sábado, 29 de setembro de 2012

Uma destruição massiva: a geopolítica da fome (6)


O Papa João Paulo II ensina que a promoção dos Direitos Humanos é um dos novos âmbitos da missio ad gentes (cf. Redemptoris Missio, 37). A ONU incluiu o direito à alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É nessa perspectiva que publico aqui uma série de breves textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008. O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora Seuil (Paris).

A fome torna a paz social impossível.

Foi o brasileiro e nordestino Josué de Castro quem desmascarou a ideologia malthusiana e a má consciência da elite ocidental. Ele demosntrou de modo irrefutável que a fome não é causada pelo aumento da população mas pelo desigual acesso aos bens, especialmente pela posse da terra. Seu pensamento pode ser resumido numa frase: “Quem tem dinheiro come, quem não tem morre de fome ou se torna inválido.”

É sábio o provérbio popular: “A mesa do pobre é magra, mas o leito da miséria é fecundo”. Os pobres multiplicam o número de filhos movidos pela angústia em relação ao futuro, na esperança de que estes garantam a sobrevivência dos pais. Josué de Castro constatava indignado: “A metade dos brasileiros não dorme porque tem fome; a outra metade também não dorme porque tem medo dos que têm fome.” Ele sabia que poucos fenômenos influem sobre o comportamento político dos povos como a questão da alimentação e a trágica necessidade de comer.

O fim da longa noite do nazismo possibilitou o florescimento e amadurecimento de uma convicção que, mais tarde, viria a se impor sobre os povos e seus dirigentes: a fome não é uma fatalidade, e a sua erradicação é uma responsabilidade irrenunciável do ser humano. O inimigo pode ser vencido e, para tanto, basta colocar em ação um conjunto de medidas concretas e coletivas que tornem efetivo e exigível o direito à alimentação.

No dia 10 de dezembro de 1948, 64 Estados membros da ONU aprovaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esta Declaração assegura, no seu artigo 25, o direito à alimentação. “Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação...” A exigibilidade deste direito foi assegurada por dois pactos, assinados pela ONU em 1966.

“A consciência da identidade (e da igualdade ética) de todos os seres humanos é o fundamento do direito à alimentação. Nenhuma pessoa em sã consciência pode tolerar a destruição de seu semlehante pela fome sem que isso coloque em perigo sua própria humanidade, sua identidade” (p. 110).

“A fome torna impossível a construção de uma sociedade pacificada. Num estado no qual uma parte importante da população vive assombrada pela angústia sobre o amanhã, só a repressão pode assegurar a tranquilidade social. A instituição do latifúndio encarna a violência. A fome socialmente provocada é um estado de guerra permanente e capilar” (p. 118-119).

Tendo participado da fundação da FAO (organismo da ONU para a alimentação e a agricultura) e tendo sido membro do se Conselho Consultivo Permanente de 1952 a 1955, Josué de Castro tinha clara consciência da influência determinante dos trustes agroalimentares sobre muitos governos nacionais. Ele estava persuadido de que a maioria dos governantes, cobertos de medalhas, prêmios e condecorações, jamais fariam algo de decisivo contra a fome. (p. 109-124).

Datas & Memórias


Receita para tranquilizar os/as leitores/as

Ontem era o dia internacional consagrado ao direito humano à informação.
Talvez seja oportuno recordar que, um mês e pouco depois que as bombas atômicas aniquilaram Hiroshima e Nagasaki, o jornal The New York Times desmentiu os rumores que esyavam assustanto o mundo.

No dia 12 de setembro de 1945, esse jornal publicou, na primeira página, um artigo assinado pelo seu redator de temas científicos, William L. Laurence. O artigo batia de frente nas ‘versões alarmistas’ e assegurava que não havia radiação alguma nessas cidades arrasadas, e que a tal radioatividade não passava de ‘uma mentira da propaganda japonesa’.

Graças a essa revelação, Laurence ganhou o prêmio Pulitzer.

Tempos depois, soube-se que ele recebia dois salários mensais: o The New York Times pagava um, e o outro corria por conta do orçamento militar dos Estados Unidos.
(Eduardo Galeano, Os filhos dos dias, L&PM Editores, Porto Alegre, 2012, p. 308)

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

28 de setembro!


Como em Nazaré da Galiléia
A primavera se despedia e o outono apenas se mostrava com seu caráter melancólico e seu convite a aprofundar as raízes e encontrar forças para enfretar as agruras do inverno dos países nórdicos. Com uma pequena mala na qual trazia todos os seus pertences, um grande sonho na mente e um coração repleto de confiança o Pe. Berthier chegava a Grave no dia 27 de setembro de 1895. No dia seguinte, no berço do anonimato e da pobreza, da fé e da ousadia, começava nossa história de Missionários da Sagrada Família.
Voltemos a Grave para reaprender as lições da nossa origem. E a primeira lição é a confiança absoluta em Deus. Berthier começou sozinho, com 55 anos de idade e uma saúde historicamente frágil, com poucos recursos econômicos e sem um apoio claro por parte da autoridade eclesial. Como a maioria dos fundadores, ele acolheu a inspiração divina e confiou na sua Providência. Confiou como se tudo dependesse de Deus e trabalhou como se tudo dependesse de si mesmo. A confiança na bondade e na graça providencial de Deus é o chão fecundo no qual crescem as iniciativas duradouras.
A segunda lição é a pobreza e o trabalho. Em Grave encontramos simplicidade, despojamento e trabalho duro e dedicado, como em Nazaré. Deixemos que o próprio Berthier nos fale: “Aqui em Grave tudo está longe de um bom estado, mas nós colocamos a obra sob a proteção da Sagrada Família, e ela jamais habitou em palácios em Belém, no Egito ou em Nazaré.” E mais: “Nossa casa é pobre... Nossa capela e nossa sacristia são pobres. As mesas de estudo e do refeitório são de madeira, feitas pelos próprios seminaristas.”
Uma terceira lição que aprendemos em Grave é a bondade. O trabalho era muito duro e as condições precárias da casa assustavam, mas Grave tinha um coração. A bondade paterna e a proximidade amiga do Pe. Berthier faziam esquecer ou superar todas as dificuldades e manter o sonho missionário. Berthier era ao mesmo tempo pai, irmão, amigo, guia e pastor, mas seu coração de pai iluminava tudo o mais.
Uma outra importante lição que aprendemos em Grave é a fraternidade. Desde o início as portas abertas daquele velho quartel transformado em centro de formação missionária acolheu jovens alemães, franceses, holandeses, poloneses, suiços e até norte-americanos. As diferenças de cultura e de língua não impediam a concórdia e o entendimento. O próprio Fundador testemunha: “Cada um que chega recebe o abraço fraterno de todos. Alguns são designados para lhes informar sobre os costumes da casa e o fazem de bom coração, de modo que o novo membro logo se sente integrado na família. Todos vivem como irmãos.”
Uma última lição que Grave nos ensina é a formação do espírito missionário. Aqueles primeiros jovens que acolheram o convite do Pe. Berthier desejavam colaborar na vida missionária da Igreja. Enfrentaram os estudos e trabalhos em vista de se tornarem missionários santos e capazes, humildes e despojados, inspirados na Sagrada Família de Nazaré. Escutemos novamente o que nos diz o Fundador: “Esses jovens são acolhidos desde que sejam inteligentes e piedosos e queiram se dedicar definitivamente à obra e se empenhar no seu desenvolvimento, formando aqueles que virão depois deles e, quando chegar o momento, dedicando-se às missões. Nosso primeiro objetivo é formar missionários.”
Na passagem do aniversário do nosso nascimento como Congregação façamos uma viagem espiritual a Grave e, por um instante, coloquemo-nos como alunos sedentos dessas lições que valem uma vida. Sentemos ao lado do Pe. Berthier e seus discípulos. Provemos do seu coração de pai e da amizade daqueles jovens sonhadores. Participemos dos trabalhos para melhorar a casa e preparar as refeições. Enriqueçamo-nos com sua simplicidade e pobreza. Cresçamos no ardor missionário. E não esqueçamos as palavras do Fundador: “Na Sagrada Família reinam a piedade, o trabalho, o amor mútuo, e é nessas virtudes que nós procuramos exercitar nossos jovens.”
Pe. Itacir Brassiani msf
(Todas as citações são extraídas da brochura L'Oeuvre de la Sainte Famille pour les vocations apostoliques tardives, escrita pelo Pe. Berthier)

