelizmente tivemos que decidir pela simplificação deste
tempo de escuta, focalizando apenas três perícopes do Antigo Testamento, mais a
carta aos Romanos e o Evangelho. O calor intenso e a presumida impaciência do
povo nos levou a tomar esta decisão. Mas poderia ter sido diferente... E penso
que seria melhor, mais expressivo e frutuoso... Solenidades como esta são
também formadoras de consciência e de hábitos...
A invocação das testemunhas do ressuscitado, mediante
a ladainha de todos os santos, abriu o rito de renovação do batismo. Pois o
mistério da páscoa de Jesus se realiza de um modo todo especial neste
sacramento que sela a nossa lealdade com o senhor-servo: nas águas do batismo
morremos com Jesus para o mundo do “cada um para si” e ressuscitamos com ele para
o mundo do “dom generoso e solidário de si”. É por isso que, sem deixar de ser uma
festa eucarística – a Aliança se torna definitivamente nova! – a páscoa é
também uma festa rdicalmente batismal.
Itacir
Brassiani msf