quinta-feira, 30 de novembro de 2017

O Evangelho dominical - 03.12.2017

UMA IGREJA DESPERTA

Jesus está em Jerusalém, sentado no monte das Oliveiras, olhando para o Templo e conversando confidencialmente com quatro discípulos: Pedro, Santiago, João e André. Vê eles preocupados por quererem saber quando chegará o fim dos tempos. Ele, pelo contrário, se preocupa sobre como viverão os Seus seguidores quando já não O tenham entre eles.
Por isso, uma vez mais, mostra-lhes a Sua inquietude: «Olhai, vivei despertos». Depois, deixando de lado a linguagem terrificante dos visionários apocalípticos, conta-lhes uma pequena parábola que passou quase inadvertida entre os cristãos.
«Um senhor foi de viagem e deixou a sua casa». Mas, antes de ausentar-se, «confiou a cada um dos seus criados a sua tarefa». Ao despedir-se apenas lhes insistiu numa coisa: «Vigiai, pois não sabeis quando virá o dono da casa». Que, quando venha, não vos encontre dormindo.
O relato sugere que os seguidores de Jesus formarão uma família. A Igreja será «a casa de Jesus» que substituirá «a casa de Israel». Nela, todos são servidores. Não há senhores. Todos viverão esperando o único Senhor da casa: Jesus, o Cristo. Nunca o deverão esquecer jamais.
Na casa de Jesus ninguém deverá permanecer passivo. Ninguém se há de sentir excluído, sem qualquer responsabilidade. Todos somos necessários. Todos temos alguma missão confiada por Ele. Todos estamos chamados a contribuir para a grande tarefa de viver como Jesus. Ele viveu sempre dedicado a servir o reino de Deus.
Os anos irão passando. Manter-se-á vivo o espírito de Jesus entre os Seus? Continuarão a recordar o Seu estilo ao serviço dos mais necessitados e desamparados? Irão segui-Lo pelo caminho aberto por Ele? A Sua grande preocupação é que a Sua Igreja possa adormecer. Por isso insiste, até três vezes: «Vivei despertos». Não é uma recomendação aos quatro discípulos que o escutam, mas um mandato aos crentes de todos os tempos: «O que vos digo a vós digo-o a todos: velai».
O traço mais generalizado dos cristãos que não abandonaram a Igreja é seguramente a passividade. Durante séculos temos educado os fiéis para a submissão e a obediência. Na casa de Jesus, só uma minoria se sente hoje com alguma responsabilidade eclesial.
Chegou o momento de reagir. Não podemos continuar a aumentar ainda mais a distância entre «os que mandam» e «os que obedecem». É pecado promover o descontentamento, a mútua exclusão ou a passividade. Jesus queria ver-nos a todos despertos, ativos, colaborando com lucidez e responsabilidade no Seu projeto do reino de Deus.
José Antonio Pagola
Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez

terça-feira, 28 de novembro de 2017

ANO B – TEMPO DE ADVENTO – 1° DOMINGO – 03.12.2017

A segunda metade da noite já é o começo da aurora!
Estamos iniciando um novo tempo litúrgico, tempo marcado pela expectativa e pela vigilância. Para sublinhar essa atitude, Jesus nos apresenta uma parábola na qual, entre os diversos personagens, nos chama a atenção para a figura do porteiro. O porteiro atua no limite entre a área interior e exterior da casa; pertence ao pessoal da casa, mas precisa estar atento aos que estão para chegar; conhece os segredos da casa, mas deve saber reconhecer e acolher as visitas que estão sendo esperadas. O porteiro não é propriamente um vigia, e, mais que proteger o patrimônio, deve acolher as pessoas que chegam.
Jesus nos convida a viver vigilantes, pois algo novo está para chegar, uma grande mudança está para se realizar. Para falar disso, Ele usa uma linguagem apocalíptica, dizendo que as estrelas caem, os poderes são abalados e as estruturas basilares da ordem social e política sofrem um eclipse. Como as folhas novas da figueira indicam a chegada próxima dos frutos, esses sinais cósmicos e históricos anunciam que uma nova ordem social, que uma nova humanidade está sendo gerada, um novo mundo está sendo feito. Tudo o que é histórico é transitório, só a Palavra viva de Deus permanece. Como o porteiro, precisamos identificar e dar passagem a aos sinais dessa novidade que está batendo à nossa porta.
Para os discípulos de Jesus no tempo do evangelista Marcos, a questão crucial era como chegaria e se consolidaria o novo ser humano e a Justiça esperada. Jesus ressalta que o Reino de Deus e o ser humano renovado vêm de baixo, lançam raízes na família humana, que experimenta a noite escura da fragilidade e da injustiça. Ou, dizendo de outro modo, a nova humanidade vem de cima, do alto da cruz, da doação generosa e solidária de nós mesmos e de tudo o que possuímos em favor da vida dos últimos. A Palavra que não passa é aquela que Jesus pronunciou silenciosamente no alto da cruz!
“O que eu digo a vocês, digo a todos: fiquem vigiando!” Dizendo isso, Jesus antecipa o que dirá pouco mais adiante, pouco antes de ser preso: “Minha alma está numa tristeza de morte. Fiquem aqui e vigiem” (Mc 14,34). Essa vigília deveria se estender pelos quatro momentos seguintes: a prisão, a negação, a espera e o amanhecer. Mas os discípulos não conseguiram vigiar nem uma hora, e dormiram. Eles não conseguiram assimilar a fragilidade e a vulnerabilidade de Deus, que se revela na cruz. A vigilância se fez difícil porque os discípulos não sabiam o momento e como se manifestaria o reino de Deus.
O problema se agrava porque hoje muitos cristãos não alimentam mais nenhuma espécie de esperança. Não esperam o advento de uma nova humanidade. Não creem na possibilidade de um mundo mais justo. Não querem ser perturbados no seu sono tranquilo e indiferente à sorte dos irmãos. E há cristãos que mantêm uma certa esperança, mas continuam confiando nos meios potentes. Não conseguem conceber uma Igreja dos pobres e para os pobres. Preocupam-se mais com rubricas litúrgicas que com a justiça e a misericórdia. Preferem dormir sob a proteção dos impérios que transformá-los com a força da fé.
Por isso, precisamos permanecer vigilantes, e não só no tempo de Advento! A vigilância é hoje escassa e urgente. E deve ser permanente. Somos convocados a uma “insônia histórica”, a manter os olhos abertos e a inteligência lúcida para discernir os pequenos sinais de um grande e bom acontecimento. Precisamos cultivar a generosidade que gera o Homem Novo e a Nova Sociedade, permanecer dóceis a Deus e confiantes, como o barro nas mãos do oleiro, permitindo que ele nos dê forma, a sua forma. Esperar que Deus se revele ao mundo e no mundo, que nasça uma Nova Ordem humana e social.
Paulo nos lembra que o próprio Deus é avalista desta esperança, que Aquele que nos chamou é fiel. Sua graça é experiência já no presente. Em Jesus fomos enriquecidos na Palavra e no conhecimento. Nele recebemos tudo, e nada de essencial nos falta. Nele já recebemos todas as riquezas que poderíamos desejar. Ele nos fortalecerá até o fim. É claro que é preciso acolher essa riqueza como herança, fazê-la frutificar. Mas temos motivos para confiar, sem nos inquietar, pois “é ele também que nos dará perseverança em nosso procedimento irrepreensível, até o dia de Nosso Senhor, Jesus Cristo”.
Deus pai e mãe, ventre e pátria de todas as criaturas, sonho e promessa dos inconformados e inquietos! Tu sempre vens, e teu movimento é de descida e aproximação. Ouvido algum escutou, olho nenhum viu um Deus igual a ti! Vens ao encontro de quem pratica a Justiça, e pouco te interessam ritos, cânticos e incensos. Em Jesus, vens a nós como agricultor e videira, como pastor e cordeiro, como salvador e irmão, como paz e justiça. Caminha conosco e guia-nos nas estradas do serviço solidário! Desperta nossa fé anestesiada por práticas que pouco têm a ver contigo. E ajuda-nos na missão de porteiros vigilantes! Amém! Assim seja!


