terça-feira, 31 de outubro de 2017

ANO A – COMEMORAÇAO DOS FIÉIS DEFUNTOS – 02.11.2017

A morte não têm nenhum poder sobre a vida de quem ama!
É possível celebrar a morte, o fim sem volta da existência humana? Não seria a morte sempre uma espécie de tragédia, uma perda irreparável? É verdade que procuramos desesperadamente construir pontes – com os tijolos das palavras e dos ritos e dos símbolos, do amor saboreado e da fé insistente – sobre o abismo que separa os que estamos aqui e as pessoas queridas que se foram. Mas a morte seria mesmo apemas um abismo ou um muro entre o aqui e o além, seria tão somente o fim obscuro e lamentável da nossa bela, apesar de tudo, mas sempre precária existência?
Não ocorre lamentarmos a morte de pessoas que consideramos más, ou que não tiveram uma influência positiva sobre nós. Também conhecemos gente que se dispõe a antecipar o fim da vida de pessoas a quem consideram inimigas, e até da própria vida, quando esta lhes parece difícil, triste, sem sentido e sem futuro. Mas tudo muda de figura quando se trata do fim de uma vida plena de sentido, ou de uma pessoa a quem queremos bem e que nos é preciosa. A morte das pessoas que nos são caras abre as portas da crise e nos chama à busca de sentido. Se essas mortes não nos assustam, ao menos nos entristecem.
No evangelho de hoje, Marta, irmã de Maria e Lázaro, procura em Jesus um sentido para a morte Lazaro, seu irmao e amigo de Jesus, uma pessoa justa, boa e querida. Marta começa cobrando a demora e o aparente descaso de Jesus: “Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido!...” De fato, Jesus havia sido informado da enfermidade de Lázaro, e o desejo de prolongar e tornar menos difícil a vida das pessoas que amamos é muito normal. Mais adiante, Jesus vai se mostrar comovido com a dor de Maria e de Marta, e sua comoção suscitarão  admiração. “Vejam o quanto era amigo dele!...”
Na boca de alguns que acompanhavam os irmãs enlutadas aparece um questionamento que também nos ronda, especialmente quando da partida dos nossos entes queridos: “Se ele curou os cegos e os mudos, se ele nos ama de verdade, porque permite que isso aconteça?” Respondendo A Marta, Jesus afirma que Lazaro ressuscitará, e isso não apenas num futuro distante, como apregoava a doutrina do judaismo. “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim não morrerá jamais.”  E termina com uma pergunta incisiva: “Crês nisso?”
Por trás do diálogo tenso entre Jesus, Marta e Maria está uma questão muito importante e atual: o que esperamos de Jesus? Apenas cura, prolongamento da vida e reestabelecimento de uma situação do passado, ou vida plena, vida com densidade e força tais que nenhuma forma de morte pode estancar? Porque é Vida e Caminho de amor e compaixão que a ela conduz, Jesus é ressurreição, expressão da glória de Deus. Com seu modo de ser e de agir, com sua proposta de vida, Jesus suscita vida e, por isso, também a re-suscita. Nele encontramos a vida saborosa e intensa que desejamos, uma vida destinada a ser semente que germina, luz que não se apaga.
Como Lázaro, a pessoa que adere a Jesus Cristo e escuta sua Palavra, que refaz o seu caminho, vive sob impulso do seu Espírito e por ele se deixa guiar, sai para fora, não se deixa amarrar por nada, continua suscitando vida. A vida de tais pessoas é mais que uma história a ser recordada, louvada ou lamentada: é percurso que continua aberto, Travessia ainda em curso, beleza que continua atraindo, dinamismo que continua movendo e sustentando outras vidas. E isso sem entrar na complicada e controversa questão de uma existência pós-histórica, em moldes semelhantes à nossa vida presente.
Como discipulos de Jesus Cristo, cremos que a vida humana, e todas as demais expressões da vida, é pascal, ou seja: é Travessia, Passagem, Caminho. A história – nas suas dimensões de passado, presente e futuro – e o Corpo – nas suas dimensões de interioridade e exterioridade – são a paisagem, o chão e a expressão da vida, mas não a esgotam, nem a detém. Quem desiste de peregrinar rumo ao outro mundo possível, renega a fé em Jesus Cristo e morre definitivamente, mesmo que continue biologicamente vivo, enquanto que uma vida doada pela Vida jamais será tragada pela morte.
Jesus de Nazaré, Ungido do Pai para suscitar e ressuscitar a Vida! Também tu viveste a fragilidade e amaste desmedidamente. Como a tua, também nossa existência é pó que o vento leva, é erva que o calor seca. Ajuda-nos a vivê-la em ti, no teu espírito, no dinamismo da tua compaixão humanamente divina e sem medo do nada da morte, pois a bondade tua e do teu e nosso Pai nos é dada desde sempre e dura para sempre. Ensina-nos a cumprir a apaixonante Travessia do nosso viver, e que a lembrança daqueles que entraram na morada definitiva ilumine e perfume nossa estrada. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
 (Sabedoria 3,1-9 * Salmo 41 * Carta aos Romanos 8,14-23 * Evangelho de  São João 11,21-27)

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