Não vamos
falar aqui de Pedro Álvares Cabral, muito embora a origem das escrituras de
imóveis privados sobre áreas públicas esteja nas capitanias hereditárias dos
portugueses. Já faz muito tempo e ninguém mais se interessa pelo assunto.
O que
gera furor é quando os sem-teto descamisados ocupam áreas ou edifícios ociosos
para poderem ali morar. É um ataque ao direito e à lei. Onde já se viu, invadir
o que é dos outros? Forma-se então uma “Santa Aliança” entre promotores, o
Judiciário e políticos de plantão em defesa do Direito à Propriedade.
“Invadiu,
tem que ‘desinvadir’!”, disse certa vez o governador de São Paulo para delírio
da elite paulista.
Pois bem,
é preciso ser coerente. Invadiu, tem que “desinvadir”? Vamos lá. Apenas na
cidade de São Paulo, as áreas públicas invadidas ou com concessão de uso
irregular para a iniciativa privada representam mais de R$600 milhões de
prejuízo anual para o poder público. A CPI das áreas públicas de 2001 mostrou
que as 40 maiores invasões privadas representavam na época 731 mil m² de área.
E quem
são os invasores?
Comecemos
pelo setor de divertimentos. Os clubes Pinheiros, Ipê, Espéria, Paineiras do
Morumby e Alto de Pinheiros estão total ou parcialmente em áreas públicas e com
cessão de uso irregular. Invadiu, tem que “desinvadir”! Cadê a bomba de gás na piscina
do Morumbi?
Ah sim,
isso sem falar no Clube Círculo Militar de São Paulo e no Clube dos Oficiais da
Polícia Militar. E aí, quem topa despejar?
E os
shoppings então… Os shoppings Continental, Eldorado e Center Norte invadiram
expressamente áreas públicas, especialmente em suas zonas de estacionamento. No
caso do Center Norte, o abuso é gritante. A invasão foi legitimada pelo
Judiciário, o que segundo o Relatório da CPI configurou uma “decisão inusitada,
inédita e revestida de ilegalidades que prejudicam o Município”.
Ué, o
Judiciário legitimou invasão?! Cadê o direito à propriedade? No caso, ainda
mais grave, trata-se de propriedade pública.
Compreensível,
na medida em que a Associação Paulista dos Magistrados (Apamagis) está sediada
numa área pública, com irregularidades na cessão de uso, no bairro nobre do
Ibirapuera. E aí, não vai ter bala de borracha nos ilustríssimos juízes?
Querem
mais? As agências do Bradesco na praça Panamericana e no Butantã invadiram
áreas públicas em seus empreendimentos. O mercado Pão de Açucar, na mesma praça
Panamericana, e o Extra da Avenida Jucelino Kubitschek fizeram o mesmo. Assim
como as faculdades privadas Unisa e Unip Anchieta.
Por sua
vez, o Itaú Seguros e a Colgate-Palmolive foram denunciados pela CPI de 2001
por concessão de uso irregular de áreas públicas.
Outro
caso escandaloso é o da Casa de Cultura de Israel, ao lado do metrô Sumaré. Não
satisfeitos em invadir o território palestino, os israelenses resolveram também
tomar área pública em São Paulo. Tiveram concessão de uso de área pública e não
cumpriram com termos e prazos.
E aí,
Governador: Invadiu, tem que “desinvadir”! Cadê a tropa de choque para despejar
essa turma toda?
E ao
Judiciário paulista – tão rápido em conceder liminar de reintegração de posse
contra as ocupações de sem-teto – pergunta-se: onde está o mandado contra os
clubes, os shoppings e os bancos?
Neste
momento, há mais de 25 ordens de despejo contra ocupações de sem-teto só no
centro de São Paulo. Nas periferias são outras tantas. Várias foram cumpridas
nas últimas semanas, normalmente com truculência policial, como a da Rua
Aurora, quando o advogado Benedito Barbosa da Central de Movimentos Populares
foi agredido e preso abusivamente.
Também
neste momento mais de 8 mil famílias sem-teto, de ocupações da região do
Isidoro, em Belo Horizonte, estão à beira de serem jogadas violentamente na
rua. A PM mineira está preparando uma operação de guerra, que poder vir a ter
consequências trágicas nos próximos dias.
E então?
Querem defender o direito à propriedade acima do direito à vida? Defendam, mas
sejam ao menos coerentes. Despejem primeiro os bancos, mercados, shoppings e
clubes em áreas públicas para depois virem falar da legitimidade de despejar
trabalhadores sem-teto.
Guilherme Boulos
http://outraspalavras.net/destaques/quem-sao-mesmo-os-invasores/
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