Itacir Brassiani msf
(Profecia de Isaías 63,16-19.64,2-7 * Salmo 78 (80) * 1ª. Carta aos Corintios 1,3-9 * Evangelho de São Marcos 13,33-37)

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

O Evangelho dominical - 26.11.2017

O DECISIVO

O relato não é propriamente uma parábola, mas uma evocação do juízo final de todos os povos. Toda a cena se concentra num diálogo longo entre o juiz, que não é outro que Jesus ressuscitado, e dois grupos de pessoas: os que aliviaram o sofrimento dos mais necessitados e os que viveram negando-lhes a sua ajuda.
Ao longo dos séculos, os cristãos viram neste diálogo fascinante «a melhor recapitulação do Evangelho», «o elogio absoluto do amor solidário» ou «a advertência mais grave a quem vive refugiado falsamente na religião». Vamos assinalar as afirmações básicas.
Todos os homens e mulheres, sem exceção, serão julgados pelo mesmo critério. O que dá um valor imperecível à vida não é a condição social, o talento pessoal ou o êxito realizado ao longo dos anos. O decisivo é o amor prático e solidário aos necessitados de ajuda.
Este amor traduz-se em atos muito concretos. Por exemplo, «dar de comer», «dar de beber», «acolher o imigrante», «vestir os nus», «visitar os doentes ou os presos». O decisivo ante Deus não são as ações religiosas, mas estes gestos humanos de ajuda aos necessitados. Podem brotar de uma pessoa crente ou do coração de um agnóstico que pensa nos que sofrem.
O grupo dos que ajudaram os necessitados que foram encontrando no seu caminho não o fez por motivos religiosos. Não pensou em Deus nem em Jesus Cristo. Simplesmente procurou aliviar um pouco o sofrimento que há no mundo. Agora, convidados por Jesus, entram no reino de Deus como «benditos do Pai».
Porque é tão decisivo ajudar os necessitados e tão condenável negar-lhes a ajuda? Porque, segundo revela o juiz, o que se faz ou se deixa de fazer a eles está-se a fazer ao mesmo Deus encarnado em Cristo. Quando abandonamos um necessitado estamos abandonando Deus. Quando aliviamos o seu sofrimento estamos a fazer com Deus.
Esta surpreendente mensagem coloca-nos a todos olhando para os que sofrem. Não há religião verdadeira, não há política progressista, não há proclamação responsável dos direitos humanos se não é defendendo os mais necessitados, aliviando o seu sofrimento e restaurando a sua dignidade.
Em cada pessoa que sofre, Jesus sai ao nosso encontro, olha-nos, interroga-nos e interpela-nos. Nada nos aproxima mais Dele que aprender a olhar demoradamente o rosto dos que sofrem com compaixão. Em nenhum lugar poderemos reconhecer com mais verdade o rosto de Jesus.
José Antonio Pagola

Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

ANO A – SOLENIDADE DE CRISTO, REI DO UNIVERSO – 26.11.2017

O Rei do Universo é um solidário servidor dos necessitados!
O ano litúrgico católico termina com a solenidade de Cristo, Rei do Universo. Essa festa foi instituída oficialmente em 1955, pelo Papa Pio XII, e hoje temos consciência de que é preciso evitar toda forma de triunfalismo e, ao mesmo tempo, destacar o mistério de Jesus Cristo que, com sua paixão pelo povo e sua vida empenhada em favor dos marginalizados, venceu a opressão e a morte e inaugurou um Novo Tempo, regido pela paz, pela solidariedade e pela partilha. Nesta solenidade, o que deve sobressair não são nossos indiscretos desejos de superioridade e poder, mas a utopia do bom rei que, como o bom pastor, vela sobre seu povo e o governa na justiça e na paz.
Na primeira carta aos Coríntios, Paulo começa sublinhando que Jesus Cristo experimentou a morte solidária com todos os seres humanos para abrir a todos o caminho da ressurreição. Ele é o primeiro, como as primícias da colheita oferecidas no culto de gratidão a Deus. Nele todos viveremos! Sua verdadeira realeza consiste em destruir os poderes que oprimem a humanidade, os inimigos dos seres humanos, entre os quais o último e mais potente é a morte. Não apenas a morte que vem no final da vida, mas também a morte imposta como ameaça e como fato pelas instituições que oprimem. Esta vitória escatológica que realiza a realeza de Jesus Cristo tem como meta possibilitar que o amor e a vida que vem de Deus seja tudo em todos.
O parábola proclamada na solenidade de Cristo Rei faz parte dos ‘discursos escatológicos’ de Jesus. Esse gênero literário é um modo de falar não propriamente daquilo que deve acontecer no fim do mundo, mas de apresentar aquilo que realmente vale enquanto dura nossa vida no mundo. Esse discurso de Jesus nos leva imaginariamente ao fim dos tempos para destacar o que realmente tem valor no percurso da história. É claro que, dizendo que o Filho do Homem virá ‘na sua glória’ e se sentará em seu ‘trono glorioso’, Lucas está comparando Jesus a um rei. A expressão ‘Senhor’ também tem o mesmo sentido, pois esse era o apelativo com o qual o povo se dirigia aos chefes, reis e imperadores.
Esta parábola também aproxima Jesus da imagem do juiz, e isso é compreensível numa cultura que atribuía ao rei as funções legislativas, executivas e judiciárias. “Todos os povos serão reunidos diante dele e ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos.” Julgar significa aqui discernir o verdadeiro valor das ações concretas das pessoas, separadas em dois grupos, a partir daquilo que fizeram, e não a partir dos títulos honoríficos ou das meras intenções. Mas é interessante perceber que, mesmo no papel de juiz, Jesus age como pastor.  Por isso, a solenidade de Cristo Rei vai de mãos dadas com a imagem do Bom Pastor, de Jesus servidor da humanidade.
Não podemos esquecer que os evangelhos nos mostram que Jesus decidiu sentar-se à mesa como conviva dos pecadores, e não como juiz na mesa de um tribunal. Sua vida comprova que ele foi ao encontro dos marginalizados e assumiu a causa deles. Não os esperou sentado na cadeira pretensamente neutra dos juízes! E, além de se apresentar como pastor, juiz e filho do homem, Jesus se identifica com o servo. João Batista o anuncia como ‘cordeiro de Deus’, como aquele que dá a vida em resgate por muitos. E no confronto com as autoridades do seu tempo e com as ambições de poder dos próprios discípulos, o próprio Jesus declara: “Eu estou no meio de vocês como quem está servindo” (Lc 22,27).
O mais importante, porém, está um pouco escondido nessa instigante parábola. Diante da pergunta sobre a forma concreta do nosso serviço a Jesus e quando o servimos, ele responde: “Todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram...” Jesus é filho da humanidade, irmão dos homens e mulheres mais necessitados, mais concretamente: irmão daqueles que passam fome e sede, dos migrantes e doentes, dos pobres e presidiários. Um culto que queira ser agradável serviço a Deus não pode prescindir do amor solidário e libertador aos pobres, não pode passar ao largo das necessidades do próximo, pois estaria deixando de lado o próprio Cristo.
Deus pai e mãe, pastor do rebanho e protetor dos pequenos! Neste dia em que celebramos meio sem jeito teu Filho como Rei do Universo, te pedimos: purifica nossa liturgia e nossa mente e a das autoridades da Igreja de todo desejo de honra e de poder. Confirma-nos no lugar do servo, lugar que teu Filho ocupou e que não lhe será tirado. Fortalece os leigos e leigas que, de mil e uma maneiras, tornam efetivo o reinado de Jesus Cristo, transformam o mundo e renovam a Igreja. E concede a todos nós a graça de reconhecer, amar e servir teu amado Filho, atenta e delicadamente, nos nossos irmãos e irmãs. Amém! Assim seja!

Itacir Brassiani msf
(Profecia de Ezequiel 34,11-17 * Salmo 22 (23) * 1ª Carta de Paulo aos Coríntios 15,20-28 * Evangelho de de Sao Mateus 25,31-46)

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

O Evangelho dominical - 19.11.2017

BUSCA CRIATIVA

Apesar da sua aparente inocência, a parábola dos talentos encerra uma carga explosiva. É surpreendente ver que o terceiro empregado é condenado sem ter cometido nenhuma ação má. O seu único erro consiste em não fazer nada: não arrisca o seu talento, não o faz frutificar, conserva-o intacto num lugar seguro.
A mensagem de Jesus é clara. Não ao conservadorismo, sim à criatividade! Não a uma vida estéril, sim à resposta ativa a Deus. Não à obsessão pela segurança, sim ao esforço arriscado por transformar o mundo. Não à fé enterrada debaixo do conformismo, sim ao trabalho comprometido em abrir caminhos ao reino de Deus.
O grande pecado dos seguidores de Jesus pode ser sempre o não arriscarmos a segui-lo de forma criativa. É significativo observar a linguagem que se utilizou entre os cristãos ao longo dos anos para ver em que temos centrado com frequência a atenção: conservar o depósito da fé; conservar a tradição; conservar os bons hábitos; conservar a graça; conservar a vocação...
Esta tentação de conservadorismo é mais forte em tempos de crise religiosa. É fácil então evocar a necessidade de controlar a ortodoxia, reforçar a disciplina e a normativa, assegurar a pertença à Igreja... Tudo pode ser explicável, mas, não é com frequência uma forma de desvirtuar o Evangelho e congelar a criatividade do Espírito?
Para os dirigentes religiosos e os responsáveis das comunidades cristãs pode ser mais cômodo «repetir» de forma monótona os caminhos herdados do passado, ignorando as interrogações, as contradições e as abordagens do homem moderno, mas, de que serve tudo isto se não somos capazes de transmitir luz e esperança aos problemas e sofrimentos que sacodem os homens e mulheres dos nossos dias?
As atitudes que temos de cuidar hoje no interior da Igreja não se chamam «prudência», «fidelidade ao passado», «resignação»... Levam mais bem outro nome: «busca criativa», «audácia», «capacidade de correr riscos», «escuta do Espírito», que faz tudo novo.
O mais grave pode ser que, à semelhança do terceiro criado da parábola, também nós acreditemos que estamos respondendo fielmente a Deus com a nossa atitude conservadora, quando na realidade estamos defraudando as Suas expectativas. O principal trabalho da Igreja hoje não pode ser conservar o passado, mas sim aprender a comunicar a Boa Nova de Jesus numa sociedade sacudida por mudanças socioculturais sem precedentes.
José Antonio Pagola

Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

ANO A – TRIGÉSIMO-TERCEIRO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 19.11.2017

