Podem cegos guiar
cegos, e raposas cuidar de galinhas?
Faz três anos
que o presidente e seus ministros ocuparam os cargos para os quais foram
eleitos ou nomeados. Os governadores dos estados da federação também tomaram
posse na mesma data. Os parlamentares estaduais e federais, deputados e
senadores, assumiram suas cadeiras pouco depois. No período eleitoral, a grande
maioria dessa gente se apresentou como combatentes da corrupção e paladinos de
uma nova política. O que restou disso, três anos depois?
Não somos
juízes prontos a condenar ao fogo do inferno ou ao inferno quem quer que seja.
Jesus nos adverte que, com os olhos vedados por nossos preconceitos e
interesses mesquinhos, não estamos em condições de julgar ninguém. Mas, como
discípulos de Jesus, pedimos ao Espírito Santo a graça de apreciar retamente
todas as coisas, fatos e processos. Por isso, não podemos nos furtar à tarefa
de analisar criticamente e à luz da fé os acontecimentos e ações, e de
denunciar os prejuízos que eles podem trazer ao povo de Deus.
Uma série de
fatos, que ocorreram ou vieram nestes três anos, sustentam a afirmação de que
boa parte dos homens e mulheres que receberam o voto de um povo cansado de
falcatruas não passa de gente que combateu a lama que suja os pés de alguns
para esconder o lixo que deteriora irremediavelmente suas próprias palavras e projetos.
Recorrendo a discursos ardilosos, criminalizaram a conduta de alguns para
atrair os votos enquanto que, de modo mais que sorrateiro, afundavam na lama da
corrupção e arquitetavam projetos contra o povo.
Pode um cego
guiar outro cego, ou pode um corrupto combater a corrupção? Precisamos, sim,
escutar e meditar o Evangelho de Jesus Cristo em chave social e profética.
Leituras espiritualistas, intimistas ou moralizantes não são suficientes. Não
podemos isolar e espiritualizar esta Palavra de Jesus: “Tira primeiro a trave
do teu olho, e então poderás enxergar bem para tirar o cisco do olho do teu
irmão”. Jesus não quer aqui questionar a profecia de quem denuncia as
falcatruas dos poderosos, mas alertar para a autocrítica que deve acompanhar a
denúncia profética.
O próprio
Jesus agiu assim, e nisso foi seguido pelos discípulos. É claro que ele não
tinha cisco ou trave nos olhos, pois seu olhar estava voltado à dignidade dos
pequenos, das vítimas, dos últimos na escala social. Sem medo da morte, Jesus
se empenhou radicalmente no anúncio e na realização da Justiça do Reino de
Deus, dando prioridade aos excluídos e criminalizados. E não mediu palavras
para denunciar opressões e dar nome aos opressores. Mesmo limitados e
pecadores, os discípulos não se calaram, e denunciaram os olhares enviesados
das autoridades políticas e religiosas.
Voltando ao
momento político que vivemos, o problema não é apenas o cisco ou a trave no
olho de boa parte dos eleitos. Eles não são apenas cegos que se arvoram em
guias de cegos. Há um grupo considerável que se parece a raposa que quer
fazer-se passar por protetora do galinheiro. Recorreram ao voto popular
apresentando-se como representantes e defensores dos mais pobres, mas tomam ou
apoiam medidas que ferem e defraudam irremediavelmente as pessoas mais humildes
e beneficiam os ricos e poderosos de sempre.
O tesouro do
Evangelho de Jesus só contém palavras e propostas que fazem bem ao povo de
Deus. Desse tesouro, não podemos tirar incitações à violência, à punição dos
pobres, ao uso de armas, à exclusão das pessoas que não se enquadram nos nossos
padrões. Jesus mesmo foi a pedra que os construtores rejeitaram, como o foram
também seus profetas e missionários mais autênticos. Por isso, prossigamos
firmes e inabaláveis, como nos pede Paulo, empenhando-nos cada vez mais na
proposta do Senhor Jesus. Nosso esforço em vista da coerência profética não
será em vão.
Jesus de Nazaré,
vulto da misericórdia de Deus e expressão da plena humanidade: livra-nos da
hipocrisia de querer acusar as injustiças praticadas pelos outros sem atentar
para as nossas próprias ambivalências, ou até disfarçando-as. Mas livra-nos
também de fugir da nossa responsabilidade profética em nome de convivências
mesquinhas. Faze que produzamos frutos que mostrem que é em ti que estão nossas
raízes! Ajuda-nos a retirar do tesouro do Reino palavras que façam bem aos
nossos irmãos. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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