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Testemunho missionário


 “Nunca seremos os/as mesmos/as depois de transitar pelas fronteiras...”
Queridas Irmãs e Irmãos na itinerância do Reino,
Escrevemos esta partilha com o coração pulsando de alegria, gratidão e, sobretudo, com os apelos  que Deus  nos tem feito e  sempre  seguirá fazendo. Nosso  ‘tapiri’ está  derramando de notícias para compartilhar e, sobretudo, de energias  boas,  fruto de vários encontros que a Missão tem nos proporcionado.
Gostaria de iniciar com a chegada de Rosangela Sílvia, que há um mês está  entre nós. Ouçamos  ela mesma  contar suas impressões: “Primeiro preciso tirar as sandálias porque este novo chão que piso também é sagrado e merece todo respeito, amor e reverência! Em seguida, expressar minha alegria pela oportunidade  de participar do projeto de Jesus Salvador nesta missão de fronteira, onde somos chamadas a ser presença de esperança à luz do Evangelho em parceria com tantos missionários/as. Agradeço todas as manifestações de carinho e fraternidade  manifestadas no envio, assim como a calorosa acolhida a esta realidade que me recebe para somar forças”.
“Benvinda aquela que vem em nome do Senhor!”
Pudemos adentrar mais um pouco nesta complexa realidade da Igreja da Amazônia. Nos dias  17 a 19 de agosto participamos da Assembléia da CRB Regional de Manaus/Roraima. Momentos  fortes de  convívio e de reflexão sobre a nossa presença nesta realidade que nos chama a viver com maior leveza institucional e testemunho mais convincente. A  nova equipe que assume a animação desta Regional  numa nova forma de organização , para que a vida flua com mais espírito sororal, próprio da VRC nos envolveu a todas/os,  propondo mais agilidade,  levando em conta  as distâncias e dificuldade diversas, o ritmo das águas, entre outros critérios. A assembleia foi concluída com uma bonita e expressiva caminhada pelas ruas de Manaus, gritando pela vida e contra a violência, principalmente em relação à Juventude. Chegando  ao santuário de Nossa Senhora Aparecida, concluímos com as tendas das Congregações e, em seguida, com a celebração Eucarística, presidida por Dom Mário Antônio.
De 24 a 26 de agosto tivemos a graça de participar do 1° Congresso de Animação Bíblico da Vida e da Pastoral do Regional Norte I.  Dom Roque (presidente da Regional da CNBB) esteve presente,  assim como os Bispos de Tefé e Borba. O Congresso foi assessorados por Dom Jacinto (Bispo referencial da dimensão bíblico-catequética). Dom Mário Antônio, Vice-presidente do Regional e responsável pela dimensão  bíblico-catequética de nossa Arquidiocese esteve presente o tempo todo  e deu uma rica contribuição ao Congresso. Éramos quase quinhentas pessoas de todo Regional, que abrange o Estado do Amazonas e Roraima. A Equipe de Animação Bíblica da CRB também contribuiu  muitíssimo, acrescentando uma visão  mais feminina da animação bíblica da vida e da pastoral. 
Nos dias que seguiram (27 a 31 de agosto) houve uma programação de repasse nos setores, com a mesma dinâmica  de animação, aproveitando os assessores e outros que vieram para este trabalho. A CRB aproveitou três manhãs com Cecília (Equipe de Reflexão Bíblico-catequética da CNBB). Como no Congresso participaram apenas representações da Dioceses e Prelazias, nos setores a participação seria mais ampla e aberta. Com todos esses intensos acontecimentos a Arquidiocese de Manaus pode fortalecer ainda mais sua caminhada de evangelização, o compromisso com Jesus Cristo, a Palavra de Deus e a opção pelos pobres e excluídos.
Durante a assembléia da CRB  encontramos o Equipe de Itinerância, na qual nossa Congregação esteve presente integrando o primeiro grupo, na pessoa da Ir. Luzia Bongiovani. Como o vento do Espírito sopra onde quer, sem nenhuma prévia  articulação, fomos convidadas para uma visita e reunião onde os laços se reataram imediatamente. Coincidência ou não, na época a Ir. Joaninha  desejou vir a esta experiência, porém, não era possível liberar duas irmãs ao mesmo tempo, e então quem veio foi Ir. Luzia. Mas o sonho continuou sendo gestado e alimentado.
Neste  breve encontro e reunião fomos convidadas pela equipe de coordenação do projeto e para o XI Encontro Interinstitucional em Boa vista (RO), de 29 a 31 de agosto. Muitas congregações e instituições parceiras  se fizeram presentes, inclusive os três Núcleos de Itinerancia e vários delegados de outros países fronteiriços da Amazônia. O foco principal foram os desafios da  missão nas fronteiras amazônicas. Neste sentido as equipes tem dado testemunho e seguem no dinamismo de sempre avançar.
Foi de uma riqueza sem par. A Ir. Joaninha, que há muito tempo trazia este sonho, retornou animada e provocada a dar  passos neste sentido. Os assuntos e assessorias foram de uma  grandeza  incalculável. Os indígenas convidados  nos deram uma lição de organização, resistência e persistência fora do comum. Eles já têm uma Universidade Indígena na Venezuela. A oração de abertura do encontro foi animada pela família do cacique Macuxi. Na celebração final o senhor Jaci, um homem de Deus, nos presenteou com um punhado de terra da Terra Raposa Serra do Sol, que agora  retornou aos seus  primeiros donos... Em outro momento poderemos compartilhar algo mais sobre esta experiência-apelo. Por enquanto, é tempo de recolher, rezar e ruminar aquilo que  vimos, ouvimos e sentimos sobre as intolerâncias nas fronteiras...
Um texto do saudoso Pe. Cláudio Perani sj, que tem sido um  grande farol na equipe, foi  trazido à memória  muitas vezes e pode ser uma boa dica para nós que aqui estamos: “Para discernir a missão na Amazônia desde dentro, com seus povos e aliados, andem pela Amazônica  e  escutem  atentamente  o  que  o  povo  fala...  Participem  da  vida  cotidiana  do  povo...  Anotem  e registrem tudo cuidadosamente... Não se preocupem com os resultados... O Espírito irá mostrando o caminho... Coragem! Comecem por onde seja possível...”
A Ir. Rosangela aproveitou  o início de Setembro para fazer seu retiro anual, que não pode fazer no MT. Segundo ela foram dias de graça vividos juntamente com o grupo das Irmãs Adoradoras do Preciosíssimo Sangue. Pouco a pouco, ela vai  conhecendo a realidade das comunidades às quais somos enviadas . Ora em terra, ora sobre as águas a missão segue seu curso...
No dia 7 de setembro participamos com os movimentos sociais do 18º Grito dos/as Excluídos. Foi um momento expressivo e de visibilidade como Igreja e seus parceiros, com e pelos excluídos
O mês de setembro, dedicado a Bíblia, nos tem impulsionado a participar dos círculos bíblicos. Joaninha  está coordenando o estudo deste mês, orientando os grupos, a pedido de Pe. Marquinho. Teremos uma Semana Bíblica com a presença de uma assesora de outra Área Missionária, para um um estudo mais sistematizado. É a Palavra Viva e eficaz que  ilumina a vida de nosso povo. Para concluir a caminhada  bíblica teremos uma tarde bíblica com  os catequistas, catequizandos e  comunidades da Paróquia Nossa Senhora Mãe dos Pobres.
Não podemos deixar de enviar nosso carinhoso e saudoso abraço à madrinha do Puraquequara, Ir. Edith Berri, que é sempre lembrada  pelo povo. Você deixou marcas no coração deste povo.  Puraquequara perdeu uma de suas memórias vivas  nestes últimos dias. Faleceu o senhor João Chaves, um dos mais antigos moradores da Vila e da paróquia. Que Deus o acolha no Céu. Ele que sempre esteve presente na comunidade em toda e qualquer atividade, dando seu testemunho de fé e fidelidade. Com a Irmã Gabriele ele desbravou as matas nos tempos de conquista. Uma figura e tanto.
No dia 11 de setembro participamos de uma solenidade no Colégio do bairro: uma bonita homenagem aos policiais que atuam no Projeto Ronda no Bairro. Aqui na Zona Leste de Manaus  o Projeto teve início em agosto, e o o índice de violência e criminalidade já diminuiu 28%. Podemos sentir de perto a diferença.
Antes de nos despedirmos, queremos dizer à Marluce  e à Ercília que estamos felizes com a notícia da visita de vocês. Será mais um encontro que marcará nossa missão neste tempo de travessia.
Nosso abraço e a certeza de comunhão nos caminhos e rios da Amazônia. Suas Irmãs, Rosangela e Joaninha.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Espiritualidade


