Evangelizar:
anunciar a boa notícia da salvação.
A evangelização
voltou à pauta de reflexão da Igreja Católica Apostólica Romana. E o
substantivo reapareceu unido ao adjetivo ‘nova’. Isso não deixa de representar
uma certa redundância, uma vez que
‘evangelho’ significa literalmente boa
notícia, e uma notícia é, por definição, algo novo. Na prática de Jesus de
Nazaré, a Boa Notícia tem força de
salvação: é a chegada do Reino de Deus como vida abundante para os oprimidos e
marginalizados.
Eis aqui uma
questão tão essencial quando complexa: o
que a Igreja pretende com esta prática particular denominada evangelização?
A reflexão deve começar clareando o sentido específico desta expressão. No seu
uso eclesiástico, o conceito foi se afastando do seu sentido original e é
concebido praticamente como uma
estratégia de ensino e doutrinação, às vezes com um viés doentiamente
moralista. Na melhor das hipóteses, é identificada com uma catequese mais ou
menos profunda.
O texto
preparatório ao Sínodo dos Bispos,
diz que, em Jesus Cristo, o objetivo da evangelização é a salvação da pessoa
humana, ou seja: atrair os homens e mulheres para a íntima relação com o Pai e
o Espírito Santo, chamá-los à santidade e à conversão. Disso se deduz que a
tarefa da Igreja e o obetivo da nova
evangelização seria transmitir a fé, ou ‘transmitir o Evangelho’, agora
identificado com a pessoa de Jesus Cristo. Essa identificação não nos leva a um
reducionaismo perigoso e mutilador?
Vamos por partes.
Evangelizar é, sim, anunciar a salvação
operada por Deus em Jesus Cristo, no dinamismo do Espírito Santo. Mas qual é o conteúdo histórico-existencial
dessa salvação? Na tradição bíblica, tanto do primeiro como do segundo
testamento, a salvação de Deus é
experimentada sempre na libertação de limitações concretas que diminuem a vida
das pessoas. E isso não apenas como uma espécie de trampolim para anunciar
um bem espiritual partindo de uma mudança física e material.
Jesus Cristo traz
gravada no próprio nome a missão de salvar
os homens e mulheres dos seus pecados. Mas como ele faz isso? Proclamando,
mais com gestos e atitudes que com palavras, a dignidade inviolável das pessoas
carimbadas como pecadoras e indignas pela ideologia religiosa e imperial. Dizer
que as ações de libertação física e social são sinais da salvação espiritual ou
do perdão dos pecados é uma perigosa inversão. O verdadeiro é o inverso:
declarar que os pecados estão perdoados, curar os doentes, sentar-se à mesa com
os excluídos, são afirmações da dignidade das pessoas que são colocadas no
último degrau da escala social ou dela excluídas.
Mas é correto
identificar sem mais ‘Evangelho’ com a pessoa de ‘Jesus Cristo’? Isso não
significaria simplesmente confundir a evangelização com o anúncio de Jesus
Cristo como único salvador? E não nos induziria a reduzir perigosamente o
mistério da vida e da ação salvífica de Jesus Cristo s uma imagem e a uma
doutrina particular que elaboramos sobre ele? Mais ainda: por traz dessa
identificação não estaria a negação da dimensão histórico-libertadora do
Evangelho do Reino de Deus, assim como Jesus o viveu e propôs? Uma tal concepção seria uma traição do
anúncio e da ação de Jesus!
Evangelizar é
anunciar, realizar e celebrar a salvação dos homens e mulheres nos seus
contextos concretos. Na Conferência de
Medellin, os Bispos Latino-Americanos ensinam que, assim como o povo do
primeiro testamento experimentou a salvação de Deus na libertação da opressão
do Egito e na conquista da terra prometida, também
nós sentimos os passos do Deus que salva quando promovemos o verdadeiro
desenvolvimento humano, que é a passagem de condições de vida menos humanas
para situações mais humanas.
Afirmar a dignidade
de toda pessoa humana, anunciar que um outro mundo é possível, ser fator de
aliança entre os grupos e povos que vivem desta fé e traçar as estratégias
concretas que esta fé pede hoje: eis o rosto de uma evangelização que tem como
objetivo anunciar e contribuir para o processo de salvação operado por Deus. E
é evidente que não podemos reduzir a nova evangelização ao anúncio de Jesus
Cristo, relegando ao esquecimento aquilo que deu sentido e unidade à sua vida:
a realização misteriosa mas efetiva e concreta do Reino de Deus, salvação
emancipadora da pessoa concreta.
Itacir Brassiani msf
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