O amor transforma uma arma de morte em Árvore da Vida!
À
primiera vista, parece coisa de mau gosto exaltar a cruz e dedicar a ela uma
festa litúrgica. Afinal, a cruz lembra sofrimento, tortura, violência, morte.
Não dá pra esquecer que a cruz era instrumento mediante o qual o império romano
torturava e aplicava a pena de morte aos rebeldes políticos e aos escravos
fugitivos. Mas na cruz foi torturado e executado também Jesus de Nazaré, a quem
chamamos Cristo, e desde então ela adquiriu um sentido radicalmente novo: nela
o amor de Deus alcançou o que era inalcançável e reverteu o que era irreversível.
É expressão de liberdade e solidariedade.
A partir
disso, a cruz se fez presente por todo o lado. Feita de ouro, prata ou madeira,
ela pende do pescoço de muitos de nós. Imponente e solitária, está plantada em
muitos lugares altos e é vista de longe. Discreta e consoladora, está nos
quartos de muitos hospitais. Embelezada e solene, ocupa um lugar central em
nossos templos. Estilizada, esquecida e às vezes escarnecida, pende nas paredes
dos tribunais e parlamentos. É por isso, e porque o sentido da cruz nunca foi
unívoco, que precisamos sempre de novo elaborar o sentido de sua presença
nesses lugares e em nossa vida.
Como já
disse, a cruz foi sinal de condenação daqueles que o império romano julgava
rebeldes e perigosos. Para os judeus, era o sinal trágico da maldição e do
abandono por parte de Deus. Mas para os cristãos, é memória de Jesus, prova
irrefutável do amor de Deus. “Deus amou de tal forma o mundo que entregou seu
filho único para que todo o que nele acredita não morra, mas tenha a vida
eterna.” À luz do que aconteceu com Jesus Cristo, o sentido da cruz não pode
ser a afirmação de um poder nem um apelo à submissão: é um convite à
resistência e à rebeldia frente aos poderes que oprimem.
Não é
humana e nem cristã a doutrina que ensina que Jesus morreu na cruz para pagar
nossa dívida com Deus. Um Deus que exigisse o sangue do próprio filho não seria
Deus mas um ídolo violento e sanguinário. Deus não pediu o sangue do Filho, mas
confiou a ele a missão de mostrar de um modo irrefutável e definitivo a
fidelidade do seu amor compassivo pelas criaturas, especialmente pelos fracos e
sofredores. No amor do Filho o amor do Pai se faz digno de crédito. A cruz imposta
ao Filho é também assumida pelo Pai. Nele, com ele e por ele Deus chega à forma
extrema do amor.
Para nós
cristãos, a cruz não é vazia: o próprio Deus foi pregado nela e se oferece pro
nós. Sabemos que a forma extrema e pura do amor é a compaixão, e é isso que
vemos em Jesus crucificado. Na cruz ecoa a Palavra viva de Deus que grita
silenciosamente: “Eu não condeno ninguém! Eu amo cada uma das minhas criaturas,
e meu amor não tem limites. Todos são meus filhos e filhas, e jamais perderão
essa dignidade!” Mas nela Deus também proclama em forma de advertência e
orientação: “Não haverá mudança duradoura nem liberdade verdadeira senão
mediante a compaixão e solidariedade.”
É
profundamente belo o hino paulino que escutamos hoje na liturgia. Jesus Cristo
não se apegou a privilégios nem hierarquias: apresentou-se como simples pessoa
humana, sem nenhum título; assumiu o lugar dos últimos, dos escravos; não fugiu
diante da ameaça da morte violenta e desceu ao inferno mais profundo, escuro e
degradante. Mas é importante ressaltar que ele não percorreu esse caminho por
razões filosóficas ou ascéticas. Foi o amor compassivo e soliário que o
conduziu por esse caminho de descida e esvaziamento. E esta é uma Palavra viva
e vivificadora, forte e confortadora.
O amor
esvazia quem o pratica, aproxima, trata o outro como igual, suscita e sustenta
o serviço. E nessa situação, na qual normalmente vemos humilhação e anulação,
Deus revela sua plenitude e sua glória. Na cruz está a glória de Deus porque
nela temos a expressão máxima de sua pró-existência,
do seu amor. A exaltação de Jesus ocorre já sua crucifixão, e não um momento
posterior. Sem essa expressão máxima de humanidade e compaixão a ressurreição
teria sido indigna de Deus, afirmação de poderes e privilégios. A ressurreição
é uma outra forma de proclamar essa verdade.
Deus Vivo, despojado por compaixão,
crucificado por amor! Diante de ti caímos de joelhos, não porque nos sintamos
humanamente anulados, mas porque sabemos que estamos diante do que pode haver
de mais belo, profundo e verdadeiro a respeito de ti e de nós mesmos. Tu és a realização
plena daquilo que todos somos chamados a ser. Proclamamos que tu, semelhante a
nós, esvaziado e solidário, servo e crucificado, és Senhor, porque nenhum outro
merece nossa adesão, nenhum outro pode dar-nos lições que libertam e constroem.
Bendito aquele que vem e age em nome do Senhor! Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
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