terça-feira, 10 de setembro de 2024

A felicidade que todos buscamos

A felicidade que todos buscamos não se encontra de qualquer jeito| 469 | 11.09.2024 | Lucas 6,20-26

No “sermão” de hoje, Jesus fala aos discípulos que chamou ou que o buscaram espontaneamente. Na sinagoga de Nazaré, ele já havia deixado claro que, com ele e com o advento do Reino de Deus, inaugurava-se um tempo de gratuidade e felicidade no qual os pobres e oprimidos ocupam o primeiro lugar.

No seu anúncio de hoje, Jesus distingue claramente dois grupos de pessoas: um grupo que ele declara feliz, e um grupo que ele caracteriza como maldito. As pessoas felizes são os discípulos verdadeiros, coerentes, solidários, colaboradores de Deus no mundo. As pessoas malditas são as que não permitem que Deus interfira nas suas escolhas e, assim, impedem que ele reine na sociedade.

Os pobres (literalmente, as pessoas carentes e dependentes) são felizes porque são os destinatários do Reino de Deus. E os ricos (que em Lucas são representados pelo homem indiferente e avarento da parábola do rico e de Lázaro) devem se lamentar porque não descobriram o tesouro da partilha e da solidariedade, e se detêm em satisfações egoístas e fugazes.

Aos famintos (toda caracterização é dispensável!) Jesus opõe os satisfeitos (orgulhosos com o que têm). Felizes são também as pessoas que choram (aquelas que lamentam a morte de uma pessoa querida ou um erro cometido), enquanto que grupo dos que riem (pessoas seguras de si mesmas, que se sentem melhores e superioras) é declarado maldito.

Felizes são também os discípulos que sofrem ódio, exclusão e insultos por causa de Jesus e do Reino de Deus, enquanto que as pessoas despreocupadas, badaladas e estimadas como os falsos profetas merecem a reprovação de Jesus e não chegam a experimentar a verdadeira felicidade.

Não se trata de um desejo vazio de Jesus, nem de uma promessa para depois da morte, mas de uma declaração que tem a força de quem a pronuncia. Nessas palavras, Jesus desmascara as ilusões dos ricos e satisfeitos e assegura a reviravolta, já iniciada pela instauração do Reino de Deus.

 

Meditação:

§  Retome cada proclamação e cada lamentação correspondente e as deixe repercutir em você, mantendo os pés no chão

§  Não disfarce e deixe aflorar o incômodo e a estranheza que esta Palavra de Jesus causa em você

§  Para você é difícil concordar com o que Jesus diz e faz? Você tem vontade de amenizar sua fala, de adocicar suas palavras?

§  Experimente inverter o que Jesus diz: ai dos pobres, ai dos que choram, ai dos que têm fome... Isso é humano e aceitável?

§  Você continua disposto a seguir este caminho especial de felicidade proposto por Jesus, e está consciente das exigências que comporta?

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Eis-me aqui, Senhor, para fazer tua vontade

Eis-me aqui, Senhor, para fazer tua vontade e viver do teu amor | 468 | 10.09.2024 | Lucas 6,12-19

Estamos lendo e meditando o capítulo 6 do evangelho segundo Lucas. E o fazemos no dia 12 de setembro, recordando a primeira tragédia que atingiu o povo do Rio Grande do Sul, e que aprendemos a chamar de “eventos climáticos extremos”. Ao mesmo tempo, o clima o clima é de acirrada disputa política e de exacerbação regionalista patrocinada pela “Semana Farroupilha”, que exalta uma guerra civil perdida, veicula uma figura idealizada das disputas internas e promove uma cultura que não consegue esconder seu machismo, seu racismo e seu classismo.

Mesmo que alguns dos 12 discípulos escolhidos e enviados sejam pouco conhecidos, Jesus os “escolheu a dedo” e os chamou pelo nome. Antes de escolher, passou uma noite em oração, para que não se enganasse na escolha, e para que eles fossem símbolo do novo povo de Deus, não obstante seus inúmeros e conhecidos limites. Ser Apóstolo significa ser enviado, ser porta-voz de Jesus e seu Evangelho, que, decididamente, não significa proclamar que “o Sul é meu país”, e que aqui simplesmente “tudo o que se planta cresce e o que mais floresce é o amor”.

