No
horizonte das relações humanas, dar atenção à palavra significa valorizar a pessoa
que fala. Mais importante que a palavra e o conteúdo é sempre a pessoa que
fala. Assim também em relação à Palavra de Deus: a atenção à Palavra de Deus
está a serviço da nossa relação com ele. Quando separamos a Palavra e Deus
corremos o risco de reduzir a primeira a um discurso vazio, frio e estéril. E
então a Palavra, que é viva e libertadora, pode se tornar doutrina pesada e
letra que mata. Como nos recorda o salmista, a Palavra torna sábias as pessoas
simples (cf. Sl 119/118,130).
O
Concílio Vaticano II ensina que Deus fala depois de ouvir, que ele se revela
dialogando, como amigo que se entretém conosco e nos convida a participar de
sua intimidade. A palavra dialogal é sempre uma proposta que espera resposta. É
um convite que espera ressonância. Mesmo quando se apresenta como ordem, a Palavra
conta com a livre decisão do interlocutor. Uma palavra imperativa, que vem de
cima e sabe somente dar ordens, que não se interessa com a resposta, que
desconhece os tempos indicativo e subjuntivo, tem jeito de imposição,
infantiliza e não constrói pessoas livres.
Jesus
Cristo, a Palavra de Deus feita carne e história, é convite e apelo que traz a
força dAquele que a pronuncia. Este convite tem autoridade e mobiliza porque
vem de Alguém que se faz um de nós, se torna igual a nós em tudo, assume e
pronuncia a palavra do simples ser humano, com seus sonhos e necessidades. “Vai
trabalhar hoje na minha vinha...” Jesus é palavra que convoca à ação, a assumir
a responsabilidade pela nossa própria emancipação, a assumir nossa
responsabilidade no mundo e na história. E
ele espera uma resposta que não seja apenas aparente e formal.
A crítica
de Jesus aos fariseus, sacerdotes e doutores da lei é paradigmática, e nos
coloca de sobreaviso. Aqueles que se sentem orgulhosamente os primeiros
ouvintes e exemplares praticantes da Palavra de Deus na verdade são como filhos
que dizem sim à ordem do pai mas se
recusam a fazer o que ele pede. Creio que nós não estamos livres dessa
tentação. Corremos o risco de ficar na superfície, na aparência. Não faltam
homens e mulheres de igreja que estudam cientificamente a Palavra de Deus,
conhecem o contexto e o texto, mas não conseguem passar do cérebro ao coração e
às mãos...
E há
outros que dizem não à Palavra de
Deus, mas só aparentemente: alguns não frequentam muito assiduamente as
celebrações; outros se opõem abertamente à Igreja e às religiões; muitos
amargam experiências de pobreza, marginalização e exclusão... Mas tantos deles
se empenham de corpo e alma na tarefa de humanizar o que lhes sobra de vida e
de evitar que o mundo se corrompa ainda mais. Começam pelo círculo de pessoas
que se congregam na família e militam em associações, movimentos, sindicatos e organizações
solidárias. O não inicial e público
deles se revela um sim prático e
anônimo.
Mas há outras
tantas pessoas que sequer conseguem crer em si mesmas. Não se consideram
merecedoras de nada e parecem ser uma negação absoluta de tudo o que possa ser
bom e desejável. São como as prostitutas e os publicanos do tempo de Jesus. A
elas é o próprio Deus que diz um sim
claro e retumbante: sim à sua
dignidade, sim à sua inclusão, sim ao seu desejo de uma vida mínima. Jesus
Cristo é o sim de Deus às aspirações
profundas da humanidade, especialmente das diversas categorias de oprimidos! Essas
pessoas são acolhidas na primeira classe do Reino!
Em Jesus
de Nazaré, Deus se faz avalista dos sonhos de dignidade, igualdade e liberdade
que nos habitam. Mas ele é também um sim
ao Pai, e isso se expressa no esvaziamento de toda superioridade prepotente, na
eliminação de todo distanciamente prudente, no movimento de fazer-se próximo e
ocupar um lugar ao lado dos últimos. Este esvaziamento não é uma ascese
vazia que despreza a vida, mas um movimento de aproximação daquilo que é
humano, de amor ativo e solidário, de verdadeira humanização. E Paulo hoje Paulo
nos convida a assumir esta postura, este sentimento de Jesus...
Deus pai e mãe, através do teu filho e
nosso irmão Jesus continuas dirigindo-nos tua palavra-convocação. Às vezes este
palavra-convite nos desconcerta e inquieta. Teu filho parece exagerar quando
afirma que as pessoas tratadas como pecadoras precedem as ‘pessoas de bem’ no
teu Reino. Isso não nos parece justo. Que Ezequiel nos ensine que errados
estamos nós, e não tu. Que os santos e santas, e a nuvem de testemunhas de
ontem e de hoje, nos convençam de que a Justiça do Reino é um caminho possível,
pois eles o percorreram. Que eles intercedam por nós e por toda a Igreja. Assim
seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
(Profeta
Ezequiel 18,25-28 * Salmo 24 (25) * Carta aos Filipenses 2,1-11 * Mateus
21,28-32)