Fracasso do
neoconservadorismo católico brasileiro
José Lisboa
Moreira de Oliveira
Os
dados do último censo demográfico revelaram uma queda no número de católicos no
Brasil. Segundo as estimativas a percentagem caiu de 83,34% para 67,84% nos
últimos 20 anos. A questão foi discutida na última assembleia geral da CNBB, em
abril deste ano, em Aparecida (SP). Alguns bispos ficaram horrorizados com a
notícia. Outros tentaram minimizar os dados, achando que se tratava de “intriga
da oposição”. Outros, talvez mais realistas, não se assustaram com os dados do
IBGE.
O
certo é que não seria necessário esperar estes dados oficiais para nos darmos
conta deste fenômeno. Qualquer católico sério, antenado com a realidade, sabe
muito bem que sua Igreja perde cada vez mais fiéis. Basta dar uma olhada nas
missas, nos grupos, nos movimentos, nas pastorais, para perceber com clareza
esta situação. É verdade que alguns templos ainda ficam repletos aos domingos e
que alguns padres cantores reúnem milhares de pessoas em seus espetáculos
religiosos. Alguns se iludem com isso e pensam piamente que a Igreja Católica
ainda é uma força hegemônica. Mas este público é insignificante diante da
percentagem de católicos, de modo que se pode afirmar, sem medo de errar, que o
número de praticantes é bem inferior aos dados fornecidos pelo IBGE. Se formos
fazer a conta na ponta do lápis é possível dizer que os católicos praticantes
não superam os dez por cento. Se depois pensarmos na juventude participativa
este número deve cair para menos de um por cento.
Porém,
o mais interessante nesta história é que a diminuição dos católicos no Brasil
coincide com o desmantelo da Igreja da libertação e com a implantação de um
regime católico neoconservador. Os católicos vão diminuindo no Brasil na medida
em que as comunidades eclesiais de base vão sendo sistematicamente abolidas e
substituídas pelos movimentos neopentecostais católicos. O número de católicos
começa a cair a partir do momento em que são nomeados bispos mais
conservadores, os quais são orientados a sistematicamente destruir todo e
qualquer vestígio de Igreja da libertação. Foi o que aconteceu, por exemplo, em
Recife, por ocasião da substituição de Dom Hélder Câmara.
A
diminuição de católicos coincide com a chegada ao Brasil das redes católicas de
televisão e seus programas de apologia ao conservadorismo. Os católicos
diminuem enquanto aumenta o número de padres cantores, de padres na mídia e de
seminaristas midiáticos, todos eles plugados vinte e quatro horas na internet
para “evangelizar” através de meios moderníssimos e velozes. Os católicos
diminuem na medida em que na Igreja aparecem e se multiplicam comunidades
exóticas com seus trajes medievais e seus costumes estranhos e maniqueístas. A
diminuição de católicos não para, apesar de todo o esforço para massacrar a
teologia da libertação, punir teólogas e teólogos brasileiros, vestir
clericalmente os padres, romanizar as liturgias e tirar do velho baú católico
coisas ultrapassadas, arcaicas e mofas.
Alguma
coisa deu errada. No final dos anos 1970, quando, com o pontificado de João
Paulo II, o neoconservadorismo começa a aparecer, dizia-se que a Igreja da
libertação tinha que ser banida porque colocaria em risco o futuro da Igreja
Católica no continente latino-americano. Acabaram com tudo aquilo que poderia cheirar
a libertação, mas, mesmo com a implantação da neocristandade, o catolicismo
murchou. O projeto neoconservador falhou e, com a chegada dele, acelerou-se o
encolhimento do catolicismo brasileiro. O tiro parece ter saído pela culatra.
Penso
que está na hora da Igreja no Brasil fazer uma séria reflexão. Suas lideranças precisam
ser honestas com elas mesmas, admitindo que falharam, acelerando, com seus
métodos, o decréscimo dos católicos brasileiros. Elas que tinham tanto medo da
teologia da libertação, que a demonizaram e combateram, agora amargam o
resultado de suas intervenções. Elas, e não a Igreja da libertação, provocaram
a crise do catolicismo brasileiro.
Eu
não estou preocupado com o crescimento dos evangélicos. Embora esteja
convencido de que muitas igrejinhas evangélicas não possuem nenhuma ossatura de
seriedade, penso que Deus tem os seus caminhos. Inclusive ele pode tirar o seu
Reino de uma igreja, que se pretende dona dele, para entregá-lo a outra. E se
ele entender que o entregará a algum seguimento evangélico, não há quem possa
impedi-lo.
O que
desejo destacar nesta breve reflexão é o falimento de um modelo de Igreja que
foi implantado em nosso país nos últimos anos. Perdeu-se a oportunidade de dar
vida a um jeito de ser Igreja, bem mais próximo do Evangelho e da realidade do
povo brasileiro. Disso não se pode fugir sem trair a verdade. É preciso que as
lideranças admitam isso, se quiserem reverter um pouco a situação atual. Se
insistirem em manter o atual sistema eclesiástico, nosso destino será ainda
pior do que aquele da velha Europa: uma Igreja infantil, feminil e senil,
empoeirada, sem juventude, sem perspectivas, sem vida.
Não
faltaram os “sinais dos tempos”, mas boa parte dos dirigentes da Igreja
Católica preferiu “não interpretar o tempo presente” (Lc 12,56). Teria sido
suficiente, por exemplo, levar a sério quanto disse Paulo VI na exortação
apostólica Evangelii nuntiandi. Neste
documento, elaborado a partir das indicações do Sínodo dos Bispos de 1974 sobre
a evangelização no mundo contemporâneo, o papa, como que profeticamente, previa
uma série de vias evangelizadoras bem condizentes e necessárias à Igreja de
então. Mas, pelo visto, o projeto evangelizador neoconservador que veio em
seguida não deu a mínima atenção ao que o pontífice havia indicado.
Paulo
VI, partindo da importância do testemunho, destacava a urgência do indispensável contato pessoal, “de
pessoa a pessoa” (nº 46). E o contato pessoal não se dá através de uma pastoral
de massas, da utilização impessoal da mídia, mas através da multiplicação de
redes de pequenas comunidades, nas quais, advertia o papa, as pessoas poderiam
preencher o desejo e a busca de relações mais humanas.
O
papa afirmava, então, o valor das comunidades eclesiais de base, as quais, de
modo particular nas grandes metrópoles, poderiam contribuir eficazmente para a
superação da massificação e do anonimato (nº 58). Mas o que fez a maioria das
lideranças católicas? Preferiu a pastoral das massas, dos rebanhões, dos
espetáculos, nos quais, como tem mostrado a sociologia da religião, prevalece o
anonimato e a indiferença. As pessoas pulam, gritam, dançam, mas sem
preocupação com “o outro”. Pensam apenas nos seus problemas e na satisfação
imediata de suas necessidades e carências. A pastoral de massa não humaniza as
relações. Congrega, reúne, mas não une e nem alimenta a solidariedade.
As
lideranças, em sua maioria, preferiram suprimir as comunidades eclesiais de
base ou as relegaram a um plano secundário, de modo que se pode afirmar que a
existência delas no momento atual é fruto do grande milagre da resistência de
algumas pessoas. Enquanto isso, os evangélicos seguiam o caminho inverso,
abrindo em cada esquina um pequeno templo nos quais as pessoas se encontram não
só para rezar ou cantarolar, mas também para reforçar laços de amizade e de
apoio mútuo. O calor humano torna-se, de certo modo, “vínculo da ágape”,
mantendo as pessoas unidas na comunidade.
Houve
também o desmantelo de outros elementos, apontados por Paulo VI como essenciais
para a nova evangelização. Pense-se, por exemplo, no retrocesso que se deu no
campo do ecumenismo, do diálogo interreligioso, do diálogo com os não crentes e
com os não praticantes. Mas se pense igualmente nos retrocessos internos que
levaram as pessoas pensantes e mais conscientes a abandonarem definitivamente a
Igreja Católica. Parece-me, pois, que já está na hora da hierarquia no Brasil
colocar-se diante das várias perguntas sérias levantadas por tantas pessoas. E,
como queria Paulo VI, “dar respostas leais, humildes e corajosas, agindo de
consequência” (nº 5).
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