Os Doze apóstolos escolhidos e enviados participam da missão do próprio Jesus Cristo, fazem o que ele fez, desfrutam da sua dignidade, assumem sua meta e trilham seu caminho. Eles recebem a missão de manter a Palavra de Jesus sempre viva, atual, compreensiva e relevante. São chamados “pelo alto”, mas enviados ao mundo. São convocados pela Palavra e consagrados a serviço dela. O fruto dessa missão é o despertar do desejo de encontrar Jesus e de acolher seu Evangelho como a boa terra acolhe a semente e cria as condições para que germine.

A vocação e a missão dos Doze emergem da oração de Jesus sobre a montanha. A Igreja nasce da comunhão de Jesus com o Pai, daquela obediência e daquele amor de quem não recua diante da morte, simbolizada na noite. A vocação dos Doze é também um chamado à comunhão, que é o objetivo de todo apostolado.  

Nossas comunidades e cada um de nós somos convocados a renovar nosso ardor missionário, a potencializar nosso testemunho, a dar nossa resposta concreta e engajada ao Senhor que nos chama através dos clamores e esperanças do nosso povo. Estamos respondendo com a vida “Eis-me aqui, envia-me”?

 

Meditação:

·    Acompanhe passo a passo o retiro orante, a escolha nominal e o envio dos Doze Apóstolos, embaixadores do Reino de Deus

·    Deixe que ressoe também em você e hoje o chamado e a escolha de Jesus: “Eu te amo, te chamo, te formo e te envio!”

·    Desça da montanha com Jesus, e perceba a multidão que vem ao encontro dele, abandonada e ferida pelos falsos “messias”

·    Como a multidão, procure tocar Jesus, e deixar-se tocar pela Palavra e pela liberdade solidária e destemida que ele nos ensina

domingo, 8 de setembro de 2024

Fazer o bem e cuidar da vida não pode depender de vaga na agenda

Fazer o bem e cuidar da vida não pode depender de vaga na agenda | 467 | 09.09.2024 | Lucas 6,6-11

Passada a semana da pátria, e enquanto ficamos perplexos e sem reação diante do calor seco e sufocante e das intermináveis e perigosas queimadas, a cena do evangelho de hoje apresenta-nos Jesus desafiando as leis e instituições e colocando a pessoa e suas necessidades acima de tudo. Acima das prioridades desse ou daquele governo, acima do teto ou do arcabouço fiscal, acima dos sacramentos e das diversas normas e orientações da Igreja está a pessoa humana concreta.

Jesus está na sinagoga, em dia de sábado: lugar sagrado, dia sagrado, império absoluto da lei e das tradições. Mas nada disso consegue reabilitar um anônimo homem que sofre com a mão seca. Com essa enfermidade, ele está impedido de agir, de fazer algo bom. A sinagoga, os fariseus e as tradições o ignoram, não podem ou não querem tomar conhecimento da sua marginalização, nem reabilitá-lo. O legalismo, o formalismo e o patriotismo são estéreis!

O homem, embora necessitado de ajuda, não pede nada. É Jesus que toma a iniciativa, chama aquele homem vulnerável para o centro da roda e interpela os líderes religiosos que o espreitam: “O que é permitido fazer no sábado: o bem ou o mal, salvar uma vida ou deixar que se perca?” Eles sabiam que a lei permitia agir em caso de necessidade, mas preferiam calar e permanecer indiferentes. Para Jesus, ser omisso e indiferente já significa fazer o mal!

A ação de Jesus, assim como sua pergunta, é claramente provocatória. Ele não espera qualquer resposta, mas um exame de consciência daqueles que o criticam e condenam. Curando o homem em dia de sábado, Jesus desmonta a sustentação ideológica dos escribas e fariseus, acusa-os de fazer o mal no dia sagrado e mostra a esterilidade das instituições e causas que eles defendem. O que está acima de tudo é o cuidado, a defesa e a promoção da vida, e não as tradições, o cuidado de si, a pátria ou as veneráveis “tradições gaúchas”.

“A vida em primeiro lugar!”, e não a economia, o teto fiscal, o equilíbrio das contas, a louca vontade de um misterioso mercado, que é o nome que damos para encobrir os especuladores. Ser discípulo de Jesus, significa agir como ele, fazer a sua vontade, ser responsável pelo seu Reino, fazer o bem sempre, o máximo bem possível.

