A liberdade é um
caminho de descida e de compaixão
Ouvindo o
relato da entrada de Jesus em Jerusalém, somos forçados a abandonar toda
fantasia de poder e de sucesso que alimentamos e projetamos nele. Nesta cena não
há nada de triunfal. Jesus vem da Galiléia e entra na capital do seu país
politicamente dominado montado numa jumenta. Nada de cortejos de honra, de
generais e cavalos vistosos, de discursos oficiais de acolhida. Jesus chega a
Jerusalém como sempre foi: um servidor, um reformador, um simples homem da
Galiléia.
Ele chega
à capital do seu país caminhando à frente de um numeroso e desconcertado grupo
de discípulos e discípulas. O povo da capital não o conhece e o teme, mas o
pessoal do campo o aclama com entusiasmo, como o Messias esperado. “Bendito o
Rei que vem em nome do Senhor!” Como o velho Simeão, essa gente sabia
reconhecer naquele homem que tinha ouvidos e palavras para os últimos o Enviado
de Deus. E isso contrasta com a fria acolhida do povo de Jerusalém...
Na
verdade, este grupo aclama o despontar do Reino messiânico inspirado em Davi e
a chegada do líder enviado por Deus. Jesus, porém, não realiza as ações de
poder que esta ideologia messiânica comportava. Ele é o servo paciente e o
ouvinte atento da Palavra do qual fala Isaías, e é dessa escuta que brota uma
palavra que desperta as pessoas adormecidas e encoraja as acorrentadas pelo
medo. Sua ação não será outra que o dom incondicional e solidário de si mesmo
na cruz.
O
entusiasmo suscitado naquele pequeno grupo de gente que vinha do interior não
se sustentará por muito tempo. Os próprios discípulos se unem às multidões e o saúdam
como o Messias esperado, embora em seguida se sintam obrigados e voltar atrás. Os
gritos de ‘hosana’ – Deus salva agora! – logo serão substituídos pelo insolente
pedido ‘crucifica-o’, fruto da frustração popular e da manipulação interesseira
das autoridades políticas e religiosas de Jerusalém.
A divisão
que se criava entre os próprios discípulos, assim como a possibilidade concreta
de traição, não fazem Jesus mudar de rumo. É verdade que ele se sente abatido e
chega a se perguntar sobre o que fazer. Ele enfrenta um discernimento difícil.
Pede aos discípulos que fiquem com ele e vigiem. “Pai, se quiseres, afasta de
mim este cálice...” A oração no Getsêmani foi um momento de confronto profundo
com a vontade do Pai e com a traição que se desenhava entre os próprios
discípulos.
Aquele
que o cortejo havia saudado Jesus na entrada da cidade como quem vinha e agia
em nome de Deus permaneceu fiel e acabou preso, abandonado pelos próprios
discípulos, condenado e pregado na cruz. Tanto para os judeus como para os
romanos, a crucifixão representava a completa negação do ser humano, o
redundante fracasso da pretensão de liderança, a absoluta ausência de Deus, a
mais radical falta de sentido. E para os discípulos, essa foi a pedra no meio
do caminho...
As
autoridades ridicularizam e desafiam Jesus a salvar a própria pele, e oele
mesmo parece mergulhar num turbilhão escuro e protestar contra o abandono até
por parte de Deus. “Desde o meio-dia até as três horas da tarde houve escuridão
sobre toda a terra.” Mas Jesus acaba vislumbrando a suprema consolação na
radicalização do dom de si mesmo: “E eis que a cortina do santuário rasgou-se
de alto abaixo, a terra tremeu e as pedras se partiram...”
É da boca
de um soldado pagão se ouve a palavra que faz brilhar uma pequena luz na
escuridão que fazia em plena tarde. “Ele era mesmo Filho de Deus!” O que aquele
soldado viu que os outros não viram? Viu aquilo Simeão reconhecera trinta anos
antes: que Deus se revela na pequenez e na fidelidade daqueles que morrem
defendendo a vida. Naquele homem anulado e descartado, mas absolutamente fiel
no seu amor pelos últimos e senhor de si mesmo, o soldado viu a exaltação da
humanidade de Deus, diante da qual todo corpo se inclina e todo poder despótico
treme.
Jesus de Nazaré, humilde justiceiro dos
pobres, herdeiro do pequeno Davi. Abre nossos ouvidos para que prestemos
atenção como discípulos, e dá-nos palavras adestradas para confortar as pessoas
abatidas. Envia-nos teu Espírito, para que te acolhamos em nossa cidade e em
nosso coração, e permaneçamos firmes aos pés da cruz da irrelevância na qual os
poderes te condenam ainda hoje. E agracia-nos com a alegria profunda que só
experimentam aqueles que fazem contigo o caminho da descida que esvazia e
despoja, o único que enriquece e liberta verdadeiramente. Assim seja! Amém!
Pe.
Itacir Brassiani msf
(Isaías
50,4-7 * Salmo 21 (22) * Carta aos Filipenses 2,6-11 * Mateus 21,1-11; 27,11-54)
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