A pedra rejeitada tornou-se princípio e fundamento.
Como
quando falece uma pessoa querida, reunimo-nos hoje em vigília, marcados pela
dor da perda, recapitulando a história da salvação, regando as frágeis sementes
de esperança que restam. Acompanham-nos tantas testemunhas que nos antecederam
nessa travessia. Mas a vigília sempre nos possibilita também assumir a herança
espiritual de quem partiu, levantar o olhar, contemplar o horizonte e encontrar
forças para continuar a caminhada. Aqui estamos, como Elis Regina, acariciando
o pequeno fio de esperança: “Eu sei que uma dor assim pungente não há de ser
inutilmente...”
É uma
ilusão inocente ou maldosa imaginar que a vida muda num golpe de mágica. A ação
criadora de Deus é sempre lenta, e avança numa luta sem tréguas contra o vazio,
o caos e o abismo. Como os hebreus fugindo do Egito, quem luta se vê
frequentemente encurralado, com o mar intransponível à frente e as tropas
ameaçadoras atrás. Nossa experiência ainda hoje é de que existem pessoas
lutadoras e iniciativas promissoras, mas são frágeis e estão muito dispersas,
como o povo de Israel no cativeiro da Babilônia. Como identificar os sinais de
páscoa em tal situação?
O vazio
da sepultura não é prova da ressurreição, mas convida a perceber que as marcas
dos pregos e o corpo torturado não são a última palavra de Deus sobre a história.
Na tumba vazia, anjos e mulheres ensinam que o caos do lixo pode dar lugar a
uma criação harmoniosa, que o mar ameaçador pode ser atravessado a pé enxuto,
que os grupos dispersos podem ser reunidos, que os crucificados caminham à
nossa frente e vislumbram novidades em gestação. Precisamos abrirmo-nos às
novas possibilidades escondidas no segredo do átomo, no íntimo das pessoas e
nos caminhos da história...
Aquelas
mulheres madrugadoras, as poucas conhecidas e as muitas anônimas, nos ensinam
que os sinais palpáveis da ressurreição só podem ser tocados na periferia –
“ele vai para a Galiléia na frente de vocês. Lá vocês o verão” – ou na missão –
“agora vocês devem ir e dizer aos discípulos dele e a Pedro...” É neste caminho
de saída que as três mulheres reconhecem o Ressuscitado que vem ao encontro delas,
pedindo que se alegrem. que não tenham medo. O lugar onde ele estava deixa de
ser importante. O que importa agora é ir para onde ele está, para a Galiléia
daqueles que ‘não contam’.
Como
cristãos, completamos em nossos corpos os sofrimentos de Jesus Cristo,
ostentamos as marcas de quem vive para servir. A ressurreição se multiplica
como semente no testemunho e nas iniciativas de discípulos e discípulas,
comunidades e Igrejas, grupos e movimentos. Como na ressurreição de Jesus, os
sinais são pequenos, quase desprezíveis, mas igualmente reais e promissores. O
batismo, recordado e celebrado comunitariamente na vigília pascal, expressa
este dinamismo na vida de cada um de nós e da comunidade eclesial. Morreu o
velho homem, nasceu uma nova criatura!
Já
vivemos e sofremos o bastante para para saber que esta passagem não nem
automática, nem evidente. Trata-se de um projeto de vida que, para ser
realizado, exige disciplina e empenho sem tréguas. Porque não se trata apenas
de lutar contra inimigos externos, mas de vigiar sobre nós mesmos e sobre a
permanente tentação de ser sempre o primeiro, o superior, o mais digno, o
merecedor. Mas esta não é uma luta inglória, pois Jesus de Nazaré, nosso irmão
maior, já venceu a batalha, removeu muitas pedras, derramou sobre nós seu
Espírito e nos tornou capazes de vencer com ele.
Os
primeiros cristãos resgataram uma imagem preciosa para falar da ressurreição de
Jesus: Ele é como uma pedra que os construtores jogaram no lixo e que Deus
transformou em pedra de ângulo, pedra que sustenta todo o teto em forma de
abóbada. Por isso, a páscoa pede que abramos os olhos e as portas às pessoas e
grupos sociais que são descartados como desnecessários ou eliminados como
incômodos. Se não os tivermos no coração das nossas preocupações e projetos
eclesiais, nossa fé poderá ser como casa construída sobre a areia, e nossa
utopia pode se deteriorar em simples ideologia.
Senhoras da madrugada, mulheres-coragem:
humildemente pedimos ajuda para caminhar na noite que nos envolve, para ver com
nossos próprios olhos que o mestre de vocês e nosso nos precede na periferia e
no deserto. Segurem nossas mãos cansadas e acompanhem nossos passos inseguros.
Emprestem-nos um pouco do perfume que vocês souberam conservar, a fim de não
chegarmos de mãos vazias ao encontro com Aquele que vive para sempre. E então anunciaremos
de mil modos que a carne amada e amante de Jesus vivifica todos os sonhos e
esperanças que habitam nossa humanidade. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
(Gênesis 1,1-2,2 * Salmo 103 * Êxodo 14,15-15,1 * Romanos 6,3-11 *
Marcos 16,1-7)