Você também quer ser
discípulo deste homem?
O
comércio não sabe o que fazer com esta sexta-feira, e um clima estranho envolve
as pessoas em geral, mesmo os não-cristãos. Tudo é diferente, inclusive a
liturgia... Nesta sexta-feira se revela o
que há de mais profundo no ser humano e de mais belo no coração de Deus. E
o mistério do mal também atinge sua força mais terrível, a humanização de Deus atinge
seu ponto mais luminoso, a entrega do ser humano a Deus se expressa em seu grau
máximo. E o serviço a Deus brilha na entrega despojada e solidária a serviço do
ser humano despojado de poder e de honra.
Quem faz dos próprios interesses e
ambições um ídolo intocável, cedo ou tarde acaba identificando como diabólicas
e ameaçadoras todas as pessoas, grupos ou movimentos que pensam diferente e
propõem uma ordem alternativa. E cria estratégias para eliminá-los sem
sujar as mãos, dentro dos quadros da lei, sem se tornar impuro. Quantas leis –
escritas nos códigos ou na alma dos povos – não passam de artifícios para
disfarçar o domínio e a violência dos mais fortes sobre os mais fracos,
tentativas de impedir que estes vivam plenamente?
Conhecemos
as tramas, traições e intrigas que levaram à prisão, condenação, tortura e
morte de Jesus. São opções e atitudes que revelam o mistério do mal e sua força
nas pessoas e estruturas. Um mal nada abstrato, que se expressa nos costumes,
nas leis, nos sistemas econômicos, nos medos, em todas as formas de ambição. Um
mal que assume feições de cinismo, como quando as autoridades religiosas, tendo
decidido matar Jesus, não entram no palácio do governador para não se tornarem
impuras. As ditaduras de todos os quadrantes criam leis iníquas que as
justificam e purificam.
É o mistério inexplicável da iniqüidade
que faz com que a noite nos envolva às três horas da tarde. Uma
iniqüidade que começa não se sabe bem onde e se expressa na afirmação de nós
mesmos às custas dos outros, no desprezo de quem é diferente, no fechamento a toda e qualquer mudança, no uso do poder
cultural e religioso para abusar de menores, na indiferença para com as vítimas,
enfim: na defesa da ordem que protege os dominadores. Descrevendo este dinamismo
maldito que nos envolve e fere, o salmista diz: “Eis que na culpa fui gerado,
no pecado minha mãe me concebeu.”
Jesus não
parece disposto a se debater e se defender. Ele
tem consciência de que nasceu e veio ao mundo para tornar palpável e digno de
crédito o amor fiel de Deus pelas pessoas negadas em sua dignidade. Pilatos
manda torturá-lo, transforma-o numa paródia de líder e o apresenta ao povo:
“Eis o homem!” E Pilatos diz a verdade, pois a verdadeira humanidade não se mostra naqueles que traficam pessoas
como mercadorias ou fecham os olhos e lavam as mãos diante deste flagelo, mas nas
vítimas destes atos irracionais e nas pessoas que contra eles se levantam.
Fixemos o
olhar em Jesus de Nazaré, este personagem que realizou em grau pleno a vocação de todo ser humano. A criatura
humana não é chamada apenas a sofrer e padecer! Em Jesus descobrimos que a pessoa humana atinge sua plenitude quando
não recua diante do chamado a dar a vida, quando não abre mão da
solidariedade com as pessoas negadas em sua verdade e em sua dignidade... O ser
humano maduro não é o amigo de César, não é quem age sem autonomia nem liberdade
e que ordena por medo... Maduro é quem,
como Jesus, é capaz de se compadecer de quem é mais frágil...
A
pergunta “a quem procurais?” é dirigida por Jesus também a nós. O que esperamos
e o que buscamos na celebração da paixão de Jesus? Consolação nos sofrimentos
inexplicáveis? Confirmação dos nossos interesses e projetos? Aqui só é licito buscar forças para
perseverar no seguimento de Jesus, amigo da humanidade. Só podem beijar seu corpo torturado aqueles
que estão dispostos a renascer como uma nova família, não mais presa aos
laços de sangue ou aos interesses mesquinhos, mas servidora e aberta a todos os
humanos seres que querem viver e promover a vida.
Deus Pai e Mãe, prostrados e agradecidos
diante do supremo gesto de amor do teu Filho, te pedimos: ensina-nos a morrer
para a indiferença que se globalizou e mata tantos seres humanos. Ensina-nos a
deixar que Cristo viva em nós. Ajuda-nos
a assumir as conseqüências de sermos discípulos deste verdadeiro homem, e dá-nos
a generosa coragem de transformar a Igreja, a sociedade e a história com o
fermento da compaixão, única possibilidade de salvação do homem e do mundo. Assim
seja! Amem!
Pe.
Itacir Brassiani msf
(Profeta
Isaías 52,13-53,12 * Salmo 30 (31) *
Carta aos Hebreus 4,14-15; 5,7-9 * João 8,1-19,42)
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