 

Meditação:

§  Retome a cena, inserindo-se nela, e observe atentamente o que dizem e o que fazem Jesus, os fariseus e o homem doente

§  Você é capaz de perceber como algumas instituições defendem mais as leis e seus interesses que a dignidade das pessoas?

§  Você percebe que, colocando a pessoa no centro, Jesus desvela a esterilidade do tradicionalismo, do legalismo e do patriotismo?

§  Em que medida você ainda defende, ao menos na prática, a prioridade das leis e costumes sobre as necessidades das pessoas?

sábado, 7 de setembro de 2024

O Evangelho dominical (Pagola) - 08.09.2024

SAIR DO ISOLAMENTO

A solidão tornou-se uma das doenças mais graves da nossa sociedade. Os homens constroem pontes e autoestradas para se comunicarem com mais rapidez. Lançam satélites para transmitir todo tipo de ondas entre os continentes. Desenvolvem a telefonia móvel e a comunicação pela Internet. Mas muitas pessoas estão cada vez mais sozinhas.

O contato humano arrefeceu em muitos âmbitos da nossa sociedade. As pessoas já não se sentem responsáveis pelos outros. Cada um vive encerrado no seu mundo. Não é fácil viver a experiência e o dom da verdadeira amizade

Há quem tenha perdido a capacidade de viver um encontro caloroso, cordial e sincero. Não são já capazes de acolher e amar sinceridade ninguém, e não se sentem compreendidos nem amados por ninguém. Relacionam-se todos os dias com muitas pessoas, mas, na realidade, não se encontram com ninguém. Vivem com o coração bloqueado, fechados a Deus e fechados aos outros.

Segundo o relato evangélico, para libertar o surdo da sua doença, Jesus pede a sua colaboração: «Abre-te». Não é este o convite que devemos escutar também hoje para resgatar o nosso coração do isolamento?

Sem dúvida, as causas desta falta de comunicação são muito diversas, mas, com frequência, têm a sua raiz no nosso pecado. Quando agimos de forma egoísta afastamo-nos dos outros, separamo-nos da vida e encerramo-nos em nós mesmos. Querendo defender a nossa própria liberdade e independência, corremos o risco de viver cada vez mais sozinhos.

Sem dúvida é bom aprender novas técnicas de comunicação, mas devemos aprender, antes de mais nada, a nos abrirmos à amizade e ao amor verdadeiro. O egoísmo, a desconfiança e a falta de solidariedade são também hoje o que mais nos separa e isola uns dos outros. Por isso, a conversão ao amor é um caminho indispensável para escapar à solidão. A pessoa que se abre ao amor ao Pai e aos irmãos não está sozinha, pois vive de forma solidária.

José Antônio Pagola

Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

Não sejamos surdos ao Evangelho da igualdade

Não sejamos surdos ao Evangelho da igualdade e da fraternidade! | 466 | 08.09.2024 | Marcos 7,31-37

Jesus está percorrendo caminhos que podem parecer estranhos. A região de Tiro, Sidônia e da Decápole era habitada por pagãos, gente desprezada. Com a presença de Jesus, brilham novas possibilidades de vida para a filha de uma mulher nascida na Fenícia e para um surdo-mudo sem nome. Não teria Jesus o que fazer entre os seus conterrâneos? Em sua peregrinação no santuário das dores humanas, Jesus sempre dá prioridade absoluta aos últimos da escala social, aos pobres e desprezados.

Há pessoas que desejam excluir da bíblia textos como a carta de São Tiago, que pede que, em nossas igrejas, não façamos distinção de pessoas em favor dos ricos e nobres. “Não foi Deus que escolheu os que são pobres aos olhos do mundo para torná-los ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu àqueles que o amam?” Este é um princípio fundamental e uma bela experiência dos primeiros cristãos: a fé em Jesus não admite distinções entre pessoas em benefício dos mais fortes ou daqueles que são sem mais considerados nobres.

