A liberdade sem compaixão vira refém da indiferença
Neste
último domingo da quaresma, somos convidados a avançar na descoberta do
mistério humano e divino que se revela em Jesus de Nazaré. E o faremos tomando
consciência das nossas fragilidades, possibilidades e esperanças. Sabemos que a
vida é como a flor do campo, tão bela quanto vulnerável, mas desejamos
ardentemente e escolhemos resolutamente a Vida para nós mesmos e para o nosso
semelhante, mas sabemos das ameaças às quais ela é submetida.
A humana sensação
de fracasso e de frustração se faz refrão acusatório na voz de Marta e de
Maria. Elas têm a impressão de que Jesus havia feito pouco caso quando lhe
avisaram: “Aquele que amas está doente”. Muitas vezes temos esta mesma sensação
diante de doenças incuráveis, de acidentes trágicos, de mortes estúpidas, de
catástrofes naturais. Na revolta gerada no ventre dor, chegamos a acusar Deus,
pois ele nos parece ausente, desinteressado, cínico e sem coração.
Mas
sabemos que “Jesus amava Marta, a irmã dela e Lázaro”, assim como ama
apaixonadamente cada um e cada uma de nós. Nós somos sua família, seus irmãos e
irmãs, seus amigos e amigas, ainda que não se deixe prender aos nossos desejos
e interesses nem se submeta às urgências do nosso calendário. Jesus sempre chega
para nos ajudar a mudar as coisas, e isso supõe e, ao mesmo tempo, desperta a
fé. A fé é esta abertura radical para transcender o óbvio, o esperado, o
devido.
Em
Betância, Jesus encontra suas amigas em pranto, tristes pela perda do irmão e
pela sua ausência injustificável. Mas ele não é indiferente, e participa da dor das
amigas, como faz também hoje diante de todos aqueles que choram, impotentes e
inconsoláveis. “E Jesus começou a chorar...” É mediante sua compaixão que ele
nos faz experimentar seu amor. “Vejam como ele o amava...” Eis aqui a porta que
abre a possibilidade de mudança: o amor e a compaixão, tão divinos e tão
humanos.
Acreditar
em Jesus Cristo não significa acreditar ou apostar no poder de Deus, mas confiar na força do seu amor. Da parte de Jesus, o amor que se compadece; da nossa parte, a
confiança que abre horizontes e possibilidades. Da fé e da abertura ao amor compassivo
e solidário brotam novas possibilidades de Vida e a força da ressurreição. “Se
você acreditar, verá a glória de Deus”. Marta e Maria provam a profunda e humana identificação de Jesus
com suas dores. Esta é a glória de Deus: seu amor pela humanidade. A glória
de Deus é o ser humano vivo, dizia Santo Irineu.
Jesus
convida Maria a ultrapassar a dor que às vezes obscurece o olhar da fé. E
Lázaro, no escuro da morte e no fundo da sepultura, também é interpelado: “Vem
para fora!” O grito de Jesus, pronunciado como oração, chama à vida, a um novo olhar
e um novo agir. É apelo a sair dos nossos interesses e projetos, geralmente
nascidos no ventre do medo e da indiferença, um convite a sair da prisão dos
sistemas de poder e de morte e emprender um caminho, a fazer a passagem-páscoa.
Mas nesta
saída, como em todo caminho, nossos passos serão sempre necessariamente
inseguros. Pertencemos à história e temos muitas amarras. Mas escutamos, de
formas diversas, uma ordem: “Desamarrem e deixem que ele ande...” A fé em Jesus Cristo não é
doutrina que fecha, peso que oprime, laço que amarra. Oxalá toda a Igreja
aprenda esta lição! Como diz Paulo, crer significa deixar-se conduzir pelo
Espírito de Deuse superar a busca compulsiva dos interesses egoístas.
Marta e
Maria acreditaram e por isso viram a
glória de Deus patente e potente na compaixão que resgata a vida. E muitos
judeus que “viram o que Jesus fez,
acreditaram nele”. Mas o que é que eles realmente viram? Contemplaram e testemunharam a profunda humanidade de Deus e
este incrível dinamismo que o aproxima das suas criaturas machucadas e
oprimidas, sem se importar se cheiram mal. Viram isso na relação de Jesus com
Lázaro, com Maria e com Marta, e por isso acreditaram!
Voltemo-nos
a Deus inspirados na oração de Bonhoefer (+09.04.1945) na prisão. Senhor, as trevas nos envolvem, mas em ti
há luz. Sentimo-nos sozinhos, mas tu não nos abandonas. Sentimo-nos desfalecer,
mas em ti encontramos socorro. Estamos inquietos, mas em ti encontramos a paz.
A amargura nos devora, mas em ti encontramos a paciência. Não compreendemos
teus caminhos, mas tu sabes qual é a boa estrada. Acolhe-nos como membros vivos
do teu corpo e assim te ajudaremos a chamar para fora, a resgatar os homens e
mulheres vítimas do tráfico humano. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
(Ezequiel 37,12-14 * Salmo 129 (130) *
Carta aos Romanos 8,8-11* João 11,1-45)
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