quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

ANO A | TEMPO COMUM | SEXTO DOMINGO | 16.02.2020


A Justiça do Reino de Deus é mais que cumprimento de leis!
A pedagogia libertadora de Jesus desvela o sentido profundo e as implicâncias concretas das Escrituras na nossa vida cotidiana. Ele nos propõe uma justiça mais ampla, profunda e humana que aquela ensinada e praticada pelos escribas e fariseus. “Não penseis que eu vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para dar-lhes pleno cumprimento.” Já diante de João Batista, Jesus já antecipara sua visão da lei e dos costumes: “Devemos cumprir toda a justiça!” (3,16). Paulo chama isso de “misteriosa sabedoria de Deus, sabedoria escondida”, sabedoria que nenhum dos poderosos deste mundo conheceu.
No evangelho deste domingo, Jesus propõe duas ênfases na leitura e na interpretação das Escrituras Sagradas. A primeira é a vinculação das Escrituras ao sonho de Deus, ao seu projeto de vida abundante para todos, com clara prioridade aos que são tratados como ‘últimos’ na escala social. Quando este vínculo é rompido ou enfraquecido, as Escrituras podem produzir o contrário daquilo que Deus quer transmitir, e acaba justificando o poder dos poderosos, ocultando as relações de opressão, aumentando o peso do fardo que penaliza os mais fracos da sociedade, afirmando orgulhosa dos crentes diante do próprio Deus.
A segunda ênfase proposta por Jesus é a estreita ligação entre escutar, ensinar e praticar as Escrituras. Para Jesus, estava claro que os escribas e fariseus tinham se apropriado da compreensão das Escrituras, mas não estavam dispostos a fazer a passagem da compreensão intelectual à ação responsável. E esta continua sendo a grande tentação que ronda os teólogos e dirigentes religiosos. A advertência de Jesus Cristo é clara e inequívoca: “Se vossa justiça não for maior que a dos escribas e dos fariseus, não entrareis no Reino dos Céus.”  E, dito isso, Jesus passa a alguns exemplos concretos.

Um primeiro exemplo da radicalização da Lei e da concretização das bem-aventuranças há pouco proclamadas solenemente está no campo das tensões nas relações interpessoais. Esta questão era já contemplada pelo mandamento “Não matarás!” Mas, para Jesus, o conteúdo desta lei não se resume em evitar o homicídio. O projeto de Deus é muito mais amplo, e passa pela pacificação das relações e pela superação das posturas raivosas e da linguagem eivada de desprezo, preconceito e violência, como aquela tão comumente usada hoje nas redes sócias em relação a quem quer que pense diferente.

Uma segunda área de demonstração é a liturgia. Jesus critica o culto que ignora as rupturas nas relações humanas e não leva à reconciliação. Para ele, a vida concreta é mais importante que os ritos religiosos, e a percepção das tensões e rupturas relacionais tem primazia sobre a ortodoxia. “Deixa a tua oferenda diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão.” E que ninguém se engane, sentindo-se justificado por não ter matado ninguém ou postergando para um futuro indefinido a reconciliação. É preciso fazer isso antes de chegar ao tribunal do incerto fim da vida. O tempo é agora!
Jesus prossegue com duas novas exemplificações da ética do Reino de Deus, agora no âmbito das relações homem-mulher. O primeiro exemplo focaliza a questão do adultério, e afirma que a lei tem a função de educar para uma relação que não seja possessiva. “Quem olhar para uma mulher com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério...” Jesus sabe que o dinamismo que sustenta comportamentos sexuais descontrolados é sutil: passa do olhar viciado e interesseiro, que não reconhece a dignidade da pessoa, à palavra que humilha e despreza e à mão que se apossa e manipula. Jesus insiste que é preciso cortar o mal pela raiz.
Ainda nesse âmbito da relação de gênero, Jesus reprova a dominação masculina sobre a mulher, mesmo quando sancionada pela cultura e pela lei. Dizer que a lei permite ou que é costume não desculpa nem justifica ninguém. Este é o horizonte da proposta de Jesus no caso do divórcio. A permissão legal do divórcio legitimava o descompromisso do marido com a ex companheira e garantia ele o direito de maltratá-la e execrá-la publicamente, mas a ética do Reino de Deus restringe o poder ilimitado e violento dos homens.
Jesus Cristo, mestre na formação de uma nova mentalidade e na construção de um mundo mais humano: ensina-nos a colocar as leis e tradições no seu devido lugar, a não transformá-las em instrumentos de dominação. Que teu ensino e teu exemplo desenvolvam em nós relações pacificadas, igualitárias e solidárias. E que teu Espírito suscite em nossas comunidades cristãs a criatividade livre e a verdade fiel, sendas que levam à uma justiça radical, ampla, duradoura e humanizadora. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Livro do Eclesiástico 15,16-21 | Salmo 118 (119)
Carta de Paulo aos Coríntios 2,6-10 | Evangelho de São Mateus 5,17-37

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