“Não amemos os pobres apenas com palavras, mas com obras!”
Esperando e preparando a vinda do Cristo Salvador, os cristãos somos chamados a aproveitar as possibilidades que cada momento histórico nos oferece e, assim, contribuir para que o reinado de Deus avance. Ao definir o penúltimo domingo do tempo comum como Dia Mundial dos Pobres, o Papa Francisco está a nos dizer que a espera do Reino de Deus implica no compromisso para eliminar a indiferença frente às vítimas da exploração e para sair decididamente ao encontro dos pobres, engajando-nos para que lhes seja feita justiça e os sofrimentos que lhes são infligidos sejam amenizados. Segundo o Papa, precisamos amar os pobres com ações, e não apenas com palavras ou orações.
Mesmo que algumas vozes se levantem e gritem diversamente, Deus confia plenamente na pessoa humana. E o testemunho mais claro e indiscutível dessa confiança é a encarnação do Filho seu, a assunção plena da nossa condição humana, com todas as suas tensões e possibilidades. Deus confia a nós não apenas uma doutrina a ser defendida e ensinada, ou uma mensagem a ser transmitida. Ele coloca em nossas mãos a tarefa de dirigir o curso da história e nela realizar seu Projeto. Jesus ilustra isso com a parábola dos talentos (ou tarefas), proposta à nossa reflexão neste domingo.
É o próprio Deus que chama seus administradores, entrega a eles seus bens e espera que cada um corresponda a esta confiança de acordo com suas próprias possibilidades. “A um ele deu cinco talentos, a outro deu dois, e ao terceiro, um.” A cada qual de acordo com a respectiva capacidade. A confiança do patrão é tão absoluta que ele viaja sem nenhuma preocupação. Deus sabe em quem coloca sua confiança! Mas é importante perguntar: o que ele espera daqueles que nele acreditam? Seria a simples multiplicação de horas de adoração, de doutrinas abstratas, de leis pesadas e morais estreitas?
Não! Eis o que ele pede e espera: “Vão e façam discípulos meus em todos os povos! Assim como o Pai enviou a mim, eu envio vocês!” Trata-se de anunciar e dinamizar o Reino de Deus acolhendo os pobres, consolidando a justiça, amando sem distinção. Deus espera que a confiança depositada em nós dê frutos! É por isso que Jesus coloca nos lábios do homem anônimo o elogio que o próprio Deus pronuncia diante dos fiéis que agem responsavelmente: “Muito bem, servo bom e fiel! Como foste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais! Venha participar da minha alegria!”
Confiança com confiança se paga! Mas a confiança responsável se mostra na capacidade de correr riscos, de sujar as mãos e encarnar-se na história, pois é nela que se esconde e se expande o Reino de Deus. O que Deus nos confia é um fermento, e o fermento cumpre seu destino somente quando se mistura à farinha e a faz a massa crescer. O que Deus nos confia é o dinamismo do seu amor, e o amor morre quando não é transformado em ação. É verdade que o que se espera de nos é uma responsabilidade serena e sóbria, mas isso não significa que podemos ser impunemente passivos!
Infelizmente, alguns mal-entendidos levam muitos cristãos a atitudes irresponsáveis. Em nome da defesa da fé, concebem, dão à luz e fazem crescer uma Igreja separada do mundo, centrada nas doutrinas e leis, seduzida por uma vaga ideia de alma, enamorada dos poderes elitistas e excludentes, obcecada por templos suntuosos e ricos ornamentos. E mais: gastam todas as suas limitadas forças no resgate de ritos e línguas de um tempo que não existe mais. Esta atitude é bem representada pelo sujeito que, mesmo tendo recebido sua parte de responsabilidade, age guiado pelo medo e enterra seus talentos.
Por quê esse sujeito faz isso? “Senhor, sei que és um homem severo, pois colhes onde não plantaste e ceifas onde não semeaste. Por isso fiquei com medo escondi o meu talento no chão.” Ele diz que age por medo e respeito, mas isso não passa de medo e preguiça! É um servo mau e preguiçoso... Nossa fé nos leva a enfrentar desafios: a encarnar a fé e da esperança no coração do mundo; a envidar esforços para que os pobres não tenham apenas um dia, mas sejam  prioridade em todos os projetos; a fazer isso sem soberba, como quem dialoga e colabora.
“Ajuda a Igreja de Cristo a reencontrar os perdidos caminhos da Pobreza. Ajuda-a na abertura de portas: que nenhuma seja fechada por ela, mas se abram todos os diálogos e irrompa hora nova e única para os teólogos, encarregados não só de aprofundar o Vaticano II, mas de preparar o Vaticano III... Ajuda-nos no esforço de levar à prática as decisões conciliares, sopro renovador da face da terra. Ajuda-nos a ajudar a humanidade no acerto do desencontro que a muitos pode parecer mania: o diálogo entre o mundo desenvolvido e o mundo subdesenvolvido...” Amém! Assim seja! (Dom Helder Camara)
Itacir Brassiani msf
(Livro dos Provérbios 31,10-31 * Salmo 127 (128) * 1ª. Carta aos Tessalonicenses 5,1-6 * Evangelho de Mateus 25,14-30)

