A glória de Deus é a
paz se espalhando pela terra
Nosso
tempo de preparação e espera de Jesus não foi tão longo quanto o do povo de
Israel, nem como o de Maria e José, mas foi suficiente para ajustar a visão,
sintonizar os ouvidos, acertar o passo e abrir o coração para acolher a manifestação
de Deus. Estamos em condições de reconhecê-lo e acolhê-lo quando, onde e como
ele quiser. É por isso que, nesta vigília do Natal, reunimo-nos em comunidade, e
também em família, na expectativa de que a Palavra de Deus e a confraternização
serena e solidária nos ajude a não passar ao largo da carne na qual Deus vem.
Na carta
que escreve a Tito e sua comunidade, Paulo anuncia que, em Jesus de Nazaré
manifestou-se de forma inequívoca o bem-querer de Deus por nós. Ele é força de
salvação para todos os seres humanos, e nele temos companhia e apoio, rumo e
força. Ele é o mais belo e maravilhoso presente que poderíamos esperar e
receber de Deus. Mas ele é também lição: sua proximidade, compaixão e
solidariedade nos ensinam a renunciar ao egoísmo e a viver com sobriedade,
justiça e piedade.
Na gruta
de Belém, em meio a gente simples e a animais, Jesus é a Palavra na qual Deus cumpre
todas as suas promessas e diz “Amém” a todas as nossas legítimas esperanças. No
menino Jesus, a Palavra eterna de Deus se resume e condensa, “faz-se pequena, tão
pequena que cabe numa manjedoura”, faz-se criança para que possamos
compreendê-la plenamente. Desde então a Palavra já não
é apenas audível, não é somente uma voz;
ela tem um rosto, e nós podemos
vê-la.
As luzes coloridas que enfeitam o Natal e a harmonia das canções deste
tempo não podem nos levar esquecer a Paixão e a Páscoa de Jesus, pois este é o
mistério que dá sentido ao que acontece na gruta de Belém. É do calvário e da
cruz que nos vem a luz que ilumina o que acontece na estrebaria. A Palavra que
se faz carne em Belém se faz cruz em Jerusalém. Na cruz, o Verbo emudece, torna-se silêncio, porque se diz até calar, se
pronuncia e se entrega inteiramente, nada retendo do que nos devia comunicar.
Esta ligação entre a gruta e o calvário, entre a estrela e a cruz, não
apaga nem diminui a alegria benfazeja das festas natalinas. Ao contrário,
radicaliza e concretiza as razões da nossa alegria e da nossa confiança.
Contemplando a cruz, entendemos que a paz cantada pelos anjos na escura noite
dos pastores não é fantasia nem ilusão. As mulheres corajosas e fiéis,
presentes na colina do Calvário aos pés do Condenado, ampliam e concretizam a
acolhida que os pastores e magos dispensam ao Verbo.
Celebremos,
pois, o Natal à luz da Páscoa. Agarrados aos seus “podres poderes”, Quirino,
César Augusto e Herodes, como os golpistas que assaltaram o poder e cobram a
conta de quem já paga demais, nem se dão conta do que está acontecendo em Belém
ou festejam a pena de morte executada no Calvário. Mas os humildes e humilhados
que andavam nas trevas, os homens e mulheres de boa vontade, vêem uma grande
luz e se rejubilam como nas colheitas abundantes ou nas lutas bem-sucedidas
(cf. Is 9,1-3).
Na gruta
cavada nas rochas de Belém e na cruz cravada nas rochas de Jerusalém, Deus se
faz boa notícia encorajadora. Nenhum traço de onipotência. Nenhum sinal de
onisciência. Nenhum resquício de impassibilidade. Na manjedoura e na cruz, Deus
se faz impotência para empoderar os fracos, misericórdia para reerguer os
pecadores, fragilidade para afagar todos os que experimentam cansaço e
abatimento. Deus é grande porque se abaixa e desce à base da pirâmide social,
vai às periferias.
No Menino
da estrebaria, no Profeta crucificado e nas comunidades que nascem e se reúnem
ao redor dele, Deus quebra a canga que os opressores impõem aos mais fracos, em
nome da retomada do crescimento, e joga no fogo da inutilidade as fardas e
botas dos soldados que servem aos dominadores. E anuncia com força: “Não
temais! Eis que eu vos anuncio uma boa notícia para todo o povo: hoje nasceu
para vós um salvador! Isto vos servirá de sinal: achareis um recém-nascido
deitado numa manjedoura...” (cf. Lc 2,1-14) O Natal nos chama a olhar para
baixo e ir às periferias, pois é lá que Deus fez morada.
Deus Menino, Deus vulnerável! Ouvimos o convite dos
pastores e viemos aqui para ver o que o Pai nos revelou (cf. Lc 2,15). No teu
rosto vemos brilhar a humana amizade, a verdadeira filantropia de Deus. Da
acolhida que encontraste em Maria e José e da atenção que recebeste dos
pastores aprendemos a hospitalidade que salva. Escutando os anjos, aprendemos
que a paz não é algo que nos espera depois da morte, mas mistério e dom já
presente na terra, entre os homens e mulheres teus amados. Amado Menino, Príncipe
da paz, faz que sejamos intrépidos construtores desta paz! Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Profecia de Isaías 9,1-6 * Salmo 95 (96) * Carta de
Paulo a Tito 2 ,11-14* Evangelho de São Lucas 2,1-14)
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