Deus visita minha casa

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS

Não se trata de um pentecostes, longe disso. Apenas uma presença tão simples quanto profunda, inefável e inesquecível. Menos que um segundo de brilho e fulgor tão intensos que chegam a suspender a fala e o fôlego. Algo que não cabe em palavras e que mal pode ser esboçado com a razão humana. Tampouco se pode olhar de frente sob a ameaça de ficar cego. Tudo ao redor fica suspenso, o tempo, o som das coisas, as sensações mais elementares!...

Um raio inesperado, como uma graça imerecida e ao mesmo tempo bem vinda, rasga a noite do coração num instante de indescritível luminosidade. Tudo clareia, deixando a alma frágil, inerte e nua diante de si mesma e do infinito. Alma despida, sim, mas revestida de uma roupagem que tecido algum pode imitar. Logo a chama se apaga,  com a mesma rapidez com que surgiu, mas sua passagem fulgurante fica gravada para sempre no espírito. Se curta e fugaz é a duração, eterna é a impressão luminosa deixada na criatura.

A verdade é que há tempo eu Lhe havia fechado a porta e me isolado um pouco de tudo e de todos. Andava atarefado com mil coisas que tomavam todo tempo. Dispersava-me em todas as direções, fragmentava-me em atividades. Ao mesmo tempo, fechava-me e deixava-me arrastar por um redemoinho voraz e sem fundo. Fechar-se em si mesmo é um processo complementar: é fechar-se também em todas as direções: em relação ao infinito, ao outro, aos pobres, à beleza da criação... Encaramujar-se, trancar-se, afogar-se no próprio veneno!

Dentro da casa deserta, aqui e ali, as teias de aranha e insetos iam se acumulando pelos corredores e quartos. A umidade também tomava conta do chão e do teto, das paredes e dos móveis.  O resultado é que arrepios de frio percorriam todo o corpo do edifício. Bolor e um cheiro forte de mofo completavam o quadro de um ambiente vazio, triste e abandonado. Seres desconhecidos e fantasmagóricos pareciam se apossar do lugar. Sentia-me um estranho no interior da própria morada.

Ao mesmo tempo, rodeava-me de uma série de entulhos. Novidades onde pretendia encontrar um novo sentido. Coisas e mais coisas que iam virando lixo pelos armários e móveis da casa. Mas elas só faziam aprofundar o abismo de um vazio sem nome e sem remédio. Quanto mais objetos, maior o desejo de outros... E muito maior a sede de algo mais vivo e significativo. Inquieto e sem rumo, perambulava entre esses seres frios e sem alma.

É então que Deus visita minha casa!...

O Espírito de Deus  não chega como um fogo abrasador e arrasador, mas como uma luz que ilumina e aquece. Seus raios, em lugar de cegar ou queimar, se refletem radiantes por todos os cômodos. Penetra os cantos mais ocultos e obscuros de minha morada e lhes devolve a alegria e o calor da vida. Confortam em lugar de inquietar e acusar; transfiguram a culpa e a vergonha numa paz que desce até o âmago do ser.

Uma transparência diáfana, como um véu sagrado, toma o lugar das trevas. Tênues pontos de luz brilham como estrelas em meio à escuridão. Pequenas referências num momento que eu as havia perdido todas. Começo a vislumbrar os contornos do porto e do farol. Já não me sinto tão perdido nem só em meio à tempestade e às ondas ameaçadoras. Aos poucos, delineia-se um rumo a tomar.

O Espírito também não chega como um vento impetuoso que tudo devasta e varre, mas em forma de brisa suave. É como se dedos invisíveis houvessem aberto as janelas para a entrada de anjos igualmente invisíveis. Uns e outros, sempre invisíveis, além de renovar o ar pesado, acarinham e afagam tudo o que tocam.