sábado, 11 de novembro de 2017

Dia Mundial dos Pobres - 19.11.2017

“Não amemos com palavras, mas com obras...”
“Meus filhinhos, não amemos com palavras nem com a boca, mas com obras e com verdade” (1 Jo 3, 18). Estas palavras do apóstolo João exprimem um imperativo de que nenhum cristão pode prescindir. A importância do mandamento de Jesus, transmitido pelo «discípulo amado» até aos nossos dias, aparece ainda mais acentuada ao contrapor as palavras vazias, que frequentemente se encontram na nossa boca, às obras concretas, as únicas capazes de medir verdadeiramente o que valemos.
O amor vem de Deus, é coisa de Deus
O amor não admite álibis: quem pretende amar como Jesus amou, deve assumir o seu exemplo, sobretudo quando somos chamados a amar os pobres. Aliás, é bem conhecida a forma de amar do Filho de Deus, e João recorda-a com clareza. Assenta sobre duas colunas mestras: o primeiro a amar foi Deus (cf. 1 Jo 4, 10.19); e amou dando-Se totalmente, incluindo a própria vida (cf. 1 Jo 3, 16). Um amor assim não pode ficar sem resposta. Apesar de ser dado de maneira unilateral, isto é, sem pedir nada em troca, ele abrasa de tal forma o coração, que toda e qualquer pessoa se sente levada a retribuí-lo não obstante as suas limitações e pecados.
Isto é possível, se a graça de Deus, a sua caridade misericordiosa, for acolhida no nosso coração a pontos de mover a nossa vontade e os nossos afetos para o amor ao próprio Deus e ao próximo. Deste modo, a misericórdia, que brota por assim dizer do coração da Trindade, pode chegar a pôr em movimento a nossa vida e gerar compaixão e obras de misericórdia em prol dos irmãos e irmãs que se encontram em necessidade.
Fé em Deus e amor ao pobre
“Quando um pobre invoca o Senhor, Ele o atende” (Sl 34/33, 7). A Igreja compreendeu, desde sempre, a importância de tal invocação. Possuímos um grande testemunho já nas primeiras páginas do Atos dos Apóstolos, quando Pedro pede para se escolher sete homens «cheios do Espírito e de sabedoria» (6, 3), que assumam o serviço de assistência aos pobres.
Este é, sem dúvida, um dos primeiros sinais com que a comunidade cristã se apresentou no palco do mundo: o serviço aos mais pobres. Tudo isto foi possível, por ela ter compreendido que a vida dos discípulos de Jesus se devia exprimir numa fraternidade e numa solidariedade tais, que correspondesse ao ensinamento principal do Mestre que tinha proclamado os pobres bem-aventurados herdeiros do Reino dos céus (cf. Mt 5, 3).
“Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um” (At 2, 45). Esta frase mostra, com clareza, como estava viva nos primeiros cristãos tal preocupação. O evangelista Lucas – o autor sagrado que deu mais espaço à misericórdia do que qualquer outro – não está a fazer retórica, quando descreve a prática da partilha na primeira comunidade. Antes pelo contrário, com a sua narração, pretende falar aos fiéis de todas as gerações (e, por conseguinte, também à nossa), procurando sustentá-los no seu testemunho e incentivá-los à ação concreta a favor dos mais necessitados.
E o mesmo ensinamento é dado, com igual convicção, pelo apóstolo Tiago, usando expressões fortes e incisivas na sua Carta: “Ouvi, meus amados irmãos: porventura não escolheu Deus os pobres segundo o mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que O amam? Mas vós desonrais o pobre. Porventura não são os ricos que vos oprimem e vos arrastam aos tribunais? (…) De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de vós lhes disser: “Ide em paz, tratai de vos aquecer e matar a fome”, mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta» (2, 5-6.14-17).
O testemunho de Francisco de Assis
Contudo, houve momentos em que os cristãos não escutaram profundamente este apelo, deixando-se contagiar pela mentalidade mundana. Mas o Espírito Santo não deixou de os chamar a manterem o olhar fixo no essencial. Com efeito, fez surgir homens e mulheres que, de vários modos, ofereceram a sua vida ao serviço dos pobres. Nestes dois mil anos, quantas páginas de história foram escritas por cristãos que, com toda a simplicidade e humildade, serviram os seus irmãos mais pobres, animados por uma generosa fantasia da caridade!
Dentre todos, destaca-se o exemplo de Francisco de Assis, que foi seguido por tantos outros homens e mulheres santos, ao longo dos séculos. Não se contentou com abraçar e dar esmola aos leprosos, mas decidiu ir a Gúbio para estar junto com eles. Ele mesmo identificou neste encontro a viragem da sua conversão: “Quando estava nos meus pecados, parecia-me deveras insuportável ver os leprosos. E o próprio Senhor levou-me para o meio deles e usei de misericórdia para com eles. E, ao afastar-me deles, aquilo que antes me parecia amargo converteu-se para mim em doçura da alma e do corpo”. Este testemunho mostra a força transformadora da caridade e o estilo de vida dos cristãos.
Mais que destinatários e objetos da nossa caridade!
Não pensemos nos pobres apenas como destinatários duma boa obra de voluntariado, que se pratica uma vez por semana, ou, menos ainda, de gestos improvisados de boa vontade para pôr a consciência em paz. Estas experiências, embora válidas e úteis a fim de sensibilizar para as necessidades de tantos irmãos e para as injustiças que frequentemente são a sua causa, deveriam abrir a um verdadeiro encontro com os pobres e dar lugar a uma partilha que se torne estilo de vida.
Na verdade, a oração, o caminho do discipulado e a conversão encontram, na caridade que se torna partilha, a prova da sua autenticidade evangélica. E deste modo de viver derivam alegria e serenidade de espírito, porque se toca com as mãos a carne de Cristo. Se realmente queremos encontrar Cristo, é preciso que toquemos o seu corpo no corpo chagado dos pobres, como resposta à comunhão sacramental recebida na Eucaristia. O Corpo de Cristo, partido na sagrada liturgia, deixa-se encontrar pela caridade partilhada no rosto e na pessoa dos irmãos e irmãs mais frágeis. Continuam a ressoar de grande atualidade estas palavras do santo bispo Crisóstomo: “Queres honrar o corpo de Cristo? Não permitas que seja desprezado nos seus membros, isto é, nos pobres que não têm que vestir, nem O honres aqui no tempo com vestes de seda, enquanto lá fora O abandonas ao frio e à nudez”.
Portanto somos chamados a estender a mão aos pobres, a encontrá-los, fixá-los nos olhos, abraçá-los, para lhes fazer sentir o calor do amor que rompe o círculo da solidão. A sua mão estendida para nós é também um convite a sairmos das nossas certezas e comodidades e a reconhecermos o valor que a pobreza encerra em si mesma.
Solidariedade
Não esqueçamos que, para os discípulos de Cristo, a pobreza é, antes de mais, uma vocação a seguir Jesus pobre. É um caminho atrás d’Ele e com Ele: um caminho que conduz à bem-aventurança do Reino dos céus (cf. Mt 5, 3; Lc 6, 20). Pobreza significa um coração humilde, que sabe acolher a sua condição de criatura limitada e pecadora, vencendo a tentação de omnipotência que cria em nós a ilusão de ser imortal.
A pobreza é uma atitude do coração que impede de conceber como objetivo de vida e condição para a felicidade o dinheiro, a carreira e o luxo. Mais, é a pobreza que cria as condições para assumir livremente as responsabilidades pessoais e sociais, não obstante as próprias limitações, confiando na proximidade de Deus e vivendo apoiados pela sua graça. Assim entendida, a pobreza é o metro que permite avaliar o uso correto dos bens materiais e também viver de modo não egoísta nem possessivo os laços e os afetos.
