Pão, cruz, luz: o que é mais significativo?
Sabemos todos, e mesmo pessoas religiosamente
indiferentes o intuem, do profundo significado humano e espiritual do tríduo
pascal, dos eventos que celebramos no período que vai do entardecer da
quinta-feira ao anoitecer do domingo de páscoa: a última ceia de Jesus e o gesto
simbólico do lava-pés; a traição de que foi vítima, a condenação fajuta que
sofreu, as torturas que lhe foram impostas e sua execução na cruz; a tenebrosa
vigília de pouca espera e muita desilusão dos discípulos; a notícia da sua
ressurreição e a manifestação aos frustrados discípulos que vltavam a Emaús. É uma
passagem difícil e lenta do pão à cruz, e, desta, à luz.
Como você sabe pelos relatos anteriores, celebrei este
memorável tríduo com a comunidade católica da Vila do Morro, em São Francisco
(MG). Um grupo improvisado de pessoas de diferentes categorias deu um tom
realista ao gesto do lava-pés, evitando em parte o risco da teatralização. Não
deixa de ser paradoxal o movimento de um Deus que se inclina diante da
humanidade, inclusive da humanidade resistente e pecadora, para lavar-lhe os
pés, expressando com isso sua hospitalidade e acolhida, sua desconsideração
para com as hierarquias sociais e seu serviço despojado e libertador. A aliança
– nova e definitiva! – celebrada na partilha do pão e do vinho incluiu também
as crianças, que receberam um delicioso biscoito.
O encontro que tive com um grupo de casais depois da
missa foi, para mim, uma agradável surpresa. Perguntava-me se alguém estaria
disposto a permanecer na igreja depois de uma longa celebração, e depois das
21:00h. E lá estavam aproximadamente cinquenta casais, abertos, sequiosos,
desejosos de aprofundar o sentido e as consequências da aliança matrimonial à
luz da aliança pascal de Jesus. Segundo o testemunho expontâneo de algumas
pessoas, foram 40 minutos que passaram como se fossem apenas 10... Meus receios
se transformaram em alegria e satisfação...
Na sexta-feira de manhã, como já partilhei
anteriormente, celebramos a via-sacra da Campanha da Fraternidade, uma estação
na casa de cada doente. E, no calor das 15:00h, os moradores da vila foram convocados
à celebração da paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Para mim, mais uma
surpresa... Um refrão repetido nas escolas de teologia e encontros pastorais é
que o povo brasileiro celebra mais a paixão que a ressurreição de Jesus, se
indentifica mais com a cruz que com a luz. Isso não se confirmou na Vila do
Morro! De todas as celebrações da semana-santa, a adoração da cruz foi a que
menos atraiu e reuniu fiéis. Teria sido por causa do horário e do calor? Ou por
causa da grande encenação da paixão de Jesus que seria oferecida logo no final
da tarde? Mas poderia ser também – por quê não?! – a intuição do sentido da
ressurreição...
O espetáculo teatral da paixão reunião uma multidão,
talvez a maioria do povo da Vila. A apresentação se estendeu por mais de duas
horas e fez da praça ao redor da igreja um imenso palco. Os atores e atrizes
improvisados, muitos deles com notável competência artística, eram
majoritariamente jovens. O grupo de mais de trinta atores investiu muito tempo
nos ensaios e uma boa soma de dinheiro nos figurinos. O que me chamou a atenção
é que os mesos jovens que resistem à participação nas celebrações engajam-se
generosamente na preparação e apresentação de uma peça teatral. Não estaria
aqui um frutuoso caminho para uma pastoral da juventude? A compreensão e
assimilação do texto pode levar ao aprofundamento da fé, e o teatro pode
oferecer aos jovens a possibilidade de exorcizar e vencer a passividade à qual em
geral as celebrações os condenam.
Acho que isso ficou confirmado no sábado... Na parte
da manhã, aproximadamente cinquenta crianças, a maioria catequizandos,
compareceu ao encontro especial agendado para eles. Na parte da tarde, apenas
vinte jovens, nenhum dos que participaram da encenação, compareceram, um pouco
contra a vontade, no encontro que oferecemos à juventude.
Itacir Brassiani msf
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