Um toque primaveril de magia. Faz reviver as células necrosadas de um prédio que ameaça declinar para o outono e o inverno. Os fantasmas da escuridão dão lugar a criaturas doces e amáveis, silenciosas e calorosas. Toda a casa povoa-se de tais criaturas ao mesmo tempo estranhas e familiares. A casa se ilumina, há clima de festa no ar! Toalha branca, flores, luzes, tapetes, convidados, música, dança, aromas diversificados... A atmosfera promete um verdadeiro i inesperado banquete.

Enfim, o Espírito não chega como um barulho invasor e estridente, mas como um silêncio habitado pelo mistério. Silêncio que expulsa o mutismo, o isolamento e a solidão. O terreno árido e estéril vê-se fecundado pela Palavra (no singular e com letra maiúscula), que dispensa as palavras (com letra minúscula e no plural). Paradoxo inexplicável: o silêncio rompe com a falta de comunicação, com recusa obstina de abrir-me aos outros e ao Outro. Torna-se ele mesmo via de comunicação. Mais autêntica, mais profunda, da alma com o infinito.

A tagarelice, a curiosidade e a ânsia de modismos dão lugar a uma paz indescritível. O mistério preenche todas as lacunas do coração e da alma, revestindo o ambiente de nova vida. É como se ao despir-me de tudo, não me faltasse mais nada. Estranha matemática: quando me desfaço daquilo que eu achava ser a minha felicidade, só então é que experimento sintomas de uma alegria serena e profunda, de uma paz que palavra alguma pode traduzir. Há um tudo incomensurável que preenche o vazio e as lacunas da alma sedenta e irrequieta.

Sim, Deus visita minha casa. Um instante apenas, não mais que uma fração de segundo. Mas sua passagem ficará gravada para a eternidade em caracteres de um fogo que não se apaga. Vendaval nenhum poderá varrer suas pegadas invisíveis e indeléveis. Um encontro/reencontro há muito ansiado, mas sempre protelado. Com efeito, “aonde iremos, Senhor, só Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68).

26° Domingo do Tempo Comum


A Palavra de Deus está acima das nossas Igrejas!
(Nm 11,25-29; Sl 18B/19B; Tg 5,1-6; Mc 9,38-48)
Em nossos discursos e pregações é recorrente a referência ao caráter anti-evangélico da cultura predominante, aos ataques de uma mentalidade laicista e até a iniciativas humanistas alheias à fé cristã e até às possíveis ameaças que o crescimento das Igrejas evangélicas traria à autêntica fé cristã. A impressão que passamos é de que o mundo se divide entre os bons, que são aqueles/as que aceitam explicitamente Jesus Cristo e a Igreja, e os maus, que são as pessoas religiosamente indiferentes e as igrejas pentecostais. Daí a importância de escutar e acolher com abertura e inteligência a Palavra de Deus proposta na liturgia de hoje. Precisamos ultrapassar o muro dos ciúmes e invejas e dar as mãos a tantos grupos e Igrejas que cooperam para expulsar os males deste mundo e construir um outro mundo. E é bom abrir nossos olhos para as contradições e traições que costumam se esconder em nossas próprias comunidades eclesiais.
“Nós o proibimos, porque eles não andam conosco.”
O mal da inveja e a tentação da exclusividade da graça são antigos e difíceis de erradicar. A tradição dos hebreus conservou na memória um fato interessante, ocorrido na travessia do deserto. O Espírito de Deus não se limitou a atuar mediante as lideranças reconhecidas e envolveu outras pessoas que não faziam parte do conselho oficial. Moisés reagiu de modo maduro e lúcido diante da sugestão de Josué, que pedia para proibi-los de falar em nome de Deus: “Você está com ciúme por mim? Oxalá todo povo de Javé fosse profeta e recebesse o Espírito de Javé!”
Às vezes tenho a impressão de que, nas frequentes e superficiais críticas que determinadas autoridades da Igreja católica fazem às Igrejas irmãs (que chamam indevidamente de ‘igrejas separadas’ ou, pior ainda e pejorativamente, de ‘seitas’), se esconde um maldito ciúme da criatividade e da capacidade que têm de despertar a fé nas pessoas de hoje. Imaginam que Jesus Cristo seja católico e que seu Evangelho seja propriedade exclusiva da nossa Igreja. Muitos chegam a suspirar: “Oxalá os governos tomassem uma providência contra essa gente mal-intencionada...”
Coisa semelhante ocorre na relação com movimentos e iniciativas sociais, políticas e culturais que agem sem referência explícita à fé e sem licença da Igreja. Causa-me mal-estar ler nos últimos documentos papais constantes referências aos limites intrínsecos dessas iniciativas humanitárias, como se fossem elas a causa da fome, da opressão e das guerras, que, na verdade, nascem na mente de pessoas que aparentam fé ilibada e agem publicamente em nome dela.
“Não os proibais...”
A fato narrado pelo evangelho de Marcos traz esta questão para o centro da nossa espiritualidade. É paradoxal que os mesmos discípulos que resistiam a seguir Jesus pelas vias da da compaixão e não haviam conseguido expulsar um espírito mau que amordaçava um jovem (cf. Mc  9,14-29) queiram proibir que outros o façam . “Mestre, vimos um homem que expulsa demônios em teu nome. Mas nós lhe proibimos, porque não nos segue.” Parece que eles queriam manter o monopólio do exorcismo como status e não como seviço à vida. E desejavam que todos seguissem a eles, os discípulos oficiais, e não o próprio Jesus.