Escutar o clamor dos pobres
Assumamos, pois, o exemplo de São Francisco, testemunha da pobreza genuína. Ele, precisamente por ter os olhos fixos em Cristo, soube reconhecê-Lo e servi-Lo nos pobres. Por conseguinte, se desejamos dar o nosso contributo eficaz para a mudança da história, gerando verdadeiro desenvolvimento, é necessário escutar o grito dos pobres e comprometermo-nos a erguê-los do seu estado de marginalização. Ao mesmo tempo recordo, aos pobres que vivem nas nossas cidades e nas nossas comunidades, para não perderem o sentido da pobreza evangélica que trazem impresso na sua vida.
Conhecemos a grande dificuldade que há, no mundo contemporâneo, de poder identificar claramente a pobreza. E todavia esta interpela-nos todos os dias com os seus inúmeros rostos marcados pelo sofrimento, pela marginalização, pela opressão, pela violência, pelas torturas e a prisão, pela guerra, pela privação da liberdade e da dignidade, pela ignorância e pelo analfabetismo, pela emergência sanitária e pela falta de trabalho, pelo tráfico de pessoas e pela escravidão, pelo exílio e a miséria, pela migração forçada.
A pobreza tem o rosto de mulheres, homens e crianças explorados para vis interesses, espezinhados pelas lógicas perversas do poder e do dinheiro. Como é impiedoso e nunca completo o elenco que se é constrangido a elaborar à vista da pobreza, fruto da injustiça social, da miséria moral, da avidez de poucos e da indiferença generalizada!
Riqueza descarada X pobreza aviltante
Infelizmente, nos nossos dias, enquanto sobressai cada vez mais a riqueza descarada que se acumula nas mãos de poucos privilegiados, frequentemente acompanhada pela ilegalidade e a exploração ofensiva da dignidade humana, causa escândalo a extensão da pobreza a grandes setores da sociedade no mundo inteiro. Perante este cenário, não se pode permanecer inerte e, menos ainda, resignado. À pobreza que inibe o espírito de iniciativa de tantos jovens, impedindo-os de encontrar um trabalho, à pobreza que anestesia o sentido de responsabilidade, induzindo a preferir a abdicação e a busca de favoritismos, à pobreza que envenena os poços da participação e restringe os espaços do profissionalismo, humilhando assim o mérito de quem trabalha e produz: a tudo isso é preciso responder com uma nova visão da vida e da sociedade.
Opção solidaria pelos pobres
Todos estes pobres – como gostava de dizer o Beato Paulo VI – pertencem à Igreja por «direito evangélico» e obrigam à opção fundamental por eles. Por isso, benditas as mãos que se abrem para acolher os pobres e socorrê-los: são mãos que levam esperança. Benditas as mãos que superam toda a barreira de cultura, religião e nacionalidade, derramando óleo de consolação nas chagas da humanidade. Benditas as mãos que se abrem sem pedir nada em troca, sem «se» nem «mas», nem «talvez»: são mãos que fazem descer sobre os irmãos a bênção de Deus.
No final do Jubileu da Misericórdia, quis oferecer à Igreja o Dia Mundial dos Pobres, para que as comunidades cristãs se tornem, em todo o mundo, cada vez mais e melhor sinal concreto da caridade de Cristo pelos últimos e os mais carenciados. Quero que, aos outros Dias Mundiais instituídos pelos meus Predecessores e sendo já tradição na vida das nossas comunidades, se acrescente este, que completa o conjunto de tais Dias com um elemento requintadamente evangélico, isto é, a predileção de Jesus pelos pobres.
Convido a Igreja inteira e os homens e mulheres de boa vontade a fixar o olhar, neste dia, em todos aqueles que estendem as suas mãos invocando ajuda e pedindo a nossa solidariedade. São nossos irmãos e irmãs, criados e amados pelo único Pai celeste. Este Dia pretende estimular, em primeiro lugar, os crentes, para que reajam à cultura do descarte e do desperdício, assumindo a cultura do encontro. Ao mesmo tempo, o convite é dirigido a todos, independentemente da sua pertença religiosa, para que se abram à partilha com os pobres em todas as formas de solidariedade, como sinal concreto de fraternidade. Deus criou o céu e a terra para todos; foram os homens que, infelizmente, ergueram fronteiras, muros e recintos, traindo o dom originário destinado à humanidade sem qualquer exclusão.
Solidariedade em ações concretas
Desejo que, na semana anterior ao Dia Mundial dos Pobres – que este ano será no dia 19 de novembro, XXXIII domingo do Tempo Comum –, as comunidades cristãs se empenhem na criação de muitos momentos de encontro e amizade, de solidariedade e ajuda concreta. Poderão ainda convidar os pobres e os voluntários para participarem, juntos, na Eucaristia deste domingo, de modo que, no domingo seguinte, a celebração da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo resulte ainda mais autêntica. Na verdade, a realeza de Cristo aparece em todo o seu significado precisamente no Gólgota, quando o Inocente, pregado na cruz, pobre, nu e privado de tudo, encarna e revela a plenitude do amor de Deus. O seu completo abandono ao Pai, ao mesmo tempo que exprime a sua pobreza total, torna evidente a força deste Amor, que O ressuscita para uma vida nova no dia de Páscoa.
Neste domingo, se viverem no nosso bairro pobres que buscam proteção e ajuda, aproximemo-nos deles: será um momento propício para encontrar o Deus que buscamos. Como ensina a Sagrada Escritura (cf. Gn 18, 3-5; Heb 13, 2), acolhamo-los como hóspedes privilegiados à nossa mesa; poderão ser mestres, que nos ajudam a viver de maneira mais coerente a fé. Com a sua confiança e a disponibilidade para aceitar ajuda, mostram-nos, de forma sóbria e muitas vezes feliz, como é decisivo vivermos do essencial e abandonarmo-nos à providência do Pai.
A oração dos pobres
Na base das múltiplas iniciativas concretas que se poderão realizar neste Dia, esteja sempre a oração. Não esqueçamos que o Pai Nosso é a oração dos pobres. De facto, o pedido do pão exprime o abandono a Deus nas necessidades primárias da nossa vida. Tudo o que Jesus nos ensinou com esta oração exprime e recolhe o grito de quem sofre pela precariedade da existência e a falta do necessário. Aos discípulos que Lhe pediam para os ensinar a rezar, Jesus respondeu com as palavras dos pobres que se dirigem ao único Pai, em quem todos se reconhecem como irmãos. O Pai Nosso é uma oração que se exprime no plural: o pão que se pede é «nosso», e isto implica partilha, comparticipação e responsabilidade comum. Nesta oração, todos reconhecemos a exigência de superar qualquer forma de egoísmo, para termos acesso à alegria do acolhimento recíproco.
Aos irmãos bispos, aos sacerdotes, aos diáconos – que, por vocação, têm a missão de apoiar os pobres –, às pessoas consagradas, às associações, aos movimentos e ao vasto mundo do voluntariado, peço que se comprometam para que, com este Dia Mundial dos Pobres, se instaure uma tradição que seja contribuição concreta para a evangelização no mundo contemporâneo.
Que este novo Dia Mundial se torne, pois, um forte apelo à nossa consciência crente, para ficarmos cada vez mais convictos de que partilhar com os pobres permite-nos compreender o Evangelho na sua verdade mais profunda. Os pobres não são um problema: são um recurso de que lançar mão para acolher e viver a essência do Evangelho.
Vaticano, Memória de Santo Antonio de Lisboa, 13 de junho de 2017.
Francisco

(Mensagem para o 1° dia Mundial dos Pobres: 19.11.2017)

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

O Evangelho dominical - 12.11.2017

ACENDER UMA FÉ GASTA

A primeira geração cristã viveu convencida de que Jesus, o Senhor ressuscitado, voltaria brevemente cheio de vida. Não foi assim. Pouco a pouco, os seguidores de Jesus tiveram que se preparar para uma longa espera.
Não é difícil imaginar as preguntas que surgiram entre eles. Como manter vivo o espirito do início? Como viver despertos enquanto não chega o Senhor? Como alimentar a fé sem deixar que se apague? Um relato de Jesus sobre o sucedido num casamento ajudava a pensar na resposta.
Dez jovens, amigas da noiva, acenderam as suas lâmpadas e prepararam-se para receber o esposo. Quando, ao cair o sol, chegar o noivo para tomar consigo a esposa, acompanharão ambos no cortejo que os levará até à casa do esposo, onde se celebrará o banquete nupcial.
Há um pormenor que o narrador quer destacar desde o início. Entre as jovens há cinco «sensatas» e prevenidas que tomam consigo azeite para alimentar as suas lâmpadas à medida que se vá consumindo a chama. As outras cinco são descuidadas, e se esquecem de levar o azeite, correndo o risco de que se lhes apaguem as lâmpadas.
Rapidamente descobrirão o seu erro. O esposo se atrasa e não chega antes da meia-noite. Quando se ouve a chamada a recebe-lo, as moças sensatas alimentam com o seu azeite a chama das suas lâmpadas e acompanham o esposo até entrar com ele na festa. As moças imprevidentes não fazem mais do que se lamentar: «Nossas lâmpadas se apagaram!» Ocupadas em adquirir azeite, chegam ao banquete quando a porta já estava fechada. Demasiado tarde.
Muitos comentadores procuram encontrar um significado secreto para o símbolo do azeite. Está Jesus a falar do fervor espiritual, do amor, da graça batismal...? Talvez seja mais simples recordar o seu grande desejo: «Eu vim trazer o fogo da terra, e que hei de querer senão que se acenda?» Há algo que possa acender mais a nossa fé que o contato vivo com Jesus?
Não é uma insensatez pretender conservar uma fé gasta sem reaviva-la com o fogo de Jesus? Não é uma contradição considerarmo-nos cristãos sem conhecer o Seu projeto nem nos sentirmos atraídos pelo seu estilo de vida?
Necessitamos urgentemente de uma nova qualidade na nossa relação com Ele. Cuidar de tudo o que nos ajude a centrar a nossa vida na Sua pessoa. Não consumir energia no que nos distrai ou desvia do Seu Evangelho. Acender cada domingo a nossa fé refletindo nas Suas palavras e comungando vitalmente com Ele. Ninguém pode transformar as nossas comunidades como Jesus.
José Antonio Pagola

Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez

ANO A – TRIGÉSIMO-SEGUNDO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 12.11.2017

Esperar atentamente e engajar-se lucidamente!
No domingo passado recordamos, com pesar, os dois anos da catástrofe ecológica e social de Mariana. Por criminosa irresponsabilidade de empresários e administradores públicos, desapareceu o povoado de Bento Rodrigues, morreram 17 pessoas, centenas foram desalojadas, milhares ainda sofrem com a água contaminada e uma multidão é duramente golpeada pelos danos à fauna, que devem se prolongar por décadas. Isso faria parte das coisas imprevisíveis e inesperadas? Jesus estaria se referindo a isso quando diz “ficai vigiando, pois não sabeis qual será o dia, nem a hora”?
Seguramente, não! Jesus está falando sobre o mistério e o dinamismo do reino de Deus, que traz tudo de bom para todos, e passa longe das pregações de mau gosto e interesse suspeito que se tornaram comuns na boca de pastores de ocasião. Jesus insiste na necessidade de preparar-nos adequadamente para esse acontecimento, que se manifesta discretamente, que cresce como a semente escondida na terra, mas um dia deve aparecer em toda a sua beleza e força. A manifestação do reino de Deus é algo que devemos desejar, porque é benéfico para a humanidade toda, e preparar, porque sua edificação depende de nós!
É claro que isso não tem nada a ver com o propalado e temido fim do mundo, ao menos do mundo em sentido físico. A irrupção do reino de Deus significa o fim de um mundo, deste mundo de competição predatória, de dominação violenta, de exploração desmedida, de indiferença globalizada, de soberba inflacionada, de desigualdade absurda. Trata-se do fim deste “mundo imundo” e da manifestação de um novo modo de viver e conviver, de trabalhar e consumir, de crer e de celebrar, de fazer alianças e de lutar. E esse fim nos encanta e estimula, como a chegada do noivo, com o que se inicia a festa. 
Para guiar-nos nessa esperança que faz caminhar, Jesus nos conta a parábola das dez moças que saíram ao encontro do noivo que devia chegar para que a festa começasse. Cinco jovens, desavisadas e desatentas, pouco lúcidas e muito afoitas, pegaram lâmpadas mas não se preocuparam com uma reserva de óleo; pensavam que a espera era coisa de pouco tempo... As outras cinco, entusiasmadas como as demais, porém mais previdentes, levaram uma pequena reserva de óleo, prevendo a possibilidade de que a vigília e a espera fossem mais longas do que gostariam.
E foi exatamente isso que aconteceu! A vinda do noivo demorou mais que o previsto, e as lâmpadas do grupo mais afoito se apagaram. Enquanto foram improvisar uma solução, o noivo chegou, as outras moças o acolheram e foram recebidas na festa. E as portas se fecharam. Com as lâmpadas tardiamente reabastecidas e acesas, o primeiro quinteto bateu com insistência, mas sem sucesso. O noivo disse que não conseguia reconhecê-las, pois quem se fez sua amiga e discípula vive vigilante e se engaja ativamente. O discípulo de Jesus é movido e guiado pela sede do Reino de Deus...
A atitude de vigilância recebe destaque na liturgia de hoje porque estamos nos aproximando do fim do ano litúrgico, e isso pede que pensemos também no fim do mundo e no fim da vida. Mas nisso a gente não gosta muito de pensar... Pensemos então num fim de campeonato de futebol: como a rodada final é esperada, preparada, encarada com seriedade. Haja treinamento! A diferença é que o final de um campeonato tem uma data prevista, mas a expectativa, a preparação, a ansiedade, são semelhantes ao que se espera em relação à irrupção do reino de Deus, que não tem data marcada.
No Brasil, vivemos tempos sombrios, “temerosos”, devastadores como o “acidente” de Mariana e mais destruidor que a deplorável corrupção. Um Executivo golpista e impopular, secundado por um Congresso que não representa a nação e legitimado por uma Justiça vesga, caça um por um direitos sociais que custaram anos de luta, suor e sangue. Com a criminosa conivência da grande imprensa, vende o patrimônio coletivo e achincalha a democracia. Não podemos esperar que isso se acabe por decurso de prazo. Precisamos imitar as jovens prudentes, munir-nos do óleo da indignação e partir para a luta. Neste sentido, “esperar não é saber”, e “quem sabe, faz a hora, não espera acontecer...”
Deus Pai e Mãe, Compaixão e Misericórdia, Sabedoria dos humildes, Força dos fracos: teu filho nos pede vigilância e engajamento, para que não fiquemos fora da festa da Vida. Que a tua Sabedoria venha ao nosso encontro, acorde-nos do sono letárgico e desperte-nos para a profecia. Que nossos pensamentos, noturnos e diurnos, sejam o teu Reino. Que nas vigílias suspiremos por ele. Que seja por ele o cântico que brota dos nossos lábios. E que os eventos que celebramos nos próximos domingos – dia dos pobres e dia dos leigos – provoquem atitudes e iniciativas que deem novo rosto à tua Igreja. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
  (Livro da Sabedoria 6,12-16 * Salmo 62 (63) * 1ª. Carta aos Tessalonicenses 4,13-18 * Evangelho de São Mateus 25,1-13) 

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

O Evangelho dominical - 05.11.2017

NÃO FAZEM O QUE DIZEM

Jesus fala com indignação profética. O Seu discurso, dirigido às pessoas e aos Seus discípulos, é uma dura crítica aos dirigentes religiosos de Israel. Mateus recolhe-o cerca dos anos oitenta para que os dirigentes da Igreja cristã não caiam em condutas parecidas.
Poderemos recordar hoje as recriminações de Jesus com paz, em atitude de conversão, sem ânimo algum de polemicas estéreis? As Suas palavras são um convite para que bispos, presbíteros e quantos temos alguma responsabilidade eclesial façamos uma revisão da nossa atuação.
«Não fazem o que dizem». O nosso maior pecado é a incoerência. Não vivemos o que pregamos. Temos poder, mas falta-nos autoridade. A nossa conduta desacredita-nos. Um exemplo de vida mais evangélica dos dirigentes alteraria o clima em muitas comunidades cristãs.
«Atam cargas pesadas e insuportáveis e colocam-nas sobre os ombros dos homens; mas eles não movem nem um dedo para leva-las». É certo. Com frequência somos exigentes e severos com os demais, compreensivos e indulgentes conosco. Sobrecarregamos as pessoas simples com as nossas exigências, mas não lhes facilitamos a aceitação do Evangelho. Não somos como Jesus, que se preocupa em tornar mais leve a sua carga, pois é humilde e de coração simples.
«Tudo fazem para que as pessoas os vejam». Não podemos negar que é muito fácil viver pendentes da nossa imagem, procurando quase sempre «ficar bem» ante os outros. Não vivemos ante esse Deus que vê no segredo. Estamos mais atentos ao nosso prestígio pessoal.
«Gostam do primeiro lugar e dos primeiros assentos, que os saúdem pela rua e os tratem por mestres». Dá-nos vergonha confessa-lo, mas gostamos. Procuramos ser tratados de forma especial, não como um irmão mais. Há algo mais ridículo que uma testemunha de Jesus procurando ser distinguido e reverenciado pela comunidade cristã?
«Não vos deixeis chamar por mestre, nem preceptor, porque apenas um é o vosso Mestre e vosso Preceptor: Cristo». O mandato evangélico não pode ser mais claro: renunciai aos títulos para não fazer sombra a Cristo; orientai a atenção dos crentes só para Ele. Porque a Igreja não faz nada por suprimir tantos títulos, prerrogativas, honras e dignidades para mostrar melhor o rosto humilde e próximo de Jesus?
«Não chameis a ninguém, pai vosso na terra, porque um só é vosso Pai: o do céu». Para Jesus, o título de Pai é tão único, profundo e cativante que não há de ser utilizado por ninguém na comunidade cristã. Porque o permitimos?
José Antonio Pagola

Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez