“Vão pelo mundo e sejam uma luz que sempre
brilha...”
As imagens do sal e da luz se prestam a diversas leituras, mas quando
este ensino de Jesus é isolado do contexto literário acaba correndo o risco de
perder muito do seu sentido original, profundamente provocador. Por isso, é
importante não esquecer que o breve texto do evangelho proposto para este
domingo está situado depois das bem-aventuranças e antes da reflexão sobre o
sentido permanente das escrituras. Faz parte do conjunto literário conhecido
como “Sermão da montanha”, no qual Jesus apresenta aos seus discípulos a ética
cristã, ou o caminho da felicidade verdadeira e duradoura.
O sal dá sabor, purifica e conserva os alimentos, e o faz desaparecendo,
como ocorre com o fermento na massa. O sal realiza plenamente aquilo que dele
se espera quando se desfaz: o que se experimenta é o sabor, o que se vê é que o
alimento não se estraga, o que se percebe é a limpeza e a esterilização. Algo
semelhante ocorre com a luz: nosso olhar não se volta a ela mesma, mas às
coisas que ela ilumina. Não olhamos para o sol, mas nos deleitamos com as
paisagens e rostos que ele desvela. Um punhado de sal fora dos alimentos não é
comestível, e olhar que se volta para a luz acaba cego...
Os discípulos e discípulas de Jesus que vivem uma condição bem concreta
de injúria e perseguição, e que são os destinatários da última bem-aventurança,
são agora chamados de sal da terra e luz do mundo. Jesus afirma que são as
pessoas que promovem a paz, que tem sede de justiça, que são misericordiosas e
coerentes, mansas e lutadoras, e as pessoas que por isso sofrem perseguição as
que iluminam caminhos, dão sabor à vida e conservam sua qualidade. Estas vidas
bem-aventuradas purificam a história e mostram uma direção!
As imagens do sal e da luz lembram a identidade testemunhal e missionária
dos discípulos e discípulas de Jesus. A luz deles deve brilhar para todos os
homens e mulheres, vendo o Reino de Deus em ação, glorifiquem a bondade de
Deus. Ter fome e sede de justiça, promover a paz e enfrentar perseguições são
atitudes que refletem um posicionamento ativo, uma ação que incide sobre as
nefastas forças que tendem a oprimir e marginalizar. Nossa luz brilha quando
demonstramos compaixão e solidariedade com os oprimidos.
Paulo, no texto da Carta aos Coríntios recortado e proposto para este
domingo, nos recorda que o brilho do anúncio do mistério de Deus não está na
linguagem elevada e exata, nem se alimenta do prestígio social ou das
estratégias do poder de quem o anuncia. A luz e a força do Evangelho brotam de
Jesus Crucificado por amor, da sua generosidade e compaixão pelos últimos da
sociedade. E é também na proximidade que se faz presença solidária, mesmo
quando acompanhada de fraqueza, receio e medo, que a pregação cristã brilha
como luz e cumpre sua função de ser sal que dá sabor.
A história testemunha que nem sempre os cristãos estiveram à altura dessa
vocação. Efetivamente, o sal pode perder o sabor e a luz pode se esconder e até
desaparecer. A pregação também pode adquirir ares de arrogância e de imposição
que intimida e oprime. Mais que uma possibilidade remota, isso é fato
historicamente comprovado e tentação que nos ronda permanentemente. Não é por
acaso que já as primeiras comunidades cristãs, através do evangelista Mateus,
fazem questão de nos lembrar e advertir: o que se pode fazer e esperar quando o
próprio sal perde sua qualidade?
Quando a comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus esquece sua
responsabilidade com a transformação do mundo, para que as iniciativas, projetos
e instituições se subordinem à tarefa de produzir o bem-estar da comunidade
humana, ou quando, por medo ou por preguiça, deixa de viver a ética das
bem-aventuranças, perde o sabor e não serve para mais nada. É como sal
arruinado ou como uma lanterna escondida debaixo de uma caixa. Infelizmente
temos muito sal insosso e muita luz que perdeu o brilho...
Deus querido, Pai e
Mãe! Nós te agradecemos porque nos destes Jesus, Sal que dá sabor à nossa vida,
Luz que revela a beleza e a dignidade de todas as tuas criaturas. Envia teu
Espírito, para suscitar e manter a missão e o testemunho da tua Igreja em todas
as circunstâncias, especialmente quando a perseguição assusta e o medo a leva a
esconder tua preciosa luz. Ajuda nossas lideranças eclesiais a não fazerem
média com os que oprimem e mudam leis e constituições para caçar direitos, e a
não privar teu Evangelho do sal e do fogo que purificam. E concede às nossas
comunidades aquela lucidez profética que lança luzes sobre os muitos sinais do
teu Reino, que continua se aproximando, teimosamente. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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