Nossa Senhora da Salette, ou a beleza da solidariedade.
Nossa fé situa a figura de Maria no
interior da Igreja, e não acima ou fora dela. Maria é a primeira que acreditou
na Boa Notícia de Deus e que proclamou sua revolucionária intervenção na
história. As inúmeras manifestações reconhecidas de Maria sublinham aspectos
centrais da mensagem do seu Filho e reforçam a relevância da mensagem do Reino
em momentos cruciais da história da humanidade. Assim foi em Fátima, Lourdes e
também la Salette.
A situação – A França
vivia um dos momentos difíceis e tensos de sua história. Corria o ano de 1840,
e a revolução francesa não produzia os frutos que prometera. Alternavam-se governos
republicanos e monárquicos. O acesso à escola e à cultura estava longe de ser
universal. Alguns benefícios econômicos experimentados pelas elites não
alcançavam o povo em geral, e os setores rurais continuavam prisioneiros da
miséria e golpeados pelas doenças. Com sucessivas frustrações das safras
agrícolas, a mortalidade infantil era bem mais que uma ameaça.
Um exemplo desta situação são os
adolescentes Melânia e Maximino. Com 14 anos, Melânia trabalhava como pastora
diarista, era praticamente analfabeta e não havia frequentado a catequese.
Maximino era filho de um carroceiro de la Salette e, com 11 anos de idade, também era
analfabeto e ignorante em mantéria religiosa, e trabalhava como peão diarista.
Os sinais – Os dois
garotos mal se conheciam, embora suas famílias residissem na mesma região. No
dia 19 de setembro de 1840 estes dois pequenos ‘bóias-frias’ conduziam ao pasto
das montanhas do povoado de la
Salette as vacas dos seus respectivos patrões. Levavam na
bolsa apenas alguns pedaços de pão seco, e, nos ombros, o peso de uma infância
roubada pelo trabalho.
Depois de terem consumido como almoço o
pão umedicido na água de uma pequena fonte, Maximino e Melânia adormeceram
estendidos na grama. Foram despertados por uma luz intensa que brilhava próximo
à fonte. Fixando o olhar, viram no meio da luz uma mulher vestida como as
agricultoras da região, sentada e com o rosto entre as mãos. Perceberam que a
mulher chorava. Sua aparência era bela e suas lágrimas tinham um brilho
luminoso. Uma luz mais forte ainda saía da cruz que ela trazia no peito. Essa
luz banhava de beleza sua fisionomia dolorida.
A mensagem – Aquelas
duas pobres crianças imaginaram que se tratasse de uma mulher golpeada pela endêmica
violência doméstica (que golpeia mulheres ontem como hoje). Mas perceberam que
ela os chamava: “Aproximem-se, meus filhos! Não tenham medo!” E a ‘Bela
Senhora’ lhes explicou que chorava porque compartilhava a dor do seu Filho diante
do sofrimento do povo cansado e humilhado como ovelhas sem pastor.
Aquela mulher, que parecia tanto mais bela
quanto mais compartilhava suas dores, assegurou-lhes também que os sofrimentos
dos pobres não eram impostos nem permitidos por seu Filho. Insistiu que Ele
mantém seus braços estendidos para defender seus pobres dos males que lhes
afligem.
Mas a “bela senhora” disse também que, para que o sofrimento dos pobres seja amenizado, os homens e mulheres precisam se converter, mudando o
próprio comportamento e as regras da sociedade. A origem da miséria e das
doenças está no esquecimento e na recusa da vontade de Deus, que assegura a
vida plena mediante o amor solidário. “Se houver conversão até as rochas se
transformarão em montanhas de trigo e pão!”
Os mensageiros – A ‘Bela
Senhora’, que derramava lágrimas de luz, se vestia como as mulheres pobres da
região e falava o dialeto do povo, que assegurava a bondade de Deus para com
seus pobres e pedia mudança de vida e das estruturas, confiou àaquelas duas
crianças pobres e sem escola a transmissão desta Boa Notícia: “Meus filhos,
anunciem isso a todo o povo!”
Maximino e Melânia levaram isso a sério,
começando por suas próprias famílias. O pai de Maximino, homem seduzido pelas
idéias liberais e afastado das práticas religiosas, não resistiu ao testemunho
do filho agora transformado num missionário. E a Igreja, depois de um
discernimento responsável, proclamou, em 1851, que esta manifestação
apresentava todos os sinais de verdade.
A atualidade – Na
manifestação de Maria em la
Salette ressoam e brilham alguns elementos essenciais e
atuais da fé cristã: Deus e sua Mãe estão profunda e solidariamente envolvidos
com os sofrimentos concretos do povo; Deus não age como quem pune com
sofrimentos, mas como quem compartilha a dor dos pequenos; a realização de sua
promessa de uma vida abundante para todos depende da conversão pessoal e da
mudança das estruturas; ele confia aos pequenos o tesouro da sua boa notícia; a
compaixão sempre é bela e a beleza sempre é compassiva.
Pe. Itacir Brassiani msf
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