Para haver Natal, a Justiça precisa se libertar do
legalismo.
Questionado
se a luta pelos direitos civis dos negros norte-americanos era justa e correta,
o pastor e depois mártir Martin Luther King sentenciou: “A covardia pergunta se
é seguro. A conveniência pergunta se é oportuno. A vaidade pergunta se é
popular. Mas a consciência pergunta se é justo.” Creio que esta sábia e provocativa resposta pode
iluminar nossas decisões na maioria das situações difíceis e controversas que
enfrentamos. E pode também ajudar a entender a situação e a decisão de José,
noivo de Maria, no episódio proposto à nossa reflexão neste quarto domingo do
Advento.
José se
vê diante de um fato inesperado: a mulher com quem se comprometera publicamente
está grávida, e ele não é o pai. A lei e os costumes são taxativos: a mulher
infiel deve ser desonrada publicamente, sua memória deve ser maldita e seu
crime não deverá ser esquecido (cf. Eclo 23,31-36). Submisso à lei, José chega
a pensar em abandoná-la discretamente, sem levá-la à pública execração,
mantendo assim intocada a tradição e, ao mesmo tempo, imaculado seu próprio
nome e incólume a vida da sua amada. Mas, agindo assim, também deixaria
intocada a ordem social que pune os mais fracos e conservaria uma tradição
segundo a qual agradam a Deus somente aqueles que cumpre a lei.
Despedir
Maria em segredo significaria, outrossim, abandonar o sonho de novos céus e
nova terra e sair da história pela porta dos fundos. Seria não entender o que a
gravidez da sua amada estava escondendo, ou revelando. Agindo como estrito cumpridor
da lei e como homem e patriarca ferido, José salvaria sua honra mas estaria
dando as costas aos sempre inusitados caminhos de Deus. Então, ele decide não
dar ouvidos às aparentemente belas insinuações da covardia, da conveniência e
da vaidade: decide menosprezar a segurança, o oportunismo e a popularidade e
dar vida à verdadeira justiça.
Aqui não
estamos simplesmente diante da narração do nascimento de Jesus de Nazaré, mas
da origem ou da gênesis de uma nova realidade humana, social, cósmica. Quem se
deixa inquietar pelo olhar suplicante e pelo clamor mudo das vítimas e de todos
os vulneráveis descobre a fecundidade dos sonhos e abre caminhos de vida, e não
se preocupa com a honra, com a vida longa e com o faturamento político ou
econômico. E quem se contenta em perguntar se algo é seguro, oportuno, popular
ou legal fecha os olhos aos sinais que Deus está realizando e às interpelações
que eles lançam à nossa consciência.
O
episódio narrado por Mateus nos mostra claramente onde e como se dá a gênese dos novos céu se da nova terra:
no ventre de uma mulher, dispensando a pretensamente necessária e infalível contribuição
do poder patriarcal; na atitude de um homem que, para radicalizar a justiça,
ousa ir além das tradições e da lei, que sempre seduzem com sua oferta de
segurança, sucesso e popularidade; no vulto frágil de uma criança que
experimenta os riscos de entrar no mundo pela contramão e remar contra a
corrente. Os caminhos de Deus são imprevisíveis, mas sempre bons e geradores de
vida!
Estando
já às portas do Natal e preocupados em prepará-lo, precisamos darmo-nos conta
de que preparar o Natal do Senhor de forma madura e consequente significa agir
como José: arriscar a própria honra, mudar projetos demasiadamente definidos,
superar a estreiteza dos aparatos legais e doutrinais, perscrutar os sonhos,
reconhecer nas criaturas que nos são confiadas o enviado de Deus que levanta a
condenação imposta ao povo, sinal de um amor que faz dele um Deus-Conosco e por
nós. O rei Acaz, como todos os prepotentes de plantão, recusam-se a reconhecer
e acolher estes sinais!
Paulo diz
que Jesus de Nazaré é boa notícia de Deus para todos os seres humanos porque
ele nada deve às leis e poderes, porque ele vive e age pela força de Deus, que
é a força dos fracos, a força que vem de baixo e das periferias. Jesus é filho
de Maria, jovem humilhada que se reconheceu cheia de graça e agraciada pelo
olhar benevolente e pelo convite urgente de Deus. É dele que recebemos a
vocação e a missão: missão que brota do chamado que Deus dirige a nós mediante
a vida de Jesus de Nazaré, vida que vai muito além de uma prática estritamente religiosa ou de
uma ética individualista.
Obrigado, Deus Pai e Mãe, pelo testemunho do
carpinteiro José, esposo de Maria. Com ele aprendemos que preparar o Natal
significa trocar a segurança, o medo e a tradição pelo sonho e pela abertura à
tua novidade. Ajuda-nos a seguir tua voz, que ressoa na consciência ética, e a fechar
os ouvidos aos apelos da covardia, da conveniência e da vaidade. E então
poderemos acolher teu filho, que quer assumir nossa carne, e não descuidaremos
do chamado que nos fazes nele e por ele. Acolhendo a encarnação do Teu Filho e
participando da sua Compaixão, prepararemos o Natal e a Pascoa que não se
acabam. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Profecia de Isaías 7,10-14 * Salmo 23 (24) * Carta de Paulo aos Romanos
1,1-7 * Evangelho de São Mateus 1,18-24)
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