A resposta de Jesus chama à abertura e à colaboração ecumênica: “Não lhe proíbam, pois ninguém faz um milagre em meu nome e depois pode falar mal de mim. Quem não está contra nós, está a nosso favor.” Quem tem um coração grande, um olhar abrangente e uma fé confiante não imagina ter concorrentes por todo lado. Só uma mente imatura e institucionalizada pode se mostrar incapaz de reconhecer o bem que outros fazem e alimentar o desejo de que todos peçam sua aprovação para qualquer iniciativa benemérita.
Por que esta incapacidade de muitos de nós em respeitar, valorizar e cooperar com as demais Igrejas cristãs? Será que aquilo que temos em comum – a fé em Jesus Cristo, o Evangelho, o Batismo, a Eucaristia e o martírio – não são mais importantes que as picuinhas que nos diferenciam? Por que, 40 anos depois da abertura ecumênica pedida pelo Vaticano II, nossos passos são ainda tão tímidos e desconfiados? Se eles estão a favor do Evangelho e de Jesus Cristo, poderiam estar contra nós?
“Quem não é contra nós, está a nosso favor.”
A mesma reflexão se aplica à nossa relação com os movimentos sociais e culturais. Passou o tempo de ver em tudo o gérmen da discórdia e do confronto. O Vaticano II está aí, convidando-nos a avaliar positivamente as iniciativas autônomas da sociedade. Projetos que nascem fora das sacristias e das bênçãos eclesiásticas – e às vezes em aberta oposição a elas –  trazem a secreta marca do Espírito de Deus e realizam um bem enorme à humanidade. E até mesmo um copo de água servido a uma pessoa sedenta não passa sem reconhecimento e recompensa aos olhos de Deus...
É animador perceber que em muitos lugares, no Brasil e pelo mundo a fora, nossas comunidades eclesiais vêm trabalhando em parceria e rede com diversos movimentos e organizações sociais, mesmo sem ignorar seus limites e contradições. É estimulante e jubiloso escutar a palavra oficial da Igreja , como em Puebla, reconhecendo que na raiz dos movimentos que lutam pela libertação do nosso povo está o Espírito de Deus. Onde há solidariedade e serviço, aí está ativo o Espírito de Deus. São as práticas concretas, e não o nome ou os ritos, que realizam o Reino de Deus.
“E quem fazer cair um só destes pequeninos...”
Sejamos inceros e verdadeiros: o bem e a justiça podem vir de fora da Igreja, e a traição e o escândalo podem vir de dentro dela. Muitos dos problemas que nossa Igreja enfrenta hoje são gerados e alimentados no seu próprio ventre. A ruptura com o Evangelho e muitas práticas que o negam surgem e são toleradas em nossas comunidades eclesiais. É lamentável quando a diplomacia se sobrepõe ao Evangelho e as ‘razões de estado’ têm prioridade sobre a profecia e a solidariedade.
Jesus enfrenta corajosamente este problema vivido pelas comunidades cristãs. Sob a pressão da perseguição, alguns abandonavam o Evangelho, o que era uma pedra de tropeço que afastava muitos outros ‘pequeninos’. O corpo eclesial tinha membros que escandalizavam. E a proposta de Jesus é radical: vigilância e firmeza. É melhor ser uma comunidade pequena e coerente que grande e cheia de contradições. Ela não pode limitar ou perder sua missão de ser sal, de fazer a diferença. As traições e incoerências precisam ser evitadas, cortadas e queimadas.
“Vossa riqueza está apodrecendo...”
Uma destas contradições que escandalizam os pequeninos é hoje o acúmulo de riquezas à base de relações injustas. Aliás, toda riqueza acumulada e subtraída ao serviço do bem-estar da humanidade é injusta. E não se trata apenas de riquezas acumuladas por pessoas ou famílias privadas, mas também de capital acumulado por comunidades, paróquias, dioceses, congregações e Igrejas. Toda riqueza que não é partilhada ou não está a serviço do anúncio do Evangelho aos pobres é usurpação.
São Tiago enfrenta esta questão com palavras muito duras. Dirgindo-se aos ricos ele diz: “Suas riquezas estão podres, suas roupas foram roídas pelas traças. O ouro e a prata de vocês estão enferrujados, e a ferrugem deles será testemunha contra vocês, e como fogo lhes devorará a carne.” A questão não é apenas a riqueza em si mesma, mas o modo de consegui-la: “Vejam: os salários dos trabalhadores que fizeram a colheita nos campos de vocês; retido por vocês, este salário clama, e os protestos dos cortadores chegaram aos ouvidos do Senhor...”
Em nome da coerência e da transparência, junto com a denúncia do acúmulo injusto e da idolatria do capital, precisamos de coragem para implantar na Igreja uma economia que viabilize e visibilize a solidariedade entre comunidades, movimentos, paróquias, dioceses e Congregações. Caso contrário, estaremos rompendo com a solidariedade interna, tolerando uma traição que continuará escandalizando e provocando sofrimento. Também este é um mal que precisa ser cortado pela raiz.
“O testemunho do Senhor é verdadeiro, torna sábios os pequenos.”
Jesus de Nazaré, coração sem fronteiras e Palavra que liberta e constrói relações ecumênicas e inclusivas: fecunda nossas palavras e corações com teu Espírito, a fim de que alcancemos a sabedoria e realizemos nossa missão no respeito, no apreço e na coorperação com aqueles que crêem diversamente mas cumprem, mesmo sem saber, tua vontade santa e libertadora. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Refletir é preciso!


