segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Os anunciadores do Evangelho são sempre hóspedes

Os mensageiros do Evangelho são sempre hóspedes, e não podem exigir nada | 489 | 01.10.2024 | Lucas 9,51-56

O breve texto do evangelho de hoje é uma espécie de dobradiça que une as duas partes do Evangelho segundo Lucas. Ele nos diz que “estava chegando o momento de Jesus ser elevado” (na cruz) e que, percebendo isso, Jesus “tomou a firme decisão de partir para Jerusalém”. A primeira parte apresenta o anúncio do reino de Deus e a formação dos discípulos, e a segunda, o desfecho da sua missão, em Jerusalém.

Lucas usa palavras que revelam uma decisão tanto brusca quanto solene por parte de Jesus. “Subir” a Jerusalém, “ser elevado” na cruz, “descer aos infernos” e “ser elevado ao céu” são expressões que apontam para o único e mesmo projeto predominante na caminhada de Jesus. A decisão firme (“rosto retesado”) denota a percepção e consciência de Jesus sobre os conflitos e das tensões que o esperavam.

Tendo tomado esta decisão em plena consciência, e tendo que atravessar a Samaria, Jesus envia seus discípulos à frente para preparar sua passagem nas vilas e povoados. Desta vez, eles não são encarregados de anunciar nada, mas recebem a responsabilidade de organizar a hospedagem da caravana. Como havia previsto, a acolhida e a hospedagem foi rejeitada quando os samaritanos souberam que Jesus estava se dirigindo a Jerusalém. Eles eram desprezados pelos judeus, e pensaram que, por estar peregrinando a Jerusalém, ele fosse um judeu ortodoxo.

Lucas quer chamar a nossa atenção para a atitude dos discípulos, e não para a rejeição por parte dos samaritanos. A reação de Tiago e João (que haviam participado com Pedro da cena da transfiguração) é uma reedição daquela que esboçaram diante de uma pessoa que expulsava demônios em nome de Jesus, mas não os seguia. Em ambas, a atitude condenável é a intolerância.

O desejo de fazer descer fogo do céu e destruir os samaritanos, já discriminados historicamente tão desprezados pelos judeus, é uma reação ilustrativa de quem ainda não havia entendido o caminho de Jesus, e esperava dele apenas triunfo e glória. É uma visão fanática e uma atitude integrista, como está em moda de novo hoje, e não apenas no Brasil. Jesus repreende Tiago e João, e todos os que esperam dele apenas triunfo e glória. Ele não nos chamou e enviou para antecipar o castigo, mas para preparar espaços para acolhê-lo. Diante da rejeição, não cabe a violência.

 

Meditação:

§  Contemple com a razão e com o coração a cena, e perceba a firmeza estampada no semblante de Jesus

§  Observe também os sinais de intolerância e raiva chispando nos olhos de João e Tiago, e dos demais discípulos

§  Será que também nós ainda vemos e esperamos em Jesus apenas glória e triunfo, e desejamos fugir do rebaixamento e da cruz?

§  Em que medida também nós pensamos que somos enviados para julgar e punir, e não para preparar espaços para Jesus

domingo, 29 de setembro de 2024

Todas as pessoas que fazem o bem pertencem a Deus

Todas as pessoas que fazem o bem pertencem a Deus, mesmo separadas de nós | 488 | 30.09.2024 | Lucas 9,46-50

Os discípulos enfrentam uma terrível dificuldade de entender e aceitar o caminho de despojamento e compaixão pelo qual Jesus vai realizando sua missão, e que serve de critério e paradigma para a missão futura deles mesmos. Enquanto Jesus sublinha essa “opção não opcional” e se empenha em corrigir as posturas equivocadas dos discípulos, eles gastam preciosas energias discutindo quem deles é o maior.