Acolhendo um pagão doente e tocando seus ouvidos e sua língua, Jesus despreza as prescrições religiosas e sanitárias do seu tempo. Ele rompe a distância, toca o doente, o contágio é revertido e o surdo-mudo é curado. Mas Jesus faz questão de não agir sob os refletores. Faz o contrário de muitos que hoje transformam a fé em espetáculo e inventam curas ao vivo e a cores, escarnecendo dos doentes, manipulando a fé do povo humilde e extorquindo deles os poucos recursos que lhes restam. Por isso, a multidão ficou entusiasmada diante da compaixão de Jesus.

Estamos como aquele homem que falava com dificuldade. Nossos ouvidos parecem surdos às Palavras que escapam da nossa lógica e questionam nossos interesses. Nossa língua parece presa, especialmente quando se trata de defender os direitos humanos e recriar o Evangelho da liberdade e da solidariedade. Um nacionalismo anacrônico e nada evangélico, ao lado de uma mentalidade escravagista, ativados especialmente na semana da pátria, nos induz a imaginar perigosamente que ser humano significa ser superior e melhor que outros. Precisamos que Jesus Cristo toque nossos ouvidos, coloque sua saliva em nossa língua, converta a nossa mente e libere a nossa comunicação e nossa ação.

 

Meditação:

§  Releia o texto, contemplando atentamente os gestos dos pagãos e de Jesus, mas também o que diz Jesus e o que dizem os pagãos

§  Você acha que as pessoas e grupos excluídos tem o espaço que lhes é devido na Igreja e na sociedade?

§  Será que muitos cristãos e comunidades sentem-se mais à vontade reproduzindo ideologias que separam que aderindo à escandalosa e provocadora liberdade inclusiva de Jesus?

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

O acesso à alimentação é um direito humano

O acesso à alimentação é um direito humano anterior à propriedade | 465 | 07.09.2024 | Lucas 6,1-5

Na cena imediatamente anterior que meditamos ontem, Jesus afirma que seus discípulos devem viver a alegre e boa novidade do Reino de Deus, deixando de lado “velhas lições” e “velhos hábitos” rigorosos, que levam a formar guetos de pessoas que se consideram perfeitas e superioras às demais. Hoje, Jesus volta à questão: a pessoa e suas necessidades estão acima de toda lei e do culto.

É sábado e, desta vez, Jesus não está na sinagoga, mas se deslocando com seus discípulos pelos campos. Sentindo fome, eles colhem e comem espigas de trigo de uma plantação que não lhes pertence. Os fariseus observam que eles caminham e colhem num dia que não é permitido fazê-lo. E, além disso, percebem que eles não respeitam o “sagrado direito” da propriedade privada. Não se trata simplesmente de costumes religiosos, mas de leis econômicas que causam insegurança alimentar.

Por isso, segundo a mentalidade dos fariseus, os discípulos de Jesus cometem duas ilegalidades, ou pecados: não respeitam as proibições da lei que impõe repouso no sábado; roubam alimento da propriedade alheia. A segunda acusação não aparece claramente, mas é aludida no fato do Antigo testamento que Jesus cita para sua própria defesa: Davi e seus companheiros, estando famintos, se apossam e comem o pão reservado aos sacerdotes, demonstrando com isso que a vida tem prioridade, inclusive, sobre a “sagrada” lei da propriedade privada!

Jesus responde à acusação dos fariseus com duas críticas à postura deles: embora se apresentem como defensores da tradição e da lei de Deus, eles desconhecem o sentido mais profundo das escrituras (“acaso vós não lestes?”); eles resistem a reconhecer Jesus como o enviado autorizado e Filho de Deus, que é o legislador e, por isso, está acima das leis (“o Filho do Homem é Senhor também do sábado”).

Algumas leis e costumes, por mais importantes que pareçam aos olhos de alguns, se contrapõem ao Evangelho, são como tecido velho irrecuperável ou como barril danificado. Neste momento da história do Brasil, com polarizações e mentiras que enganam e embrutecem, a quem insista que a lei do equilíbrio fiscal é intocável. Se, por causa disso, o povo não tem acesso à cultura, morre de fome ou por falta de atendimento médico, isso pouco importa a eles.

 

Meditação:

§  Retome a cena, inserindo-se na caminhada de Jesus com seus discípulos, sob o olhar crítico dos fariseus

§  Procure entender com exatidão a crítica que as lideranças religiosas (fariseus) fazem aos discípulos e a Jesus

§  Como você se sente diante da afirmação de Jesus, de que ele é senhor das leis e instituições, e está acima delas?

§  Você ainda defende, ao menos na prática, a prioridade das leis e costumes sobre as necessidades e a dignidade das pessoas?

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Jesus propõe e inaugura uma mudança de atitudes

Jesus propõe e inaugura uma mudança de atitudes, de hábitos de práticas | 464 | 06.09.2024 | Lucas 5,33-39

Depois da pesca frutuosa e do chamado dirigido a Pedro e seus companheiros de trabalho, nas cenas que a sequência litúrgica trata noutras oportunidades, Jesus cura um leproso (v. 12-16) e um paralítico (v. 17-26), chama o publicano Mateus a segui-lo e vai à casa dele se confraternizar com outros cobradores de impostos e pecadores (v. 27-32). Isso provoca desconforto nos fariseus, que começam a questionar as práticas religiosas de Jesus e também o comportamento dos seus discípulos.

Ao interpelar Jesus a respeito do comportamento dos seus discípulos, os fariseus querem, na verdade, atingir o próprio Jesus. O ponto de discordância é o jejum, amplamente praticado pelos fariseus e também por João Batista e seus seguidores. Jesus e seus discípulos fazem pouco caso do jejum e da austeridade, e priorizam a festa e a confraternização. Levi se converteu ao Evangelho de Jesus e, ao invés de fazer jejum, organizou uma festa, para a qual convidou seus companheiros cobradores de impostos. É quase uma provocação às tradições dos judeus.

Na sua resposta, Jesus não despreza o jejum, mas justifica a alegria e a esperança que nascem da chegada do Reino de Deus. E faz isso recorrendo a duas sentenças ou parábolas que contrapõem uma realidade velha e uma novidade. A palavra “novo” aparece quatro vezes nestes versículos, e se refere ao Reino de Deus, à nova Aliança assinada por Jesus. Nesta aliança-casamento Jesus é o noivo da humanidade, e o vinho e o vestido apontam para a festa e a alegria.

Quem entra na lógica do Reino de Deus assume um estilo de vida divergente a alternativo àquele vivido como fachada de um modo superficial: a purificação que agrada a Deus e faz bem às pessoas é interior, e não exterior. Para alguns judeus, mormente os mais piedosos, a abertura à novidade do Reino de Deus, anunciado e inaugurado por Jesus, é difícil, e eles preferem remendos numa roupa velha ou o vinho velho, ao qual já se habituaram, mesmo que tenha perdido função e sabor.

Os discípulos de Jesus são convidados e perceber e viver essa novidade, deixando de lado “velhas lições” e “velhos hábitos”, rigorosos e excludentes, que levam a formar guetos fechados de pessoas que se consideram perfeitas e superioras às demais, e tratam as outras com desprezo, chegando até a atitudes e palavras violentas.

 

Meditação:

·    Retome pacientemente o episódio, começando pelo chamado de Levi e pela festa na casa dele (v. 27-32)

·    Perceba o escândalo e o desconcerto dos fariseus diante da troca da austeridade e do jejum pela confraternização à mesa

·    Deixe-se inspirar pelas imagens do Reino de Deus: o remendo novo em roupa velha, o vinho novo em pipas antigas e a festa da Aliança

·    Você percebe, em você e sua comunidade, sinais da tentação de usar o Evangelho para remendar práticas que nada tem a ver com eles?

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Quem segue Jesus encontra motivos e forças para recomeçar

Quem segue Jesus encontra motivos e forças para recomeçar sempre de novo | 463 | 05.09.2024 | Lucas 5,1-11

São João Paulo II buscou no episódio do evangelho de hoje a inspiração com a qual provocou os cristãos na entrada do terceiro milênio: “Avancem para águas mais profundas!” Com isso, quis exorcizar o medo que alguns grupos e setores espalhavam entre os cristãos e, ao mesmo tempo, convocar as comunidades a tornar sua fé e sua vida mais profundas e fecundas.

A aldeia de Nazaré havia rejeitado Jesus, e a cidade de Cafarnaum quis se apossar dele. Jesus sai para outros lugares, e o povo, cansado e abatido, procura Jesus afoito, porque encontra nele acolhida, compaixão e uma Palavra de esperança. Para eles, Jesus é um mestre e um guia confiável, em quem depositavam o que restava de esperança. Cercado de gente, Jesus se afasta da praia para poder falar a todos.

É Pedro quem acolhe Jesus em seu barco, cheio de frustração por uma noite de trabalho infrutífero. Depois de ensinar ao povo a Boa Notícia do Reino de Deus de dentro do barco de Pedro, Jesus lhe dá ordens para que lance de novo as redes, deixando as águas superficiais e avançando para águas mais profundas. Mesmo contra a vontade e na contracorrente das evidências, Pedro recomeça o trabalho, em obediência e por causa da Palavra ou do mandato de Jesus. É a Palavra de Jesus que lhe abre novas possibilidades.

Com o resultado surpreendente e inesperado da pesca, inicia-se entre Pedro e Jesus um diálogo que antes parecia truncado. Pedro reage assustado, como acontece com alguém diante de uma manifestação divina. Reconhecendo-se pecador, passa de pescador sabido e autossuficiente a discípulo e aprendiz de Jesus. Pedro não entra sozinho neste processo, porque outros companheiros são chamados e o acompanham, movidos por uma experiência igualmente inesquecível.

O chamado e a missão não são acontecimentos individuais e interiores, mas acontecem no interior de um povo que se reúne para escutar a Palavra. Os discípulos de Jesus precisam superar a tentação da segurança e da rotina. Precisam ousar, inovar, ir mais fundo, superar a tentação da acomodação e da superficialidade. Precisam se tornar especialistas em capturar gente para a vida (‘pescar’). É a Palavra de Jesus, que garante a fecundidade da missão e a nossa realização como pessoas.

 

Meditação:

§  Retome pacientemente o episódio, com atenção à relação de Jesus com o povo, com Pedro e com os demais pescadores

§  Permita que Jesus entre no barco dos seus afazeres, quem sabe vazio de expectativas e cheio de decepções e falências

§  Escute o convite de Jesus: “Avança para as águas mais profundas e lança as redes para a pesca...” O que isto significa para você hoje?

§  Como está sua sede da Palavra de Deus? Ela é suficiente para levar você a começar de novo quando nada parece promissor?

terça-feira, 3 de setembro de 2024

Deus se inclina sobre a humanidade para recolocá-la de pé

Em Jesus, Deus se inclina sobre a humanidade para recolocá-la de pé | 462 | 04.09.2024 | Lucas 4,38-44

Na cena que meditamos ontem, vimos que, com o Evangelho da misericórdia e da compaixão, Jesus cala a voz dos defensores de uma lei que discrimina e condena. Ao mesmo tempo, Jesus devolve a palavra e a autonomia às pessoas socialmente e psicologicamente anuladas. Hoje, Lucas nos mostra a continuação desse ministério da compaixão, um ministério que não reconhece os limites de lugar ou de destinatários. Jesus tinha diante dos olhos a humanidade e o mundo todo, e desconhecia nacionalismos e discriminações.

A cura da sogra de Pedro, que está acometida de forte febre, demonstra que Jesus não está preocupado com gestos espetaculares, mas com ações que possibilitam o resgate da vida das pessoas oprimidas e marginalizadas. Deus não se compraz nos espetáculos, mas na libertação das vítimas! Jesus entra numa casa de pescadores e vai ao encontro de uma mulher. A missão de Jesus é superar o mal e suas raízes. Ele se recusa a ser um simples curador.

Na casa da sogra de Pedro ocorre a manifestação silenciosa de uma Palavra que cura. Inclinando-se sobre a sogra de Pedro, Jesus se inclina sobre a humanidade oprimida e ameaça as forças que a colocam de joelho. Através desse gesto restaurador, as pessoas não reconhecidas em sua dignidade passam a contar, e se tornam servidoras da vida. É isso que acontece com a sogra de Pedro, e conosco: quem experimenta a bondade de Deus em Jesus torna-se discípulo missionário.

Jesus não é um burocrata ou doutor da lei fixado na sinagoga, mas um profeta e um mestre itinerante. Ele é movido pela convicção de que o Reino de Deus não é monopólio de meia dúzia de pessoas. Curando e anunciando o Evangelho de Deus dia e noite e onde quer que seja necessário e oportuno, no final do episódio Jesus se retira e vai ao encontro de outras pessoas noutros lugares. É para isso que se sente enviado. Essa é a vontade do Pai a respeito dele.

Essa atitude de Jesus nos convoca a ser uma comunidade eclesial sempre “em saída”, rumo às periferias, ao encontro das pessoas e suas necessidades. Não podemos ficar na simples e fácil proclamação de que Jesus é o filho de Deus, pois isso até os demônios fazem, e Jesus os cala. Precisamos estar com Jesus, aprender dele e participar da sua missão, carregando também suspeitas que se voltam contra ele.

 

Meditação:

·    Retome o episódio, acompanhando a presença de Jesus na casa de Pedro, sua ação incansável em favor do povo e sua saída para outros lugares para lá colocar sinais do Reino de Deus

·    Permita que Jesus se incline sobre você, cure suas enfermidades e faça de você um servidor da vida dos outros

·    Onde e a quem Jesus está pedindo que você sirva hoje? Que males que se hospedam em você ele ameaça e elimina com sua Palavra?

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Jesus não pede gestos de piedade

Jesus não pede gestos de piedade, mas abre novos horizontes de liberdade | 461 | 03.09.2024 | Lucas 4,31-37

Depois da estreia aparentemente malsucedida em Nazaré, Jesus deixa sua terra natal e volta a Cafarnaum, onde já havia atuado e causara forte impressão. Como pregador itinerante, ele prioriza o ensino aos sábados, nas sinagogas, que são lugares de encontro do povo que vivia nas aldeias e pequenas cidades. Na sinagoga ele crescera e aprendera, mas também testemunhara a hipocrisia dos líderes religiosos.

As sinagogas são o lugar da Palavra, um espaço controlado de modo quase absoluto pelos doutores da lei e pelos fariseus. E é ali, em dia de sábado, que Jesus realiza o primeiro sinal, ou milagre, narrado por Lucas. E é também ali, e por causa desse sinal, que Jesus começa a ser hostilizado pelos líderes religiosos, e onde ressoa pela primeira vez a pergunta: “Que palavra é essa? Quem é esse homem?”

O primeiro sinal miraculoso realizado por Jesus, que faz parte do seu ministério de emancipação e libertação das pessoas dominadas pelas forças que oprimem e escravizam, é a cura de uma pessoa dominada por um “espírito impuro”. Trata-se de uma pessoa despersonalizada, de alguém que perdeu sua identidade e é conduzida por poderes e forças misteriosas, exteriores a si mesma.

A cena narrada por Lucas deixa transparecer uma luta de mensagens ou uma disputa de espaços entre o Ungido pelo Espírito e os Doutores da Lei. No grito do homem doente o que ressoa é a percepção e a voz dos doutores da lei: “Viestes para nos destruir?” A reação do povo é a admiração diante de uma palavra eficaz e libertadora, de uma palavra que tem autoridade.

O Evangelho da misericórdia e da compaixão de Deus cala a voz dos defensores de uma lei que discrimina e condena. Jesus não vem insistir no cumprimento da lei e no pagamento das dívidas contraídas pelo pecado, mas anunciar e inaugurar um tempo de graça e compaixão. E é isso que incomoda a elite religiosa e impressiona e causa admiração e esperança no povo cansado e abatido.

Grande notícia e belo desafio para os discípulos missionários é este: experimentar, anunciar e testemunhar a boa e alentadora notícia. A resposta de fé suscitada pelo encontro com Jesus não se reduz ao culto e ao louvor, mas pede um engajamento cotidiano na tarefa de libertar os irmãos e irmãs e fazer este mundo melhor.

 

Meditação:

§  Retome pacientemente o episódio narrado por Lucas, acompanhando tudo com os olhos da imaginação

§  Sua compreensão sobre o Evangelho do Reino é essa de Jesus: uma boa notícia libertadora para todos os tipos de vítima?

§  Qual é o lugar e a força de transformação que o Evangelho, a Boa Notícia de Jesus, tem na sua vida?

§  O que o Evangelho de Jesus provoca em você: admiração e entusiasmo ou medo e inquietação?