Fracasso do neoconservadorismo católico brasileiro
José Lisboa Moreira de Oliveira
Os dados do último censo demográfico revelaram uma queda no número de católicos no Brasil. Segundo as estimativas a percentagem caiu de 83,34% para 67,84% nos últimos 20 anos. A questão foi discutida na última assembleia geral da CNBB, em abril deste ano, em Aparecida (SP). Alguns bispos ficaram horrorizados com a notícia. Outros tentaram minimizar os dados, achando que se tratava de “intriga da oposição”. Outros, talvez mais realistas, não se assustaram com os dados do IBGE.
O certo é que não seria necessário esperar estes dados oficiais para nos darmos conta deste fenômeno. Qualquer católico sério, antenado com a realidade, sabe muito bem que sua Igreja perde cada vez mais fiéis. Basta dar uma olhada nas missas, nos grupos, nos movimentos, nas pastorais, para perceber com clareza esta situação. É verdade que alguns templos ainda ficam repletos aos domingos e que alguns padres cantores reúnem milhares de pessoas em seus espetáculos religiosos. Alguns se iludem com isso e pensam piamente que a Igreja Católica ainda é uma força hegemônica. Mas este público é insignificante diante da percentagem de católicos, de modo que se pode afirmar, sem medo de errar, que o número de praticantes é bem inferior aos dados fornecidos pelo IBGE. Se formos fazer a conta na ponta do lápis é possível dizer que os católicos praticantes não superam os dez por cento. Se depois pensarmos na juventude participativa este número deve cair para menos de um por cento.
Porém, o mais interessante nesta história é que a diminuição dos católicos no Brasil coincide com o desmantelo da Igreja da libertação e com a implantação de um regime católico neoconservador. Os católicos vão diminuindo no Brasil na medida em que as comunidades eclesiais de base vão sendo sistematicamente abolidas e substituídas pelos movimentos neopentecostais católicos. O número de católicos começa a cair a partir do momento em que são nomeados bispos mais conservadores, os quais são orientados a sistematicamente destruir todo e qualquer vestígio de Igreja da libertação. Foi o que aconteceu, por exemplo, em Recife, por ocasião da substituição de Dom Hélder Câmara.
A diminuição de católicos coincide com a chegada ao Brasil das redes católicas de televisão e seus programas de apologia ao conservadorismo. Os católicos diminuem enquanto aumenta o número de padres cantores, de padres na mídia e de seminaristas midiáticos, todos eles plugados vinte e quatro horas na internet para “evangelizar” através de meios moderníssimos e velozes. Os católicos diminuem na medida em que na Igreja aparecem e se multiplicam comunidades exóticas com seus trajes medievais e seus costumes estranhos e maniqueístas. A diminuição de católicos não para, apesar de todo o esforço para massacrar a teologia da libertação, punir teólogas e teólogos brasileiros, vestir clericalmente os padres, romanizar as liturgias e tirar do velho baú católico coisas ultrapassadas, arcaicas e mofas.
Alguma coisa deu errada. No final dos anos 1970, quando, com o pontificado de João Paulo II, o neoconservadorismo começa a aparecer, dizia-se que a Igreja da libertação tinha que ser banida porque colocaria em risco o futuro da Igreja Católica no continente latino-americano. Acabaram com tudo aquilo que poderia cheirar a libertação, mas, mesmo com a implantação da neocristandade, o catolicismo murchou. O projeto neoconservador falhou e, com a chegada dele, acelerou-se o encolhimento do catolicismo brasileiro. O tiro parece ter saído pela culatra.
Penso que está na hora da Igreja no Brasil fazer uma séria reflexão. Suas lideranças precisam ser honestas com elas mesmas, admitindo que falharam, acelerando, com seus métodos, o decréscimo dos católicos brasileiros. Elas que tinham tanto medo da teologia da libertação, que a demonizaram e combateram, agora amargam o resultado de suas intervenções. Elas, e não a Igreja da libertação, provocaram a crise do catolicismo brasileiro.
Eu não estou preocupado com o crescimento dos evangélicos. Embora esteja convencido de que muitas igrejinhas evangélicas não possuem nenhuma ossatura de seriedade, penso que Deus tem os seus caminhos. Inclusive ele pode tirar o seu Reino de uma igreja, que se pretende dona dele, para entregá-lo a outra. E se ele entender que o entregará a algum seguimento evangélico, não há quem possa impedi-lo.
O que desejo destacar nesta breve reflexão é o falimento de um modelo de Igreja que foi implantado em nosso país nos últimos anos. Perdeu-se a oportunidade de dar vida a um jeito de ser Igreja, bem mais próximo do Evangelho e da realidade do povo brasileiro. Disso não se pode fugir sem trair a verdade. É preciso que as lideranças admitam isso, se quiserem reverter um pouco a situação atual. Se insistirem em manter o atual sistema eclesiástico, nosso destino será ainda pior do que aquele da velha Europa: uma Igreja infantil, feminil e senil, empoeirada, sem juventude, sem perspectivas, sem vida.
Não faltaram os “sinais dos tempos”, mas boa parte dos dirigentes da Igreja Católica preferiu “não interpretar o tempo presente” (Lc 12,56). Teria sido suficiente, por exemplo, levar a sério quanto disse Paulo VI na exortação apostólica Evangelii nuntiandi. Neste documento, elaborado a partir das indicações do Sínodo dos Bispos de 1974 sobre a evangelização no mundo contemporâneo, o papa, como que profeticamente, previa uma série de vias evangelizadoras bem condizentes e necessárias à Igreja de então. Mas, pelo visto, o projeto evangelizador neoconservador que veio em seguida não deu a mínima atenção ao que o pontífice havia indicado.
Paulo VI, partindo da importância do testemunho, destacava a urgência do indispensável contato pessoal, “de pessoa a pessoa” (nº 46). E o contato pessoal não se dá através de uma pastoral de massas, da utilização impessoal da mídia, mas através da multiplicação de redes de pequenas comunidades, nas quais, advertia o papa, as pessoas poderiam preencher o desejo e a busca de relações mais humanas.
O papa afirmava, então, o valor das comunidades eclesiais de base, as quais, de modo particular nas grandes metrópoles, poderiam contribuir eficazmente para a superação da massificação e do anonimato (nº 58). Mas o que fez a maioria das lideranças católicas? Preferiu a pastoral das massas, dos rebanhões, dos espetáculos, nos quais, como tem mostrado a sociologia da religião, prevalece o anonimato e a indiferença. As pessoas pulam, gritam, dançam, mas sem preocupação com “o outro”. Pensam apenas nos seus problemas e na satisfação imediata de suas necessidades e carências. A pastoral de massa não humaniza as relações. Congrega, reúne, mas não une e nem alimenta a solidariedade.
As lideranças, em sua maioria, preferiram suprimir as comunidades eclesiais de base ou as relegaram a um plano secundário, de modo que se pode afirmar que a existência delas no momento atual é fruto do grande milagre da resistência de algumas pessoas. Enquanto isso, os evangélicos seguiam o caminho inverso, abrindo em cada esquina um pequeno templo nos quais as pessoas se encontram não só para rezar ou cantarolar, mas também para reforçar laços de amizade e de apoio mútuo. O calor humano torna-se, de certo modo, “vínculo da ágape”, mantendo as pessoas unidas na comunidade.
Houve também o desmantelo de outros elementos, apontados por Paulo VI como essenciais para a nova evangelização. Pense-se, por exemplo, no retrocesso que se deu no campo do ecumenismo, do diálogo interreligioso, do diálogo com os não crentes e com os não praticantes. Mas se pense igualmente nos retrocessos internos que levaram as pessoas pensantes e mais conscientes a abandonarem definitivamente a Igreja Católica. Parece-me, pois, que já está na hora da hierarquia no Brasil colocar-se diante das várias perguntas sérias levantadas por tantas pessoas. E, como queria Paulo VI, “dar respostas leais, humildes e corajosas, agindo de consequência” (nº 5).