Isso está estampado no rosto deles, e Jesus não precisa que ninguém o informe o que está acontecendo. Para Jesus, o bom, o melhor entre os humanos é o que se faz igual a todos. Para ele, todas as pessoas têm dignidade e são acolhidas por Deus, inclusive prostitutas e outras pessoas tratadas publicamente como pecadoras. Sendo assim, não haveria motivo para competições e ciúmes destruidores.

Jesus oferece esta importante lição a seus discípulos recorrendo a duas linguagens: um gesto e uma afirmação fundamental. Primeiro, chama uma criança (sujeito social insignificante e desprezado) para junto de si (lugar cobiçado por aqueles que se consideravam mais importantes). Depois, declara que ele mesmo é igual a esta criança desprezada, e afirma que aquele que faz algo de bom a ela, o faz a Jesus, pois o menor é que deve vir primeiro lugar. Para Jesus, grandes são os pequenos, e aqueles que os acolhem, defendem e se colocam a serviço deles.

Até aqui, Jesus está tratando das relações internas da comunidade, pedindo que seus discípulos e discípulas se relacionem como Jesus se relaciona com cada um deles. Mas, em seguida, Jesus passa à relação entre aqueles que o seguem e fazem parte do grupo definido de discípulos e outras pessoas que o seguem de modo diferente, mas prolongam no mundo a compaixão que ele praticou e pediu.

Como vimos em vários outros textos que já refletimos, os discípulos, com João à frente, querem proibir que pessoas que não estão com eles façam o bem em nome de Jesus. Pensam que somente eles podem agir em nome de Jesus, como vimos também ontem, no relato do evangelho de São Marcos. Mas Jesus não pensa assim, e diz um “Não!” claro e contundente à tentação do elitismo e da competição. Quem não está contra os discípulos missionários de Jesus, está a favor do reino de Deus. Todas as pessoas que agem com justiça e equidade pertencem ao Povo de Deus.

 

Meditação:

·    Como você se sente e que desejos movem você na atuação como liderança da comunidade eclesial?

·    Como você vê, trata e fala dos cristãos que pertencem a outras igrejas e pregam e agem em nome de Jesus e seu Evangelho?

·    Qual o sentido atual das afirmações “aquele que entre vocês é o menor, este é o maior” e “quem não está contra vocês, está a favor”?

·    Que iniciativas poderíamos tomar para “preparar espaços para Jesus”, mas sem afastá-lo do caminho que o leva à Cruz?

sábado, 28 de setembro de 2024

Cremos de fato que quem não está contra nós está a nosso favor?

Cremos de fato que quem não está contra nós está a nosso favor? | 487 | 29.09.2024 | Marcos 9,38-48

O trecho do evangelho de hoje aborda a questão da inveja e da competição, atitudes que estão na raiz do sectarismo. É paradoxal que os mesmos discípulos que resistem em seguir Jesus pelas vias da compaixão e não conseguem expulsar um espírito mau que amordaça um jovem (cf. Mc 9,14-29) queiram proibir que outros o façam. Parece que eles querem manter o monopólio do exorcismo, e desejam que todos sigam a eles, os “discípulos oficiais”, e não o próprio Jesus.

A resposta de Jesus é um contundente chamado à abertura e à colaboração ecumênica: “Não lhe proíbam, pois ninguém faz um milagre em meu nome e depois pode falar mal de mim. Quem não está contra nós, está a nosso favor”. Quem tem um coração grande, um olhar abrangente e uma fé confiante não pode imaginar-se cercado de concorrentes por todos os lados. Só uma mente imatura pode se mostrar incapaz de reconhecer o bem que outros fazem e alimentar o desejo de que todos peçam sua aprovação para tomar qualquer iniciativa.

Por que esta incapacidade que muitos temos de respeitar, valorizar e cooperar com as demais Igrejas cristãs? Será que aquilo que temos em comum não é mais importante que as picuinhas que nos diferenciam? Se elas estão a favor do Evangelho e de Jesus Cristo, poderiam estar contra nós? Projetos que nascem sem as bênçãos eclesiásticas podem trazer a marca do Espírito de Deus e realizar um grande bem à humanidade. Há 60 anos o Vaticano II nos ensina que o Espírito de Deus dirige a história e é a fonte dos humanos anseios de solidariedade.

Jesus enfrenta corajosamente este e outros problemas, vividos pelas comunidades cristãs de ontem e de hoje. Sob a pressão da perseguição, alguns cristãos abandonavam o Evangelho, o que era uma pedra de tropeço que afastava muitos outros ‘pequeninos’. O corpo eclesial tem membros que escandalizavam os outros. E a proposta de Jesus é vigilância e firmeza. É melhor ser uma comunidade pequena e coerente que uma multidão, cheia de contradições. A comunidade eclesial não pode limitar ou perder sua missão de ser sal, de fazer a diferença. As traições e incoerências precisam ser evitadas, cortadas e queimadas.

 

Meditação:

·        Retome, com toda a atenção possível, este ensino de Jesus, especialmente a insistência em não ser pedra de tropeço para os pequenos

·        Será que nós também não ficamos irritados com o bem que gente sem religião ou de outra Igreja faz pelas pessoas?

·        Quais são as “pedras de tropeço” ou incoerências nossas que tornam ainda mais difícil e vida e a luta dos pobres e humildes?

·        O que você acha das imagens fortes (arrancar o olho, cortar o pé, cortar a mão, amarrar uma pedra no pescoço) que Jesus usa para sublinhar a gravidade dos projetos e ações que dificultam a vida dos pequenos?

O Evangelho dominical (Pagola) - 29.09.2024

ELES SÃO DOS NOSSOS!

O evangelista Marcos descreve um episódio em que Jesus corrige de forma contundente uma atitude equivocada dos Doze. Não deveremos ouvir também hoje a sua advertência?

Os Doze procuram impedir a atividade de um homem que expulsa demônios, ou seja, alguém dedicado a libertar as pessoas do mal que as escraviza, devolvendo-lhes a sua liberdade e a dignidade. É um homem preocupado em fazer o bem às pessoas. Inclusive atua «em nome de Jesus». Mas os Doze observam algo que, na opinião deles, é muito grave: «Não é um dos nossos».

Os Doze não toleram a atividade libertadora de alguém que não está com eles. Parece-lhes inadmissível. Pensam que somente através da adesão ao seu grupo se pode levar a cabo a salvação que oferece Jesus. Não se fixam no bem que faz aquele homem. Só se preocupam que não esteja com eles.

Jesus, pelo contrário, reprova de forma rotunda a atitude dos seus discípulos. Quem desenvolve uma atividade humanizadora já está, de alguma forma, vinculado a Jesus e ao seu projeto de salvação. Os seus seguidores não precisam nem podem monopolizar a salvação de Deus.

Os Doze querem exercer controle sobre a atividade de alguém que não pertence ao seu grupo, porque vêm nele um rival. Jesus, que só procura o bem do ser humano, vê nele um aliado e um amigo: «Quem não está contra nós é por nós».

A crise que sofre hoje a Igreja é uma oportunidade para os seguidores de Jesus recordarem que a nossa primeira tarefa não é organizar e desenvolver com sucesso a nossa própria religião, mas ser o fermento de uma humanidade nova.

Por isso não devemos viver com receios, condenando posições ou iniciativas que não se ajustam aos nossos desejos ou esquemas religiosos. Não é muito típico da Igreja de Jesus estar sempre a ver inimigos em toda a parte. Pelo contrário, Jesus convida-nos a alegrar-nos de pessoas e instituições fora da Igreja possam estar a fazer para um desenvolvimento mais humano da vida. São dos nossos porque lutam pela mesma causa: um ser humano mais digno da sua condição de filho de Deus.

José Antônio Pagola

Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Compreendemos realmente o que significa a cruz de jesus?

Será que realmente compreendemos o que significa a cruz de jesus? | 486 | 28.09.2024 | Lucas 9,43-45

Depois do diálogo formativo e revelador de Jesus com seus discípulos (9,18-22), cena que é proposta para a festa de São Miguel, Lucas descreve a cena da transfiguração de Jesus e relata a cura de uma criança epilética (cf. 9,23-42), também este omitido porque é indicado para a solenidade da transfiguração. Nos três versículos propostos pela liturgia para hoje, Jesus volta a falar aos discípulos sobre seu destino como messias. É esta a cena e a palavra que meditamos hoje.

Como já vimos anteriormente, quando o povo manifesta um certo consenso sobre sua identidade profética, Jesus faz questão de insistir no caminho da paixão na cruz, manifestando sua certeza nada ingênua sobre seu futuro. Como os discípulos nada percebem e têm dificuldades de entender, Jesus pede que eles “coloquem na cabeça” este seu anúncio. Ele está, sim, na linha dos profetas, mas a sua profecia não é exatamente a mesma dos seus antecessores.

Jesus quer estimular nos seus discípulos e discípulas a coragem frente às hostilidades que ele e seus seguidores seguramente enfrentariam, mas aqueles que o seguem mais de perto continuam obcecados e iludidos com um messianismo político e poderoso, e não conseguem entender nem aceitar o que Jesus lhes diz, especialmente as consequências. Não há seguimento sem enfrentamento das dificuldades, não há fidelidade ao Evangelho sem discernimento das exigências das circunstâncias!

Com esse anúncio, e com a sua insistência num messianismo de compaixão e despojamento, Jesus quer “jogar um balde de água fria” no fogo do entusiasmo popular e nas aspirações desencontradas e descontroladas dos seus próprios discípulos. Ele baixa a ideia de um messias glorioso para a um messias despojado, compassivo e contra a miséria. Os discípulos e discípulas não entendem e têm medo de perguntar porque resistem a este caminho escolhido por Jesus, que seria também o caminho deles. A dificuldade deles não é intelectual, mas espiritual.

Não se trata apenas de uma dificuldade para entender, mas de uma resistência para aceitar. Essa dificuldade é claramente ressaltada por Lucas nestes versículos. A ambição de sucesso e de prosperidade deixa seus discípulos cegos e acorrentados. Quando, ao se referir a si mesmo, Jesus troca o substantivo “messias” por “filho do homem” não pretende outra coisa que desfazer essa ilusão que alimentam sobre ele, e preveni-los em relação ao que os esperaria no futuro. Será que nós, que seguimos Jesus em pleno século XXI, assimilamos sua lição?

 

Meditação:

§  Retome a cena e as orientações de Jesus no evangelho de hoje

§  Deixe-se surpreender pelo encontro com Jesus e com seu ensino e sabedoria, abandonando as expectativas de coisas grandes

§  Como você acolhe o caminho de despojamento solidário em favor da humanidade que Jesus viveu e nos propõe?

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Quais são as expectativas que nos levam a anunciar Jesus Cristo?

Quais são as expectativas que nos levam a anunciar Jesus Cristo? | 485 | 27.09.2024 | Lucas 9,18-22

Ontem meditamos sobre o trecho do evangelho no qual Lucas nos apresenta as perguntas e hipóteses que Herodes levantava sobre a identidade e a missão de Jesus. Perseguido pelo medo de enfrentar um concorrente, e de represálias por ter assassinado João Batista, o pequeno e impotente e violento rei da Galileia desejava ver Jesus por pura curiosidade, sem nenhuma vontade de levá-lo a sério.

Depois da multiplicação dos pães para os famintos, o próprio Jesus dá voz à pergunta sobre quem ele é, pedindo que seus discípulos o coloquem a par das opiniões que circulam entre o povo, e isso não porque estivesse preocupado com uma possível baixa do seu índice de popularidade. As opiniões convergem para sua identidade profética, de que ele é algum profeta importante que voltou à vida. Mas, pelo testemunho dos evangelistas, já sabemos que ele é maior e mais que os profetas.

Jesus espera dos seus discípulos uma resposta nova, pessoal, envolvente. Tomando a palavra em nome dos demais, Pedro embarca na ideia de que a chegada do messias esperado seria precedida pelo retorno do profeta Elias, e declara que Jesus é o messias/ungido de Deus. Sua resposta é formalmente correta, mas Jesus proíbe que isso seja anunciado ao povo, pois sente necessidade de corrigir e esclarecer o que significa reconhecer e proclamar que ele é o Messias (pois temos outros messias, inclusive um assentado na cadeira presidencial!).

Para evitar mal-entendidos, Jesus evita falar de si mesmo como “Messias”, r prefere autodenominar-se “Filho do Homem”. Com isso, sublinha várias coisas: sua consciência da necessidade de enfrentar a violência e passar pela cruz; que a fidelidade e a coerência com a vontade do Pai desembocam na perseguição; que isso tudo faz parte do plano de Deus, mas não é uma espécie de suicídio premeditado; que o mistério de Deus e da salvação está profundamente imbricado na condição humana; que Deus mostra sua força na fragilidade, na pobreza e no despojamento.

Para Jesus, a vontade do Pai é absolutamente soberana, e não passa necessariamente pela religião e seus espaços e agentes, tanto que faz questão de ressaltar que é nas mãos deles que irá sofrer. Isso pede obviamente uma revisão da nossa ideia de Deus e uma crítica avaliação das práticas das Igrejas e seus agentes. Será que o querer de Deus é a multiplicação de dízimos, orações e cultos?

 

Meditação:

·    Retome a cena, as palavras e as orientações de Jesus no evangelho de hoje

·    Deixe-se surpreender pelo encontro vivo com Jesus e com seu Evangelho (seu exercício diário de Leitura Orante!)

·    Procure superar a expectativa de que em Jesus seremos beneficiados por eventos grandiosos e miraculosos

·    Contemple a compaixão e a presença ativa de Jesus junto do povo, inclusive na perseguição e na morte na cruz

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Para conhecer Jesus é preciso tornar-se seu discípulo

Para conhecer Jesus é preciso tornar-se seu discípulo | 484 | 26.09.2024 | Lucas 9,7-9

Pelo que ele mesmo fazia e falava, ou pelo anúncio dos seus enviados, Jesus acabou despertando a atenção de Herodes, um “reizinho” arbitrário e violento, que não respeita ninguém, nem seu próprio irmão de sangue. Ele deseja conhecer Jesus, mas como um expectador cético, como um curioso que deseja ver uma exibição particular de milagres. Afinal, ele é rei, e faz merecer!

Herodes fica intrigado com a pregação e a missão de Jesus. Seu desejo de vê-lo não nasce da busca da vontade de Deus e do propósito de percorrer o caminho de um bom governo. Ele não sabe, ou não quer saber, que só o conhece de verdade quem o segue, quem acolhe o anúncio do Reino de Deus e entra num caminho de conversão. Acabará se encontrando com Jesus mais tarde, na farsa do seu processo de condenação e morte, d qual ele é um dos protagonistas.

Herodes se questiona sobre a identidade de Jesus. Levanta hipóteses, e, nisso, é acompanhado pelo povo. Mas enquanto o seu povo tenta interpretar Jesus no horizonte da prática profética, que conhece muito bem, Herodes, atordoado pela própria violência e pelos fantasmas do medo que dela nascem, imagina que Jesus é a reencarnação do profeta João Batista, que ele mandara matar. E teme perder para ele o poder que pensa ter, e que persegue tenazmente.

Tanto a mentalidade religiosa popular como as elucubrações de Herodes não levam em conta que Jesus, embora se pareça com os profetas de Israel, não cabe nos modelos proféticos antigos, pois é diferente maior que todos os profetas conhecidos. Por isso, a resposta madura e honesta à pergunta pela identidade de Jesus só será esclarecida e brilhará no seguimento dos seus passos, até à sua morte. Quem perseverar até o fim conhecerá Jesus, e nele será libertado dos enganos e dominações.

Os discípulos farão este caminho de crescimento e amadurecimento da fé. Mas Herodes, mesmo se encontrando com Jesus como parte interessada do processo que o condenou à morte, e mesmo tendo oportunidade de fazer diversas perguntas a ele, (cf. Lc 23,8-12), não o conheceu de fato. Ele só desejava ver um milagre e se divertir. Por isso, quando encontrou Jesus, tratou-o com desprezo, caçoou dele e se aliou à hipocrisia violenta e mortal de Pilatos.

 

Meditação:

·    Retome a cena e as orientações de Jesus, ativando seu desejo sincero de encontrar Jesus e compreender sua Palavra

·    Deixe-se surpreender pelo encontro vivo com Jesus e seu Evangelho, abandonando a busca de eventos grandiosos e miraculosos

·    Que perguntas você se faz sobre Jesus, e em que grupo de personagens você o coloca? O que você diz dele?

·    O que precisamos melhorar na escuta e na leitura da Palavra de Deus para que não nos seja tirado o que pensamos saber?

Jesus nos ama, nos chama e nos envia como testemunhas do seu Reino

Jesus nos ama, nos chama e nos envia como testemunhas do seu Reino | 483 | 25.09.2024 | Lucas 9,1-6

Hoje somos convidados a meditar o episódio do envio missionário do “grupo dos doze”. Estamos diante da crônica de uma nomeação solene, onde cada nome é citado com ênfase. Isso acontece pouco antes de Jesus iniciar sua peregrinação a Jerusalém, e sabemos que, entre o chamado (cf. 5,1-12) e o envio dos discípulos, Jesus se dedica à formação diligente daqueles que doravante o precederiam e u representariam.

Lucas não nos apresenta propriamente o conteúdo doutrinal da missão, nem uma descrição pormenorizada de atividades, mas nos oferece uma espécie de “estatuto da missão” e descreve o estilo de vida daqueles que Jesus envia à sua frente. O foco da missão é claramente pressuposto: o anúncio do Reino de Deus, mostrando através de ações e sinais (curas e exorcismos) que Deus chega para libertar de todas as escravidões. Jesus envia seus escolhidos para fazer o mesmo que ele faz, e é ele o responsável por essa iniciativa.

Quanto ao estilo de vida dos missionários, Jesus enfatiza alguns poucos elementos: eles devem ir a todo canto, fronteira ou periferia, sem demora e sem exclusões ou omissões; não devem levar nada em termos de apoio poderoso e ostensivo, e confiar plenamente na hospitalidade dos interlocutores; eles não devem esperar sucesso ou reconhecimento pela missão realizada; precisam contar com a incompreensão e a rejeição; por fim, precisam manter-se desapegado e livre de tudo.

Sem prometer facilidades nem prosperidade a quem é enviado em seu nome, Jesus assegura, entretanto, a mesma força e o mesmo dinamismo que sustenta ele mesmo na missão que Pai lhe confiou. Lucas chama este dinamismo de poder e autoridade. Mas se trata de força e autoridade que brotam da fidelidade e da coerência de vida, e têm como finalidade anunciar o Evangelho do Reino de Deus, acolher, curar e libertar com eficácia, como faz o próprio. Não é da espécie de poder ou autoridade para mandar ou dominar ninguém!

O despojamento que Jesus pede dos seus enviados não significa desprezo pelos bens materiais ou recursos culturais e tecnológicos, mas reforça a necessidade de focalizar tudo no anúncio e no testemunho das novas relações suscitadas pelo reino de Deus. Jesus também deixa claro que não nos envia para multiplicar louvores e invocações, para simplesmente purificar o coração, nem para ensinar doutrinas e impor uma certa moral. No início, na meta e na prática da missão estão o anúncio de um novo tempo, e essa nova era chamada Reino de Deus, é antecipada pelo testemunho.

 

Meditação:

§   Coloque sua experiência de vida eclesial e social, aquilo que você faz, sob a luz desse envio de Jesus

§   Em que consiste sua prática missionária? Qual é o conteúdo e quais são os gestos? Eles traduzem uma boa notícia aos pobres e sofredores?

§   Como está sua confiança na hospitalidade daqueles/as a quem você é enviado em missão?


segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Somos a família de Jesus mediante a prática do seu Evangelho

Somos a família de Jesus mediante a prática do seu Evangelho | 481 | 23.09.2024 | Lucas 8,19-21

Como já percebemos, os três versículos de hoje estão inseridos numa seção literária maior, na qual Jesus sublinha a importância de ouvir corretamente seu Evangelho. Em outros textos, ele sublinha que escutar a Palavra de Deus implica em guardá-la, praticá-la, fazê-la frutificar na vida (cf. 6,46-49; 11,27-28).  Esta palavra de Deus compreende o conjunto do antigo testamento, assim como a vida e o ensinamento de Jesus. Neste sentido, Maria já fora apresentada pelo evangelista como a ouvinte e servidora exemplar da Palavra de Deus.

No breve texto de hoje, Lucas nos informa que Jesus está ensinando seus discípulos e o povo, e que sua mãe e seus irmãos aproximam, mas não podem chegar perto dele por causa da multidão. Podemos imaginar que também eles, especialmente a mãe, querem ouvi-lo e aprender como acolher a novidade revolucionária do Reino de Deus. Então, um mensageiro avisou Jesus da chegada dos seus familiares.

“Tua mãe e teus irmãos estão aí fora e querem te ver”, diz o mensageiro a Jesus. Sem ressentimento em relação a ninguém, e mostrando profundo apreço àqueles que o escutam sequiosos, Jesus dá uma resposta um pouco estranha, com aparência de desprezo à sua própria mãe. Ele afirma claramente que seus irmãos e sua mãe são as pessoas que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática. É a escuta e a prática do Evangelho do Reino que cria e sustenta a relação com ele.

Os discípulos são sua grande e nova família, e a escuta e a prática da Palavra de Deus é o dinamismo que a congrega. Para Jesus, as exigências dessa Palavra são claras: relacionamento fraterno e igualitário; perdão recíproco; prioridade aos pequenos; superação dos estreitos laços de sangue, de nação e de etnia. Não é possível ser discípulo e ignorar ou menosprezar estes imperativos.

Jesus não se deixa prender por laços de sangue, nem cai na tentação de formar guetos ou seitas fechadas. Ele vem iniciar uma relação profunda e total nas relações humanas, sociais, espirituais e políticas, e nem as relações familiares ficam de fora. Também a família deve entrar na lógica do reino de Deus. É claro que podemos imaginar, sem perder o foco, que Maria e os parentes que a cercam se agregarão, pouco a pouco, ao círculo daqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática”. Mas, não esqueçamos: os laços de sangue não estão acima do vínculo de fé.

 

Meditação:

§  Retome a breve cena oferecida por Lucas, procurando interagir com os personagens: a mãe e os irmãos de Jesus; o mensageiro; a atitude e a palavra de Jesus; o olhar atento e agradecido dos/as discípulos/as que o circundam

§  Como você vive concretamente a relação entre os vínculos familiares e os vínculos com Jesus e com a comunidade?

§  Como está a escuta e a prática – sua, da sua família e da sua comunidade – da Palavra de Deus, especialmente neste mês?