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Por uma evangelização nova (4)


Evangelizar: anunciar a boa notícia da salvação.

A evangelização voltou à pauta de reflexão da Igreja Católica Apostólica Romana. E o substantivo reapareceu unido ao adjetivo ‘nova’. Isso não deixa de representar uma certa redundância, uma vez que ‘evangelho’ significa literalmente boa notícia, e uma notícia é, por definição, algo novo. Na prática de Jesus de Nazaré, a Boa Notícia tem força de salvação: é a chegada do Reino de Deus como vida abundante para os oprimidos e marginalizados.
Eis aqui uma questão tão essencial quando complexa: o que a Igreja pretende com esta prática particular denominada evangelização? A reflexão deve começar clareando o sentido específico desta expressão. No seu uso eclesiástico, o conceito foi se afastando do seu sentido original e é concebido praticamente como uma estratégia de ensino e doutrinação, às vezes com um viés doentiamente moralista. Na melhor das hipóteses, é identificada com uma catequese mais ou menos profunda.
O texto preparatório ao Sínodo dos Bispos, diz que, em Jesus Cristo, o objetivo da evangelização é a salvação da pessoa humana, ou seja: atrair os homens e mulheres para a íntima relação com o Pai e o Espírito Santo, chamá-los à santidade e à conversão. Disso se deduz que a tarefa da Igreja e o obetivo da nova evangelização seria transmitir a fé, ou ‘transmitir o Evangelho’, agora identificado com a pessoa de Jesus Cristo. Essa identificação não nos leva a um reducionaismo perigoso e mutilador?
Vamos por partes. Evangelizar é, sim, anunciar a salvação operada por Deus em Jesus Cristo, no dinamismo do Espírito Santo. Mas qual é o conteúdo histórico-existencial dessa salvação? Na tradição bíblica, tanto do primeiro como do segundo testamento, a salvação de Deus é experimentada sempre na libertação de limitações concretas que diminuem a vida das pessoas. E isso não apenas como uma espécie de trampolim para anunciar um bem espiritual partindo de uma mudança física e material.
Jesus Cristo traz gravada no próprio nome a missão de salvar os homens e mulheres dos seus pecados. Mas como ele faz isso? Proclamando, mais com gestos e atitudes que com palavras, a dignidade inviolável das pessoas carimbadas como pecadoras e indignas pela ideologia religiosa e imperial. Dizer que as ações de libertação física e social são sinais da salvação espiritual ou do perdão dos pecados é uma perigosa inversão. O verdadeiro é o inverso: declarar que os pecados estão perdoados, curar os doentes, sentar-se à mesa com os excluídos, são afirmações da dignidade das pessoas que são colocadas no último degrau da escala social ou dela excluídas.
Mas é correto identificar sem mais ‘Evangelho’ com a pessoa de ‘Jesus Cristo’? Isso não significaria simplesmente confundir a evangelização com o anúncio de Jesus Cristo como único salvador? E não nos induziria a reduzir perigosamente o mistério da vida e da ação salvífica de Jesus Cristo s uma imagem e a uma doutrina particular que elaboramos sobre ele? Mais ainda: por traz dessa identificação não estaria a negação da dimensão histórico-libertadora do Evangelho do Reino de Deus, assim como Jesus o viveu e propôs? Uma tal concepção seria uma traição do anúncio e da ação de Jesus!
Evangelizar é anunciar, realizar e celebrar a salvação dos homens e mulheres nos seus contextos concretos. Na Conferência de Medellin, os Bispos Latino-Americanos ensinam que, assim como o povo do primeiro testamento experimentou a salvação de Deus na libertação da opressão do Egito e na conquista da terra prometida, também nós sentimos os passos do Deus que salva quando promovemos o verdadeiro desenvolvimento humano, que é a passagem de condições de vida menos humanas para situações mais humanas.
Afirmar a dignidade de toda pessoa humana, anunciar que um outro mundo é possível, ser fator de aliança entre os grupos e povos que vivem desta fé e traçar as estratégias concretas que esta fé pede hoje: eis o rosto de uma evangelização que tem como objetivo anunciar e contribuir para o processo de salvação operado por Deus. E é evidente que não podemos reduzir a nova evangelização ao anúncio de Jesus Cristo, relegando ao esquecimento aquilo que deu sentido e unidade à sua vida: a realização misteriosa mas efetiva e concreta do Reino de Deus, salvação emancipadora da pessoa concreta.
 Itacir Brassiani msf

sábado, 22 de setembro de 2012

Uma destruição massiva: a geopolítica da fome (5)


O Papa João Paulo II ensina que a promoção dos Direitos Humanos é um dos novos âmbitos da missio ad gentes (cf. Redemptoris Missio, 37). A ONU incluiu o direito à alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É nessa perspectiva que publico aqui uma série de breves textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008. O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora Seuil (Paris).

A fome é uma fatalidade?

Até meados do século XX, a fome era considerada um tabu. “O silêncio cobria suas sepulturas. O massacre era visto como uma fatalidade” (p. 103). E foi Thomas Malthus, nascido na Inglaterra em 1766, quem contribuiu decisivamente para esta visão fatalista da história da humanidade. Para ele, a redução da população mediante a fome seria a única saída para evitar a catástrofe econômica final. Portanto, a fome nasce da lei da necessidade.

Uma versão simplificada das teses de Malthus lançaram raízes profundas na opinião pública e sobrevive ainda hoje: a população humana cresce sem cessar, mas o alimento e a terra que o produz são limitados; assim, a fome é uma lei natural que reduz o número de homens e garante o equilíbrio entre suas necessidades e os bens disponíveis.

No seu famoso livro Ensaio sobre o princípio da população, Matlhus ataca violentamente as leis sociais, tímidas iniciativas do governo britânico da época para amenizar a fome. Escrevia sem rodeios que as epidemias eram necessárias e que se um homem não consegue sobreviver com seu trabalho, tanto pior para ele e sua família.

“As leis sociais são prejudiciais, pois permitem que os pobres tenham filhos. A fome é a punição imposta pela natureza. É necessrio que os pobres saibam que as leis da natureza, que são leis de Deus, os condenaram a sofrer, eles e suas famílias” (citado à p. 107). Os pobres são seus maiores inimigos.

Aderindo ao pensamento de Malthus e divulgando-o por todos os meios, a burguesia de ontem e de hoje acalma seus próprios escrúpulos. “A verdadeira ameaça seria a explosão demográfica. Sem a eliminação dos mais fracos pela fome, viria um dia em que o ser humano não poderá mais comer, beber, nem respirar sobre a face da terra” (p. 108).

Até meados do século XX a ideologia malthusiana devastou a consciência ocidental e fez com que a maior parte dos europeus se tornassem surdos e cegos diante dos sofrimento das vítimas, especialmente nas suas próprias colônias. Os famintos se tornaram para eles um verdadeiro tabu. Mesmo sem querer, Malthus libertou os ocidentais da sua má consciência.

“Salvo nos casos de grave doença psíquica, nenhuma pessoa consegue suportar a cena terrível da destruição de um ser humano pela fome. Naturalizando o massacre e vinculando-o à necessidade, Malthus libertou os ocidentais da sua responsabildade moral” (p. 108).

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

25° Domingo do Tempo Comum


Que Palavra vocês andam escutando no caminho?
(Sb 2,12.17-20; Sl 53/54; Tg 3,16-4,3; Mc 9,30-37)
Na semana que estamos terminando, os desfiles e manifestações tradicionalistas ocuparam as avenidas do RS e ocuparam as telas da televisão. Durante toda uma semana os gaúchos aferrados a uma certa tradição promoveram eventos gastronômicos e culturais. O que se vê é um verdadeiro culto a um sujeito social idealizado, estereotipado e desenraizado da história, denominado gaúcho. Mesmo respeitando e até apreciando alguns aspectos dessa tradição, não podemos deixar de perguntar onde estão os índios, legítimos habitantes destas terras? E os negros, escravizados nos campos e nas charqeuadas? E os errantes sem-terra, caçados ainda hoje como perigosos e criminosos? Será que eles estão presentes nas ‘charlas’ e ‘tertúlias’ dos ‘galpões’? Ou será que o Rio Grande do Sul se resume aos desbravadores, brancos, bem-sucedidos e vitoriosos? Antes deles tudo aqui era bravio? pergunta de Jesus se dirige também a nós: “Sobre o que vocês estavam conversando na estrada e nos ‘galpões’?”
“Jesus e seus discípulos atravessavam a Galiléia. Ele ensinava seus discípulos...”
Um pouco antes da cena relatada pelo evangelho de hoje, alguns discípulos haviam visto Jesus totalmente transfigurado, e ouvido uma voz que lhes pedia que escutassem o que ele dizia. Por sua vez, a multidão acorria a Jesus, impressionada pela cura de um menino mudo. É neste contexto que Jesus, voltando para a Galiléia, não queria que ninguém soubesse onde ia, “porque estava ensinando seus discípulos”. A difícil formação dos discípulos e discípulas ocupava Jesus inteiramente.
E não é para menos. Os discípulos/as haviam fracassado na tentativa de curar um menino mudo. Faltava-lhes a abertura e a confiança em Deus, cultivadas especialmente na oração. Mas não era só isso. Eles só sabiam confiar em si mesmos e corriam atrás de ações poderosas e lugares de honra. Por mais que Jesus insistisse, eles não conseguiam admitir um Messias que compartilhasse a humana vulnerabilidade, que não fosse bem sucedido e padecesse a morte.
Por isso hoje Jesus repete o ensinamento que ouvimos no domingo passado: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, quando estiver morto, depois de três dias ele ressuscitará.” Parece, porém, que o resultado não foi muito animador. “Os discípulos não compreendiam o que Jesus estava dizendo.” E o pior, “tinham medo de fazer perguntas”. Medo de enfrentar a verdade, de descobrir as exigências do caminho que leva à liberdade e à vida plena.
“O que discutíeis pelo caminho?”
O mais impressionante é que, além de não copreender os repetidos anúncios da rejeição e da humilhação e de demonstrar medo de perguntar, os discípulos estão envolvidos com outras questões complicadas. Jesus estava atento às conversas de estrada, e quando chegam em casa, em Cafarnaum, pergunta-lhes: “Sobre o que vocês estavam discutindo no caminho?” Ninguém se atreve a dizer que discutiam sobre qual deles seria o maior.
Ser o primeiro, o maior, o mais importante: essa é a única questão que interessa àquele grupo de discípulos e discípulas chamado a seguir Jesus. E é infelizmente isso que ainda hoje guia a maioria das nossas escolas e até seminários. Será que não é isso também o que muitos pais e mães sonham para seus filhos e filhas? E não é a busca de uma vida bem-sucedida, o sonho de ser um padre pop-star ou de ser agraciado com a mitra episcopal que anima muitos dos nossos vocacionados e religiosos?
“De onde vêm as guerras? De onde vêm as brigas entre vós?”
Ser o primeiro é o que interessa, o resto não tem pressa. E isso a qualquer custo. A fé, o trabalho, o estudo, a disciplina e os relacionamentos valem enquanto contribuem para este objetivo. O próprio nome de Deus acaba sendo subordinado a este fim e se torna um ídolo. E a Igreja então se torna um palco onde muitos querem brilhar e uma arena de disputas nada evangélicas. Vale tudo nesta luta predatória para ser o primeiro, inclusive trapaças, meias-verdades, mentiras e traições.
Tiago percebe que na sua comunidade existia “ciúme amargo e espírito de rivalidade”, uma pretensa sabedoria rasteira e animalesca, diabólica até. E ele sabe isso nada tem a ver com a sabedoria cristã, que é pacífica, humilde, misericordiosa, alheia a discriminações hipocrisias. Ele pergunta: “De onde surgem os conflitos e competições que existem entre vocês? Vocês cobiçam, e não possuem; então matam. Vocês têm inveja e não conseguem nada; então lutam e fazem guerra.”
Neste horizonte – ou melhor, nas estreitas cercas deste curral – realmente não é possível entender que Jesus fale em ser rejeitado, perseguido, execrado e morto, como o Sepé Tiaraju da nossa história e o Negrinho do Pastoreio das nossas estórias. Um Deus crucificado no meio de dois proscritos – um índio e um negro? – e uma proposta de solidariedade com os sem-direitos não têm lugar na ideologia do tradicionalismo, na teologia da prosperidade e na luta inglória para ser o primeiro.
“Pelo caminho tinham discutido quem deles era o maior.”
Hoje as lutras fraticidas para ser o maior e o primeiro saíram do ambiente familiar e eclesial e se expressam em muitos outros espaços, começando pelo jornalismo denuncista e subserviente a senhores mais ou menos conhecidos; passando pela corrida armamentista que ressuscita inclusive na América Latina; chegando às disputas entre igrejas e às guerras entre países. O medo de não ser o primeiro, de ser um segundo ou, pior ainda, o último, enlouquece. E mata.
Não é essa a perspectiva proposta e trilhada por Jesus Cristo. É importante que levemos a sério as lições daquele que chamamos de mestre e senhor. No clima aconchegante da casa em Cafarnaum ou no ambiente sereno das nossas igrejas Jesus desmascara nossas aspirações de poder, coloca um fim às nossas discussões sobre quem é o/a maior. Insistindo que o seu caminho passa pela rejeição e recorrendo ao símbolo das crianças, ele aponta claramente para outra direção.
“Se alguém quiser ser o primeiro, seja o último de todos, aquele que serve a todos!”
Jesus fala claro e direto: “Se alguém quer ser o primeiro, deverá ser o último, e ser aquele que serve a todos.” O último é o lugar que ninguém disputa e, por isso, ninguém corre o risco de perdê-lo, pois são poucos os que o disputam. Mas isso não quer dizer auto-desprezo ou passividade: é a verdadeira grandeza que se mostra na ação de servir. O próprio Jesus não se mostra passivo, mas não acha desonroso assumir o lugar do escravo doméstico, inclinar-se diante da humanidade e lavar seus pés.
Na sua catequese aos discípulos, Jesus lança mão de um recurso visual. “Jesus pegou uma criança e colocou no meio deles. Abraçou a criança e disse: “Quem receber em meu nome uma dessas crianças, estará recebendo a mim.” Esse gesto não tem nada de um certo romantismo que idealiza as crianças, projeta nelas os sonhos frustrados das gerações anteriores e as trata como verdadeiras majestades. Por isso, para os discípulos o gesto de Jesus é absolutamente chocante.
No mundo judaico do primeiro século e do ponto de vista do status e dos direitos, as crianças faziam parte dos grupos situados no nível mais baixo da escala social. Eram praticamente nada, não existiam como sujeitos de direitos. Ocupavam o mesmo lugar subalterno e marginal reservado aos negros na cultura escravagista do Rio Grande do Sul, aos índios nos nossos livros de história, aos analfabetos e empobrecidos na sociedade brasileira atual.
“A sabedoria que vem do alto é pura, misericordiosa, sem parcialidade e sem fingimento.”
É com as crianças, símbolos desse sujeito social subalterno e marginalizado, que Jesus se didentifica. A acolhida e o amor a ele se decide na acolhida e no amor aos últimos. Quem os recebe, hospeda Jesus Cristo e o Pai. E isso não é um aspecto marginal do seu ensinamento ou uma eventualidade em sua vida. É isso que celebramos em cada  eucaristia. É isso que nos recorda sua santa Palavra. É isso que veio sublinhar Nossa Senhora na sua manifestação em La Salette (19.09.1846).
Jesus de Nazaré, filho do homem, tu compartilhas conosco origem e destino. Devemos dizer com sinceridade que tua Palavra e tuas opções também desconcertam a nós, envolvidos que estamos em disputas fratricidas e desjos inconfessáveis. Mas aqui estamos de novo, diante de ti, porque tua Palavra é a única que merece credibilidade, e a vida gratuita e solidariamente doada é a única que vale a pena. Ajuda-nos a entender a lição da criança! Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf